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Métodos consensuais de resolução de conflitos em matéria tributária
Eduardo Muniz Machado Cavalcanti
08/08/2022
Eduardo Muniz Machado Cavalcante discorre sobre a lei Lei 14.375/2022, que facilita métodos consensuais para resolução de conflito em matéria tributária
Métodos consensuais de resolução de conflitos em matéria tributária
A Constituição Federal, no artigo 5º, XXXV, estabelece o princípio do acesso à justiça, o qual representa, essencialmente, a inafastabilidade do ingresso de medidas junto ao Poder Judiciário. Porém, ao longo de décadas, esse caráter irrestrito e aberto tem ocasionado o excessivo congestionamento, ano a ano, de processos na Justiça, cujos reflexos negativos são a morosidade e os elevados encargos de manutenção do serviço judiciário.
O conceito do referido princípio constitucional, neste ambiente, vem sendo ampliado e, hoje, pode ser compreendido como o acesso aos meios adequados para a resolução dos diferentes tipos de litígios, de modo a garantir às partes a efetiva e mais célere solução para suas demandas.
No âmbito tributário, estima-se que, atualmente, há um estoque de mais de 100 mil processos administrativos em curso no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, os quais representam mais de R$ 900 bilhões de reais1. No contencioso judicial, os processos de execução fiscal, historicamente, representam o maior fator de travamento do Poder Judiciário2. Diante deste cenário, fica evidente a relevância da viabilização de meios alternativos, ou como a literatura jurídica prefere – adequados, com vistas à solução de conflitos de natureza tributária.
A importância dos métodos consensuais
Os métodos consensuais representam instrumentos aptos para a solução de litígios ficais e redução da judicialização de demandas, trazendo consigo, além do viés arrecadatório, o de diminuição de custos e da adequada oferta de tratamento dos contribuintes. A implementação desses instrumentos representa, ainda, a realização do modelo de cooperação entre os sujeitos processuais estabelecido no Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15).
O princípio constitucional da indisponibilidade do interesse público era encarado, a princípio, como um obstáculo intransponível para a implementação de sessões de mediação e conciliação junto à Fazenda Pública. A maturidade do tema vem sendo construída a partir do consenso doutrinário acerca da viabilidade do sistema multiportas em matéria tributária, haja vista não haver violação ao interesse público, ao contrário. É do interesse público primário a viabilização de maior arrecadação, especialmente quando se trata de créditos públicos reconhecidos como “de difícil recuperação” ou “irrecuperáveis”.
A eficiência tributária e a concretização do princípio da razoável duração do processo também convergem com o interesse público.
O Poder Público, portanto, pode solucionar conflitos por meio da autocomposição, sob a condição de haver autorização normativa para tanto. Os métodos consensuais podem ser utilizados para a resolução de litígios tributários, desde que respeitada a legalidade. E, por mais de cinco décadas, a negociação de créditos tributários possui previsão legal no ordenamento jurídico, até então adormecida.
Transação tributária
O artigo 171 do Código Tributário Nacional, editado em 1966, já previa transação tributária. Condicionada, contudo, à regulamentação por lei, e, por isso, a disposição não produziu efeitos até o advento da MP 899/19, convertida na Lei 13.988/20, que estabeleceu os requisitos e condições para a sua implementação no âmbito da União, além de definir as suas diferentes modalidades.
A transação constitui acordo a ser celebrado entre o contribuinte e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) ou a Receita Federal do Brasil (RFB), especialmente com o permissivo previsto na Lei 14.375, de 2022, visando ao encerramento do passivo fiscal, mediante concessões mútuas entre os interessados.
O acordo pode envolver diversas condições especiais e benéficas ao contribuinte, com possibilidade de redução significativa do débito, a imediata suspensão das execuções fiscais em curso; a inexigibilidade de qualquer tipo de garantia ou sinal; a expedição de certidão de regularidade fiscal, assim que realizado o primeiro pagamento das parcelas.
Outra importante ferramenta implementada pela Fazenda Pública a fim de garantir a conciliação, com base na previsão do artigo 190 do CPC/2015, foi o instituto do Negócio Jurídico Processual, o qual possibilita a negociação de alternativas para viabilizar o adimplemento das dívidas pelo contribuinte, mesmo que não seja garantida propriamente a redução do passivo fiscal.
A Portaria PGFN nº 742/2018, que disciplinou a utilização do instituto em execuções fiscais, possibilita o emprego de medidas como a calendarização dos débitos e a elaboração de plano de amortização da dívida, de acordo com a capacidade de pagamento do contribuinte.
Arbitragem tributária
À mingua de regulamentação operacional, a arbitragem tributária também representa uma forma “alternativa” de resolução de conflitos que corresponde à submissão da controvérsia à resolução promovida por terceiro imparcial ou entidade escolhida pelas partes. O tema vem ganhando evidência e há dois projetos de lei de maior destaque em trâmite no Congresso Nacional cujo objeto é a implementação da arbitragem em matéria tributária (PL nº 4.257/19 e PL nº 4.468/20)
Os institutos, além de serem pautados sob o viés da arrecadação e do interesse público, levam em consideração o interesse privado dos devedores. A utilização desses instrumentosconciliatórios não somente está em consonância com os princípios constitucionais da relação jurídico-tributária, como ainda representam medidas para garantir a sua efetivação.
As iniciativas de modernização fiscal para a solução de conflitos tributários representam um passo significativo para proporcionar uma melhora no relacionamento entre Fisco e contribuintes, proporcionando uma certa dose de racionalização ao nosso complexo Sistema Tributário Nacional, o que se mostra essencial na realidade atual de excessiva litigiosidade relacionada a controvérsias tributárias.
Lei 14.375
Especialmente a respeito da Lei 14.375, publicada em 22 de junho de 2022, algumas inovações foram introduzidas na Lei 13.988, que autoriza a transação tributária.
A Lei amplia o prazo para quitação e os descontos aplicáveis à dívida transacionada. Os descontos foram aumentados de 50% para até 65%, e o prazo máximo do parcelamento foi ampliado de 84 meses para 120 meses. As novas disposições possibilitam a utilização dos saldos de prejuízo fiscal e de base negativa para amortização do valor transacionado, até o limite de 70% do saldo remanescente após a incidência dos descontos previstos no programa.
Quanto a esse ponto, a lei estabelece os seguintes parâmetros:
▪ Como regra geral, prevê, para o IRPJ, a alíquota de 15% sobre o valor do prejuízo fiscal; para a CSLL, 9% sobre o montante da base negativa;
▪ O saldo de prejuízo fiscal e de base negativa passíveis de utilização serão calculados pela multiplicação das alíquotas do IRPJ (15%) e da CSLL (9%) sobre o montante do prejuízo e da base negativa;
- Exemplo: um prestador de serviço tem R$1.000.000 de prejuízo fiscal. Poderá utilizar R$150.000 para amortizar o valor transacionado;
▪ Créditos de contribuições previdenciárias podem ser integralmente quitados com prejuízo fiscal e base negativa, em detrimento dos demais tributos que possuem limitação de 70% do valor transacionado;
▪ A utilização de prejuízo fiscal e de base negativa fica a critério (autorização) da PGFN e da RFB, conforme peculiaridade do caso concreto, a fim de viabilizar a recuperação da empresa;
- Foi fixado o prazo de 5 anos para a RFB homologar ou não os saldos de prejuízo fiscal de base negativa utilizados na transação, na linha do que prevê o art. 150 do Código Tributário Nacional para os lançamentos sujeitos a homologação, ou mesmo os procedimentos de compensação;
▪ A utilização de créditos de prejuízo fiscal e de base negativa não será limitada àqueles em nome do contribuinte, mas também em nome do responsável ou de pessoa jurídica
ligada.
Outro destaque é a permissão da utilização de direitos creditórios e/ou precatórios, reconhecidos por decisão transitada em julgado, com o objetivo de amortização da dívida transacionada.
A norma possibilita, ainda, a transação de créditos tributários não inscritos em dívida ativa que estejam em contencioso administrativo fiscal, o que também é um significativo avanço.
Em caso de migração de programa de parcelamento, a Lei prevê a manutenção dos descontos concedidos naquele âmbito, desde que o contribuinte esteja em situação regular no programa. De outro lado, a acumulação de reduções entre a transação e os respectivos programas de parcelamento é vedada. Em termos práticos, não pode incidir desconto sobre desconto, autorizando-se apenas a migração com a manutenção das reduções concedidas naquele âmbito e do que já foi objeto de pagamento.
Foram ampliadas as garantias aceitas na transação: (i) garantias reais ou fidejussórias; (ii) cessão fiduciária de direitos creditórios; (iii) alienação fiduciária de bens móveis, imóveis ou de direitos; (iv) créditos líquidos e certos reconhecidos em decisão transitada em julgado desfavoravelmente à União.
As mudanças trazidas pela Lei 14.375/2022 propiciam maior viabilidade de solução consensual dos passivos fiscais, sobretudo a partir da avaliação e do acompanhamento técnico-jurídico de cada caso concreto, de modo a adequá-lo com a melhor possibilidade de acordo, empoderando os procuradores e os advogados constituídos neste processo de negociação.
O aperfeiçoamento do instituto da transação tributária representa importante medida de modernização fiscal, com vistas a melhorar a relação do fisco com os contribuintes, além de estabelecer um processo de diálogo e confiança, pilares de maior segurança jurídica, possibilitando, por consequência, meios para prevenir e resolver litígios fiscais.
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