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Parecer Jurídico: Desapropriação – Depósito Judicial
Kiyoshi Harada
01/02/2019
Os consulentes, por meio de seu advogado, submetem à nossa apreciação questão abaixo referida relacionada com a desapropriação que lhes foi movida pela Companhia Energética de São Paulo (CESP).
Pelo Processo 89.0200368-0, em trâmite no MM. Juízo da 1.ª Vara Federal da Subseção de Santos, em fase de execução, a expropriante foi citada para o pagamento da indenização aos expropriados, fixada pelo V. Acórdão transitado em julgado, em 02.10.1996, no valor de Cz$ 61.463.070,43, de conformidade com a avaliação feita em abril de 1988.
A carta precatória citatória apontava o valor da execução em R$ 6.716.089,92 e, para evitar a constrição judicial e a demora excessiva do litígio, expropriante e expropriados acordaram, em 21.11.1996, o pagamento da indenização, no valor de R$ 5.700.000,00, em duas parcelas iguais e consecutivas de R$ 2.850.000,00, tendo sido a primeira delas depositada em Juízo, em 25.11.1996, até que o acordo fosse homologado e o levantamento autorizado pelos expropriados, que já haviam cedido seus direitos, decorrentes da demanda, a terceiros.
Todavia, tendo em vista algumas irregularidades apontadas na petição do acordo, como a anormalidade da representação profissional da expropriante, assim como erro material nos cálculos, o qual, foi posteriormente reconhecido pelas partes, aquele acordo deixou de ser homologado, reiniciando-se a execução.
Nesse interregno, que vai de 25.11.1996, data do depósito da primeira parcela do acordo malogrado, até a época da decisão que deu por satisfeito o pagamento da justa indenização, datada de 27.01.2003, adiante transcrita, vários cálculos foram apresentados tanto pelas partes quanto pela contadoria judicial, sem que se chegasse a qualquer conclusão acerca do exato valor devido, levantando dúvidas, inclusive, sobre a metragem da área expropriada, o que foi objeto de discussão paralela. Reiterados pedidos da expropriante no sentido de levantar o depósito efetuado, por conta do acordo que não se perfez, foram sempre indeferidos pelo MM. juiz.
Com o intuito de pôr fim à discussão, o MM. Juízo entendeu pela absoluta correção dos cálculos apresentados pelo contador judicial, que perfaziam, em 25.11.1996, o valor de R$ 2.626.861,35 e, em face de o depósito da primeira parcela do acordo não homologado, no valor de R$ 2.850.000,00, continuar à disposição do Juízo, determinou o levantamento de 92,170574% pelos expropriados e de 7,829426% pela expropriante, tudo conforme decisão de fls. 1.038/1040, objeto deste parecer:
Vistos.
Ciente da prioridade dada a este feito.
[…]
É o ocorrido, em apertada síntese, nesta execução.
Passo a decidir.
Acolho integralmente a conta de liquidação de fls. 1.172/1.173, homologando-a em definitivo, por considerá-la o retrato fiel do julgado e consentânea com o que dos autos consta.
Tomando por base o dia 25.11.1996, data do depósito efetuado à fl. 694, desde então declaro pago o preço da indenização a ser levantado pelas partes, devidamente corrigido pelos critérios legais inerentes, na ocasião respectiva.
Cumpridas integralmente as formalidades do artigo 34 do Decreto-lei n.º 3.365/41, expeça-se alvará de levantamento aos expropriados, obedecida a proporção indicada e fornecidos os documentos à Secretaria, como de praxe.
Após, pelo percentual restante, expeça-se alvará ao expropriante.
Diante desses fatos, indagam os consulentes se o procedimento adotado pelo juiz foi correto.
PARECER
A questão, embora tenha se alongado em demasia, no Poder Judiciário, poderia ter sido resolvida nos idos de 1996, como veremos.
Nos termos do art. 20 da lei básica de desapropriação, Decreto-lei 3.365, de 21.06.1941, a contestação só pode versar sob vício do processo judicial ou impugnação do preço; qualquer outra questão deve ser decidida por ação direta.
Isso significa que, no bojo do processo expropriatório, não há que ser discutida a questão de cessão de direitos decorrentes da desapropriação, assim como a questão da sub-rogação ou não do cessionário no polo passivo da ação, como ocorreu, abundantemente, no presente caso. Bastaria simples despacho judicial remetendo eventual litígio decorrente dessa cessão para a via ordinária. Eventual recurso interposto contra essa decisão não teria o condão de suspender a execução do julgado. A cessão de direitos, com relação à desapropriação, é res inter alios, que não poderia implicar procrastinação do pagamento da justa indenização por mais de seis anos, como aconteceu.
E mais, houve uma incrível sucessão de diferentes magistrados, nesse interregno, na direção do processo. Treze juízes, ao todo, presidiram o feito nesse período, produzindo despachos conflitantes: ora interditando a fala dos expropriados nos autos, porque com a cessão de direitos à indenização teriam perdido legítimo interesse, devendo o cessionário sub-rogar-se no polo passivo, ora não permitindo a permanência do cessionário nos autos, nem como assistente dos expropriados, por ausência de concordância da expropriante.
Pela simples aplicação da lei de regência da matéria, era óbvio que cabia aos expropriados prosseguir na execução do julgado, pugnando pela percepção da justa indenização para que, depois, pudessem destinar ao cessionário o valor da indenização recebida. Simples e elementar, data maxima venia.
Assim, não pode prosperar, data venia, a fundamentação aduzida pela r. decisão, objeto de exame, no sentido de que:
[…] o não levantamento do depósito à época pelos expropriados foi a cessão de direitos, inválida para este processo […], a qual desencadeou um tumulto processual dos mais intrincados já ocorridos neste juízo, haja vista as decisões de fls. 695/700, 782/786, 835/890 e 894/895 (sic. fls. 1038/1039).
Ainda que houvesse indício de ilícito penal na tentativa de acordo, não homologado, a competência do juiz da causa se exauriu com a remessa das cópias de documentos ao Ministério Público, conforme determinado por despacho final de fls. 786. Nenhuma razão outra existia para retardar a execução do julgado, acompanhando o inquérito policial e as providências adotadas pelo Ministério Público, por não se incluir no âmbito de atribuição do juiz da desapropriação.
Feitas essas breves considerações, convém examinar como o nosso ordenamento jurídico disciplinou o pagamento da indenização, decorrente de desapropriação.
Dispõe o art. 5.º, XXIV, da Constituição Federal que:
[…] a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição. (grifamos)
Comentando esse texto constitucional, assim nos manifestamos:
A expressão justa indenização, a nosso ver, significa recomposição do patrimônio do expropriado antes existente. É um conceito ambivalente. Na avaliação do bem expropriando, não pode haver superestimação nem subestimação, mas proceder-se-á de tal forma que venha a recompor o equilíbrio patrimonial rompido pela desapropriação. Daí por que a expressão deve abranger não só o valor real do imóvel, objeto de desapropriação, como também suas utilidades, implicando pagamento de juros, correção monetária, honorários advocatícios e periciais, despesas processuais etc.[1] (grifamos)
Por sua vez, o art. 29 do Decreto-lei 3.345/1941, recepcionado pela Carta Política de 1988, dispõe que:
Efetuado o pagamento ou consignação, expedir-se-á, em favor do expropriante mandado de emissão de posse, valendo a sentença como título hábil para transcrição no Registro de Imóveis.
Outrossim, prescreve o art. 33 do mesmo diploma legal: “O depósito do preço fixado por sentença, à disposição do juiz, é considerado pagamento prévio da indenização” (grifamos).
Por isso, dissemos na nossa obra já referida:
Operado o pagamento ou o depósito a que alude o art. 33, tem-se por consumada a desapropriação, por isso o juiz expede o mandado de imissão definitiva de posse, caso não tenha ocorrido a provisória, valendo a sentença como título hábil à transcrição imobiliária. Preexistindo a imissão provisória, esta é convolada em definitiva.
Essa sentença final é a que efetivamente desapropria a propriedade, segundo o preceito constitucional do prévio pagamento da justa indenização. Ela não se confunde com a decisão fixadora do justo preço, que tem natureza meramente declaratória.
Essa decisão final, como assinala Pontes de Miranda,[2] tem natureza constitutiva-mandamental; constitutiva porque ela decreta a perda da propriedade e serve de título hábil à transcrição imobiliária; mandamental, porque manda expedir o mandado de imissão de posse.[3]
Em face dos dispositivos constitucionais e legais retroexaminados, resta claro que o depósito judicial com força de pagamento prévio da justa indenização é aquele feito após regular liquidação do julgado e, desde logo, disponível para o expropriado, de sorte a integrar o seu patrimônio.
Se o depósito não estava disponível para os expropriados, reiteradas vezes impedidos de efetuar seu levantamento, por óbvio, a importância depositada não estava integrada ao seu patrimônio, de sorte a propiciar sua fruição. Admitir o contrário é negar o conceito constitucional dejusta indenização, retroanalisado.
O depósito de fls. 694, da importância de R$2.850.000,00, feito em 25.11.1996, jamais poderia corresponder ao pagamento prévio da justa indenização, de sorte a interromper, a partir daquela data, a fluência de juros compensatórios e moratórios, por inúmeras razões adiante aduzidas:
a) O depósito efetuado pela CESP não se referia ao valor da indenização fixada por sentença, e sim à primeira parcela do acordo firmado entre ela e os expropriados, acordo este que não foi homologado pelo Juízo em razão das irregularidades apontadas e que restou rescindido.
De início, verifica-se um equívoco no procedimento adotado pelo juiz da causa: Se não houve homologação do acordo e se, ainda, restavam dúvidas acerca do valor da indenização, deveria ter deferido o pedido de levantamento da quantia, formulado pela expropriante, tendo em vista que a execução fora reiniciada. Alternativamente, poderia ter determinado a transferência da quantia depositada para outra conta-corrente, cujo rendimento acompanhasse a taxa SELIC, no intuito de evitar prejuízos decorrentes da correção aplicada pela Caixa Econômica Federal, que é mera correção monetária mensal pelo índice da TR.
b) A cada momento, a CESP apresentava um valor diferente a título de indenização, requerendo levantamento do depósito de 25.11.1996.
Por petição de fls. 745/753, datada de 11.12.1996, a CESP denunciava erro de cálculo da indenização e apontava o valor correto, que seria de R$ 2.853.340,95; no item 5 dessa petição, requeria o levantamento do depósito feito por conta do acordo malogrado. Em 21.01.1997, por petição de fls. 779/780, a expropriante apontava um novo engano na conta de liquidação; dessa vez, o valor correto da indenização devida seria de R$ 2.544.172,89. Ratificava o pedido de levantamento do depósito efetuado em 25.11.1996.
c) A CESP, reconhecendo como inválido seu depósito e visando evitar prejuízos futuros, requereu, por diversas vezes, seu levantamento, restando todas essas tentativas infrutíferas.
Em 27.01.1997, pelo r. despacho de fls. 786, o MM. juiz do feito determinava, no seu item 4: Mantenha-se o depósito efetuado à disposição deste Juízo. Em 03.04.1997, indeferindo novo pedido de levantamento formulado pela expropriante, assim determinava:
[…]
- Com relação ao requerimento da CESP (fls. 833) do levantamento da importância depositada, resta indeferido nesta fase processual, tendo em vista os percalços e incidentes registrados nestes autos a partir de outubro de 1996. Até que seja regularizada a presente execução, o depósito permanecerá onde está. (grifamos)
Simplesmente incompreensível, data venia, o r. despacho, pois, se o processo não estava em fase de pagamento da justa indenização, não se justifica o sacrifício inútil do capital da expropriante congelado em uma conta que sequer rende juros. Ao menos, deveria ter determinado sua transferência para conta remunerada pela taxa SELIC, como ocorre com os depósitos de tributos questionados em juízo (Leis 9.250/1995 e 9.703/1998).
Se a execução não estava regularizada naquela data, por certo que o depósito efetuado pela CESP restava invalidado seja porque não representava o valor definido como justa indenização em sentença, seja porque não havia liquidez e certeza quanto ao valor efetivamente devido. Não há dúvida de que o processo de execução reiniciara-se a partir da data da decisão que indeferiu a homologação do acordo e, por tal razão, independentemente das suspeitas de infrações criminais, apontadas pelo Juízo, com relação ao acordo, o processo deveria ter seguido seu curso normal, com o levantamento do depósito pela CESP e a remessa dos autos ao contador, ou determinação para que os expropriados apresentem memória de cálculo, o que não ocorreu.
d) Houve sucessivos despachos judiciais equivocados em função da constante mudança na presidência do feito.
Nada menos que 13 magistrados atuaram no feito. O processo ficou suspenso por mais de três anos, em desacordo com o que dispõe o art. 21 da Lei Expropriatória, aguardando o julgamento do agravo de instrumento, que decidiu pela impossibilidade de ingresso do cessionário no feito, na condição de assistente (fls. 1.108); os autos foram remetidos, por diversas vezes, ao Ministério Público do Estado de São Paulo em razão dos indícios de crime supra-apontados; seguiu-se expedição de ofícios à autoridade policial de Santos e de São Paulo (fls. 986); foi efetuada perícia para averiguar se a metragem da área desapropriada estava correta, matéria esta que jamais poderia ter sido discutida em sede de execução (fls. 1.150). Enquanto isso, o depósito permanecia inerte na Caixa Econômica Federal, corrigido por uma taxa irrisória.
Não há que se falar, em hipótese alguma, em culpa dos expropriados pela demora no deslinde da questão estranha ao feito expropriatório, cabendo ao juiz indeferir, de plano, quaisquer requerimentos impertinentes, sem prejuízo do andamento regular da liquidação do julgado.
e) Por determinação do juiz, o contador forense elaborou o cálculo de fls. 1.172 dos autos, dividindo entre as partes o valor semicongelado do depósito feito nos idos de 25.11.1996, informando que caberia ao expropriado 92,170574% e à expropriada 7,82926% daquele valor depositado.
O que é pior, o senhor contador, sub-rogando-se na função jurisdicional, sentenciou:
Face ao exposto, seguem cálculos atualizados para 25/11/96, data do depósito de fls. 694, conforme acima e nos termos do julgado, esclarecendo que o depósito efetuado é suficiente para a quitação da presente condenação.
O raciocínio do digno contador, que fez as vezes do magistrado, estaria perfeito se o expropriado tivesse levantado, naquela data, ou pouco depois, o valor depositado. Acontece que até hoje o expropriado não logrou efetuar seu levantamento, por conta da nova exigência de cumprir, pela vez segunda, os termos do art. 34 da lei específica.
f) Por despacho de fls. 1.193, datado de 12.09.2002, o MM. juiz assim determinava, em seu item 2: Consigno que a fase é de liquidação, não havendo, por ora, que se falar em levantamento do valor em depósito.
Como seria possível, ante esse r. despacho, considerar que o depósito feito em 25.11.1996 representou o pagamento da justa indenização?
g) Novamente, por determinação judicial, o senhor contador forense promoveu a liquidação do julgado até o dia 25.09.2002 apurando a justa indenização no valor de R$ 6.601.184,21 deduzindo-se o valor do depósito atualizado até essa data, no valor de R$ 3.797.690,53, apontando um saldo devedor de R$ 2.803.493,68 (fls. 1.202).
Em vez de homologar esse cálculo, como seria o correto, o MM. juiz acabou por homologar a conta de fls. 1.172 em que o digno contador forense repartiu entre os expropriados e o expropriante o valor do depósito feito, a título de acordo que veio a ser rescindido, nos idos de 25.11.1996, com o que considerava suficiente para quitação da presente condenação.
É evidente que a digna magistrada, prolatora do despacho de fls. 1.038/1.040, ao encampar a manifestação do senhor contador, incidiu em terrível equívoco: Considerou como pagamento da justa indenização o valor depositado a título de acordo, que veio a ser anulado e que jamais esteve na disponibilidade dos expropriados, mesmo porque inexistia até o ano de 2003 o valor exato da indenização devida. Inverteu toda a ordem do processo executório. Por decisão proferida em 2003, fixou-se a importância devida a título de justa indenização, porém protraiu seus efeitos à data do depósito, que nada tinha a ver com pagamento prévio do justo preço da desapropriação.
Ao homologar os cálculos de fls. 1.172/1.173, nada mais fez do que afirmar que, em 25.11.1996, o valor devido era aquele apurado pelo contador, mas se omitiu e descumpriu-se o que restou decidido pelo Tribunal, ao deixar de aplicar os juros compensatórios e moratórios até a data do efetivo pagamento. Somente o depósito com força liberatória a favor dos expropriados é que se considera pagamento prévio da justa indenização, como se viu, o que não era nem é o caso dos autos.
Outrossim, ao concordarem com os cálculos apresentados, os expropriados não estavam concordando com a quitação da indenização devida, pelo levantamento do depósito, como afirma a douta magistrada, mas, sim, concordando que as correções e atualizações feitas pelo ilustre contador, até 25.11.1996, estavam de acordo com os ditames da sentença exequenda, ou seja, estavam validando a conta até aquela data. Daí em diante, evidente a incidência de juros compensatórios e moratórios, pois aquele depósito não estava na disponibilidade dos expropriados.
Uma vez que o V. acórdão exequendo determina a incidência de juros compensatórios e moratórios até a data do efetivo pagamento, que se traduz na incorporação desses juros ao patrimônio dos expropriados, e se o valor que viria, posteriormente, a ser utilizado para o pagamento da indenização ficou depositado em conta-corrente que não rende juros, é evidente que a execução daquele julgado não se extinguiu. Os expropriados não podem ser prejudicados por atos ou omissão de terceiros. Cabia ao juiz, de ofício ou a requerimento da expropriante, promover a transferência do depósito para a conta que rendesse juros pela taxa SELIC ou deferir seu levantamento a favor da autora.
Outro não é o entendimento da Primeira Turma do E. Superior Tribunal de Justiça, que assim manifestou seu parecer nos autos do REsp 118186/SP, relatado pelo Exmo. Ministro Humberto Gomes de Barros:
Desapropriação. Indenização. Depósito. Correção monetária. Desapropriação. Valor depositado, mas não entregue ao expropriado.
O Depósito Judicial não libera o expropriante da obrigação de indenizar. Tal liberação somente ocorre quando o dinheiro se incorpora ao patrimônio do expropriado. Assim, os juros e a correção monetária incidem até o efetivo levantamento do dinheiro (DJU 17.08.1996, p. 00024).
Nesse mesmo sentido, vale trazer à colação a ementa e o trecho do voto do Ministro Ilmar Galvão, relator no REsp 1952/SP, in verbis:
Desapropriação. Liquidação. Atualização monetária. Variação do OTN. Plano Cruzado. Decreto-lei 2.284/86, art. 6.º, parágrafo único, e Decreto-lei 2.290/86, art. 6.º. Juros moratórios e compensatórios. Incide atualização monetária sobre indenização expropriatória, referente ao período de vigência do Plano de Estabilização Econômica, nos termos do art. 6.º, parágrafo único, do Decreto-lei 2.284/86 e art. 6.º do Decreto-lei 2.290/86. São devidos juros moratórios e compensatórios relativos ao lapso transcorrido entre a data de expedição de precatório e o efetivo pagamento. O depósito judicial não libera o expropriante da ação de indenizar. Recurso provido. (2.ª Turma, DJ 16041990 – grifamos)
Trecho do voto:
[…] Na verdade, tanto os juros moratórios (que traduzem punição pelo retardamento da obrigação de indenizar) quanto os compensatórios (destinados a cobrir lucros cessantes, decorrentes da ocupação antecipada do bem expropriado) fluem ininterruptamente até o pagamento final.
Sem os aludidos complementos, a indenização está desfalcada, não podendo ter o efeito extintivo da execução.
Decidindo de modo diverso, o r. acórdão não tem condições de subsistir. […]. (grifamos)
Pois bem, se os Tribunais pátrios entendem que até mesmo o depósito que se destina ao pagamento da indenização, cujo valor foi fixado em sentença, deve sofrer a incidência de juros compensatórios e moratórios até a data do efetivo levantamento, com muito maior razão o depósito efetuado pela CESP, que não tem a natureza de pagamento de justo preço, caso venha a ser utilizado para esse fim, como de fato o foi, deve sofrer incidência dos mesmos juros. O julgado exequendo deixou bem clara a incidência de juros compensatórios, desde a imissão prévia na posse, na forma da Súmula 113 do STJ, bem como a fluência de juros moratórios, a partir da data do trânsito em julgado da decisão fixadora do justo preço.
Nenhuma responsabilidade cabe aos expropriados pelo pagamento incompleto da justa indenização, que se pretende impor. A responsabilidade pela ausência de juros deve ser atribuída à autora, pois está caracterizada, no mínimo, sua negligência, quer celebrando acordo por intermédio de advogado que não mais pertencia a seus quadros, quer apontando, repetidas vezes, diferentes valores a título de indenização, quer reabrindo a demarcação da área expropriada, quer, finalmente, permitindo a permanência do depósito em conta que não rende juros.
Outrossim, está caracterizada a corresponsabilidade do Estado. Como se sabe, entre nós, a atividade jurisdicional é exercida pelo Poder Judiciário em regime de monopólio estatal. Assim, eventual erro do Judiciário caracteriza erro do Estado. E, aqui, esse erro restou abundantemente comprovado, quer indeferindo o levantamento do depósito requerido pela autora que, com o desfazimento do acordo não mais tinha obrigação legal ou contratual de manter aquele depósito, quer indeferindo o levantamento a favor dos expropriados, quer, finalmente, deixando praticamente congelado o elevado valor de R$ 2.850.000,00 por mais de seis anos.
A prevalecer a r. decisão examinanda, os únicos prejudicados serão os expropriados que, em nenhum momento, tiveram a disponibilidade do valor depositado em 25.11.1996, sendo certo que a Caixa Econômica Federal vem usufruindo do valor depositado, desde aquela data, sem remuneração de juros, acarretando um enriquecimento sem causa.
Portanto, entendemos que a r. decisão deva ser impugnada pelos meios adequados, a fim de que se refaçam os cálculos de acordo com o V. acórdão exequendo, bem como para afastar a exigência do cumprimento dos requisitos do art. 34 da lei expropriatória, já atendida, integralmente, por ocasião do levantamento da oferta.
É caso, pois, de recorrer da decisão de fls. 1.038/1.040, ressalvada a faculdade de a ínclita magistrada, no uso de suas atribuições legais, tendo em vista a peculiaridade dessa situação em que somente a instituição depositária se beneficia, determinar a expedição do alvará de levantamento a favor dos expropriados, computando-se os juros pela aplicação da taxa SELIC, desde a data de seu depósito.
É o parecer, s.m.j.
[1] Cf. nosso Desapropriação doutrina e prática. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 56.
[2]Comentários à Constituição de 1967. São Paulo: RT, 1968. t. 5, p. 479.
[3]Desapropriação doutrina e prática cit., p. 148.
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