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A imunidade recíproca da ECT e das sociedades de economia mista

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A imunidade recíproca da ECT e das sociedades de economia mista

CARTA

DIREITO TRIBUTÁRIO

ECT

EMPRESA PÚBLICA

IMUNIDADE RECÍPROCA

LIVRE CONCORRÊNCIA

TELEGRAMA

Kiyoshi Harada

Kiyoshi Harada

20/02/2020

Dispõe o art. 150, VI, a da CF:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

VI – instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros.

§2º A vedação do inciso VI, a é extensiva às autarquias e às fundações instituidoras e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.

§3º As vedações do inciso VI, a, e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamentos de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel”.

Como se verifica do § 2º a Constituição de 1988 estendeu essa imunidade recíproca às autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, contudo, apenas no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.

Porém, como se verifica do § 3º esse princípio não terá aplicação quando se tratar de exploração, pelos Poderes Públicos, suas autarquias ou fundações, de atividades econômicas regidas por normas próprias de empreendimentos privados, assim como quando houver contraprestação ou pagamento de tarifas pelo usuário, nem, exonerara o promitente-comprador da obrigação de pagar o imposto relativamente ao bem imóvel.

Por isso os concessionários de serviços públicos, estatais ou não, pagam impostos.

Como é do conhecimento geral, o STF estendeu o benefício da imunidade recíproca aos serviços prestados pela ECT mediante interpretação sistemática art. 150, VI,  a  da CF, conforme ementa abaixo:

“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA: C.F., art. 150, VI, a. EMPRESA PÚBLICA QUE EXERCE ATIVIDADE ECONÔMICA E EMPRESA PÚBLICA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO: DISTINÇÃO.

  1. As empresas públicas prestadoras de serviço público distinguem-se das que exercem atividade econômica. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, motivo por que está abrangida pela imunidade tributária recíproca: C.F., art. 150, VI, a.
  2. RE, conhecido em parte e, nessa parte, provido” (RE no 407.099-RS, 2a T., Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 6-8-2004, Ata no 21/2004).

Pelo mesmo fundamento foi reconhecida a imunidade recíproca a favor da Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária – INFRAERO – que tem por atividade-fim a prestação de serviço de infra-estrutura aeroportuária em regime de monopólio estatal (RE no 363412-AgRg/BA, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 19-9-2008).

Porém, o STF não distinguiu os serviços de entrega de cartas e telegramas que é um serviço público delegado pela União, dos demais serviços prestados por aquela empresa pública sob o regime de concorrência, assumindo característica mercantil.

O texto constitucional  refere-se a serviços uns dos outros para alcançar os serviços das entidades políticas prestados diretamente ou por delegação. Quanto ao serviço postal não se questiona a imunidade recíproca bem decretada, pois o é um  serviço privativo da  União (art. 21, X da CF) ainda que prestado por meio de sua empresa pública.

Entretanto, os serviços atípicos da ECT deveriam ser tributados pelo ISS e ICMS, mas, há precedentes da Corte Suprema imunizando o IPVA dos veículos de propriedade da ECT, sob o argumento de que eles se destinam ao cumprimento da finalidade de prestação de serviços públicos.

Nesse sentido, as seguintes Ações Cíveis originárias: ACO n° 765 AgRg, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. para acórdão Min. Joaquim Barbosa, Trib. Pleno, DJ de 15-12-2006; ACO n° 959, Rel. Min. Menezes de Direito, Trib. Pleno, DJe de 16-5-2008; ACO n° 811 AgRg, Rel. Min. Gilmar Mendes, Trib. Pleno, DJ de 14-12-2007.

Dentro dessa linha de raciocínio forçoso é concluir que os prédios da ECT, também, estão sob a proteção da imunidade recíproca a impossibilitar o lançamento do IPTU, bem como, as suas rendas que não podem ser tributadas pelo imposto de renda. Sobre suas operações financeiras, igualmente, não pode incidir o IOF.

Ora, sabemos, porque isso é público e notório, que a ECT não se limita a atuar no âmbito da atividade-fim que justificou a sua criação  por lei específica. Ela e suas franqueadas vêm prestando serviços que nada têm de público. A ECT e as empresas por elas franqueadas vêm explorando a atividade econômica lucrativa, executando os serviços de transportes de bens em geral, assim como serviços de entrega de jornais, revistas, periódicos etc. que são atividades regidas pelo princípio da livre concorrência.

Deixar à margem da tributação, por diferentes esferas impositivas,  essas atividades lucrativas seria o mesmo que quebrar o princípio da livre concorrência, espinha dorsal do regime de livre iniciativa adotado pela Constituição.

Os textos constitucionais devem ser interpretados em harmonia com os diferentes dispositivos constitucionais, nunca de forma conflitante, resultando na anulação de um princípio pelo outro.

Não se pode dar amplitude a um determinado princípio para alcançar possíveis efeitos implícitos ao ponto de se chocar com um outro princípio constitucional expresso, interpretado estritamente, sem restrição e sem ampliação. Tanto assim é que o STF já está enfrentando essa questão. No RE n° 627.051-DF, Rel. Min. Dias Toffoli, em que se discute a incidência de ICMS sobre o transporte de bens e mercadorias feitas pela ECT, sob o regime de concorrência, foi reconhecida a existência de repercussão geral, conforme decisão publicada no DJe de 16-6-2011. Outrossim, no RE n° 601.352-PR, Rel. MIn. Joaquim Barbosa, o Plenário da Corte, também, reconheceu a existência de repercussão geral em torno da discussão quanto à incidência do ISS em relação aos serviços, prestados pela ECT em regime de concorrência, conforme decisão publicada no DJe de 3-12-2009.

A extensão da imunidade objetiva do serviço público prestado à imunidade do patrimônio da empresa pública esbarra na dificuldade de separar esse patrimônio voltado para o desenvolvimento de atividade-fim da empresa governamental, daquele voltado para a exploração da atividade lucrativa pela empresa estatal. A distinção é  praticamente impossível. Um veículo da ECT, por exemplo, transporta tanto as cartas fechadas, como os pacotes contendo materiais dos mais diversos que nada têm a ver com o serviço público de correios e telégrafos. Aliás, as cartas fechadas são entregues por carteiros que se locomovem de transportes coletivos, percorrendo a pé as vis públicas onde se localizam os destinatários,  sendo inviável a utilização de veículos para esse fim. O mesmo se diga sobre os prédios de propriedade da ECT. Como separar parte do prédio destinado aos serviços de correios e telégrafos, da parte utilizada para desenvolvimento de atividades lucrativas?

Não é possível constitucionalmente  que uma pessoa jurídica de direito privado, sob a capa de empresa revestida de estatalidade e, portanto, sob a proteção da imunidade recíproca, venha desenvolver atividade econômica lucrativa, contornando o princípio constitucional da livre concorrência.

O precedente da ECT despertou a ação da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – SABESP –, sociedade de economia mista constituída pelo governo do Estado de São Paulo que  está discutindo no STF a imunidade recíproca do IPTU em relação aos prédios de sua propriedade situados no Município de Ubatuba.

Ora, o prédio da SABESP não configura um bem público protegido pelo preceito constitucional da imunidade recíproca. Os serviços de águas e esgotos por ela prestados podem configurar serviços públicos. Mas, os prédios e os demais bens, assim como as suas receitas inquestionavelmente não têm natureza pública, o que afasta a incidência da imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, a da CF. Somente os prédios de patrimônio das entidades políticas ficam protegidos pela imunidade, assim mesmo não exonera o compromissário comprador do pagamento do IPTU, nos termos do § 3º, do art. 150 d CF.

A incidência do IPTU sobre a propriedade predial urbana das empresas públicas e das sociedades de economia mista é inquestionável. A imunidade recíproca do art. 150, VI, a da CF, de natureza objetiva, não pode, por via de construção pretoriana, ser convolada em imunidade subjetiva sob pena de permitir que o Estado por meio de empresas públicas e sociedades de economia mista explorem a atividade econômica sem as limitações do princípio da livre concorrência que é a espinha dorsal do regime econômico privado adotado pela Carta Magna.

A imunidade recíproca, sem sombra de dúvidas, não protege as atividades industriais, comerciais e de serviços lucrativos desenvolvidos diretamente pela entidade política, ou por meio de suas empresas (empresa pública ou sociedade de economia mista).

As empresas públicas e as sociedades de economia mista não podem gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado. É a regra geral prescrita no § 2º, do art. 173 da Constituição.

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