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Tributário

FINANCEIRO E ECONÔMICO

TRIBUTÁRIO

Normas gerais de direito financeiro

DIREITO FINANCEIRO

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 154

Revista Forense

Revista Forense

28/10/2022

REVISTA FORENSE – VOLUME 155
SETEMBRO-OUTUBRO DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICA

  • Intervenção Econômica do Estado Modernorevista forense 155

DOUTRINA

PARECERES

  • Mandado de Segurança Contra a Lei em Tese – Ato Normativo – Requisição de Aguardente pelo Instituto do Açúcar e do Álcool, Francisco Campos
  • Fideicomisso e Usufruto – Distinção, Carlos Medeiros Silva
  • Impôstos – Arrecadação Estadual – Excesso a ser entregue aos Municípios, Aliomar Baleeiro
  • Impôsto de Renda – Pessoa Jurídica Domiciliada no Estrangeiro – Convenção de “Royalties”, Rui Barbosa Nogueira
  • Contrato Administrativo – Revisão de Preço – Teoria da Imprevisão, Caio Tácito
  • Contrato por Correspondência com Firma Estrangeira – Nota Promissória – Requisitos Essenciais, Afrânio de Carvalho
  • Advogado – Retirada de Autos de Cartório – Processos Criminais, Evandro Lins e Silva

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • A Conclusão de Atos Internacionais no Brasil, Hildebrando Accioly
  • O Federalismo e a Universidade Regional, Orlando M. Carvalho
  • Inelegibilidade por Convicção Política, Osni Duarte Pereira
  • Embargos do Executado, Martins de Andrade
  • Questão de Fato, Questão de Direito, João de Oliveira Filho
  • Fantasia e Realidade Constitucional, Alcino Pinto Falcão
  • Da Composição da Firma Individual, Justino de Vasconcelos
  • A Indivisibilidade da Herança, Gastão Grossé Saraiva
  • O Novo Consultor Geral da República, A. Gonçalves de Oliveira
  • Desembargador João Maria Furtado, João Maria Furtado

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

SUMÁRIO: Origem do dispositivo constitucional sôbre a matéria. Definição de norma geral. Conclusões de CARVALHO PINTO. Regulamentação de preceitos constitucionais. Competência tributária e suas limitações. Discriminação de rendas. Mecanismo da tributação. Impôsto, taxa e contribuição. Parafiscalidade. Empréstimo compulsório. Direito tributário substantivo. Cobrança de tributos majorados. Direito penal tributário. Direito tributário processual. Conclusões. Bibliografia.

Sobre o autor

Rubens Gomes de Souza, Prof. da Fac. de Ciências Econômicas da Universidade de São Paulo

DOUTRINA

Normas gerais de direito financeiro

Origem do dispositivo constitucional sôbre a matéria

* O dispositivo constitucional que atribui competência à União para legislar sôbre normas gerais de direito financeiro tem uma origem bem conhecida. Sustentou ALIOMAR BALEEIRO, na Subcomissão de Discriminação de Rendas, a necessidade de se mencionar o direito financeiro entre os compreendidos na competência legislativa da União: a idéia era consagrar o reconhecimento da autonomia do direito financeiro. Mas, como o assunto excedia evidentemente a competência da Subcomissão, a proposta foi apresentada em forma de emenda, por aquêle deputado, falando em nome da Subcomissão, na Comissão Constitucional.

O debate foi áspero, e focalizou justamente o aspecto que constituía a conclusão doutrinária visada pela proposição: os opositores da emenda atacaram a autonomia do direito financeiro, que para êles estaria compreendido no administrativo, não se justificando a diferenciação pretendida, que traria como inconveniente o excessivo fracionamento do sistema jurídico. Não obstante a pertinaz defesa de BALEEIRO, a emenda foi rejeitada.

Mas no plenário surgiu nova oportunidade. O texto emanado das diferentes comissões especializadas continha pelo menos dois dispositivos que representavam implícito reconhecimento da autonomia dogmática do direito financeiro: o dispositivo que mandava elaborar uma lei orgânica da contribuição de melhoria, e o que previa uma lei normativa em matéria de padronização de orçamentos. Ambas as proposições específicas se tornariam desnecessárias, se fôsse incluída a regra genérica da competência federal em matéria de direito financeiro: e com êsse fundamento voltou a debate a emenda rejeitada pela Grande Comissão.

Entretanto, a nova implantação do problema focalizava um outro aspecto, agora de índole política mais que doutrinária: a preservação das autonomias legislativas locais. Sob êsse prisma centralizou-se o debate no plenário: e, como solução de compromisso, surgiu a redução da amplitude de proposta original, limitando-se a competência legislativa da União tão-sòmente às “normas gerais” de direito financeiro. Parece de fato exata, essa delimitação: porque, se se reservasse à União tôda a competência privativa para legislar sôbre direito financeiro, poderia ser sustentado não caber aos Estados e Municípios nenhuma competência legislativa residual na matéria. Então cairíamos no evidente absurdo de concluir que os Estados e Municípios não poderiam legislar sôbre direito financeiro, nem mesmo para instituir e regulamentar os tributos que lhes são privativamente atribuídos pela Constituição. É claro que não poderia ser êsse o pensamento do legislador-constituinte.

Mas com isto já surge um outro problema de conceituação. Se o fato mesmo de os Estados e Municípios possuírem tributos privativos implica em lhes reconhecer uma competência para legislar sôbre direito financeiro que não é meramente supletiva ou complementar, mas ao contrário institucional – qual é, então, o alcance da expressão “normas gerais”, que delimita, na Constituição, o âmbito da competência legislativa federal nesta matéria? Parece, à primeira. vista, que sòmente sejam “normas gerais” as que se dirijam por igual à União, ao Estado e ao Município – porque qualquer “norma geral” ditada pela União que só atinja o Estado ou só o Município seria uma invasão daquela competência legislativa institucional do Estado ou do Município em matéria financeira.

Definição de norma geral

Generalizando o enunciado do problema, podemos começar por esta observação: a delimitação constitucional da competência legislativa federal tão-sòmente a “normas gerais” levanta a questão de se definir justamente o que sejam “normas gerais”. Mas a indagação se complica por uma nova pergunta liminar, cuja resposta prévia parece ser exigida pelo próprio enunciado do problema principal: o conceito de “norma geral” é suscetível, êle próprio, de uma definição normativa? É possível fixar a norma geral da norma geral?

Conclusões de CARVALHO PINTO

A tentativa foi feita, brilhantemente, por CARVALHO PINTO. Mas a dificuldade da emprêsa está evidenciada até pelo fato de que as suas conclusões tiveram de ser formuladas sob a forma de proposições negativas:

a) não são normas gerais as que objetivem especialmente uma ou algumas dentre as várias pessoas congêneres de direito público participantes de determinadas relações jurídicas;

b) não são normas gerais as que visem particularizadamente determinadas situações ou institutos jurídicos, com exclusão de outros da mesma condição ou espécie;

c) não são normas gerais as que se afastem dos aspectos fundamentais ou básicos, descendo a pormenores ou detalhes.

A primeira conclusão, evidentemente, é aquela mesma que há pouco antecipamos: só será norma geral a regra que se aplique igualmente à União, ao Estado e ao Município. Essa conclusão, endossada por SÁ FILHO, é combatida por ALIOMAR BALEEIRO, com a observação de que, desde que certos institutos ou situações, por efeito de preceitos constitucionais, sejam inerentes ao Estado ou ao Município, não há razão para que as normas gerais de direito financeiro não os focalizem. Duas ressalvas sòmente se impõem a esta afirmativa:

A primeira é que não se pode entender a especificação do conceito de normas gerais no sentido de que seja possível à União ditá-las tão-sòmente para as outras duas entidades políticas, eximindo-se, ela própria, da sua observância. Mas até mesmo esta ressalva está condicionada à natureza do instituto ou da situação jurídica regulada: quando seja suscetível de verificação em qualquer dos três planos, – federal, estadual e municipal, – então a norma, por ser geral, deverá vigorar igualmente nos três planos. Mas, quando o instituto ou a situação jurídica visados pela norma sòmente possa ocorrer em função da sua natureza, em um ou dois daqueles planos, mas não nos três, nem por isso a norma ditada a respeito deixará de ser geral: será geral desde que aplicável a tôdas as situações idênticas, dentro do âmbito da possibilidade material da sua ocorrência. O que nos conduz à

Segunda ressalva: não se poderá aceitar como norma geral aquela que, embora formulada em têrmos genéricos, entretanto tenha a sua aplicabilidade limitada à situação que materialmente só possa ocorrer em determinado Estado ou em determinado Município. Mas aqui o problema se desloca: quando a norma, que sendo geral in jure, entretanto seja in factu, não será preciso recorrer a um conceito padrão de “norma geral” para invalidá-la. A sua invalidez decorrerá do seu conflito com outro preceito constitucional, o que proíbe à União promulgar leis que não sejam uniformes em todo o território nacional. Não nos parece necessário, para invocação da regra da uniformidade, que a lei federal seja expressamente discriminatória: mesmo porque ela nunca o seria; basta, portanto, que seja discriminatória em seus efeitos.

Isto, por sua vez, nos conduz à segunda das três conclusões de CARVALHO PINTO: a que exige que a norma, para ser geral, vise ao conjunto das situações ou institutos jurídicos de uma mesma condição ou espécie. Pelo que acabamos de dizer quanto à primeira conclusão, parece certo que a segunda é de ser admitida quando ocorra, de fato ou de direito, uma discriminação interestadual ou intermunicipal. Mas, se pretendêssemos levar a regra de generalidade mais além dêsse limite, ela se tornaria, a nosso ver, excessivamente restritiva do próprio alcance do conceito de norma geral. Regras uniformes sôbre prescrição, por exemplo, não seriam normas gerais, ùnicamente porque a prescrição é apenas uma dentre várias modalidades de extinção das obrigações: de modo que “normas gerais” seriam tão-sòmente as relativas à extinção, latu sensu, das obrigações, mas não, no exemplo figurado, as relativas à prescrição, ou ao pagamento, ou à compensação. Ora, a conclusão não nos parece admissível, porque deixa de considerar a especificação funcional dos institutos jurídicos, ainda que incluídos em sistema com outros institutos congêneres.

E por êsse ponto o assunto liga-se à última das três conclusões analisadas, a que nega o caráter de “norma geral” à que regule pontos de detalhe. Resta saber o que se entende por detalhe, mas desde logo se pode advertir que não será detalhe o aspecto específico, apenas porque seja suscetível de sistematização genérica juntamente com outros igualmente específicos. Além disso, como lembram bem BALEEIRO e SÁ FILHO, casos haverá em que a regulamentação do detalhe estará na própria essência da norma geral, a fim de assegurar a observância do princípio no próprio funcionamento do instituto jurídico por êle regulado. Em suma, a norma geral não é necessàriamente regra de conceituação apenas, mas também regra de atuação.

Em resumo, e sem negar ao trabalho de CARVALHO PINTO o seu valor para a fixação das idéias e o balizamento de um terreno até então inexplorado, preferimos resolver o problema por eliminação, afastando a idéia de uma definição apriorística de “norma geral”. Esta conclusão não é apenas intelectualmente cômoda: pensamos que existe realmente o perigo de que uma prévia definição limitativa do conceito possa esterilizar o próprio dispositivo constitucional. Efetivamente, é preciso não esquecer que o problema é essencialmente de interpretação e aplicação de um texto de lei: dentro de uma concepção integrativa da hermenêutica, é, portanto, preciso que êsse texto funcione e atinja plenamente a finalidade que ditou a sua inclusão na Constituição.

Regulamentação de preceitos constitucionais

Podemos assim destacar os dois extremos do problema, que são a finalidade do dispositivo e o seu limite. A finalidade nos parece muito clara: permitir que através da legislação ordinária federal sôbre normas gerais, sejam fixadas as conseqüências necessárias dos preceitos constitucionais em matéria financeira de forma a assegurar a atuação efetiva e uniforme de tais preceitos. Em conseqüência, ao ditar normas gerais de direito financeiro, a União terá de agir, não na sua qualidade de titular de uma competência legislativa sujeita a confrontos, contrastes e limites com as outras competências legislativas concorrentes, a do Estado e a do Município: a União terá de agir na sua condição de entidade colocada em posição de superioridade hierárquica dentro do sistema federativo, posição essa que confere à União, e sòmente a ela, a única possibilidade de efetivar uma regulamentação uniforme da atuação dos preceitos constitucionais. Isso, evidentemente, não exclui que a União também se encontre, em face da sua própria legislação sôbre normas gerais, na situação de ser, ela própria, uma das três entidades políticas cujo conjunto constitui a federação. Mas êste é um aspecto ulterior, que diz com a posição da União, não no momento de ditar a norma, mas em face da norma já promulgada: e êsse problema se resolve pela sujeição da própria União às normas por ela mesma ditadas, conclusão que já afirmamos e agora repetimos ser essencial à uniformidade da interpretação da Constituição através da lei ordinária.

Por sua vez, o limite do dispositivo é a competência legislativa das entidades políticas subordinadas à norma: note-se que dizemos genèricamente “entidades políticas subordinadas à norma”, e não especìficamente “Estados e Municípios”. Dessa forma, a competência legislativa da própria União, que por um lado é o conteúdo da norma, por outro lado é também o seu limite. Isto porque não conceituamos o problema do alcance do conceito de norma geral simplesmente como um problema de conflito de competências legislativas entre a União e os entes políticos menores: êsse problema sem dúvida existe, mas está contido na conceituação do limite do alcance da norma geral como sendo a própria competência legislativa, latu sensu, de cada uma das três entidades políticas em presença. A não ser assim, quer dizer, a menos que se mencione a própria competência da União em confronto com as competências respectivas do Estado e do Município, o conceito de norma geral, em lugar de ser delimitativo, poderia passar a ser ampliativo, isto é, poderia servir de fundamento à União para legislar além do âmbito exigido pela regulamentação do preceito constitucional que fornece justificativa à própria legislação ordinária sôbre normas gerais.

Em resumo, a competência federal para legislar sôbre normas gerais de direito financeiro deve tomar como ponto de partida um preceito constitucional expresso ou decorrente do sistema, não apenas financeiro, como econômico, jurídico ou político, acolhido pela Constituição; e visar como ponto de chegada à atuação integral do preceito que lhe deu origem. Dentro dêsses dois extremos, todavia, a competência só deve ser exercida quanto aos aspectos do assunto a que se refira, cuja regulamentação normativa seja essencial à atuação integral do preceito que constitua o seu fundamento, a fim de não excluir ou embaraçar o exercício, pelos Estados e Municípios, da sua competência supletiva ou complementar, sempre que a diversificação daí resultante não seja incompatível com a atuação integral do preceito. A êstes limites ainda se acrescenta, ou melhor, se sobrepõe o decorrente da preservação da competência legislativa originária dos Estados e Municípios: não se trata mais aqui da competência meramente supletiva ou complementar, mas da que é por sua vez decorrência de preceitos constitucionais expressos – como os referentes à discriminação de rendas ou à autonomia nas matérias de seu especial interêsse – ou decorrente do sistema como os que se fundamentem na teoria dos poderes implícitos. Postos êstes limites, entretanto, a competência federal quanto a normas gerais há de cobrir, em extensão e profundidade, o campo a que se refira, afastada portanto uma delimitação apriorística entre normas de conceituação e normas de detalhe.

A que acabamos de expor evidentemente não constitui uma definição normativa de um suposto conceito de “norma geral”: já dissemos, aliás, que a fixação de um conceito dessa natureza nos parece teòricamente impossível e pràticamente inconveniente. Trata-se, portanto, apenas de uma tentativa de enumeração, certamente elástica e provàvelmente incompleta, dos princípios que nos parece que devam orientar o legislador federal, no trabalho de examinar, caso por caso, a necessidade ou conveniência, a viabilidade, e, finalmente, o alcance da formulação de uma norma geral de direito financeiro. Se nos objetarem que as nossas conclusões são excessivamente pragmáticas, responderemos que elas coincidem essencialmente com as de SÁ FILHO, que adota uma conclusão baseada em dois pressupostos: normas consignadas na Constituição e aplicáveis à União, aos Estados e aos Municípios. Apenas emprestamos maior elasticidade ao conceito, dizendo normas “decorrentes” em vez de “consignadas” na Constituição, a fim de afastar a idéia de que a previsão deva ser expressa; e admitimos a existência de normas gerais aplicáveis só aos Estados ou só aos Municípios, ou a ambos, quando decorram da Constituição com êsse caráter. E por outro lado compensamos esta maior elasticidade com a ressalva de que a competência federal só deve ser exercida quando a uniformidade legislativa seja inerente à atuação do preceito constitucional.

Em última análise, são normas gerais, para nós, tôdas quanto regulamentem preceitos constitucionais, expressos ou implícitos, em matéria financeira. Dentro dessa ordem de idéias, retomando um trabalho já feito por GILBERTO DE ULHÔA CANTO, tentaremos elaborar uma lista, meramente exemplificativa, dos problemas ou tipos de problemas que nos parecem suscetíveis de legislação federal sob o prisma das normas gerais. Limitaremos o nosso estudo entanto, exclusivamente aos problemas especìficamente tributários, não só para não alongar excessivamente esta palestra, como também porque êsse é o único aspecto do assunto em que podemos pretender algum conhecimento. E procuraremos ainda agrupar os problemas, que serão por nós abordados, em uma tentativa de sistematização que reproduzirá o esquema de um trabalho nosso que acaba de merecer do ministro da Fazenda a distinção de ser adotado como base de estudos para a elaboração de um projeto de Cód. Tributário nacional.

Competência tributária e suas limitações

Um primeiro grupo de problemas que podem ser situados no campo legislativo pertinente às normas gerais é o grupo dos problemas relativos à competência tributária. Tais problemas decorrem da Constituição, não sòmente em seu aspecto de competência legislativa latu sensu, como principalmente em seu aspecto de competência tributária strictu sensu, no que se refere à definição constitucional do poder de tributar, em qualquer das duas maneiras, que diremos “positiva” e “negativa”, porque a regulamentação daquele poder é suscetível de ser encarada: regulamentação do poder de tributar; regulamentação “positiva” no sentido de atribuição ou reconhecimento do poder de tributar; regulamentação “negativa” no sentido de limitações daquele poder, entre as quais avultam as decorrentes da sua atribuição discriminativa às três entidades políticas que constituem a federação, com a conseqüente delimitação do campo residual concorrente. Quanto a todos êstes aspectos, a necessidade de uma regulamentação uniforme através de normas gerais é evidente: recordaremos aliás que AFONSO ALMIRO, falando à Associação Brasileira de Municípios logo após a promulgação da Constituição de 1946, pôde dizer, com absoluta propriedade, que a promulgação de um Cód. Tributário nacional – evidentemente lei de normas gerais – seria a segunda etapa da emancipação política dos municípios através da sua emancipação financeira iniciada pela Constituição.

O aspecto essencial da competência tributária é o seu caráter indelegável, que lhe decorre da sua natureza de atributo da soberania política – ainda que subordinada ou ela própria delegada – da entidade tributante. Entretanto, êsse caráter indelegável da competência tributária admite exceções, que são por sua vez decorrências de preceitos constitucionais ou de regras de atuação de tais preceitos. Assim, o artigo 29 da Constituição, que admite a transferência de impostos pelos Estados aos Municípios, o que implica uma delegação integral de competência, levanta, entretanto, um problema preliminar; quais os impostos que podem ser transferidos, uma vez que os Estados, pela combinação dos arts. 19 e 21 da Constituição, dispõem de impostos privativos específicos e ainda de impostos concorrentes inominados? O assunto já foi objeto de controvérsia doutrinária, mas ambas as opiniões em presença apóiam-se em argumentos ponderáveis: tanto se pode afirmar que só podem ser transferidos os impostos privativos, justamente porque, sendo privativos, são os únicos de que o Estado pode dispor; como se pode afirmar, no extremo oposto, que os impostos privativos não podem ser transferidos, justamente porque a sua atribuição constitucional privativa os torna indisponíveis, até mesmo porque a sua transferência ao Município importaria reforma local da Constituição por ato unilateral de um Estado.

Discriminação de rendas

Mas, em qualquer hipótese, transferido que fôsse um impôsto concorrente, não conviria ainda prever compensações aos Municípios, de modo a evitar o abalo das suas finanças, caso o Estado viesse a perder o impôsto transferido por ser declarada a sua bitributação com impôsto federal concorrente? Além dêstes aspectos básicos, ainda outros, de natureza mais operacional, sòmente poderiam ser solucionados através de normas gerais, notadamente a obrigatoriedade da transferência fazer-se nos mesmos têrmos a todos os Municípios do Estado, a fim de se evitar uma discriminação estadual das rendas tributárias municipais. Finalmente, um outro ponto a apreciar seria êste a delegação de competência legislativa, que acompanharia necessàriamente a transferência, teria de ser plena, ou poderia o Estado transferente impor-lhe restrições, por exemplo, determinando aos Municípios aplicação obrigatória do total ou de parte da receita do impôsto transferido, ou ainda reservando para si próprio uma participação nessa receita? Em todos êsses aspectos, a legislação uniforme por meio de normas gerais é um imperativo do sistema, de vez que é diretamente afetado por êles o regime tributário municipal, assunto que a Constituição regula de maneira rígida.

Um outro assunto que se contém no capítulo da competência tributária é o das participações atribuídas pela Constituição a determinadas pessoas jurídicas de direito público no produto da arrecadação de tributos pertencentes a outras. Assim, existe a participação dos Estados e Municípios no impôsto único federal sôbre combustíveis, lubrificantes, emergia elétrica e minérios; a participação dos Municípios na arrecadação estadual excedente das rendas locais; e quanto aos impostos de competência concorrente, da participação da União e dos Municípios quando instituídos pelos Estados, ou dos Estados e Municípios quando instituídos pela União. O mecanismo das participações sôbre tributos da União é regulado na legislação ordinária federal, mas isso não exclui a existência de problemas de conceituação, ou mesmo de atuação, suscetíveis de serem regulados por meio de normas gerais. Não seria inútil, por exemplo, esclarecer de modo expresso que o direito de participar da arrecadação não confere competência legislativa à entidade participante: no regime das Constituições de 1934 e de 1937, o Supremo Tribunal teve ocasião de declarar inconstitucionais várias leis municipais que versavam, direta ou indiretamente, sôbre o impôsto de indústria e profissões, que então pertencia ao Estado e no qual o Município apenas participava. Mas é principalmente no campo das participações sôbre tributos estaduais que a necessidade de uma regulamentação uniforme é mais acentuada. Um exemplo típico ocorreu no Estado de São Paulo. Como a produção de todo o Estado é canalizada pelo pôrto de Santos, nesse Município se concentra a arrecadação estadual, e portanto é quase exclusivamente a êle que toca a participação de 30% sôbre o excedente das rendas locais. O Estado procurou remover essa situação, definindo como local da arrecadação o Município de origem dos produtos tributados: por lei estadual, essa solução nos parece evidentemente inconstitucional; mas, por uma norma geral, ela poderia ser adotada, visto que indubitàvelmente corresponde ao pensamento do legislador-constituinte.

A matéria da competência tributária comportaria ainda normas gerais sôbre outro aspecto de capital importância: o das limitações daquela competência. As vedações constitucionais diretas, de caráter geral ou especial, como a proibição de tributos não-uniformes, de distinções tributárias em razão da procedência dos bens, ou de tributos interestaduais ou intermunicipais, levantam problemas práticos de aplicação, quanto aos quais a norma geral viria ilustrar nossa afirmativa de que a regulamentação do detalhe pode abranger a própria essência do preceito. Mas em matéria de limitações da competência tributária o aspecto mais importante é o das imunidades. Preliminarmente, caberia esclarecer o próprio alcance do conceito., mostrando que a imunidade implica em não-incidência, isto é, obsta ao nascimento da própria obrigação tributária, ao contrário da isenção, que apenas afeta a extinção da obrigação existente, dispensando o pagamento do tributo. Mas por isso mesmo seria preciso em seguida circunscrever o alcance do conceito, deixando claro que a obrigação excluída pela imunidade é apenas a obrigação de pagar o tributo, subsistindo as obrigações acessórias de caráter não-patrimonial, instituídas pela lei no interêsse da fiscalização e da segurança da arrecadação: do contrário, à sombra das entidades imunes poderiam proliferar a evasão e a sonegação por parte de terceiros. No plano seguinte ao dêstes conceitos gerais, poderiam encaixar-se, com referência às imunidades conferidas prelo art. 31 da Constituição, as definições de bens, rendas e serviços das entidades públicas, a conceituação dos bens e serviços dos partidos políticos e instituições de educação e assistência, a elucidação do que se deva entender por “templo de qualquer culto”, a fixação das características do papel de impressão: em todos êsses casos, a lei normativa visaria à uniformidade do conceito em sua aplicação aos tributos dos Estados e Municípios, afastando interpretações locais ampliativas ou, mais provàvelmente, restritivas.

Já existe pelo menos uma lei normativa federal em matéria de imunidade: a que regula o assunto em relação às autarquias. Mas, exatamente como essa lei surgiu em conseqüência do desenvolvimento da figura da autarquia, uma outra lei do mesmo tipo se faz necessária em face do desenvolvimento da figura do impôsto único. Por mais axiomático que pareça que “impôsto único” significa “tributação única sob a forma de impôsto”, a aceitação dêsse ponto não tem sido fácil, havendo decisões, até mesmo do Judiciário, no sentido de que a tributação com impôsto único não exclui a cobrança de taxas. Seria, portanto, caso da lei normativa esclarecer que o regime do impôsto único implica imunidade quanto a quaisquer outros tributos que possam incidir sôbre a pessoa, os bens, os atos ou os servições ou atividades sujeitos ao impôsto único. Ao mesmo tempo a lei normativa poderia estabelecer os limites da imunidade, de acôrdo com a seguinte escala de gradações: o impôsto único federal exclui qualquer outro tributo federal, estadual ou municipal; o impôsto único estadual exclui qualquer outro tributo do mesmo Estado ou de seus municípios, e o impôsto único municipal exclui qualquer outro tributo do mesmo Município. Dessa maneira ficariam evitadas as interpretações restritivas atualmente vigentes, exemplificadas pelas decisões que admitem o impôsto de indústria e profissões sôbre postos de venda de gasolina, apesar do impôsto único federal sôbre combustíveis.

Está ìntimamente ligado ao problema da competência tributária um assunto que, pela sua importância, é geralmente tratado como problema independente: o da discriminação de rendas. E’ claro que não teria razão de ser uma lei normativa apenas para repetir o que já está dito nos arts. 15, 19 e 29 da Constituição: mas o principal problema desta matéria é levantado justamente pelo critério nominalista adotado naqueles dispositivos. Se a Constituição atribui privativamente à União, aos Estados e aos Municípios determinados impostos designando-os por seus nomes, ainda é preciso determinar o que foi que a Constituição quis atribuir a cada uma daquelas entidades: porque, se uma coisa nos parece absolutamente certa, é que não se pode dizer que a Constituição tenha atribuído apenas um nomen juris; pelo contrário, a atribuição foi de um conceito econômico específico, formalizado por um esquema jurídico compatível com a denominação inscrita no texto constitucional. Êste nos parece o aspecto essencial do problema: e fixado êste aspecto, a conseqüência só pode ser o reconhecimento à União de competência para definir, por meio de normas gerais, a incidência dos impostos privativos não só federais, como estaduais e municipais: a não ser assim, o conceito de venda poderia variar de Estado para Estado, ou o conceito de prédio de Município para Município: e o resultado seria que tôda a matéria de discriminação de rendas contida na Constituição passaria a ser letra morta.

Não há dúvida que êste problema da definição normativa dos impostos de competência privativa é o mais espinhoso, não só da matéria de discriminação de rendas, como talvez mesmo de tôda a matéria de normas gerais, porque ë o que toca mais de perto à autonomia dos Estados e Municípios. Entretanto, nos parece que a dificuldade é mais de ordem política que jurídica: porque, sob o ponto de vista estritamente jurídico, desde que se admita que a definição da incidência é uma regulamentação do dispositivo constitucional que atribui privativamente o impôsto, não se poderá negar o enquadramento dessa regulamentação na competência federal sôbre normas gerais. Fixado êste ponto, resta ainda analisar como deva ser feita a definição da incidência de cada impôsto pela norma geral, dentro dos critérios orientadores a que nos referimos de início. Na mesa redonda sôbre discriminação de rendas, promovida em outubro de 1952 pelo Instituto Brasileiro de Direito

Financeiro, êsse aspecto da questão foi discutido, estabelecendo-se o debate principalmente entre o Dr. CARLOS DA ROCHA GUIMARÃES, o Prof. ALIOMAR BALEEIRO e nós mesmo, versando sôbre um ponto de vista de orientação: deve a norma geral definir cada impôsto em têrmos estritamente jurídicos, ou deve ao contrário procurar focalizar os efeitos econômicos das situações materiais ou jurídicas sujeitas à tributação? A questão é interessante, mas não nos parece essencial à solução do problema: a pretendida distinção entre impostos sôbre fatos jurídicos e impostos sôbre fatos econômicos é hoje uma posição doutrinária superada; todos os impostos são, na realidade, sôbre fatos econômicos, funcionando a sua conceituação jurídica apenas como um esquema formal, dentro do qual o enquadramento dos efeitos econômicos efetivos ou potenciais do fato gerador é mais um problema de hermenêutica. Não negamos que o assunto possa caber no âmbito das normas gerais, porém em outro capítulo, o relativo à fixação dos critérios de interpretação da lei tributária.

Em resumo, as normas gerais que regulem a conceituação do fato gerador dos impostos privativos, sendo, como são, essencialmente normas de conceituação específica do próprio impôsto, deverão visar principalmente à preservação do sistema constitucional de discriminação de rendas. Isto significa definir a incidência com tôda a flexibilidade necessária para não entravar o exercício da legislação específica ao impôsto definido, inclusive no que se refere a peculiaridades de caráter local, mas ao mesmo tempo com a rigidez imprescindível para evitar o desvirtuamento do impôsto pela sua legislação específica. Muito particularmente, é importante impedir, por meio da norma geral, a instituição, seja pela União, seja pelo Estado ou pelo Município, de impostos excedentes das suas competências privativas; e impedir também a instituição, pela União ou pelos Estados, de impostos de competência concorrente sob o aspecto formal de impostos privativos. No primeiro caso, a discriminação constitucional de rendas estaria diretamente fraudada pela invasão da competência privativa de outro poder; e no segundo caso, estaria fraudada indiretamente, através da evasão de duas limitações constitucionais de competência, a que institui a repartição obrigatória do produto dos impostos concorrentes, e o que submete êsses mesmos impostos ao contrôle judicial da bitributação. Expondo assim a finalidade da lei normativa sôbre a conceituação dos impostos privativos, acreditamos ter demonstrado o seu enquadramento no capítulo das normas gerais, em sua qualidade de normas regulamentares dos preceitos constitucionais relativos à discriminação de rendas.

Para finalizar esta análise superficial dos problemas suscitados pelos preceitos constitucionais em matéria de competência tributária, examinaremos ainda o mecanismo da bitributação. Embora o têrmo não mais figure no texto constitucional, o instituto da bitributação subsiste em sua essência, no que concerne à eliminação do impôsto estadual inominado pelo impôsto federal idêntico. O art. 21 da Constituição estabelece a regra da prevalência do impôsto federal, mas não lhe regula o mecanismo. Parece-nos indubitável que a declaração de identidade dos impostos inominados em presença seja matéria estritamente judicial: deverá, portanto, caber ao Supremo Tribunal e sòmente depois de declarada em última instância se poderá cogitar dos seus efeitos sôbre a legislação tributária estadual. Entretanto, o próprio acesso, ao Supremo Tribunal, de questão proposta para obter a declaração da identidade dos impostos poderá dar lugar a dúvidas: a menos que se trate de ação proposta diretamente pela União contra o Estado, hipótese em que a competência do Supremo seria originária, a matéria sòmente poderá ser apreciada por via de recurso extraordinário interposto de decisão que julgue válida lei estadual cuja validade tenha sido contestada em face da Constituição ou de lei federal. Mas a alegação de bitributação não é, rigorosamente falando, uma alegação de invalidez da lei estadual: pelo contrário, a possibilidade mesma da existência de bitributação depende da existência simultânea de dois impostos idênticos e formalmente válidos: quando um dêles não o seja, o problema será de invasão de competência privativa, ou de violação de limitações constitucionais, ou de nulidade formal da lei – não de bitributação. Assim sendo, a via judicial apropriada à verificação da identidade dos impostos seria antes – como bem observa SEABRA FAGUNDES – ação declaratória proposta pela União contra o Estado; ou uma ação especial que poderia ser disciplinada por lei federal até mesmo à margem do problema de normas gerais, uma vez que se trata de matéria de direito judiciário civil.

Declarada judicialmente a identidade dos impostos, resta ainda o problema dos efeitos da decisão. Que a decisão se aplique ex tunc, não oferece dúvida, dado o efeito retroativo inerente aos atos declaratórios, importando, por conseguinte, a restituição do impôsto estadual arrecadado a partir do momento em que se tenha verificado a situação de identidade ulteriormente declarada: ou seja, quer o impôsto federal lhe seja anterior, quer posterior. Mas o problema é outro: a decisão judicial, por isso mesmo que não é normativa, não pode, por si só, excluir para o futuro a aplicação da lei estadual. A Carta de 1937 regulava a hipótese, determinando a suspensão da lei do Estado por ato do Conselho Federal. A Constituição vigente silencia, mas não seria o caso de estender à hipótese a regra do seu art. 64, de suspensão, mediante resolução do Senado das leis judicialmente declaradas inconstitucionais? Parece-nos que sim, embora a bitributação não seja, rigorosamente, inconstitucionalidade: mas a identidade evidente das finalidades objetivadas numa e noutra hipótese justifica a identidade dos meios a utilizar para atingi-las. Entretanto, aqui surge novo problema: dado que a jurisprudência não é normativa, a resolução do Senado é vinculada, ou cabe-lhe uma apreciação, que teria fundamento essencialmente político, da conveniência de suspender a aplicação da lei tributária estadual? Sem embargo de hesitações anteriores, inclinamo-nos hoje pela resposta afirmativa: se a jurisprudência já admite que a coisa julgada em matéria tributária seja substancial em relação aos elementos permanentes e invariáveis do caso decidido, e se a decisão judicial que declara a identidade dos impostos versa sôbre o próprio conteúdo substancial da lei examinada não vemos razão para lhe negar efeito sôbre a lei mesma, e não apenas sôbre a aplicação da lei ao caso. Apóiam ainda esta conclusão – na hipótese de se tratar da ação declaratória que preconizamos – a circunstância da sentença constituir um preceito sôbre o direito em tese; e, em tôdas as hipóteses, a circunstância de se tratar de decisão que faz parte de um mecanismo destinado a assegurar a atuação do sistema constitucional de discriminação de rendas.

Um segundo grupo de preceitos constitucionais fértil em problemas suscetíveis de serem atacados mediante normas gerais é o referente aos próprios instrumentos de atuação do direito financeiro – ou seja, na delimitação que impusemos a êste trabalho, os problemas relativos aos tributos. Alguns aspectos dêsses problemas – os que se referem à definição da incidência dos impostos privativos e ao mecanismo dos impostos concorrentes – já foram aflorados sob o prisma da competência, tributária. Desejaríamos agora tratar resumidamente de problemas de ordem mais geral, especialmente os que se relacionam com a própria definição do gênero tributo e das espécies em que se subdivide: o impôsto, a taxa e a contribuição.

Impôsto, taxa e contribuição

A matéria é constitucional, senão diretamente, ao menos por inferência, porque a Constituição menciona repetidamente o gênero e suas espécies, tanto em relação com uma ou outra das entidades políticas, como em caráter geral quanto a tôdas elas. A necessidade de uma conceituação uniforme e normativa decorre portanto da aplicabilidade simultânea ou individual dos conceitos a definir, e justifica-se como regulamentação de preceitos constitucionais expressos ou implícitos.

Já existe lei normativa definindo os conceitos de impôsto e de taxa: é o decreto-lei nº 2.416, promulgado em 1940 e atualmente em processo de revisão e atualização no Congresso Nacional. Como lei de normas gerais, êsse diploma padece de um defeito de conceituação, que reside no fato de estar a sua fôrça vinculativa restrita aos Estados e Municípios, com exclusão da União: mas êsse defeito tem a sua correção prevista no projeto em andamento no Congresso. Outros defeitos existem, entretanto, que o projeto não visou corrigir, e que procuramos apontar em parecer proferido a seu respeito a pedido da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Nesse parecer, focalizamos essencialmente três pontos: 1) a necessidade de um conceito orgânico de tributo; 2) a necessidade de uma revisão do conceito de taxa; 3) a necessidade de reconhecer de modo expresso a tripartição das espécies tributárias, formulando o conceito de contribuição. Procuraremos agora resumir brevemente as nossas idéias quanto a êsses três aspectos.

Conceituar genèricamente o tributo, paralelamente à conceituação das espécies nêle compreendidas, é necessário porque tanto a Constituição como a lei ordinária – inclusive o próprio dec.-lei nº 2.416 – freqüentemente se referem ao conceito sem o definir. Por outro lado, a própria ausência de uma definição normativa de “tributo” tem ensejado o emprêgo legislativo da palavra “impôsto” com enderêço evidentemente genérico, o que, além de constituir uma falha não apenas terminológica mas técnica, tem dado lugar a interpretações restritivas; um exemplo que já foi lembrado pode ser agora repetido: a expressão “impôsto único” no sentido de “tributo único”, e a conseqüente admissão da cobrança concomitante de taxas. Além disso, desde que se tenha em vista uma codificação tributária ou de uma lei orgânica da finança pública, a conceituação liminar de tributo será imprescindível para delimitar o próprio campo de aplicação da lei. Além disso, definido genèricamente o tributo, evitam-se dois inconvenientes, um de técnica legislativa, outro de repercussões mais profundas sôbre a própria estrutura do sistema tributário. O primeiro inconveniente é o detalhismo casuístico na enumeração das espécies tributárias, que foi criticada no Cód. Fiscal do México. O segundo inconveniente é o entrave, que uma enumeração, que não poderia deixar de ser taxativa, viria trazer à elaboração de figuras tributárias específicas que do contrário teriam a sua validade assegurada desde que correspondessem ao conceito genérico de tributo.

Além disso, nem tôdas as receitas derivadas sigo tributos: e, portanto, a separação, conceitua lentre umas e outras é necessária, não apenas para delimitar o campo de aplicação das leis que respectivamente as regulem, como principalmente para evitar que a confusão entre princípios de aplicação relativos a umas ou a outras possam ter conseqüências danosas para o interêsse público ou inversamente para o direito subjetivo dos contribuintes. Sob o primeiro aspecto, é preciso afastar a aplicação, aos preços públicos, de preceitos constitucionais referentes apenas aos tributos: por exemplo, a exigência de previsão orçamentária e a regra de uniformidade. A extensão de tais restrições aos preços públicos seria evidentemente incompatível com a sua natureza jurídico-financeira, e portanto viria entravar a atividade financeira do Estado em setores importantes da administração do país. Sob o segundo aspecto, uma conceituação normativa de tributo impediria que receitas dessa natureza fôssem reguladas formalmente como preços públicos: se isto pudesse acontecer, ficariam evidentemente fraudadas as limitações constitucionais do poder tributário, que constituem direitos e garantias individuais.

Paralelamente à definição de tributo e em consonância com ela, a lei normativa deveria conceituar as espécies contidas no gênero. A definição de impôsto é talvez a que oferece menor dificuldade: basta que refira a generalidade da cobrança e ausência de relação a benefício específico, respeitados, é claro, os pressupostos da conceituação genérica como tributo.

A definição de taxa é, ao contrário, a mais complexa. A que consta do decreto-lei n° 2.416 toma por base a destinação da receita à remuneração de serviços ou atividades específicas. O critério é tradicionalmente correto, mas não é suficiente, não sòmente porque a destinação de tôdas as receitas públicas é em última análise a mesma – de modo que a especificação é simples regra contábil de atribuição, sem influência sôbre a origem da receita e sua natureza – como ainda porque os impostos com destinação determinada, pela mesma razão não deixam de ser impostos e não taxas. Ao critério do destino é portanto essencial acrescentar outro que o complemente e que só pode ser o critério da origem: por outras palavras, só é taxa o tributo cobrado exclusivamente dos contribuintes que se utilizem, efetiva ou potencialmente, do serviço ou atividade cujo exercício, pelo Estado, serve de fundamento à cobrança. Basta refletir, com efeito, que a característica do impôsto é a generalidade da cobrança, independentemente do fato da destinação ser também genérica ou ao contrário específica, para perceber que a característica diferencial da taxa só pode ser a especificação da cobrança e não a especificação do destino do produto.

Por outro lado, conceituar a taxa mediante a identificação do contribuinte é a única maneira de obstar à defraudação mais comum do regime de discriminação constitucional de rendas: a criação de impostos sob a figura formal de taxas. Todo tributo que, embora instituído em função de determinado serviço ou atividade pública, e embora destinado ao custeio dêsse serviço ou atividade, entretanto, seja cobrado indistintamente de todos os cidadãos, inclusive daqueles que nenhuma relação tenham com o serviço ou atividade, não é taxa: é impôsto com destinação determinada. Tributos dessa natureza são comuns nos Estados e especialmente nos Municípios; como a discriminação constitucional de rendas só é rígida em relação aos impostos, o Estado, atribuindo ao impôsto de competência concorrente o caráter formal de taxa, livra-se da obrigação de repartir o seu produto com a União e com os Municípios; e os Municípios contornam a impossibilidade de criar outros impostos além dos privativos, que decorre para êles do fato da Constituição ter reservado a competência residual cumulativamente à União e aos Estados. Os exemplos mais comuns são as “taxas” municipais de estatística ou de fiscalização, cobradas sôbre as vendas ou a exportação, e que portanto são verdadeiros adicionais dêsses impostos estaduais; mas a própria União não está isenta de crítica sob êste aspecto, como dá testemunho a taxa de previdência social cobrada sôbre o valor das importações que vem a ser um adicional dos direitos aduaneiros, com o mesmo caráter de impôsto e não de taxa; ou a taxa de educação e saúde, verdadeiro adicional do impôsto do sêlo.

Em todos os exemplos figurados – que poderiam ser multiplicados ao infinito – o desvirtuamento da taxa em impôsto decorre da sua cobrança de contribuintes que não estão em relação com o serviço remunerado – e ainda, da adoção de um fato gerador que não é necessàriamente a utilização de serviço. Definindo ao contrário a taxa pela identificação do contribuinte, afastam-se de uma só vez estas duas possibilidades de desvirtuamento: porque então o contribuinte só poderá ser aquêle que se utilize do serviço ou se beneficie com a atividade pública remunerada. Para os que tenham a curiosidade de levantar uma relação dos impostos mascarados de taxas, que existem no sistema tributário brasileiro, indicaremos as inúmeras “taxas” de assistência ou beneficência, especialmente comuns na legislação municipal. O ilogismo da conceituação de tais tributos como taxas está justamente nisto: que se fôssem rigorosamente taxas, só poderiam ser cobrados dos beneficiários do serviço remunerado; ora, os beneficiários do serviço são justamente as pessoas a quem o Estado reconhece a ausência de capacidade contributiva, tanto assim que as faz titulares da assistência social; por conseguinte, o tributo é sempre cobrado de outras pessoas, ou seja, daquelas a quem o Estado atribui capacidade contributiva; e em conseqüência a taxa de assistência nunca pode ser uma taxa, porque é sempre um impôsto.

Entre a taxa e o impôsto existe uma zona cinzenta onde se situa, na conhecida classificação de SELIGMAN, a contribuição. A subdivisão do gênero “tributo” é portanto tripartida e não bipartida: o fato de haver autores, como entre nós FRANCISCO CAMPOS e PONTES DE MIRANDA, que consideram a contribuição de melhoria como uma subespécie da taxa, não exclui a tripartição das receitas tributárias, porque a contribuição de melhoria é apenas um dentre os muitos tipos possíveis de contribuições. Mesmo em face do texto da Constituição, se eliminarmos a referência expressa à contribuição de melhoria, reduzindo as espécies mencionadas duas, impôsto e taxa, ainda assim as contribuições caberiam entre as “quaisquer outras rendas que possam provir do exercício de suas atividades ou da utilização de seus bens e serviços”, que o artigo 30 autoriza a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a cobrar.

A classificação de SELIGMAN é baseada em uma escala comparativa da graduação recíproca entre o interêsse público e o interêsse particular presentes em cada tipo de receita. Trata-se portanto de um critério econômico, que se presta mal a uma formulação em têrmos jurídicos. Por outro lado, a característica jurídica da contribuição é reunir elementos do conceito de taxa e elementos do conceito de impôsto. Assim, pode ocorrer na contribuição a generalidade da cobrança, e por aí ela se aproxima do impôsto: mas pode ocorrer ao mesmo tempo o benefício individual mensurável, e por aí ela se aproxima da taxa; entretanto, êsse benefício individual pode não ter sido auferido pessoalmente pelo contribuinte, e por aí a contribuição afasta-se da taxa; como também a generalidade da cobrança pode ser entendida em sentido relativo apenas, isto é, com referência a determinado grupo ou categoria de cidadãos, e por aí a contribuição se afasta do impôsto. Todos êstes temperamentos do conceito parecem indicar a dificuldade da sua concretização: mas, uma vez que esteja normativamente fixado o conceito básico de tributo, a contribuição poderá ser definida, de maneira simplista, como sendo todo tributo que não seja impôsto nem taxa. Em resumo, a contribuição é uma figura tributária complementar, cuja principal utilidade é preencher os claros do sistema, identificando os tributos de caráter misto ou marginal e temperando a rigidez dogmática das classificações. Por isso, o conceito de contribuição é necessàriamente maleável, talvez mesmo impreciso, mas por outro lado a sua referência à definição normativa de tributo é suficiente para enquadrá-lo em um padrão jurídico mínimo, de modo a evitar que a contribuição pudesse transformar-se num expediente cômodo para legalizar tôdas as ilegalidades.

Parafiscalidade

O terreno de eleição das contribuições é o dos chamados tributos parafiscais. A batalha da parafiscalidade continua acesa na, doutrina, mas na prática a aceitação do instituto é um fato consumado: a parafiscalidade está in rerum naturam e se para o financista o conteúdo e o alcance dêste novo capítulo da sua ciência ainda comportam dúvidas e controvérsias, para o jurista, mais preocupado com o imediatismo das regulamentações ordenatórias, o fato consumado da existência de um novo fenômeno financeiro impõe desde logo o problema de lhe definir ã legalidade antes mesmo que lhe seja definitivamente definida a essência. Nisto reside, aliás, a principal dificuldade, da parafiscalidade sob o ponto de vista jurídico. Todo o direito, mas talvez especialmente o direito financeiro, é essencialmente uma técnica de atuação das outras ciências sociais: de modo que o jurista que se contenta com uma construção em têrmos de pura dogmática jurídica arrisca-se a construir sem alicerces. Entretanto, os fatos caminham à frente do direito: e por tudo isto é que o jurista, confrontado com uma situação como a que lhe apresenta o surto atual da parafiscalidade, por um lado é forçado a agir para não falhar à sua missão, mas por outro lado deve limitar sua ação ao essencial e inadiável, a fim de não correr o risco de entravar, por uma regulamentação prematura, o desenvolvimento de um instituto cujas características fundamentais ainda não tenham sido plenamente elaboradas pela análise cientifica dos fatos.

Ora, em matéria de finanças públicas, o que é essencial e inadiável é o contrôle. No que se refere à parafiscalidade, o contrôle financeiro já está objetivado em projeto de lei elaborado por BILAC PINTO: será êsse um outro exemplo de lei de normas gerais de direito financeiro, que, conjugada a outra da mesma natureza, que objetive o contrôle da legalidade, fornecerá um primeiro arcabouço jurídico necessário e suficiente para permitir que o fenômeno financeiro se desenvolva sem empecilhos formais evitáveis, mas ao mesmo tempo sem se transformar em terreno à margem dos preceitos constitucionais. Para regular, nesse primeiro estágio, o contrôle da legalidade dos tributos parafiscais, parece-nos suficiente, mas imprescindível, que a lei normativa declare expressamente a sua sujeição aos preceitos constitucionais que regem a instituição e a cobrança dos tributos em geral, ou seja, a exigência de lei tributária substantiva e de autorização orçamentária. Isto porque nos parece incontestável que as exações parafiscais tenham o caráter substancial de tributos; mas ir além do conceito genérico e das suas conseqüências jurídicas imediatas, seria talvez prematuro, notadamente no que se refere a atribuir a tais exações, por fôrça de lei normativa, uma natureza tributária específica como impostos, taxas ou contribuições. A cada um dêsses conceitos específicos correspondem, com efeito, preceitos constitucionais próprios, expressos ou implícitos, cuja aplicação poderia se revelar incompatível com a natureza própria do instituto, uma vez definitivamente elaborada com atenção à diversidade de modalidades que pode assumir a tributação parafiscal, inclusive ensejando a criação de figuras tributárias novas.

Empréstimo compulsório

Por falar em figuras tributárias novas, não poderíamos encerrar esta parte da nossa palestra sem fazer pelo menos uma referência a um expediente financeiro velho, que ùltimamente tem mostrado tendência a ressurgir com aspectos de novidade: o empréstimo compulsório. Do ponto de vista econômico, empréstimo compulsório e impôsto podem ser descritos por uma mesma fórmula: redistribuição forçada do poder aquisitivo. A única diferença estaria no fato de a absorção de capacidade financeira individual ser definitiva no impôsto e temporária no empréstimo: mas até mesmo essa distinção perde o seu valor de conceito quando se reflete que o impôsto reembolsável é um processo financeiro conhecido de longa data, e mesmo modernamente preconizado como instrumento de regulamentação dos ciclos econômicos e da inflação dirigida. Mas, para não nos afastarmos do caráter primordialmente jurídico desta palestra, queremos apenas advertir que, em país de discriminação tributária rígida como o Brasil, o empréstimo compulsório pode fàcilmente transformar-se no processo técnico ideal da fraude à lei pelo próprio govêrno. Em vez de criar impostos, criem-se empréstimos compulsórios: e o deslocamento do problema, dentro do quadro do direito financeiro, do capítulo da receita tributária para o capítulo do crédito público, eliminará de um golpe tôdas as limitações constitucionais ao poder de tributar. A solução primária é evidente: uma norma geral determinando que aos empréstimos compulsórios aplicam-se as limitações constitucionais referentes aos tributos. Mas é duvidoso que se possa equacionar, sob o ponto de vista jurídico formal, empréstimo e impôsto, sem embargo das suas semelhanças ou identidades econômicas – porque é preciso não esquecer que, afinal de contas, a norma geral é regra de direito e não de economia. A solução elaborada estará portanto em outra lei de normas gerais, não necessàriamente tributárias, que operassem uma síntese entre os princípios jurídico-financeiros do crédito público e os da tributação.

Cabe entretanto uma ressalva, quando mais não fôsse por uma questão de coerência com o que já dissemos contra o dogmatismo jurídico em matéria financeira. Regular juridicamente o exercício do poder financeiro do Estado, principalmente para preservar a estrutura do sistema financeiro da Constituição, é uma Coisa; mas pretender transformar os fenômenos econômicos em fenômenos jurídicos é outra coisa muito diferente. Mesmo porque, nesse andar, chegaríamos logo a uma norma geral de direito financeiro proibindo a inflação. Ninguém nega que a inflação funciona, do ponto de vista econômico, como um impôsto que incidisse sôbre os titulares de rendas fixas e de créditos a longo prazo, e que isentasse ou mesmo beneficiasse os proprietários de bens capitais. Por conseguinte, a inflação é um impôsto discriminatório: logo, a inflação é inconstitucional…

Direito tributário substantivo

Dedicamos a maior parte do nosso tempo a uma resenha do que se poderia fazer através de normas gerais no terreno do direito tributário constitucional, porque aí estão, como é lógico, os problemas fundamentais. Mas o campo do direito tributário substantivo também fornece possibilidades de interêsse.

Vejamos, por exemplo, a matéria referente à legislação tributária. Não há tributo sem lei, diz a Constituição. Mas, a lei que se limite a instituir o tributo e delegue a sua conceituação ao decreto regulamentar, ou mesmo a atos administrativos de caráter normativo, será constitucional? Evidentemente não, mesmo sem recorrer à proibição constitucional da delegação de atribuições: como já dissemos, a discriminação constitucional de rendas não é simplesmente a atribuição de um nomen juris. Por isso não nos parece fora de propósito uma norma geral determinando que é de competência privativa da lei tributária, a que se refere o § 34 do art. 141 da Constituição, definir os elementos essenciais à conceituação jurídica do tributo por ela instituído. Êsses elementos são: a situação material ou jurídica que dá lugar à incidência ou seja, o fato gerador da obrigação tributária; a indicação da pessoa do contribuinte – que já vimos ser essencial até mesmo à conceituação especifica de um tributo como impôsto ou como taxa, e a base de cálculo da alíquota – porque um tributo calculado na base de um elemento estranho ao seu próprio fato gerador passa, na maior parte dos casos, a ser um tributo diferente: basta citar como exemplos a taxa de água calculada sôbre o valor locativo, ou a taxa de calçamento calculada sôbre o valor venal das propriedades marginais: evidentemente, impôsto predial e impôsto territorial.

Além dêsses aspectos mais imediatos, a lei tributária substantiva ainda comporta outros que, através de normas gerais, podem chegar a constituir problemas constitucionais de delimitação da competência tributária. Está neste caso a nossa mais antiga lei de normas gerais – o dec.-lei nº 915, de 1937, – que, sob a aparência inocente de definir o lugar da operação para os efeitos do impôsto de vendas e consignações, na realidade enfrentou um problema constitucional de definição de competência tributária quanto às operações interestaduais de venda ou de consignação. Por sua vez, a Constituição de 1946, transferindo o impôsto de indústria e profissões para os Municípios, veio criar a necessidade de um dec.-lei nº 915 também para êsse impôsto, a fim de reprimir o que hoje está acontecendo: um mesmo elemento do movimento econômico do contribuinte servindo de base ao lançamento em mais de um Município; existe sôbre êste assunto um projeto de lei do deputado ALIOMAR BALEEIRO, que nos fêz a honra da basear sua justificativa em trabalho nosso sôbre o impôsto de indústria e profissões e as atividades intermunicipais. Ainda outra lei do mesmo tipo seria necessária quanto ao impôsto estadual de exportação, para definir o que se entende por mercadoria de produção do Estado, especialmente nos casos em que a exportação se faça através de outro Estado, ou em que a produção seja iniciada em um Estado e concluída em outro.

Em outra ordem de idéias, mas particularizadas, é a lei tributária substantiva que regula a formação da obrigação tributária e a constituição do crédito correspondente. Sendo a lei tributária uma lei de direito público, a sua aplicação é vinculada e obrigatória, sem margem de discricionaridade por parte da administração. Por conseguinte, é também matéria privativa da lei tributária determinar as hipóteses em que a sua aplicação possa ser dispensada: moratória, anistia, remissão de créditos fiscais ou transação a seu respeito. Mais importante de tôdas essas hipóteses é a da isenção, que como já vimos difere da imunidade por não configurar um caso de não-incidência, mas sim um caso de dispensa de pagamento, portanto de dispensa de aplicação da lei. Caberia à lei de normas gerais definir o alcance das isenções, tanto legais como contratuais, e principalmente cortar a controvérsia existente na doutrina e na jurisprudência quanto às isenções de tributos estaduais e municipais por lei federal, e de tributos municipais por lei estadual. Revertemos, assim, mais uma vez, ao campo das limitações constitucionais do poder tributário, e desta vez a implantação da norma geral teria de se fazer na teoria dos poderes implícitos, que conviria delimitar e sistematizar para pôr têrmo à confusão existente e às controvérsias judiciais que tem provocado.

Também em matéria de hermenêutica poderiam caber normas gerais, como decorrência do princípio da obrigatoriedade de aplicação da lei tributária, e ao mesmo título a que tais normas existem na Lei de Introdução ao Cód. Civil e na Parte Geral do Cód. Penal. Nesta matéria temos uma vexata quaestio: a interpretação analógica. Os esforços de análise doutrinária mais recentes cifram-se em distinguir entre “interpretação por compreensão” e “interpretação por extensão”, mas essas fórmulas não nos parecem conter a solução do problema, uma vez que ambas representam tipos de raciocínio analógico. A essência do problema, a nosso ver, estaria na proscrição de quaisquer limitações apriorísticas do processo interpretativo, visando à pesquisa dos efeitos econômicos dos atos ou fatos tributados, a fim de que, em síntese, a efeitos econômicos idênticos ou equivalentes corresponda tratamento tributário igual: fórmula que se aplica igualmente à interpretação, para efeitos tributários, dos institutos de direito privado adotados pelos contribuintes, inclusive no que se refere à chamada “evasão por abuso de formas”.

Cobrança de tributos majorados

Mas não é só a lei tributária substantiva que comporta esclarecimentos por meio de normas gerais: a lei do orçamento também fornece oportunidades à legislação complementar da Constituição. Destas, a principal é a que se relaciona com a cobrança de tributos majorados. Porque o tributo majorado já existia, às vêzes se tem entendido que a majoração possa ser cobrada no mesmo exercício em que é decretada. Pensamos que não, porque entendemos que a autorização orçamentária é vinculada aos têrmos da lei tributária vigente à data da promulgação da lei orçamentária. É claro que isto não significa atribuir um efeito jurídico substancial à previsão orçamentária, ou seja, em atender que é ilegal o excesso da arrecadação efetiva sôbre a receita orçada. O que tem efeito jurídico substancial é a autorização orçamentária, porque êsse efeito é o mesmo da lei tributária substantiva, que sem a autorização orçamentária não poderia vigorar no exercício.

Depois destas breves referências a temas de direito tributário substantivo, poderíamos ainda nos estender sôbre as suas disciplinas auxiliares. Mas não queremos exceder os limites da paciência do auditório, e por isso nos limitaremos a um simples enunciado de tópicos que nos parecem suscetíveis de regulamentação através de normas gerais.

Assim, no direito tributário administrativo, a matéria dos poderes das autoridades arrecadadoras e fiscalizadoras contém aspectos que se relacionam com os direitos e garantias individuais e portanto podem fornecer à lei de normas gerais a sua matriz constitucional. Estão neste caso, entre outras, as disposições sôbre investigação, prestação de informações, exame de livros e arquivos e polícia fiscal em geral, matéria que afeta o direito de sigilo e a liberdade profissional; as disposições sôbre apreensão de bens e mercadorias, que interferem com a liberdade do comércio e com o direito à propriedade privada; as disposições sôbre medidas de garantia do crédito tributário e de coação administrativa, que afetam a liberdade do comércio e do exercício profissional. Finalmente, seria de desejar uma regulamentação uniforme dos efeitos das certidões negativas, matéria relacionada à extinção da obrigação tributária e que portanto está ligada ao direito tributário substantivo.

Direito penal tributário

O direito tributário penal é um campo ainda pràticamente inexplorado entre nós. A própria controvérsia terminológica – “direito tributário penal” ou “direito penal tributário” – já indica a dúvida de se tratar de um ramo acessório do direito financeiro ou de um capítulo especializado do direito criminal: na primeira hipótese, a competência legislativa federal seria restrita a normas gerais; na segunda, essa competência seria privativa e portanto ampla. A primeira solução parece a mais correta, mesmo porque a infração tributária não tem necessàriamente caráter criminal, e quando o tenha encontra qualificação no Cód. Penal ou na Lei das Contravenções, o que por sua vez ressalva o caráter administrativo das sanções tributárias e a competência administrativa para o seu processo e aplicação. Ainda assim, entretanto, os preceitos constitucionais em matéria criminal, enquadrados como estão no capítulo dos direitos e garantias individuais, comportam uma regulamentação em têrmos de normas gerais, para sua adaptação específica à matéria financeira. Mesmo num plano mais geral de idéias, é possível sistematizar as sanções administrativas tributárias em função de uma assimilação das figuras de ilícito tributário às figuras de ilícito penal – crimes e contravenções – relegando para uma terceira espécie as infrações meramente regulamentares. Uma assimilação desta ordem, que – repetimos – teria uma função meramente sistemática, por sua vez permitiria sistematizar os efeitos penais das infrações de cada uma das três categorias: com isso se atingiria um resultado evidentemente vantajoso no que se refere à uniformização dos critérios de conceituação das infrações e das penalidades, de graduação e aplicação das sanções, de influência das circunstâncias materiais do fato, ou das condições pessoais do infrator, para efeito de regular a punibilidade, a imputabilidade e a responsabilidade penal, etc. Em resumo, parece-nos que haveria campo, em matéria de normas gerais, para se tentar um ordenamento sistemático de princípios genéricos e básicos na matéria do direito penal tributário, que constitui atualmente um dos capítulos mais confusos – para não dizer caóticos – do nosso direito tributário positivo.

Direito tributário processual

Finalmente, o direito tributário processual deve ser encarado sob o duplo aspecto do procedimento administrativo e do procedimento judicial. Quanto ao processo tributário judicial, a União dispõe de competência legislativa plena, e não circunscrita a normas gerais, por se tratar da competência para legislar sôbre direito processual. Já o processo administrativo dos Estados e Municípios oferece um campo mínimo, por não existir na Constituição reserva de competência legislativa federal sôbre direito administrativo. Certos aspectos fundamentais, entretanto, porque afetam diretamente o próprio direito subjetivo debatido no processo, poderão encontrar implantação constitucional: é o caso, por exemplo, da regulamentação da definitividade das decisões administrativas, que se entrosa com a garantia constitucional do direito de acesso ao Judiciário. O ideal seria, entretanto, que, através da legislação sôbre o processo tributário judicial, a União procurasse estabelecer um regime que, refletindo-se sôbre o processo administrativo dos Estados e Municípios, e do certa forma pré-ordenando a sua regulamentação, sem invasão de competência e sem prejuízo das peculiaridades locais, atingisse um sistema orgânico e harmônico para o desenvolvimento das questões fiscais contenciosas em seus dois estágios de jurisdição. Êste objetivo, sem dúvida difícil mas não impossível, é o que temos defendido desde 1943, e que ainda recentemente expusemos em conferência pronunciada no Instituto Brasileiro de Direito Financeiro.

Com isto encerraremos êste nosso trabalho. O tema das normas gerais é vasto e complexo e não poderíamos ter a pretensão de tratá-lo completamente nesta oportunidade. Quando o Instituto de Direito Público e Ciência Política nos honrou com o convite para esta conferência, aceitamos um encargo superior às nossas fôrças mas o aceitamos apenas com a intenção de fazer aquilo que acreditamos ter feito: atrair atenção para um dos terrenos mais férteis do nosso direito constitucional financeiro, e atrair essa atenção justamente no ambiente onde ela tem maiores probabilidades de frutificar; porque é aqui que estão congregados os estudiosos mais qualificados para dar ao assunto o desenvolvimento a que êle convida pela sua atração intelectual, e que êle exige pela sua importância para a concretização do regime político, econômico e jurídico instituído pela Constituição.

BIBLIOGRAFIA

1. CARLOS ALBERTO A. DE CARVALHO PINTO, “Normas Gerais de Direito Financeiro”, publicação da Prefeitura do Município de São Paulo, 1949, reproduzido em “Finanças em Debate” (ver nº 7).

2. GILBERTO DE ULHÔA CANTO, “Ainda as Normas Gerais do Direito Financeiro”, “Boletim do Conselho Técnico de Economia e Finanças”, nº 109, Rio de Janeiro, 1950, reproduzido em “Finanças em Debate” (ver os ns. 7 e 8).

3. AFONSO ALMIRO, “A Constituição e o Código Tributário Nacional”, “Revista do Serviço Público”, Rio de Janeiro, dezembro de 1946 (ver também os ns. 7 e 8).

4. ALIOMAR BALEEIRO. “Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar”, Rio de Janeiro, edição da “REVISTA FORENSE”, 1951; idem, Projeto de lei nº 1.792-52, sôbre normas gerais de direito financeiro para a instituição do impôsto de indústria e profissões pelos Municípios, “Diário do Congresso Nacional”, 28 de março de 1952, pág. 2.478 (ver também ns. 7 e 8).

5. BILAC PINTO, Projeto de lei nº 2.760-53, sôbre normas gerais de contrôle financeiro das entidades que recebem e aplicam contribuições parafiscais, “Diário do Congresso Nacional”, 20 de janeiro de 1953, pág. 28, ou “REVISTA FORENSE”, vol. 145, pág. 562.

6. RUBENS GOMES DE SOUSA, “Instituição de Normas Financeiras para a União, os Estados e os Municípios”, parecer sôbre o projeto de lei nº 201-50, da Câmara dos Deputados, publicação da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, 1951; idem, “O Impôsto de Indústria e Profissões e as Atividades Intermunicipais”, “Revista de Direito Mercantil”, São Paulo, vol. 2, pág. 448; idem, “Processo Fiscal”, publicação nº 2 do Instituto Brasileiro de Direito Financeiro, Rio de Janeiro (no prelo); idem, “Anteprojeto de Código Tributário Nacional”, publicação, para receber sugestões, no “Diário Oficial” da União, Seção I, em 25 de agôsto do 1953 (ver também o nº 8).

7. “Finanças em Debate”, fascículo I; “Normas Gerais de Direito Financeiro”, mesa redonda com a participação do Prof. SÁ FILHO, deputado

Finalpag. 34

ALIOMAR BALEEIRO, Dr. ARÍZIO DE VIANA, Dr. GILBERTO DE ULHÔA CANTO e Dr. AFONSO ALMIRO, Rio de Janeiro, Edições Financeiras S.A., s. d.

8. “Discriminação de Rendas”, publicação nº 1 do Instituto brasileiro de Direito Financeiro, mesa redonda com a participação do deputado ALIOMAR BALEEIRO, Dr. GILBERTO DE ULHÔA CANTO, Prof. RUBENS GOMES DE SOUSA, Dr. GÉRSON AUGUSTO DA SILVA, Dr. AFONSO ALMIRO e Dr. CARLOS DA ROCHA GUIMARÃES, Rio de janeiro, 1953.

_________

Notas:

* Conferência proferida, em agôsto de 1953, no Instituto de Direito Público e Ciência Política, da Fundação Getúlio Vargas.

I) Normas técnicas para apresentação do trabalho:

  1. Os originais devem ser digitados em Word (Windows). A fonte deverá ser Times New Roman, corpo 12, espaço 1,5 cm entre linhas, em formato A4, com margens de 2,0 cm;
  2. Os trabalhos podem ser submetidos em português, inglês, francês, italiano e espanhol;
  3. Devem apresentar o título, o resumo e as palavras-chave, obrigatoriamente em português (ou inglês, francês, italiano e espanhol) e inglês, com o objetivo de permitir a divulgação dos trabalhos em indexadores e base de dados estrangeiros;
  4. A folha de rosto do arquivo deve conter o título do trabalho (em português – ou inglês, francês, italiano e espanhol) e os dados do(s) autor(es): nome completo, formação acadêmica, vínculo institucional, telefone e endereço eletrônico;
  5. O(s) nome(s) do(s) autor(es) e sua qualificação devem estar no arquivo do texto, abaixo do título;
  6. As notas de rodapé devem ser colocadas no corpo do texto.

II) Normas Editoriais

Todas as colaborações devem ser enviadas, exclusivamente por meio eletrônico, para o endereço: revista.forense@grupogen.com.br

Os artigos devem ser inéditos (os artigos submetidos não podem ter sido publicados em nenhum outro lugar). Não devem ser submetidos, simultaneamente, a mais do que uma publicação.

Devem ser originais (qualquer trabalho ou palavras provenientes de outros autores ou fontes devem ter sido devidamente acreditados e referenciados).

Serão aceitos artigos em português, inglês, francês, italiano e espanhol.

Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.

Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.

Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:

  1. adequação à linha editorial;
  2. contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
  3. qualidade da abordagem;
  4. qualidade do texto;
  5. qualidade da pesquisa;
  6. consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
  7. caráter inovador do artigo científico apresentado.

Observações gerais:

  1. A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
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