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Interpretação das Leis Fiscais

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A interpretação das Leis Fiscais

LEIS FISCAIS

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 154

Revista Forense

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13/10/2022

REVISTA FORENSE – VOLUME 154
JULHO-AGOSTO DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICA

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NOTAS E COMENTÁRIOS

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

SUMÁRIO: A interpretação literal das leis fiscais. Privatistas e publicistas. A vontade do legislador. Aplicação e interpretação. Interpretação por analogia. Autonomia do direito fiscal. Fraude contra a lei fiscal. As presunções contra o direito comum. Conclusão.

Sobre o autor

Georges Morange, professor da Faculdade de Direito de Caën.

NOTAS E COMENTÁRIOS

A interpretação das Leis Fiscais

Interpretação literal das leis fiscais

* A doutrina unânime preconizava, outrora, o chamado princípio da “interpretação literal das leis fiscais”, segundo o qual o intérprete deve buscar a solução de uma espécie no texto, sem poder, a pretexto de interpretação, estender-lhe ou restringir-lhe o alcance. Inútil seria pesquisar nos escritos de DEMANTE, DUBLINEAU, MAGUERO, NAQUET, PILON ou WAHL uma opinião dissidente; nuanças, quando muito, separam, a tal respeito, êsses eminentes representantes da doutrina tradicional. Ainda hoje, a maioria dos autores – citaremos, especialmente, os professôres ESMEIN e LABORDE-LACOSTE – parecem permanecer fiéis a essa regra, considerada como fundamental por certas administrações financeiras, inclusive pela Administração do Registro em particular. O princípio da interpretação literal das leis fiscais, cuja origem remonta à época romana, teria assim sobrevivido ao desaparecimento de sua razão de ser originária, porque, se os franceses são, em geral, péssimos contribuintes, dificilmente se encontrará em França um autor sério para justificar tal regra pelo caráter odioso das leis em causa.

Ao Prof. TROTABAS cabe o mérito de haver sido o primeiro a duvidar dos fundamentos do um princípio, até então unânimemente aceito. Num artigo sôbre as “Fontes do direito financeiro”, no “Recueil d’études en l’honneur de FRANÇOIS GÉNY”, e nas edições sucessivas de seu “Précis de science et de législation financières”, afirmou que “Seria um êrro ” crer que o juiz se limita a aplicar a lei fiscal sem liberdade alguma de interpretação. Somos, a princípio, obrigados a admitir a interpretação extensiva da lei fiscal, e mesmo, apesar da fórmula que se encontra freqüentemente na jurisprudência judiciária, forçoso é convir que não existe razão alguma para condenarmos “a interpretação por analogia”. Essa opinião pouca repercussão tem tido na doutrina pròpriamente dita. Em compensação, parece que os procuradores (commissaires) do govêrno geralmente costumam inspirar-se nesse modo de ver, a julgar por suas conclusões perante o Conselho de Estado. Citaremos, entre outros, ANDRIEUX, CORNEILLE e, principalmente, LETOURNEUR. Administração das Contribuições diretas aplica-o, por outro lado, constantemente em suas instruções e circulares.1

Privatistas e publicistas

Ao leitor não escapará, por certo, que os defensores da doutrina tradicional são todos, ou quase todos, privatistas, familiarizados com o estudo da jurisprudência civil. As decisões que êles citam, em apoio de sua tese, são as dos tribunais da ordem judiciária, em particular os acórdãos da Côrte de Cassação (Cour de Cassation).

A Administração do Registro (Régie de l’Enregistrement – incumbida da percepção dos impostos indiretos), – que é, de tôdas as administrações financeiras, a que se refere, às mais das vêzes, ao princípio da interpretação literal das leis fiscais – procede ao lançamento, à liquidação e à cobrança de impostos cujo contencioso compete a essas mesmas jurisdições. Inversamente, o Prof. TROTABAS e os procuradores do govêrno são publicistas cujas afirmações se estribam, muito naturalmente, nas decisões do Conselho de Estado. Por outro lado, o contencioso dos impostos, cujos lançamentos e liquidação competem à Administração das Contribuições Diretas, favorável à tese do professor TROTABAS, é da alçada dos tribunais administrativos.

Poder-se-ia ter, com isso, a impressão de que, estando o contencioso fiscal repartido, em França, por motivos históricos, entre os tribunais judiciários e os tribunais administrativos, os princípios de interpretação aplicados por essas duas ordens de tribunais são essencialmente diferentes, sem que se busque saber se essa diferenciação é devida, ou não, à natureza das coisas. A leitura das notas de jurisprudência que o Prof. M. CHRÉTIEN consagra, nesta “Revue”, ao estudo das jurisprudências fiscais do Conselho de Estado e da Côrte de Cassação, sòmente poderia reforçar essa impressão. Aquêle autor, de fato, teve, muitas vêzes, a intenção de salientar a oposição de nossas duas altas jurisdições sôbre êsse ponto (cf., principalmente, “R. S. L. F.”, 1940-1946, pág. 218).

A distinção, baseada em tal impressão, seria, entretanto, demasiado precipitada. Não corresponderia senão muito parcialmente à verdade e á sua razão de ser estaria longe de apresentar-se com a devida clareza.

A vontade do legislador

Para falar a verdade, segundo a reflexão tão justa do Prof. TROTABAS: “A única coisa certa é que nenhuma disposição da lei escrita prescreve, no direito francês, um método de interpretação especial para as leis fiscais…” (L. TROTABAS, artigo já citado, pág. 101). Disso resulta que no direito francês, onde a hierarquia dos textos possui, depois da Revolução, um fundamento essencialmente orgânico, e acessòriamente formal, a pesquisa da vontade do legislador é que deve ser a regra suprema do intérprete, ficando bem entendido que a vontade expressa num determinado dispositivo poderá ser aclarada pelo espírito geral da lei ou do sistema jurídico de que ela faz parte integrante (F. GÉNY, “Méthode d’interprétation et sources en droit privé positif”, 2ª ed., t. I, págs. 266 e 289). De acôrdo com êsse ponto de vista, nenhuma distinção deve ser feita entre o direito fiscal e as outras disciplinas jurídicas.

Aplicação e interpretação

O método que o intérprete deve seguir decorre dessa observação fundamental, a qual nos leva a distinguir três situações:

O texto da lei é claro e preciso. Convém, nesse caso, aplicar literalmente a lei, porque é lícito supor que a fórmula empregada traduz exatamente a vontade do legislador. Dizemos bem “aplicar literalmente” e não “interpretar literalmente” porque, nessa hipótese, não cabe, a bem dizer, qualquer interpretação (P. ESMEIN, note au Sirey, 1934, I, 241). É, antes de tudo, no próprio texto da lei que a estabelece – afirmava já, em 1889, a Côrte de Cassação, – que é preciso buscar qual foi a intenção do legislador, devendo, para tanto, receber a aplicação estrita e literal, de conformidade com o seu exato teor, os dispositivos em que aquela intenção se acha manifestamente expressa (Cass. Crim., 27 de novembro de 1889, D. 90, I, 180 note WAHL). A fórmula se repetiu depois, com algumas variantes, em numerosos acórdãos.

É, pois, com tôda a razão que o texto, sendo claro e preciso, a jurisprudência se recusa, na imensa maioria dos casos, a entregar-se a qualquer outro gênero de pesquisa. Seria inteiramente inadmissível opor à prescrição (que parece resultar claramente do texto) uma, por assim dizer, vontade diversa, necessàriamente estabelecida a partir de elementos (trabalhos preliminares, exposição de motivos, discussões parlamentares) que deixam margem considerável de incerteza. Sucederia de outro modo sòmente nas hipóteses – assaz excepcionais – em que ficasse estabelecido que as expressões empregadas traíram o pensamento do legislador ou continham êrro material absolutamente certo, omissão manifesta ou uma construção gramatical inexata (Dijon, 25 de fevereiro de 1930). DEMANTE, um dos defensores do princípio da “interpretação literal das leis fiscais”, reconhecia, êle próprio, o bom fundamento dessa concepção, quando escrevia: “…Todavia, a interpretação da lei fiscal deve ser razoável; ora, seria contrário à razão fazer prevalecer a letra sôbre o espírito manifesto da lei…” (DEMANTE, “Príncipes”, tomo I, nº 9, pág. 7).

A aplicação literal das disposições claras e precisas da lei não é, de forma alguma, privativa do direito fiscal. Impõe-se igualmente em tôdas as disciplinas jurídicas, contràriamente ao que poderia fazer crer a redação de certos acórdãos da Côrte de Cassação inspirados por uma antiga tradição. Escusado será dizer que o Conselho de Estado, particularmente obediente à vontade do legislador, não pode deixar de submeter-se a ela, quando claramente expressa.

O texto da lei é obscuro ou algumas de suas disposições parecem contraditórias. Entramos, aqui, no domínio da interpretação. É preciso descobrir a vontade do legislador, tal como pôde exprimir-se nos trabalhos preparatórios, na exposição de motivos, nas discussões parlamentares, etc… para esclarecer a disposição litigiosa ou determinar a solução que convém dar ao conflito aparente entre dois artigos do mesmo texto.

Quando essa pesquisa se impõe, é, aliás, inexato afirmar que a interpretação pode ser extensiva ou deve ser restritiva. A interpretação, a que se acha obrigado o jurista, não exige, para bem dizer, nenhum qualificativo especial. A vontade do legislador, devidamente estabelecida, permitirá apenas dar à disposição legal um sentido mais amplo do que aquêle que ela parecia, injustamente, apresentar; ou, pelo contrário, a interpretação que prevalecer será mais restrita do que aquela que favorecia, sempre injustamente, a infeliz fórmula adotada.

É evidente que o Conselho de Estado se entrega à pesquisa da vontade do legislador quando o texto é obscuro ou em caso de contradição aparente entre certas disposições. Nenhuma referência parece, portanto, necessária. O mesmo sucede com a Côrte de Cassação, apesar de sua predileção pela aplicação literal das leis fiscais. Quando esta se torna impossível, por causa da obscuridade do texto, a Côrte não hesita em recorrer à interpretação. Esta última se impõe igualmente quando se trata de disposições contraditórias (Cass., 31 juillet 1854, D. 54.1.312; 23 juin 1869, D. 69.1.297; 6 mars 1929, J. E. 35.092; 16 juin 1933, S. 1934, 1.241). Essa jurisprudência é geralmente aprovada pela doutrina tradicional, impondo-se, em tais circunstâncias, a interpretação dita extensiva (P. ESMEIN, note au Sirey 1934, 1.241; PAULETTE PARCELLIER, thèse citée; PILOU, “Principes et techniques des droits d’enregistrement”, 1929, t. I, pág. 24, nº 43; Rapport sous Cass. req. 5 mars 1930, R. E. 9.309; WAHL, “Traité de Droit Fiscal”, pág. 76, nº 67).

Em seu conjunto, as doutrinas, tradicional e moderna, e as jurisprudências, administrativa ou judiciária, se encontram, portanto, de acôrdo nessa segunda hipótese, como na precedente.

Interpretação por analogia

3º A terceira situação a que aludimos, mais complexa, vem pôr fim a êsse acôrdo. Consideramos agora a hipótese de um texto, claro e preciso, sujeitando ao impôsto certos bens, certos rendimentos ou fatos de produção, circulação, consumo, etc… nitidamente determinados. A administração e, em seguida, o juiz poderão sujeitar ao impôsto bens, rendimentos ou fatos, não tributados pelo legislador, simplesmente porque apresentam analogia incontestável, no plano jurídico ou econômico, com os bens, rendimentos ou fatos sujeitos ao impôsto?

Os partidários da doutrina tradicional e os publicistas dão a essa questão respostas diametralmente opostas. Os primeiros rejeitam formalmente o que alguns autores qualificam, sem razão, de “interpretação por analogia”, porque se trata, antes, de uma “extensão por analogia” da lei fiscal do que de uma verdadeira interpretação2 (P. ESMEIN, note au Sirey, 1934, 1.241; GÉNY, opus cit.; PAULETTE PARCELLIER, opus cit.; PILON, “Principes et technique”, pág. 23, ns. 42, 43 et la note au D. P. 27-1-17). O Prof. TROTABAS e os procuradores do govêrno aceitam perante o Conselho de Estado, pelo menos na maioria dos casos, uma tal “interpretação”, se a necessidade se fizer sentir.

Essa divergência fundamental se traduz na jurisprudência, a menos que esta não a deixe transparecer.

O Conselho de Estado aceita a extensão por analogia da lei fiscal; a Côrte de Cassação a repele, quando as administrações financeiras convidam-na, no interêsse do Tesouro, a praticá-la.

Queremos demonstrar que o Conselho de Estado e a Côrte se opõem, daquele modo permanecendo fiéis – ou, mais exatamente mesmo, porque permanecem fiéis – ao que deve ser a regra suprema do intérprete: a submissão à vontade claramente estabelecida do legislador.

O Conselho de Estado conhece essencialmente, é bom lembrar, do contencioso dos impostos diretos, da taxa sôbre a produção e da taxa sôbre as transações.

Os impostos diretos, instituídos pelas leis de 1914 e 1917, formavam, no espírito dos seus autores, um sistema completo, no sentido de que, salvo as exceções limitativamente determinadas pela lei tôda renda devia estar sucessivamente sujeita a um dos impostos cedulares e ao impôsto geral sôbre a renda (transformados, após a reforma de 9 de dezembro de 1948, em taxa proporcional e sobretaxa progressiva). Nessas condições, uma renda que não se incluísse expressamente em nenhuma das oito categorias de impostos cedulares, não deveria; por isso, escapar ao impôsto. Competia à administração verificar de que renda, sujeita ao impôsto por uma disposição formal, mais se aproximava a renda em causa, a fim de taxá-la conseqüentemente, isto é, na mesma cédula. Foi assim que, ao prescrever, nas suas instruções de 30 de março de 1918, que convinha recorrer, para determinar o caráter, comercial ou não, de uma atividade, à analogia dos atos realizados com as operações abrangidas pelo exercício das profissões de indiscutível caráter comercial, a Administração das Contribuições Diretas, longe de violar o espírito das leis de 1914 e 1917, se tornava, pelo contrário, seu fiel intérprete. O Conselho de Estado merece o mesmo elogio quando aceita, a convite da administração, sancionar tais assimilações (C. E., 5 janvier 1923; 15 février 1923, nota TROTABAS: 8 juin 1923, D. P. 23-3-65; 5 février 1925, D. P. 25-3-25).

A taxa sôbre a produção, instituída pela lei de 31 de dezembro de 1936 e as leis posteriores, prestam-se, como o sistema francês de impostos diretos, a uma extensão por analogia no quadro traçado pelo legislador. Antes da reforma realizada em 1948, todo produto, salvo as exceções limitativamente determinadas pela lei, devia suportar a referida taxa no momento em que deixasse o circuito da produção para entrar no da distribuição. Para evitar que um produto possa escapar a referida taxa, contràriamente ao espírito geral do sistema, o Conselho de Estado foi levado a aprovar o decreto de 27 de janeiro de 1937, que assimilava às vendas ao consumidor as entregas que um contribuinte fizesse a si próprio, para as necessidades de sua exploração, se bem que tal assimilação seja contrária ao princípio jurídico da unidade do patrimônio (C. E. 29 mai 1942, R. P. 73; “R. S. L. F.”, 1940-1946, p. 227, note M. CHRÉTIEN).

Os tribunais da ordem judiciária, para permanecerem fiéis ao espírito geral de nossa legislação, deviam, ao contrário, pronunciar-se contra qualquer extensão por analogia (inúmeros acórdãos poderiam ser citados. Assinalaremos, entre os mais exemplificativos: Cass. 25 janv. 1836, S. 1836. 1.95; Cass. req. 9 mars 1863, D. 1863. 1.86; Cass. req. 25 nov. 1859, D. P. 50. 1. 342; Cass. réunies, 28 mai 1932; Cass. req. 27 mars 1935, “Gaz Pol.”, 13 octobre 1936).

Os impostos cujo contencioso compete a êsses últimos tribunais não fazem, com efeito, parte de um sistema fiscal completo e não surgem como se constituíssem, por si sós, um tal sistema, porquanto não têm um alcance geral. Incidem sôbre certos fatos da produção, da transmissão ou do consumo, ou sôbre certas transações cuidadosamente determinadas pelo legislador, porque são fáceis de taxar ou podem dar lugar à instituição de impostos de grande rendimento. Assim é que, mesmo antes do decreto de reforma fiscal de 9 de dezembro de 1948, os atos obrigatòriamente sujeitos à formalidade do registro, por numerosos que sejam, nem por isso deixavam de constituir a exceção em direito.

Nessas condições, os tribunais judiciários não se animariam a praticar a extensão por analogia, isto é, aplicar um impôsto ou uma taxa a fatos ou situações não expressamente previstos pela lei fiscal, mas juridicamente assimiláveis a fatos ou a situações submetidas ao impôsto. Tal solução não se explica pelo chamado caráter odioso das leis que instituíram impostos indiretos; ela se apresenta como conseqüência do fato de estarmos em presença de leis particulares cuja aplicação e interpretação não são mais dominadas pelo espírito geral de um sistema fiscal, considerado como um todo, mas pelo espírito da legislação em geral. Ora, vivemos sob um regime que se pretende ser liberal. Num tal regime, a liberdade deve ser a regra, e a obrigação ou a restrição a exceção. Daí resulta que a lei fiscal, comportando necessàriamente a criação de obrigações e fazendo-se acompanhar de restrições, mais ou menos graves, ao direito de propriedade, não desejaria ver o seu campo de aplicação estendido para além de tôda manifestação expressa da vontade do legislador nesse sentido.

É, portanto, para permanecerem fiéis ao espírito das legislações fiscais, de que se acham respectivamente incumbidos de aplicar, que o Conselho de Estado e a Côrte se opõem à célebre “interpretação por analogia”.

Encontraremos a prova do fundamento de nossa explicação nas decisões em que o Conselho de Estado se recusa a praticar uma, tal interpretação, pelo fato de ser chamado a estatuir sôbre um impôsto que não faz parte de um sistema fiscal geral ou que não constitui, por si só, um tal sistema. Por isso é que nossa alta jurisdição administrativa, estatuindo em matéria de taxa sôbre o montante do movimento de negócios, havia rejeitado, outrora, a assimilação das entregas, que um contribuinte faz a si próprio, às vendas ao consumidor, assimilação essa que ela julgou lícita para a aplicação da taxa sôbre a produção (cf. “R. S. L. F.”, 1940-1946, p. 227, note CHRÉTIEN, já citada). Mais recentemente e mais nitidamente ainda o Conselho de Estado se recusou a estender a taxa de compensação, criada sôbre os locais insuficientemente ocupados, aos locais desocupados. A questão era, entretanto, particularmente favorável a um raciocínio por analogia, para não dizer a fortiori. Nossa alta jurisdição administrativa nem por isso deixou de julgar que uma tal extensão seria contrária ao princípio da interpretação estrita dos textos fiscais. O apêlo a êsse princípio excepcional, na jurisprudência do Conselho de Estado, se explica, ao nosso ver, porque se tratava de impôsto particular (C. E., 19 de dezembro de 1947, “Buli, D. C. D.”, 1948, p. 8 e suiv. Concl. JACOMET, “R. S. L. F.”, 1948, n. 243, note M. CHRÉTIEN).

Essa explicação de uma oposição tão destacada entre as duas ordens de jurisdição tem, além disso, a vantagem da permitir que tomemos partido sôbre dois outros planos em que tribunais administrativos e tribunais judiciários parecem, ou pareceram, estar em oposição: a autonomia do direito fiscal e o lugar da fraude contra a lei na mesma disciplina jurídica.

A doutrina tradicional recusava tôda autonomia ao direito fiscal que lhe parecia necessàriamente subordinado à disciplina mestra: o direito civil, no sentido de que o intérprete deveria preencher as lacunas da lei fiscal com o auxílio dos princípios do direito comum. “Não é mais do direito fiscal de que se trata (escrevia WAHL), quando se indaga qual é a natureza de um ato ou de um contrato a, por conseguinte, quais os direitos que lhes são aplicáveis; o direito civil e o direito comercial é que poderão dar a resposta, a êles é que se deve recorrer” (WAHL, opus cit., t. I, nº 69). “A lei fiscal deve, a menos que haja disposições contrárias (escrevia, a seu turno, o conselheiro FABRY), ser interpretada de acôrdo com o direito comum: eis o princípio regulador de nossas leis tributárias, cuja aplicação dirige e define” (Rapport sous Cass., 26 juin 1924, R. E. 8.021). Citações idênticas poderiam ser multiplicadas.

Autonomia do direito fiscal

A doutrina da autonomia do direito fiscal, de que o Prof. TROTABAS se tornou o mais ardoroso defensor, ensina, pelo contrário, que o direito fiscal constitui um corpo de direito autônomo.3 Êle regularia certas situações de maneira diferente da que poderia fazê-lo o direito privado ou o direito administrativo, se bem que, mesmo no silêncio dos textos, não se deva recorrer necessàriamente a essas duas disciplinas. O direito fiscal teria suas definições e seus conceitos próprios (cf. principalmente L. TROTABAS, opus cit., 11e. éd., p. 266 et suiv.). Cremos que é importante sublinhar a expressão “no silêncio dos textos”. Não é porque uma lei tributária venha a dar, de tal ato ou de tal situação, uma definição diversa daquela geralmente aceita em direito privado ou direito público que o direito fiscal aparecerá como disciplina autônoma. É necessário, ao nosso ver, para que tal aconteça, que o intérprete seja compelido a aplicar certos conceitos ou certas definições especiais, à exceção de quaisquer disposições imperativas da lei nesse sentido (cf. “R. S. L. F.”, 1949, p. 508, note M. CHRÉTIEN).

A autonomia, assim entendida, se concebe e se impõe tôdas as vêzes que um impôsto se integra num sistema fiscal geral ou constitui, por si só, um tal sistema. A extensão por analogia, que deve ser necessàriamente praticada para corresponder ao fim essencial visado pulo legislador, levará à adoção de concepções que serão próprias do direito fiscal.

LETOURNEUR, cujas conclusões tiveram uma influência tão grande sôbre a evolução da jurisprudência do Conselho de Estado, demonstrou claramente que, vara satisfazer ao espírito geral das leis de 1914-1947, nossa alta jurisdição administrativa trave, muitas vêzes, de fazer prevalecer considerações econômicas sôbre as considerações puramente jurídicas, qualificar, por exemplo, de renda, aquilo que, jurìdicamente falando, parecia antas como pertencente à categoria capital (LETOURNEUR, “L’évolution de la jurisprudence fiscale du Conseil d’Etat depuis 1940”, J. C. P., 1945, nº 461). Considerações econômicas da mesma ordem se impuseram, em matéria de taxa sôbre a produção, para a definição do produtor ou das coisas consumíveis pelo primeiro uso (nota CHRÉTIEN, “R. S. L. F.”, 1940-1946, página 227). A preocupação, sempre para se conformar com a vontade do legislador, de não deixar que certas rendas escapassem ao impôsto, fêz com que o Conselho de Estado, sob o regime do sistema fiscal de 1914-1947, levasse em grande conta as situações de fato, sem preocupar-se com as qualificações jurídicas: separasse, por exemplo, o princípio do caráter declarativo da partilha (C. E., 21 janvier 1921, S. 1921. 3.33, concl. CORNEILLE; C. E. 22 mars 1947, “Bull. C. D.”, mai 1947, nº 5, p. 122; C. E.., 3 novembre 1947, Req. 84.843 et 84.845; “R. S. L. F.”, 1940-1946, p. 220, 1947, p. 353, e 1948, p. 245, note M. CHRÉTIEN).

A autonomia do direito fiscal não poderia, pelo contrário, conceber-se para os impostos indiretos especiais cujo contencioso pertence aos tribunais judiciários. O sentido de uma expressão não poderá ser determinado fazendo apêlo ao espírito de um sistema fiscal, inexistente na espécie. Será preciso necessàriamente – salvo se a própria, lei tributária atribuir, expressamente, uma significação particular à expressão em causa – recorrer-se aos conceitos do direito civil, do direito comercial ou do direito administrativo, segundo os casos. A adoção de qualquer outra solução consagraria, pura e simplesmente, o predomínio do arbitrário, pois que, repetimo-lo, nada autorizaria, no silêncio da lei, sustentar uma definição ou um conceito diferente daqueles aceitos pelo direito comum (PAULETTE PARCELLIER, “Thése” citée, p. 105 et suiv.). Entre os acórdãos mais recentes da Côrte francesa: Cass, réunies, 7 avril 1943, S. 1944.1.19; Cass. 28 avril 1949, “R. S. L. F.”, 1940-1946, p. 218, e 1949, p. 508, note M. CHRÉTIEN).

É exato, todavia, que o legislador manifesta a tendência de substituir, em hipóteses cada vez mais numerosas, a definição ou o conceito admitido pelo direito civil ou pelo direito comercial, por uma definição ou um conceito, que êle delineia com exatidão, e que surgem, desde então, como sendo próprias do direito fiscal. É no domínio dos direitos de registro que essa intervenção legislativa se manifestou com mais freqüência: o art. 6 ° da lei de 26 de junho de 1875 fazia depender da sucessão – do ponto de vista fiscal – a indenização do seguro de vida, ao passo que em direito civil ela se acha excluída de tal liame. O art. 45 da lei de 13 de julho de 1925 dispunha que os bens que pertenciam por usufruto ao defunto e os que, per propriedade sem usufruto, caibam a seus herdeiros presuntivos, são considerados, para fins do pagamento de direitos, como sendo transmitidos em plena propriedade – a partilha, ato declarativo em face da lei civil, é tida como translativa pelo direito fiscal, nos limites da torna; as definições respectivas das transmissões por falecimento e das transmissões inter vivos não são, para o lançamento e a liquidação do impôsto, as mesmas que aquelas aceitas pelo direito civil.

Os exemplos poderiam multiplicar-se. Basta, porém, dizermos que tais intervenções repetidas do legislador foram inspiradas pelo desejo de atenuar os inconvenientes, sôbre o plano fiscal, das hábeis aplicações da lei às quais se entregavam os contribuintes com o objetivo de subtrair-se ao pagamento do impôsto. Essa evasão era favorecida pela recusa dos tribunais da ordem judiciária em considerar a noção da fraude contra a lei no domínio fiscal, recusa essa que lhes parecia ditada, sem razão, pelos métodos de interpretação, por assim dizer próprios dos textos fiscais.

Uma completa mudança de jurisprudência parece, com justa razão, estar começando a se processar cresse sentido.

Fraude contra a lei fiscal

III. A expressão “fraude contra a lei” é empregada em dois sentidos mui diversos, entre os quais convém traçar nítida distinção.

Em sentido amplo, acha-se qualificado dêsse modo todo processo, ou tôda manobra, que tenha por fim evitar artificiosamente a aplicação de uma lei obrigatória. A maioria das fraudes fiscais se acha necessariamente dissimulada por uma noção igualmente extensiva. À falta de subscrição de uma declaração obrigatória, a declaração inexata ou insuficiente, a simulação ou dissimulação aparecerão como “fraudes contra a lei”.

A expressão “fraude contra a lei” designa, num sentido mais técnico, ao qual nos cingiremos, exclusivamente, daqui por diante, os meios ou combinações jurídicas que, embora lícitas em si mesmas, se acham, contudo, utilizadas com o fim de obter um resultado não condizente com as intenções do legislador.

Um excelente exemplo de fraude contra a lei em direito fiscal nos foi proporcionado por uma espécie sôbre a qual a Côrte de Apelação da África Ocidental Francesa estatuiu em 1944.

O impôsto sôbre a renda dos valores mobiliários fôra introduzido, no Senegal, a partir de 1º de janeiro de 1939, por uma deliberação do Conselho Colonial de 5 de novembro de 1938, aprovada em 24 do mesmo mês. Êsse texto, que retomava, de modo geral, as soluções já consagradas nesse domínio, sôbre o território metropolitano, pela lei ou pela jurisprudência, declarava que o novo impôsto incidiria sôbre os rendimentos de tôda natureza dos títulos elas sociedades comerciais, com a ressalva de algumas exceções. Os rendimentos das ações que coubessem aos sócios indefinidamente responsáveis nas sociedades por comandita simples ficaram, especialmente, nos têrmos do art. 19, nº 6, isentos dêsse novo encargo fiscal. Convém notar, além disso, que o têrmo rendimento deve ser entendido como sendo não-sòmente os lucros e rendimentos periódicos dos títulos, mas, igualmente, o próprio excedente do ativo social sôbre o capital social, excedente êsse que será tributável quando passar, por ocasião de uma dissolução, principalmente, para o patrimônio pessoal dos sócios.

Nessa situação, a sociedade anônima “Huileries et Savonneries de l’Ouest Africain” se transformou, conforme ata de 23 de dezembro de 1939, portanto, depois da vigência da nova regulamentação tributária, numa sociedade por comandita simples: Alminko et Cie., da qual a S. A. Alminko era detentora, a título de comanditada, da quase totalidade das ações. Essa transformação de tipo, que não tinha dado origem a uma nova pessoa jurídica e não se fizera acompanhar de nenhuma distribuição, não podia tornar exigível por si mesma o impôsto sôbre a renda dos valores mobiliários. Por uma ata de 18 de dezembro de 1940, a nova sociedade era dissolvida, de comum acôrdo entre os associados, com efeito retroativo até 30 de junho de 1940. A partilha devia redundar em um saldo de liquidação (excedente do fundo social sôbre o capital social) assaz importante, cuja quase totalidade, ou sejam 8.255.206 francos, foi atribuída à S. A. Alminko, associada nominalmente, que era detentora de 2.486 ações, entre um total de 2.500. Ora, nos têrmos do artigo 19 da deliberação já citada, essa última quantia estava isenta de impostos.

A transformação, operada em 23 de dezembro de 1939, havia sido realizada, sem qualquer dúvida possível, com o objetivo único de subtrair ao novo impôsto sôbre a renda dos valores mobiliários aquêle saldo de liquidação, que já existia. A sociedade “Huileries et Savonneries de l’Ouest Africain” chegara, com efeito, a extinguir-se e não devia realizar nenhuma operação comercial sob a sua nova forma e sua nova denominação (Alminko et Cie.). Nessas condições, o saldo de liquidação não devia, a despeito do art. 19 supramencionado, estar pura e simplesmente sujeito ao impôsto?

Se lhe fôsse submetido tal litígio, dúvidas não teríamos de que o Conselho de Estado haveria de decidir pela afirmativa.

Nossa alta jurisdição administrativa, que não hesitou, a fim de dar plena amplitude à vontade do legislador, em praticar o raciocínio por analogia e fazer do direito fiscal uma disciplina autônoma, jamais se sujeitou, quanto aos impostos cujo contencioso lhe pertence, às hábeis aplicações da lei.

Foi em sentido contrário que a Côrte de Apelação da África Ocidental Francesa se devia pronunciar num acórdão cujos considerandos se mostram particularmente nítidos: “Considerando (diz-se, com efeito, nessa decisão) que, embora sejam razoáveis as conclusões do raciocínio da administração fiscal, as quais consistem em dizer que as operações de transformação e de liquidação, a que procederam os interessados, não tiveram, na realidade, outro fim senão o de “evitar artificiosamente o impôsto concernente à parte do saldo de liquidação atribuído à sociedade anônima responsável”, nem por isso deixa de ser menos certo que os interessados tinham perfeitamente o direito de utilizar para tal fim as possibilidades que lhe eram oferecidas pelo próprio legislador, a fim de chegar àquele resultado que, por lamentável que seja, nem por isso deixa de ser completamente legal” (Côrte de Apelação da l’A. O. F., 17 mars 1944, Recueil Penant, dez. 1945, nossa nota).

Essa decisão encontrava um fundamento sólido na opinião da maioria dos autores e na jurisprudência da própria Côrte de Cassação. A doutrina rejeitou a introdução da noção de fraude contra a lei em direito fiscal, invocando o princípio da interpretação literal das leis fiscais, que exclui, como já vimos, para a maioria dos impostos indiretos, a “interpretação por analogia” (P. ESMEIN, “L’impôt sur le revenu et les distributions de réserve dans les sociétés par actions”, à la “Révue Pratique de Législation et de Jurisprudence”, do Tribunal de Commerce de la Seine, 1923, p. 3; PILON, opus cit., tome I, p. 391 et 398 et suiv. et note au D. 1927, 1. 17: DESBOIS, “La notion de fraude à la loi et la jurisprudence française”, thèse, Paris, 1927, p. 100 et 131). Em vão, alguns autores4 invocavam decisões para mostrar que a Côrte de Cassação não manifestava talvez uma hostilidade de princípio para a noção de fraude contra a lei em direito fiscal; a doutrina dominante triunfava, apoiando-se em numerosas decisões emitidas pela Côrte em matéria de renúncia a sucessões e de troca de imóveis que não davam margem à noção em causa.

A exclusão da fraude contra a lei em matéria fiscal, para os impostos cujo contencioso pertence aos tribunais judiciários, era, entretanto, injustificável em direito e deplorável em suas conseqüências.

As presunções contra o direito comum

A fraude contra a lei em direito fiscal não faz supor, contràriamente ao que pensaram certos autores, nenhuma “interpretação por analogia”, o que, para certos impostos, seria efetivamente de natureza a torná-la inadmissível. Para relembrar o exemplo acima apontado, teria havido raciocínio por analogia se a administração fiscal tivesse pretendido tributar o saldo de liquidação, surgido por ocasião da dissolução efetuada em 19 de dezembro de 1940, baseando-se, por exemplo, na identidade que pode existir, no plano econômico, entre os lucros realizados por uma sociedade anônima e certas sociedades por comandita simples. Aquela administração ter-se-ia, nesse caso, se esforçado por estender, a pretexto de analogia, o impôsto previsto para uma operação jurídica a uma outra operação jurídica, similar, sem dúvida, mas não taxada, o que era manifestamente impossível. Tal não era o ponto de vista sustentado pela administração. Essa última insistia em fazer provar que o saldo de liquidação, distribuído em conseqüência da dissolução, compreendia exclusivamente, em razão de circunstâncias de fato, os lucros realizados pela antiga sociedade anônima. Ora, a vontade do legislador consistiu em sujeitar tais lucros ao impôsto sôbre a renda dos valores mobiliários no momento de sua distribuição. O impôsto devia, portanto, ser lançado sôbre o saldo de liquidação em aprêço, sete se deter no fato de que a distribuição tinha sido efetuada por um meio evasivo, que o legislador não pôde razoàvelmente prever. Estamos, agora, em presença de uma interpretação pura e simples, isto é, perfeitamente legítima, do texto. Recusar-se a isso, como o fêz a Côrte de Apelação da A. O. F., é fazer prevalecer, deliberadamente, a letra sôbre o espírito manifesto dêsse texto, atitude que um autor tão tradicionalista como DEMANTE condenava formalmente (v. supra).

Injustificável em direito, a recusa da nação de fraude contra a lei apresenta os mais graves inconvenientes no plano prático, para os próprios contribuintes. Posta em presença dessas hábeis aplicações da lei, reveladas pela prática, e ante a recusa da jurisprudência em garantir-lhes a sanção, a administração não hesitava em recorrer à da legislativa, tôdas às vêzes em que “uma brecha se revelasse no dique fiscal” (GUILHOT, artigo citado). Daí tôdas essas disposições legais, estabelecendo presunções irrefragáveis, que transtornam, às vêzes completamente, os princípios do direito comum. É na multiplicação de tais presunções, muito mais do que na aceitação franca em direito fiscal da noção de fraude contra a lei, que se revela, para os particulares, êsse perigo de opressão fiscal de que parecem arrecear-se alguns autores.

Os tribunais judiciários têm tido consciência de seus erros e de seus perigos? É possível cogitar disso em presença de decisões proferidas por certas Côrtes de Apelação e pela Côrte de Cassação a propósito do conflito existente entre o direito de preempção, concedido à administração fiscal pela lei de 31 de dezembro de 1941, e a ação rescisória por lesão de mais de 7/12, prevista pelo art. 1.674 do Código Civil. A fim de paralisar o exercício de uma prerrogativa que se resumia, para êles, num verdadeiro confisco da parte do preço dissimulado, os adquirentes de um imóvel comprado por antecipação geralmente se entendem com os seus vendedores para fazer intentar, por êsses últimos, a ação rescisória. A Côrte de Cassação, que reconheceu, sem razão, ao nosso ver, a admissibilidade dessa ação, em caso de exercício do direito de preempção, afirma que: “Se, em princípio, a preempção exercida pelo Estado em oposição a um adquirente de imóvel não opõe obstáculo ao exercício da ação concedida ao vendedor pelo art. 1.674 do Cód. Civil, o mesmo, entretanto, não sucede quando essa ação se processa com o desígnio de escapar às conseqüências de uma fraude fiscal comum…” (Cass. 18 juill. 1950, Dame veuve Calandre, D. 1951, J. 294). A Côrte de Cassação havia sido precedida, nessa via de recurso, por várias Côrtes de Apelação, principalmente pela de Dijon (Dijon, 20 de dezembro de 1945, D., 1947, J. 188).5

A oposição entre os tribunais judiciários e os tribunais administrativos a respeito da admissão da noção da fraude contra a lei em direito fiscal – que jamais deveria, ter existido porque procedia de uma falsa apreciação, entre os primeiros, de suas competências normais – cessará, no futuro, se essa nova jurisprudência se mantiver e se confirmar em novos domínios.

Georges Morange, professor da Faculdade de Direito de Caën.

_____________________

Notas:

* Tradução de GUILHERME A. DOS ANJOS, da “Revue de Science et de Législation Financières”, nº IV, 1951.

1 Ver, no tocante à oposição dessas duas doutrinas no quadro dos direitos de registro: PAULETTE PARCELLIER, “De l’Interprétation des lois d’enregistrement”, tese, Bordesux, 1938.

2 O professor ESMEIN, que distingue, como nós, a segunda e a terceira hipóteses consideradas, observa, todavia, que: “Se a distinção entre a interpretação e a extensão por analogia é, na teoria, fácil de ser feita, na prática, ela se presta à controvérsia, sobretudo quando o texto não é claro e preciso, isto é, na terminologia às vezes empregada e apontada mais acima, todas as vêzes em que fôr oportuna a interpretação. Em presença de um texto cujo alcance é duvidoso, o juiz deve pesquisar o pensamento do legislador. Ao declarar que no pensamento dêste último, para um termo que comporta uma acepção restrita e uma acepção ampla, é a acepção ampla que deve ser retida, êle chega ao mesmo resultado que se praticasse a extersão por analogia. Pode mesmo, em certos casos, quando o pensamento do legislador é impossível de se conhecer de modo certo, ser levado a praticar a extensão por analogia, à guisa de interpretação…” (ESMEIN, nota citada).

3 N. da R.: Ver o artigo de L. TROTABAS, “Ensaio sabre o Direito Fiscal”, publicado na “Rev. de Direito Administrativo”, vol. 26 página 34, e o de F. GÉNY, “O Particularismo do Direito Fiscal”, na “Rev, de Direito Administrativo”, vol. 20, pág. 6.

4 LIGEROPOULO e GUILHOT, que invocaram, especialmente, os acórdãos seguintes: Cass, req., 6 avril 1911, cl. 1911, 1206; Cass, req., 29 avril 1927, R. E. 8.576; Cass. req., 19 décembre 1929, R. E. 9.173 (LIGEROPOULO, tese, Aix, 1928, pág. 293 et suiv.; GUILHOT, “Les filiales des sociétés étrangères et la notion de fraudé à la loi en droit fiscal”, au “Journal de D. I.”, 1938, pág. 21 et suiv.).

5 Para maiores detalhes sôbre essa questão, ver nossas notas relativas às seguintes decisões: Poitier, 14 mai 1945, et Dijon. 20 décembre 1945 (D. 1947. 188); Trib. civ. Versailles, 28 février 1948 (D. 1948, 217); Pau, 22 décembre 1948, Aix. 17 janvier 1949 et Lyon, 10 février 1949 (D. 1949 – 480); Conseil d’Etat, 22 décembre 1950. 2e. espèçe (D. 1951).

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