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Legislação aduaneira e tributária: o Decreto-Lei nº 37/1966 e o Código Tributário Nacional
28/07/2021
O direito aduaneiro, como bem observado pela Professora italiana Sara Armella, é marcado pela complexidade, pelo dinamismo e pela interação de diversas fontes formais[1]. No Brasil, essa característica é ainda mais acentuada. Isso porque, entre nós, a legislação aduaneira compreende as mais variadas espécies normativas. Algumas, inclusive, já não são mais sequer previstas no sistema de fontes formais da Constituição Federal de 1988. É o caso, por exemplo, dos decretos-leis, que foram substituídos pelas medidas provisórias. O principal deles é o Decreto-Lei nº 37/1966, ainda vigente, disciplinando os pressupostos de incidência do imposto de importação, as infrações aduaneiras, entre outras matérias de igual relevância.
Também há tratados e de acordos internacionais. Destaca-se, dentre outros, o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt 1994), o Acordo sobre a Facilitação do Comércio, o Protocolo de Revisão da Convenção Internacional para a Simplificação e a Harmonização dos Regimes Aduaneiros (Convenção de Quioto Revisada) e o Tratado de Assunção entre Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, constitutivo do “Mercado Comum do Sul” (Mercosul). Esses, por sua vez, vigoram internamente ao lado de leis ordinárias, de leis complementares e, entre os atos normativos do Poder Executivo, das medidas provisórias, decretos (v.g., o Regulamento Aduaneiro – Decreto nº 6.759/1999), portarias e instruções normativas.
Em meio a essa diversidade de fontes, surgem diversas relações de coordenação e de subordinação que devem ser adequadamente compreendidas pelo operador jurídico. Do contrário, não há como avançar com propriedade no estudo do direito aduaneiro.
No presente artigo, será analisada a relação entre o Código Tributário Nacional (CTN) e o Decreto-Lei nº 37/1966, o que é essencial para o estudo do imposto de importação.
Nesse sentido, deve-se ter presente, em primeiro lugar, que o CTN foi aprovado como lei ordinária (Lei nº 5.172/1966). Isso ocorreu porque, na época, o texto constitucional não exigia lei complementar para dispor sobre a matéria. Essa só surgiu com o advento da Constituição de 1967, quando a competência para estabelecer normas gerais de direito tributário passou a ser reservada ao legislador complementar (art. 19, § 1º[2], renumerado para art. 18, § 1º, pela Emenda nº 01/1969). A reserva de lei complementar também foi mantida pelo art. 34, § 5°, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição de 1988 (ADCT)[3]. O CTN, assim, foi sucessivamente recepcionado com eficácia de lei complementar, o que implica uma preeminência hierárquica de suas disposições em relação à legislação ordinária, inclusive aos decretos-lei e às atuais medidas provisórias.
Em segundo lugar, vale lembrar que o Decreto-Lei nº 37/1966 teve a sua vigência iniciada em 1º de janeiro de 1967 (art. 178[4]), ou seja, exatamente o mesmo dia do CTN (art. 218)[5]. Dessa forma, até o advento da Constituição de 1967, era possível a previsão de regras especiais e discrepantes do Código Tributário Nacional por meio do decreto-lei. Isso porque, como ressaltado, nesse período específico o CTN ainda não apresentava eficácia de lei complementar.
Portanto, nas relações entre esses dois atos normativos, tem-se que: (a) até 15 de março de 1967, data do início da vigência da Constituição de 1967, o Decreto-Lei nº 37/1966 poderia revogar ou estabelecer disposições especiais em relação às normas gerais do CTN; (b) a partir dessa data, todas as alterações nos enunciados prescritivos do decreto-lei devem guardar compatibilidade com o Código; (c) não é mais juridicamente possível – salvo por meio de lei complementar – o estabelecimento de regras especiais derrogatórias das normas gerais de direito tributário previstas no Código Tributário Nacional; (d) eventuais alterações introduzidas no texto do Decreto-Lei nº 37/1966 que não observaram a exigência de lei complementar são formalmente inconstitucionais.
Quer saber mais sobre a lei complementar, sua hierarquia e as demais fontes do direito aduaneiro? Esses e outros temas são estudados com profundidade nos Capítulos I do nosso Curso de Direito Aduaneiro. Fica o convite para a leitura.
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[1] ARMELLA, Sara. Diritto doganale dell’Unione europea. Milão: Egea, 2017, p. 07.
[2] Esse dispositivo foi mantido pela Emenda nº 01/1969: “Art. 19. […] § 1.º Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sobre conflitos de competência nessa matéria entre União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios e regulará as limitações constitucionais ao poder de tributar.”
[3] “Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas posteriores.
[…]
- 5º Vigente o novo sistema tributário nacional, fica assegurada a aplicação da legislação anterior, no que não seja incompatível com ele e com a legislação referida nos §3º e § 4º.”
[4] “Art. 178. Este Decreto-Lei entrará em vigor em 1 de janeiro de 1967, salvo quanto às disposições que dependam de regulamentação, cuja vigência será fixada no regulamento.” O Decreto-Lei nº 37 foi publicado no Diário Oficial de 21 de novembro de 1966.
[5] “Art. 218. Esta Lei entrará em vigor, em todo o território nacional, no dia 1º de janeiro de 1967, revogadas as disposições em contrário, especialmente a Lei nº 854, de 10 de outubro de 1949. (Renumerado do art. 217 pelo Decreto-lei nº 27, de 1966)”.