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CLÁSSICOS FORENSE
REVISTA FORENSE
TRIBUTÁRIO
Impôsto Único Sôbre Lubrificantes E Combustíveis Líquidos – Impôsto De Indústrias E Profissões – Taxa De Previdência Social, de José Sabóia Viriato De Medeiros
Revista Forense
04/07/2024
– A competência reservada à União pelo art. 15, nº III, da Constituição, exclui a incidência sôbre os lubrificantes e combustíveis líquidos ou gasosos tanto do impôsto de indústrias e profissões, da competência dos Municípios (art. 29, nº III), como da chamada taxa de previdência social, decretada pela União, e que não mais subsiste, em face do art. 15, nº III.
– A denominada taxa de previdência social é na realidade um impôsto e não corresponde ao nomenjuris de taxa, que lhe deu errôneamente o legislador federal.
– Interpretação do art. 15, nº III, da Constituição.
PARECER
Preâmbulo
A Constituição federal vigente, de 18 de setembro de 1946, contém as seguintes disposições:
“Art. 15. Compete à União decretar impostos sôbre:…
III, produção, comércio, distribuição e consumo, bem assim importação e exportação de lubrificantes e de combustíveis líquidos ou gasosos de qualquer origem ou natureza, estendendo-se êsse regime, no que for aplicável, aos minerais do país e à energia elétrica…
2º A tributação de que trata o nº III terá a forma de impôsto único, que incidirá sôbre cada espécie de produto. Da renda resultante, sessenta por cento no mínimo serão entregues aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, proporcionalmente à sua superfície, população, consumo e produção, nos têrmos e para os fins estabelecidos em lei federal”.
Êste enunciado é reprodução fiel e exata dos textos do art. 15, III e § 2º, do Projeto elaborado pela Assembléia Nacional Constituinte e publicado no “Diário da Assembléia” de 10 de novembro de 1946, em sua redação final.
A lei federal anunciada no § 2º do art. 15 é a de nº 1.749, de 28 de novembro de 1952, que, tratando da forma de cobrança do impôsto único sôbre combustíveis líquidos ou gasosos de qualquer origem ou natureza, dispõe que, quando de procedência estrangeira, será cobrado sob a forma de direitos de importação para consumo, e, quando de produção nacional, sob a forma de impôsto de consumo (art. 1º, letras a e b), prescrevendo o art. 2º que a fiscalização, processo administrativo e penalidades, obedecerão: a) quando se tratar de produtos importados do estrangeiro, ao regime da legislação aduaneira, e b) quando de produção nacional, ao regime do impôsto de consumo.
A receita resultante do impôsto único, estatui o art. 3º, se distribuirá da seguinte maneira: 75% destinar-se-ão ao Fundo Rodoviário Nacional, 25% empregar-se-ão nos empreendimentos ligados à indústria do petróleo, nos têrmos da lei especial, referente ao programa nacional de petróleo, revertendo os recursos excedentes ao Fundo Rodoviário Nacional.
As disposições desta lei se entrosam com as leis anteriores concernentes aos lubrificantes e combustíveis líquidos ou gasosos, às quais faz expressa remissão, a saber: o dec.-lei nº 7.464, de 22 de março de 1945, revigorado e mandado observar pela lei nº 494, de 26 de novembro de 1948, substituído o art I da alínea XXV, tabela D, pela taxação da letra h do artigo 1º da nova lei, e finalmente a lei nº 302, de 13 de julho de 1948, o que de passagem aqui se assinala apenas para mostrar a continuidade de pensamento existente entre a legislação vigente e a que anteriormente regia a matéria.
Finalmente, o art. 9º da nova lei (nº 1.749) preceitua que “o impôsto único de que trata esta lei não exclui a incidência dos impostos de renda e do sêlo previstos nas leis, e regulamentos em vigor”.
A questão
A questão a ventilar, esclarecer e resolver neste estudo é se os preceitos constitucionais citados, que mantiveram com inteira uniformidade de vistas as normas da legislação anterior relativa ao impôsto único, colidem, ou não, com os dispositivos assim das leis municipais como das leis federais, ao exigirem das emprêsas, que comerciam com lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos, aquelas, o pagamento do impôsto de indústrias e profissões, estas, o da taxa de previdência social destinada pelo govêrno federal ao pagamento da sua contribuição para o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas.
A História do Impôsto Único
Nos consideranda do dec.-lei nº 395, de 29 de abril de 1938, onde
“declara de utilidade pública e regula a importação, exportação, transportes, distribuição e comércio de petróleo e seus derivados território-nacional, e bem assim a indústria da refinação de petróleo importado ou produzido no país, e dá outras providências”,
acentuava o govêrno
“a conveniência de ordem econômica de prover à distribuição em todo o território nacional do petróleo e seus derivados, em condições de preço tão uniformes quanto possível”.
E o art. 2º declarava de utilidade pública o abastecimento nacional de petróleo, a saber: “a produção, a importação, o transporte, a distribuição e o comércio de petróleo bruto e seus derivados, e bem assim a refinação do petróleo importado ou de produção nacional, qualquer que seja neste caso a sua fonte de “extração”, sendo da competência exclusiva do govêrno federal (art. 5º, nº I) “autorizar, regular e controlar a importação, a exportação, o transporte, inclusive a construção de oleodutos, a distribuição e o comércio de petróleo e seus derivados, no território nacional”.
O art. 2º, item III, desse diploma, delegou competência exclusiva ao govêrno federal para:
“estabelecer, sempre que julgar conveniente, na defesa dos interêsses da economia nacional e cercando a indústria de refinação de petróleo de garantias capazes de assegurar-lhe êxito, os limites, máximo e mínimo, dos preços de venda dos produtos refinados, importados em estado final ou elaborados no país, tendo em vista, tanto quanto possível, a sua uniformidade em todo o território da República”.
O mesmo decreto criou o Conselho Nacional do Petróleo, organismo subordinado diretamente ao presidente da República, ao qual deu a incumbência de executar as medidas estipuladas (queria dizer estatuídas) no mesmo decreto-lei, autorizar as operações financeiras das emprêsas, fiscalizá-las, bem como as operações mercantis (art. 4º).
Foi organizado o Conselho Nacional do Petróleo pelo dec.-lei nº 538; de 7 de julho de 1938, cujo art. 10 lhe cometeu o encargo de:
“a) autorizar, regular e controlar a importação, a exportação, o transporte, inclusive a construção de oleodutos, a distribuição e o comércio de petróleo e seus derivados no território nacional”;
“c) estabelecer, sempre que julgar conveniente, na defesa dos interêsses da economia nacional e cercando a indústria da refinação de petróleo de garantias capazes de assegurar-lhe êxito, os limites, máximo e mínimo, de preços de venda dos produtos refinados – importados em estado final ou elaborados no País – tendo em vista, tanto quanto possível, a sua uniformidade em todo o território da República”; e
“o) propor a alteração dos impostos, e taxas de qualquer natureza, que gravem a indústria e o comércio do petróleo e seus subprodutos ou a criação de novos impostos e taxas”.
No exercício das atribuições que lhe haviam sido delegadas o Conselho Nacional do Petróleo adotou, em 8 de fevereiro de 1939, a seguinte resolução, aprovada pelo presidente da República:
“Prosseguir no estudo acurado da tributação federal, estadual e municipal, que presentemente grava os combustíveis derivados do petróleo, tendo por objetivoa substituição de todos êsses encargos por um tributo único federal, do qual uma parte, a ser judiciosamente fixada, seria concedida aos Estados, para o fim exclusivo da constituição e conservação de suas rêdes rodoviárias”.
E com a Exposição de motivos número 1.777, de 19 de julho de 1939, dirigida ao presidente da República, apresentou uma análise dos preços de venda no mercado interno, do petróleo e seus derivados, com a qual procurou averiguar os variados fatôres, que intervêm na composição dos preços dos derivados de petróleo entregues, ao consumo. Um dos resultados do seu estudo, observa o Conselho, foi verificar que, na composição dos preços de venda, os fatôres que mais avultam são os tributos, os federais e os estaduais.
Assim, pensava o Conselho ser necessário substituir todos os múltiplos impostos e taxas federais, estaduais e mesmo alguns municipais, que oneram cada espécie de mercadoria, por um tributo único equivalente, lançado e arrecadado pela União, do qual uma certa quota seria destinada à constituição de um fundo especial, a ser partilhado, a título de subvenção, pelos Estados, Distrito Federal e Território do Acre, proporcionalmente ao consumo de cada mercadoria em seus respectivos territórios, para aplicação exclusiva na expansão e conservação de suas rêdes rodoviárias.
Adverte o Conselho, em sua Exposição, que, “dentre as medidas propostas, algumas envolvem matéria constitucional, pois que estabelecem uma restrição não prevista no texto da nossa Carta Política (a de 10 de novembro de 1937) aos poderes conferidos aos Estados e Municípios em matéria tributária”.
Por isto, concluía: “essas medidas, bem como as que delas decorrem como conseqüência imediata, deveriam contextuar-se em uma lei constitucional e em um ato de caráter legislativo, cujo estudo e elaboração mais acertadamente deveria cometer-se a um órgão especializado em assuntos dessa natureza”.
Na análise da composição dos preços de venda do petróleo bruto e seus derivados, assinala o Conselho estarem êles sujeitos aos seguintes tributos (impostos e taxas) federais:
a) direitos aduaneiros;
b) adicional de 10% sôbre os direitos aduaneiros;
c) impôsto de consumo;
d) taxa do Conselho Nacional do Petróleo;
e) taxa de Previdência Social.
Os impostos e taxas estaduais que, nos têrmos do dispositivo constitucional então vigente, vinham onerar os preços do petróleo; e seus derivados, eram os de
a) vendas e consignações, e
h)indústrias e profissões, metade do qual cabia aos Municípios.
Mas; diz o Conselho, “ao lado dêsses impôstos que, direta ou indiretamente, gravam o petróleo e, seus derivados, as administrações estaduais, no afã de criar novas fontes de receita, têm decretado numerosos tributos, de aplicação especial, ou não, que os oneram em maior ou menor grau, e que recebem denominações as mais variadas, entre as quais sobrelevam, o
“a) impôsto ou taxa rodoviária;
“b) impôsto de estatística;
“c) impôsto de entrada ou importação;
“d) impôsto ou taxa de expediente;
“e) impôsto de exportação;
“f) impôsto de incorporação;
“g) impôsto sôbre o giro comercial;
“h) impôsto de reajustamento econômico;
“i) impôsto de caridade, etc., etc.”.
Tratando especialmente do impôsto de indústrias e profissões, que, nos diversos Estados, é regulado consoante os mais diversos critérios, informa o Conselho: “Via de regra, os comerciantes dos produtos de refinação do petróleo são distribuídos em classes e categorias, servindo de base para o lançamento algum ou alguns dos seguintes elementos: situação do estabelecimento; valor locativo do prédio em que estejam instalados, movimento comercial ou o volume de mercadorias vendidas, ou, ainda, a importância das vendas, valor aproximado das mercadorias em depósito, capital social, população da localidade onde é exercida a atividade, etc”.
E continua: “Em alguns Estados, êsse impôsto compreende duas partes, uma geralmente proporcional à importância das vendas, ou cobrada na base de determinada percentagem sôbre o valor comercial dos produtos destinados ao comércio; e outra, variável, entre limites mais ou menos afastados, com o volume de negócios ou as quantidades vendidas, segundo classes e categorias estabelecidas de acôrdo com alguns dos critérios acima indicados”.
Referindo-se aos impostos e taxas municipais, observa o Conselho que, nos têrmos do § 2º do art. 23 da Constituição em vigor, cabia aos Municípios metade da arrecadação do impôsto de indústrias e profissões lançado pelo Estado. Mas que a esta juntaram os Municípios numerosas outras fontes de receita, sob a forma de impostos ou taxas diversos, que oneram mais ou menos fortemente o petróleo e seus derivados. Nada menos de 11 modalidades de tributação relaciona o Conselho, no estudo apresentado, acrescentando: “A tributação municipal assume, assim, formas várias. Em alguns casos é direta, incidindo proporcional ou diferencialmente sôbre a unidade de volume ou pêso da mercadoria; em outros grava indiretamente pelos encargos que cria a distribuição e o comércio dêsses produtos”.
Assente a proposição de que, por via de regra, o encarecimento dos refinados de petróleo, no país, tem sido motivado principalmente pelo aumento da tributação, sem falar na desvalorização da moeda, conclui o conselho: “…ressalta à evidência que resultará improfícua qualquer medida para realizar essas condições (isto é, fixar em limites razoáveis os tributos) e mantê-los estáveis por largos períodos, enquanto à União e, especialmente, aos Estados e Municípios, fôr reconhecido o direito de tributar, a seu alvedrio, e sob formas e pretextos mais diversos, o petróleo e seus derivados entre os quais, malgrado a sua decisiva influência no setor econômico, a gasolina e os óleos combustíveis são, de regra, os mais fortemente afetados”.
Qual, pois, o remédio alvitrado?
“A conversão, para certa espécie de mercadoria, de todos os múltiplos impostos e taxas federais, estaduais e mesmo de alguns Municípios, em, um impôsto único, lançado e arrecadado pela União, como previdência preliminar, e a outorga à União de competência privativa para decretar impostos e taxas de qualquer natureza sôbre o petróleo bruto, gasolina, querosene e óleos minerais combustíveis e lubrificantes, viriam sanar cabalmente muitos dos óbices que presentemente dificultam, ou impossibilitam, o estabelecimento dos limites – máximo e mínimo – dos preços de venda dos produtos refinados e sua uniformização, tanto quanto possível, no território nacional”.
Resume o Conselho as suas conclusões finais em umas tantas providências que conduziriam ao resultado colimado, dentre as quais destaco as seguintes.
“a) reservar à União competência para decretar impostos sôbre a produção, a distribuição, o consumo e o comércio, inclusive a importação e exporto, de combustíveis e lubrificantes líquidos minerais;
“b) dar à tributação federal, para cada espécie de mercadoria, a forma de um impôsto único arrecadado, quanto à mercadoria importada, nos respectivos despachos aduaneiros e, quanto à produzida no país, por meio de guia às Recebedorias Federais, Mesas de Renda ou Coletoras, tendo em ambos os casos escriturações especial;
“c) destinar uma parte dos impostos assim arrecadados à formação de um fundo especial, a ser partilhado, a título de subvenção, pelos Estados, Distrito Federal e Território do Acre, proporcionalmente aos consumos nos respectivos territórios, para aplicação exclusiva na conservação e expansão de suas rêdes rodoviárias”.
Termina o Conselho a sua Exposição com a seguinte advertência:
“Cumpre assinalar que o objetivo das medidas propostas não é privar os Estados e Municípios de algumas de suas fontes de receita. Os impostos em aprêço deixarão sòmente de ser arrecadados pelos Estados e Municípios para o serem, em bloco, pela União, que os devolverá aos Estados para terem aplicação especial e exclusiva no aperfeiçoamento e expansão de suas rêdes rodoviárias”.
Todavia, no que toca ao cerceamento da autonomia, que a Constituição assegura aos Estados e Municípios, só por meio de uma reforma constitucional poder-se-iam levar a efeito as medidas propostas. Outras, igualmente apontadas nas conclusões finais, será possível realizar, após a reforma sugerida, por meio de decretos-leis.
Chegados a esta altura da presente exposição, havemos de convir, sem a menor hesitação, que os objetivos claros e inequívocos do impôsto único, de competência federal, cuja criação o Conselho sugeria, excluíam formal e positivamente tôda e qualquer tributação (impostos e taxas), estadual e municipal, que incidisse quer sôbre as próprias atividadesrelacionadas com a produção, o consumo, a distribuição e o comércio (de importação e exportação) do petróleo e seus derivados, quer sôbre os produtos derivados do petróleo, por meio das operações de refinação: a gasolina, o querosene, os lubrificantes e os combustíveis líquidos ou gasosos.
Continua a história do impôsto único
As leis constitucionais ns. 3 e 4, de 18 e 20 de setembro de 1940, correspondem fielmente a êste pensamento. A primeira, que emenda os arts. 23 e 25 da Constituição de 10 de novembro de 1937, após a declaração da competência exclusiva dos Estados, no tocante à decretação de impostos e taxas (art. 23), na nova redação do art. 35 declara defeso aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios
“tributar direta ou indiretamente a produção e o comércio, inclusive a distribuição e a exportação de carvão mineral nacional e de combustíveis e lubrificantes líquidos de qualquer origem”.
E a Lei Constitucional nº 4 decretou:
“Art. único. É da competência privativa da União, além dos poderes que lhe atribui o art. 30 da Constituição, o de tributar a produção e o comércio, a distribuição e o consumo, inclusive a importação e a exportação de carvão mineral nacional e dos combustíveis e lubrificantes líquidos de qualquer origem. O tributo sôbre combustíveis e lubrificantes líquidos terá a forma de impôsto único, incidindo sôbre cada espécie de produto. Da sua arrecadação caberá aos Estados e Municípios uma quota-parte proporcional ao consumo nos respectivos territórios, e será aplicada na conservação e no desenvolvimento das suas rêdes rodoviárias”.
Esta fórmula que o govêrno federal, fiel às sugestões do Conselho diretamente subordinado ao presidente da República, acolheu sem discrepância, não se presta a outra interpretação que não seja a seguinte: reservou a União para si competência privativa para tributar a produçãoe o comércio, a distribuição e o consumo, inclusive a importação e a exportação de carvão mineral nacional e dos combustíveis e lubrificantes líquidos de qualquer origem. Tributar, por conseguinte, as atividades industriais e comerciais aí declaradas. Competência privativa, que veda por conseguinte o exercício de qualquer tributária dos Estados e Municípios, que onere ou que recaia sôbre tais atividades. Excluídos, portanto, quaisquer tributos estaduais ou municipais, como o impôsto de indústrias e profissões ou que outro nome tenha, e mesmo o de licença de localização.
Como, porém, de que forma, por que maneira exercerá a União essa competência? Sob a forma de um impôsto único, que incidirá sôbre cada espécie de produto. Podia o legislador adotar uma das muitas modalidades que revestem entre nós os tributos estaduais e municipais sôbre as atividades industriais e comerciais. Preferiu como mais prática e de mais fácil arrecadação a forma do impôsto único a incidir sôbre cada espécie de produto, e que, por ser único, também lhe torna defeso qualquer outro tributo federal, que não os impostos de renda e de sêlo, expressamente excetuados, e, portanto, a chamada taxa de previdência social, aliás impôsto e não taxa, como adiante se demonstrará.
Advirta-se agora na fórmula peculiar empregada no texto. Não se criou um impôsto único sôbre os produtos do petróleo e seus derivados; decretou-se a tributação, de competência privativa da União das atividades industriais e comerciais, isto é, da produção, do comércio, da distribuição e do consumo do carvão mineral nacional e do petróleo e seus derivados – a qual se exercerá sob a forma ou feição de um impôsto único que incidirá sôbre cada espécie de produto. A imposição do produto foi o modo escolhido, por mais conveniente, mais adequado, de mais fácil arrecadação, para a tributação das atividades, ao invés dos critérios variáveis, e não raro delirantes, que se deparam nas legislações estaduais e municipais.
Se o objeto da tributação fôsse o produto, não as atividades (a arguta observação não é minha, é de um egrégio causídico, o Dr. PLÍNIO PINHEIRO GUIMARÃES), não havia, mister que o dec.-lei nº 2.615, de 21 de setembro de 1940, contemporâneo da Lei Constitucional nº 4 e destinado a dar-lhe execução, declarasse não ficarem as emprêsas a êle sujeitas isentas dos impostos de renda e do sêlo, já que êstes dois últimos não recaem sôbre produtos. Na verdade, esta exegese, acorde rigorosamente com os propósitos que a inspiraram, teve plena confirmação nesse dec.-lei nº 2.615, de 21 de setembro de 1940, emanado do mesmo govêrno que promulgou a Lei Constitucional nº 4. Cria êle o impôsto único federal sôbre os combustíveis e lubrificantes líquidos minerais, importados e produzidos no país, regula sua distribuição e dá outras providências.
Nos considerando que justificam e explicam o diploma, diz o Govêrno:
“a) que a Lei Constitucional nº 3, de 18 de setembro de 1940, veda aos Estados e Municípios cobrar, sob qualquer denominação, impostos e taxas que, direta ou indiretamente, incidam sôbre a produção, o comércio, a distribuição e o consumo de combustíveis líquidos;
b) que compete privativamente à União, em virtude da Lei Constitucional nº 4, de 20 de setembro de 1940, tributar a produção e o comércio, inclusive a importação e a exportação de combustíveis e lubrificantes líquidos, bem como a sua distribuição e o seu consumo;
c) que a Lei Constitucional precedentemente citada dispõe que a tributação federal terá a forma de impôsto único sôbre cada espécie de produto, e que de sua arrecadação caberá aos Estados e Municípios uma quota-parte proporcional ao consumo nos respectivos territórios, a qual será aplicada na conservação e no desenvolvimento das suas rêdes rodoviárias”.
O art. 1º do decreto-lei cria o impôsto único federal sôbre os combustíveis e lubrificantes líquidos minerais, importados ou produzidos no país o qual será cobrado, sob a forma de direitos de importação para consumo, quando de procedência estrangeira, e de impôsto de consumo, quando produzidos no país. Único, mas que não exclui (exceção expressa), e por motivo óbvio, a incidência dos impostos de renda e do sêlo, previstos nas leis e regulamentos em vigor.
Explica o art. 2º que as mercadorias referidas no art. 1º ficam isentas de impostos e taxas estaduais e municipais, de qualquer natureza que, direta ou indiretamente, incidam sôbre a sua produção e o seu comércio, a sua distribuição, o seu transporte e o seu consumo.
O art. 8º revoga o dec.-lei nº 2.179, de 8 de maio de 1940, que regulava o impôsto de consumo sôbre os derivados de petróleo produzidos no país, e o art. 15 do dec.-lei nº 558, de 7 de julho de 1938 (anteriores às duas novas leis constitucionais). Êste último dispositivo, inserto no decreto-lei que organizou o Conselho Nacional do Petróleo, criava a taxa de Cr$ 3,00 por tonelada de petróleo bruto, gasolina, querosene, óleos combustíveis e lubrificantes minerais, e de quaisquer outros subprodutos do petróleo, a juízo do Conselho Nacional do Petróleo, importado ou produzido no pais com matéria-prima estrangeira ou nacional. Destinava-se a taxa suprimida, a ocorrer às despesas com a execução do decreto, que organizara dito Conselho.
Não há, pois, dúvida que o regime das Leis Constitucionais ns. 3 e 4, que emendaram os dispositivos da Constituição de 1937, excluía a incidência de quaisquer, tributos que não os expressamente excetuados, federais, estaduais é municipais, que pudessem gravar a produção, o comércio nacional e internacional, e o consumo dos produtos de petróleo e seus Múltiplos derivados.
O Impôsto Único na Constituição vigente
Tal era a situação jurídica quando sobreveio o movimento de 1945, que pôs têrmo ao regime de arbítrio, em que vivíamos, é deu lugar à Constituição de 18 de setembro de 1948. Indaguemos da sorte do impôsto único no novo diploma constitucional.
Na sua primeira forma, apresentada pela Subcomissão, de que foi relator o Sr. ALIOMAR BALEEIRO, o texto estava assim redigido:
“Compete privativamente à União:
“I. Decretar impostos:…
“g) sôbre produção, comércio, distribuição e consumo, inclusive a importação de carvão mineral nacional e dos combustíveis e lubrificantes líquidos ou gasosos de qualquer natureza ou origem”.
Era, sem discrepância no fundo, o texto, das Leis Constitucionais ns. 3 e 4, de 18 e 20 de setembro de 1940. No Relatório Geral da 2ª Subcomissão da autoria do mesmo ALIOMAR BALEEIRO, se refere o seguinte:
“O regime da tributação única foi modificado pela Subcomissão, nos seguintes pontos:
“a) inclusão dos minerais do país (emendas nº 1.061 – FERNANDES TÁVORA, e nº 2.192 – EDGAR ARRUDA) e da eletricidade (emendas ns. 468 e 469 – J. BOTELHO, e nº 3.786 – JURANDIR PIRES);
“b) distribuição do produto do impôsto aos Estados e Municípios, segundo um critério, único a ser determinado por lei federal, que atenderá à área territorial, população, consumo e produção, assim como determinará a aplicação, tendo em vista as necessidades do sistema de viação nacional (emendas ns. 1.082, 1.083 e outras). Prejudicadas, portanto, as emendas ns. 2.902 e 2.921, que, quebrariam o sistema da tributação única, experimentado em relação a combustíveis líquidos e carvão nacional, sem ter sofrido condenações”.
No projeto, que resultou do estudo desta Subcomissão, a redação é, sem alteração na substância, idêntica à da Constituição vigente, art. 15, nº III (ALIOMAR BALEEIRO, “Alguns andaimes da Constituição”, Livraria Principal, 1950, págs. 79 e 101-102).
De particular interêsse para os caso é a rejeição da emenda nº 110, dos Srs. ALDE SAMPAIO e JOÃO CLEOFAS, que propunham suprimir-se no inc. III do art. 15, a expressão “a produção, o comércio, a distribuição e o consumo, bem assim a importação e exportação”. O dispositivo iria trazer grandes dificuldades na sua aplicação prática. Estabelece-se um cobrador único do impôsto, excluindo-se qualquer outra forma de impôsto sôbre combustível líquido e carvão nacional (palavras dos autores da emenda supressiva, mas significativas). No nosso sistema tributário, além do impôsto que grava diretamente a mercadoria, há os que oneram os atos referentes às transações em que entram essas mercadorias. Êstes atos, no caso, estão isentos de impostos, pelo fato de se tratar de combustível. Parecia um excesso, para o qual não viam razão os autores da emenda.
Opôs-se-lhes o Sr. ALIOMAR BALEEIRO. Rejeitou os argumentos expendidos, dizendo não haver novidade no projeto, porque o sistema da tributação única dos lubrificantes, combustíveis líquidos, etc. resulta da emenda nº 4 da Constituição de 1937. Desde que foi posta em vigor aquela emenda, com tendência a imitar o sistema mais ou menos semelhante de tributação de combustíveis praticado nos Estados Unidos, vêm-se arrecadando tal tributo, e distribuindo sem qualquer embaraço.
Foi rejeitada a emenda e aprovado definitivamente o texto, tal como, consta da Constituição vigente (JOSÉ DUARTE, “A Constituição Brasileira de 1946”, 1º vol., págs. 181-183).
Mais adiante, na discussão do que se inscreveu como, § 2º do art. 15, leia-se o histórico do Sr. JOSÉ DUARTE, cronista fiel da elaboração do texto constitucional (I, pág. 387):
“Em explicação.que fôra solicitada, na Comissão Constitucional, ALIOMAR BALEEIRO diz que o impôsto sôbre combustíveis e motores de explosão pela Constituição de 1934 pertencia aos Estados. A Constituição de 1937 transferiu-o para a União. Por muitas causas, surgiu a emenda constitucional nº 4, sôbre matéria idêntica, em que se institui o regime do impôsto único sôbre combustíveis líquidos, e carvão mineral. Tôdas as maneiras de tributar-se o carvão – seja importação, produção, arrecadação, consumo – tudo isto desapareceu e fundiu-se num impôsto único, que a União arrecada e distribui, entre os Estados e Municípios, em proporção ao consumo de cada um dêles. Se houvesse objeção, seria talvez a de que a União não deverá distribuir essa receita em função do consumo, mas em função da população, porque assim os Estados e Municípios, que já têm melhor serviço rodoviário, ficam cada vez mais beneficiados… Cobra-se o impôsto uma vez só, mas é discriminado, conforme o tipo de combustível”.
Conclusão: foi aprovado o parágrafo.
A discussão, travada a seguir, versou apenas sôbre o critério a que deverá obedecer a distribuição do produto do impôsto único. O que veio a prevalecer foi que a distribuição se procedesse proporcionalmente à superfície, à população, ao consumo e à produção, nos têrmos e para os fins consignados em lei federal.
O histórico do impôsto único na elaboração da Constituição de 1946 mostra, portanto, que os constituintes, sem qualquer divergência no fundo, rejeitando as emendas que se opunham a esta forma de tributação; adotaram substancialmente o conteúdo das emendas ns. 3 e 4 à Constituição de 1937, cuja origem e significação foram precedentemente explanadas. Com variantes concernentes: 1º) à extensão da matéria tributável a que se aplicaria o regime do impôsto único; 2º) ao critério da distribuição do produto do impôsto único, o regime é absolutamente o mesmo instaurado pelas aludidas emendas constitucionais de 1940.
Ora, como, segundo um aforisma proferido no caso New, York Trust C.º vs. M. Eisner, pelo grande JusticeHolmes: “upon this point a page of history is worth a volume of logic” (citado por ALIOMAR BALEEIRO, “Andaimes”, pág. 19, nota), havemos de convir na conclusão a que êste relato irresistìvelmente nos compele: que o regime do impôsto único, instituído pelas emendas constitucionais de 18 e 20 de setembro de 1940, acolhido sem discordância, antes com repulsa expressa de impugnações formuladas, pela Constituição de 18 de setembro de 1948, exclui qualquer tributação (no mais amplo sentido do têrmo) dos Estados e dos Municípios e mesmo da União, salvo os impostos de renda e de sêlo, sôbre a produção, o comércio, a distribuição e o consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos ou gasosos, de qualquer origem ou natureza. Rejeita, pois, tanto o impôsto de indústrias e profissões, da competência dos Estados, como a taxa de previdência social, aliás verdadeiro impôsto, como veremos, lançado pela União.
*
O valor dos antecedentes históricos na interpretação da lei
“Ex antecedentibus et consequentibus fit optima interpretatio”
Mas que valor havemos de atribuir, para a legítima interpretação do texto constitucional, aos antecedentes da sua elaboração?
Refiro-me a êste preciso e determinado texto relacionado com os precedentes e antecedentes que lhe dizem respeito, tal como foram aqui expostos pormenorizadamente.
GÉNY (“Méthode d’interprétation”, 2ª ed., pág. 29) resume, nestes têrmos a sua conclusão sôbre a questão:
“…les travaux préparatoires d’une loi ne doivent être accueillis, comme illustration autorisée du texte, et pour son interprétation intrinsèque, qu’autant que les idées, qu’on y puise, ont été exprimes sans contradiction notable, dana des conditions permettant de les attribuer à la volonté, le plus souvent collective qui crée la loi, et pourvu encore que le texte de celle-ci ne répugne pas à se complément d’explications”.
Condições preenchidas rigorosamente no presente caso
VANDER EYCKÉN (“Méthode positive de l’interprétation juridique”, nº 85, página 142) precisa com rigor os têrmos em que se justifica o recurso aos trabalhos preparatórios:
“D’abord, il faut user de cet élément à son rang, c’est-à-dire ne le consulter qu’après avoir sollicité les manifestations d’intention supérieures, savoir la loi et les principes du Droit. En second lieu, il ne jaut admettre l’intention résultant des travaux préparatoires que dans le cas où elle est complètement prouvée. La possibilité générale que les travaux préparatoires recèlent la volonté du législateur doit se présenter dons l’espèce avec la force de la certitude. Sinon, la présomption d’exactitude du téxte ne saurait être renversée”.
Haverá dúvida sôbre isto diante das circunstâncias expostas precedentemente?
DEGNI (“L’interpretazione della legge”, 2ª ed., pág. 258), referindo-se à utilização dos trabalhos preparatórios na interpretação das lei, adverte:
“Quando, adunque, siano usati con grande cautela, in guisa da saper distinguere cid che potette essere solamente un’opinione individuale, di uno o più dei vari membri dei fattori legislativi, da ciò che formò veramente l’idea informatrice della legge, e che può desumersi da tante circostanze particolari, che dimostrino che tal idea trovò, infatti, il consenso della maggioranza, che, votando la legge, intese seguire quel senso chiaramente attribuitole, i lavori preparatori possono essere uno dei mezzi più autorevoli per accertare il contenuto della legge al’época della sua formazione, senza escludere, per altro, il concorso degli altri elementi d’investigazione, che possono modificare il risultato della ricerca che si svolge su ciò che rappresenta il periodo di gestazione della legge stessa”.
Observa GIANTURCO (“Sistema di diritto civile italiano”, I, 3ª ed.):
“Oggi non si usa più di scrivere proemii alla legge; ma gli studii e le discussioni avvenute nel Parlamento e nel paese prima dell’approvazione della legge sono elementi sufficientissimi di interpretazione logica tenendo in mente però che la legge, più che con sussidíi estrinseci, deve essere interpretata coi motivi intrinseci contenuti nella legge stessa”.
E CALDARA (“Interpretazione della leggi”, nº 140, pág. 126 do extrato):
“Per noi, quindi, i lavori preparatori di una legge – cmme ogni altra manifestazione dei motivi della legge stessa – devono servire a porre in essere quell’intenzione del legislatore che deve avere la sua parte nel contenuto della legge. Naturalmente la toro efficacia quali strumenti d’interpretazione è contenuta in limiti razionali, dipendenti e delta necessità scientifica che la legge non sia considerata soltanto come una dichiarazione di volontà da parte de legislatore, ma ánche como un qualche cosa inerente alla vitd sociale – e dalle peculiari condizioni di fatto, in cui necessariamente si svolgono i lavori preparatori di una legge”.
E vem aqui a pêlo esta observação de CAPITANT (“Introduction à l’étude du droit civil” 4ª ed. pág. 103, nota):
“La loi ne vaut que comme déclaration del volonté; séparée de la pensée qui: l’a inspirée, elle perd toute portée, elle devient un texte mort susceptible de recevoir les plus diverses interprétations. Seule, la volonté qui a présidé à sa naissance lui donne la fermeté et la fixité qui font la supériorité du droit écrit”.
“Dabei ist davon auzugehen, die Gesetze Menschenwerk sind“, advertem KRAINZ e PFAFF (“System das österreichischen allgemeinen Privatrechts”, I, § 13, pág. 44). As leis são obra do homem, quer dizer, fruto de uma vontade, resultado de uma intenção. E lei é o que essa vontade e essa intenção significam, desde que tenham expressão, no texto legal.
Opinião de grande peso é a de REGELSBERGER, autoridade suma que pede meças à de WINDSCHEID.
Tratando especialmente do assunto, diz êle nas suas “Pandekten”, vol 1º, o único publicado, pág. 150:
“Über den Wert der Gesetzesmaterialien für die Gesetzauslegung gehn die Meinungen sehr auseinander. Wer dem Willen des Gesetzgebers für der Gezetzinhalt die Bedeutung abspricht (§ 35 art. 10), muss die Gesetzesmaterialien mit andern Auslegungshiilfemitteln, z. B. mit einem ausländischen Gesetz oder mit einer rechtswissenschaflichen Abhandlung, aus welchen bei der Gesetzeserlassung geshöpft wurde, auf eine Linie stellen. Anders nach dem oben (§ 35) angenommenen Standpunkt. Die Gesetzesmaterialien zeigen für den Gesetzesinhalt in erster Linie massgebenden Faktor unmittelbar an der Arbeit. Ergeben sie mit Bestimmtheit den Sinn, welchen der Gesetzgeber mit einer Salzung verbunden hat, und ist dieser Sinn mit den Worten vereinbar, so kommt disem Aufschluss bindende Kraft zu. Der Ausleger kann sich nicht gegen dem ihn bekannten zum Ausdruck gelangten Willen des Gesetzsgebers aufrehnef. Aber freilich bei der heutigen Einrichtung der Gesetzgebungsgewalt ist Wille der Gesetzgeber die übereinstimmende Auffassung sämtlicher bei der Gesetzeserlassung beteiligter Organe. Und diese Übereinstimmung wird nicht gerade läufig festzustellen sein. Dem Missbrauch, nach einer Aüsserung in den Motiven oder in eivem Kommissionsbericht oder gar in dem Votum eines Abgreordeten oder eives Regierttngsvertreters den Sinn eines Gesetzs zu bestimmen, muss mit aller Entschiedenheit entgegentreten werden. Aber abusus non toliit usum”.
Ou em vernáculo:
“Sôbre o valor dos materiais legislativos para a interpretação da lei, divergem muito as opiniões. Os que negam a importância da vontade do legislador para determinar o conteúdo da lei colocarão na mesma linha os materiais legislativos com outros meios auxiliares de interpretação, p. ex., uma lei estrangeira ou uma dissertação de ciência jurídica dos quais teria a lei resultado”.
“Diverso é o ponto de vista acima acolhido (§ 35). Os materiais legislativos apontam desde logo, em primeira linha, ao trabalho, um fator adequado do conteúdo da lei. Dão êles com segurança o sentido que o legislador incorporou num preceito, e é êste sentido que as palavras manifestaram, de sorte que ao sentido assim tornado claro cabe fôrça obrigatória”.
“Não é dado ao intérprete insurgir-se contra a vontade do legislador comunicada pelas palavras com que se exprimiu. Sem dúvida, porém, pela organização atual do Poder Legislativo, a vontade do legislador é a opinião concorde do conjunto dos órgãos entre os quais se reparte a feitura da lei. E esta concordância por vêzes não se chega a fixar com precisão. O abuso de determinar o sentido de uma lei por uma declaração nos Motivos ou no Relatório de uma Comissão, ou então no voto de um deputado ou de um representante do govêrno há de impugnar-se com energia: Mas abususnontollitusum“.
Parece que nenhuma destas restrições encontra aplicação adequada na hipótese em discussão.
Ocupando-se do assunto, diz DERNBURG (“Pandette”, Parte Generale, § 35, à pág. 88 da trad. italiana:
“Particolarmente importante (para a interpretação da lei) é il farsi presente il diritto anteriore alla emanazione della legge. Infatti ogni nuova legge sta sotto l’impressione dello stato di diritto, in cui essa s’incastra, si che lo confermi, lo sviluppi, o vi si opponga”.
O assunto é objeto de um parágrafo (§ 50) do “Tratado de Direito Civil”, de ENNECERUS-KIFP e WOLFF, Parte Geral, vol. I, págs. 207 e segs. da tradução espanhola. Os materiais legislativos, dizem êles, só hão de levar-se em conta, quando o pensamento que dêles deriva deparou expressão, incompleta ou ambígua que seja, na lei. E prosseguem:
“Pero dentro de estos limites suelen ser de gran valor. Dan con frecuencia puntos de apoyo muy luminosos sôbre el pensamiento dominante en la ley, pero no procuran nunca certidumbre plena de que los tuvieran en cuenta todos tos factores de la legislación o de que todos tos aprobasen. Pero incluso cuando esto fuese demonstrado no deber ser seguido si lo desaconsejan outras razones preponderantes, fundadas en el tenor literal de la ley, en la conexión con el resto del contenido de la misma, en la opportunidad, en la equidad o en la congruencia”.
E logo diante:
“El valor de cada uno de los materiales se ha de estimar en general segun la importancia del factor legislativo del que deriven, segun su relación más o menos amplia con el acto de legislación decisivo y segun el influjo que ejerció, coco asimismo segun su ascendiente espiritual. Por tanto merece especial atención la circunstancia, que de que el asentimiento de todos los factores legislativos se produce a veces en las deliberaciones parlamentarias, o sea, tratandose de leyes del Reich (antes de la revolución), del Bundesrat y del Reichstag, se haya filado especialmente era una determinada concepción”.
Ora, é fato estreme de dúvida que o pensamento inequívoco da Lei Constitucional nº 4 foi reproduzido no texto constitucional vigente, e que esta intenção teve expressão adequada no texto da lei constitucional em elaboração, não só implícita como explìcitamente, pela repulsa consciente e motivada de emendas que visaram modificar o pensamento traduzido no texto em discussão. Como, pois, recusar o valor interpretativo dêstes antecedentes?
E outro quadrante, o da doutrina inglêsa e americana, deparam-se-nos opiniões concordes com as supra-referidas.
Assim BLACK (“On interpretation of laws”, nº 91, à pág. 224):
“In aid of the interpretation of an ambiguous statute or one which is susceptible of several different constructions it is proper for the courts to study the history of the bill in its progress through the legislature, by examining the legislative journals”.
Segue-se, acorde com a feição peculiar à doutrina anglo-saxônica, a citação de julgados em que esta doutrina é acolhida e praticada.
A grande autoridade de que goza o tratado de SÜTHHERLAND “Statutes and statutory construction”), justifica o apêlo ao ensino dêste eminente jurista. No § 470 (2º vol., pág. 879), diz êle:
“The proceedings of the legislature in reference to the passage of an act may be taken into consideration in construing the act. Thus the reports of committees made to the legislature have been held to the proper sources of information in ascertaining the intent or meaning of the act. Amendments made, or proposed and defeated, may also throw light on the construction of the act as finally passed, and may properly be taken into consideration.
It was held in State v. Cloksey that in the interpretation of words used in the constitution, the court may derive such aid as may be afforded by looking at the journals of the convention; or journals of the legislature in respect to the history of the enactment. It is held in Indiana that the journals containing the proceedings in reference to a bill enacted into a statute may be looked to by the courts to ascertain the intention of the legislature in enacting it if it be ambiguous. In Blake v. National Banks the journals of congress were referred to, and the court said they were compelled to ascertain the legislative, intention in that way”.
CRAWFORD (“The Construction of Statutes”, St. Louis, 1940) discorre sôbre a questão per longum et latum. No § 214, à pág. 379, diz êle:
“Undoubtedly, and as previously suggested, the better as were as more advanced view allows, in many cases, resort by the court to the opinions and motives of the legislators. It is difficult to advance any real reason for refusing access to the debates of members of the legislature, particularly where such debates are, available when the law is being construed”.
E adiante (pág. 380):
“Nevertheless, as we will sec in the section discussing the history of the bill even though resort may not be had to the debates to ascertain the legislative intent, many cases allow such resort in order to reveal the history of the statute under consideration. It is difficult to see why it would be proper to consider the legislative debates in the one instance and improper in the other. After all, the legislative history simple tends to reveal the legislative purpose in enacting the statute, and thereby sheds light upon the legislative intent. To permit resort to the debates simply to show the legislative history makes it necessary to draw a fine perhaps invisible distinction”.
Referindo-se à opinião que distingue, quanto ao valor que possam ter para aclarar o intento da lei, entre os debates parlamentares, em que o pronunciamento de um ou mais deputados não importa o assentimento dos demais, e os relatórios das comissões técnicas incumbidas do preparo das leis, diz o nosso autor (página 382):
“Nevertheless, even though the report of committees may be more trustworthy and because of they very nature entitled to more weight, it is suggested that some assistance may also be obtained from the debates of the legislators there is no valid reason why, resort to them should be deemed improper”.
Tratando mais particularmente do histórico da lei, diz CRAWFORD (página 383):
“According to the weight of authority, and surely the better view, the court may consider the general history of a statute, including its derivation, that is, the various steps leading up and attending its enactement, as shown by the legislative journals, in its effort to ascertain the intention of the legislature where it is in doubt. Conversely, the legislative history cannot be considered where the statute’s meaning is plain. As a result, amendments, or other modifications of a bill, and the legislature’s action thereon, messages from the ohief executive, reports of legislative committees, testimony produced before a committee, and even the debates in the legislature, may be resorted to as indicia of the legislative intent where it is obscure”.
Para concluir esta resenha, seja-nos lícito recorrer a um autorizado repertório – “American Jurisprudence”, v. Statutes, § 327:
“Apart from, opinions expressed in debates, the actual proceedings of the legislature, or the steps taken in the enactment of a law, or the history of the passage of the law through the legislature, may be resorted to as an aid in the interpretation of. a statute which is ambiguous or of doubtful meaning. The courts may take into consideration the facts leading up to, coincident with, and in any way connected with, the passage of the act, in order that they may properly interpret the legislative intent. This right of the court to look to the history and progress of a bill the course of enactment as an aid in the construction of the statute, has been regarded as analogous to the right td introduce evidence, in construing wills and contracts, to show the circumstances surrounding the parties at the time of the making of the instrument, for the purpose of placing the court in the position of the parties whose intentions are to be ascertained. Sometimes statutes are enacted specifically permitting resort to legislative proceedings in aid of interpretation of a statute of doubtful import. On the other hand it has been said that only in extremely doubtful matters of interpretation does the legislative history of an act of Congress become important, and there are decisions which seem out of harmony with the general roles above stated, or which at least use the language apparently at variance therewith. Of course, there may be no resort to the legislative history of the enactment of a statute, the language of which is plain and inambiguous, since such legislative history may only be, resorted to for the purpose of solving doubt, and nor for the purpose of creating it. It has also been declared that such legislative history, may not be used to support a construction which adds to, or takes from, the significance of the words employed. It seems, however, that even though the language of statute is plain and construction according to its terms does not lead to absurd or impracticable consequences, the legislative history of the enactment of a statute may be resorted to in confirmation of the meaning conveyed by the words used, where a different e conclusion is asserted”.
Aplicação da doutrina ao fato
Façamos aqui uma pausa para tirar destas lições o ensino que ministram para o caso que nos preocupa.
O dec.-lei nº 395, de 1938, revela a preocupação do Govêrno de regular a importação, a exportação, o transporte, a distribuição e o comércio do petróleo e seus derivados e a conveniência de prover à distribuição desses artigos em todo o território nacional, em condições de preço tão uniformes quanto possível.
No mesmo decreto criava o Conselho Nacional do Petróleo, incumbido de dar execução ao propósito manifestado. Organizado o Conselho pelo dec.-lei nº 538, de 1938, deu-se-lhe o encargo de regular e controlar (!) a importação, a exportação, o transporte, a distribuição e o comércio do petróleo e seus derivados, estabelecendo os limites – máximo e mínimo – de venda dos preços dos produtos refinados, importados no estado final ou elaborados no País; e propor a alteração dos impostos e taxas de qualquer natureza, que gravem a indústria e o comércio de petróleo e seus subprodutos ou a criação de novos impostos e taxas. Apresentou o Conselho um estudo pormenorizado da situação econômica dêste comércio, no intento declarado de substituir todos os encargos, que oneravam essas atividades por um tributo único federal, lançado e arrecadado pela União, sem prejuízo entretanto da economia financeira dos Estados e Municípios. No seu estudo, ocupou-se detidamente o Conselho da influência prejudicial da tributação, variada e multiforme, dos Estados e Municípios sôbre a produção e o comércio do petróleo e seus derivados.
Nas conclusões de seu cuidadoso, trabalho, alvitrava o Conselho ficasse reservada à União a competência para decretar impostos sôbre a produção, a distribuição, o consumo e o comércio, inclusive a importação e a exportação de combustíveis e lubrificantes líquidos minerais, dando-se à tributação federal, para cada espécie de mercadoria, a forma de um impôsto único.
Não há, pois, dúvida quanto ao sentido preciso, claro, inequívoco da proposta do Conselho, com o fim de atingir os objetivos almejados pelo govêrno federal: a criação de um impôsto único federal sôbre tôdas as atividades concernentes à produção e ao comércio de petróleo e seus derivados, com supressão de todos os impostos e taxas estaduais e municipais que os onerarem, único meio que lhe parecia adequado para conseguir, na medida do possível, a uniformização dos preços dêsses produtos.
A êste pensamento, acolhido, sem dúvida ou objeção, pelo govêrno federal, correspondem precisamente os preceitos das Leis Constitucionais ns. 3 e 4, que emendaram os preceitos da Constituição de 10 de novembro de 1937, e estas normas constitucionais têm o sentido lidimo e preciso de suprimir tôda a tributação dos Estados e Municípios, quer dizer, todos os impostos e taxas estaduais e municipais que gravassem a produção e o comércio de petróleo, substituindo-os por um impôstoúnico, da competência privativa da União, o qual incidirá sôbre cada espécie de produto, forma adotada para o exercício pela União da sua competência tributária privativa sôbre tudo quanto se refere à indústria e ao comércio do petróleo e seus derivados.
Foram êstes preceitos, com êste significado, com êste valor e com, êste alcance, que a Constituição de 1948 incorporou ao seu texto, rejeitando na discussão do assunto tôdas as emendas que buscaram, em certa medida, coarctar a competência federal e resguardar a competência tributária dos Estados e Municípios sôbre essas atividades industriais e comerciais. O relato dessas discussões não permite um só instante dúvida razoável sôbre isto. E se, na exegese dos dispositivos constitucionais vigentes, que a mim se me afiguram claros e inequívocos, alguma dúvida se pode suscitar na interpretação dêsses dispositivos, não atino como se possa recusar diante das lições dos melhores mestres, que invocamos, e a cujo ensino recorremos o valor de todos êstes antecedentes históricos para esclarecer e evidenciar o significado dêsses dispositivos e dirimir as dúvidas que possam subsistir no espírito dos exegetas. Não é só. Os mesmos legisladores, que votaram e promulgaram a Constituição de 1948, decretaram a lei nº 22, de 15 de fevereiro de 1947, sancionada pelo Poder Executivo, que dispõe no art. 1º:
“A tributação única de lubrificantes e de combustíveis líquidos, de origem mineral, será feita e aplicada na forma da lei em vigor, revogado o art. 82 do dec.-lei nº 8.463, de 27 de dezembro de 1945”,
quer dizer, remete-nos à legislação anterior ao texto constitucional, testemunho seguro de que esta legislação sôbre o impôsto único, tal como regulado na Lei Constitucional nº 4 e aplicado pelas leis que se lhe seguiram, mantinha perfeita consonância com o texto constitucional vigente.
Os juristas brasileiros
O escol dos nossos cOnstitucionalistas não vacila na exegese aqui defendida, não discrepa do entendimento que aqui se propugna dos dispositivos constitucionais concernentes à competência privativa da União no tocante à tributação do petróleo e seus derivados.
Ouça-se CARLOS MAXIMILIANO (“Comentários à Constituição Brasileira” 4ª ed., vol. I, nº 181 à pág. 291):
“O art. 15, nº III, colimou evitar a sobrecarga tributária sôbre o carvão mineral, o petróleo e seus derivados, bem como sôbre lubrificantes e energia elétrica; unificou os impostos, com aquêle intuito, tirando-os da alçada dos Estados e Municípios. O texto reveste-se de grande amplitude; não deixa margem a dúvidas e sofismas; assim deve ser compreendido e aplicado, conforme esclareceram as emendas ns. 52, 1.061 e 2.912. A primeira tentou, em vão, livrar das garras do fisco federal a energia produzida em usina de propriedade de Estado ou Município”.
“Caiu a emenda supressiva nº 2.912, que, segundo a própria justificação, colimou possibilitar a cobrança, pelos Estados e Municípios, dos tributos aos mesmos atribuídos de modo geral pelo Estatuto Supremo. Portanto, o disposto sob o nº III e § 2º do art. 15 constitui exceção ao determinado nos arts. 15, 16, 19, 21, 29 e 30 do Código Básico; nenhum ônus fiscal, além do impôsto único, recai sôbre a produção, o comércio, a distribuição, o consumo, a importação ou exportação de lubrificantes e combustíveis líquidos ou gasosos de qualquer origem ou natureza, estendendo-se êste amparo aos minerais do País e à energia elétrica. No têrmo produção se compreende, não só a extração, como a refinação, o preparo para serem consumidos, o combustível líquido ou gasoso, o lubrificante e os minerais” (grifos do original).
TEMÍSTOCLES CAVALCÂNTI, no seu “Comentário”, vol. I, discorrendo sôbre o preceito constitucional, diz, à pág. 245, que o impôsto (único) recai sôbre a produção, comércio, distribuição e consumo, incide, portanto, sôbre tôdas as operações de produção, de venda e de consumo dos produtos mencionados no texto.
E acrescenta:
“A Constituição fala em impôsto único no sendo de que as atividades previstas na Constituição só podem ser tributadas pela União”.
E adiante (pág. 246):
“O que há de mais explícito no texto constitucional é a exclusão dos Estados e Municípios da competência para tributar as operações mencionadas, percebendo os Municípios através da distribuição feita pela União a parte do produto total da arrecadação, na proporção estabelecida na lei federal e com o destino ali fixado”.
E referindo-se particularmente à legitimidade da cobrança do impôsto de licença pelos Municípios, conclui:
“Diante, porém, do que dispõe o § 2º, que manda inclusive contemplar os Municípios na partilha tributária, um impôsto quê não está compreendido entre os de sua própria competência, não parece que possam os Municípios arrecadar o impôsto de licença”.
Do mesmo parecer é o douto EDUARDO ESPÍNOLA, em parecer publicado na “Rev. dos Tribunais”, de São Paulo (vol. 192, pág. 537), respondendo a consulta concernente à cobrança do impôsto de indústrias e profissões, cuja conclusão é esta (pág. 543):
“Tomando em consideração tôdas as circunstâncias expostas (que são as que neste escrito se referem minudentemente), os princípios do direito aplicáveis à espécie, a constituição, natureza e aplicação do impôsto único, entendo que não pode a Prefeitura de São Paulo cobrar o impôsto de indústrias e profissões, calculando-o sôbre o movimento anual do comércio de lubrificantes e de combustíveis líquidos ou gasosos de qualquer origem ou natureza, tendo em vista o art. 15, nº III, §§ 2º, 3º e 4º, ” da Constituição federal, e o art. 2º da lei nº 22, de 15 de fevereiro de 1947″.
SEABRA FAGUNDES, em parecer emitido em 27 de julho de 1951, com especial aplicação à chamada taxa de previdência social, considera inconstitucional a cobrança desta última, quer por vedar a Constituição qualquer tributo sôbre combustíveis e lubrificantes líquidos, e o têrmo, que é genérico, compreende tôda espécie de ônus fiscal – impostos, taxas e contribuições – quer porque, na realidade, ainda quando se queira admitir que o princípio da unificação tributária não alcança as taxas, vedando apenas a pluralidade de impostos, ter-se-á de convir na inexigibilidade da contribuição sôbre combustíveis. E que ela, na sua essência, apesar de denominada taxa, se caracteriza como impôsto”. Sôbre esta questão diremos adiante. Quisemos apenas consignar a opinião do insigne jurista quanto à exclusão, em face do impôsto único, tal como decretado pela Constituição, de todo e qualquer outro impôsto (e taxa), e portanto do impôsto de indústrias e profissões.
LAUDO DE CAMARGO, em trabalho que corre impresso, onde estuda acuradamente a questão do impôsto de indústrias e profissões em face do dispositivo constitucional vigente, manifesta-se firmemente pela inconstitucionalidade da cobrança daquele tributo.
Dois notáveis especialistas de direito tributário entre nós opinam absolutamente do mesmo sentido. Refiro-me ao egrégio, professor RUBENS GOMES DE SOUSA, em dois excelentes estudos, um de 1951, sôbre a cobrança da Taxa de Previdência Social, que estava sendo exigida das emprêsas distribuidoras de carburantes pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas (I.A.P.E.T.C.), outro mais recente (1955), sôbre a cobrança do impôsto de indústrias e profissões reclamado pela Prefeitura Municipal de São Paulo. Êstes pareceres estão publicados na “REVISTA FORENSE”, vol. 133, página 55, e na “Rev. de Direito Administrativo”, vol. 41, pág. 488.
O segundo dêsses especialistas é GILBERTO DE ULHOA CANTO, em “Temas de Direito Tributário” (Ed. Financeiras, 1955), o qual estuda a questão no concernente à taxa sôbre carburante entregue ao consumo, cobrado pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas, e à incidência do impôsto de indústrias e profissões, em face do impôsto único sôbre carvão mineral (págs. 133 e 146).
Acaba de sair a lume “Uma Introdução à Ciência das Finanças”, de autor abalizado no assunto, relator que foi das questões fiscais e tributárias na elaboração da Constituição de 1946. Refiro-me ao professor ALIOMAR BALEEIRO, que, à pág. 462 do 2º volume da sua obra, ocupando-se do Impôsto Único, objeto do art. 15, nº III, da Constituição federal, diz o seguinte:
“Como impôsto único, aquêle dispositivo não só exclui a competência estadual e municipal sob a forma de impostos de exportação, de vendas, de indústrias e profissões e de licença, mas também veda à União cumular a tributação específica com quaisquer outros tributos da competência federal, como consumo, importação e taxas, desde que atinjam aquelas mercadorias. Todos êles pagarão apenas impôsto à União, competindo a esta entregar 60% da renda respectiva aos Estados e Municípios proporcionalmente à sua superfície de população, consumo e produção, nos têrmos e para os fins estabelecidos em lei”.
A jurisprudência dos Tribunais
Na apelação cível nº 8.463, de 1 de agôsto de 1947 (“Rev. de Direito Administrativo”, vol. XVII, pág. 118), o egrégio Supremo Tribunal Federal negou provimento à apelação à Fazenda Nacional, que insistia na pagamento da taxa de 2% de previdência social sôbre o querosene importado. E o querosene simples iluminante, ou combustível líquido? Neste último caso, não é devida a taxa em face da Lei Constitucional nº 4, e das próprias leis que regulam a incidência da pretendida taxa. Divergiu da decisão o eminente ministro OROZIMBO NONATO. Para êle o nó da questão está em saber, não se se trata de iluminante ou de combustível, mas se se trata de verdadeira taxa, e não de impôsto com aquela etiquêta. “Porque, se a tributação aludida é taxa, a decretação do impôsto único não a torna inexigível”. Para, S. Ex.ª trata-se de uma verdadeira taxa.
Donde a lógica inferência que, se se tratasse de impôsto, o tributo não seria devido.
A esta decisão opôs embargos a União Federal, tendo sido relator do recurso o Sr. ministro ANÍBAL FREIRE (ac. de 4 de maio de 1950).
São os seguintes os têrmos do seu voto:
“Trata-se de interpretar a Lei Constitucional nº 4, de 20 de setembro de 1940. A minuciosa sentença de primeira instância e o douto acórdão embargado concluíram pela ilegalidade da cobrança, tendo em vista os têrmos daquela emenda ao Estatuto então vigente. O erudito voto vencido, para chegar a solução oposta, desenvolve considerações de ordem doutrinária para considerar que permanece íntegra a diferenciação entre taxa e impôsto no caso em debate, sendo – assim legítima a cobrança. A meu ver, com a devida vênia, a opinião vencedora interpretou, nos seus devidos têrmos o texto constitucional. A Lei Constitucional nº 4 assim se expressa: “O tributo sôbre combustíveis e lubrificantes líquidos terá a forma de impôsto único incidindo sôbre cada espécie de produto”.
“Não há dúvida de que a conceituação de impôsto e taxa, no nosso direito tributário, vem claramente delineada no dec.-lei nº 1.804, de 24 de novembro de 1939. Mas o legislador-constituinte, usando da expressão tributo, generalizou a incidência de tributação que passa a ser única”.
“Em complemento à Lei Constitucional nº 4 foi expedido o dec.-lei nº 2.615, de 21 de setembro de 1940, que cria um impôsto único federal sôbre os combustíveis e lubrificantes líquidos minerais, importados e produzidos no país. O artigo 3º dêsse diploma dispõe:
“Os derivados de petróleo importados do estrangeiro, discriminados neste artigo, ficam sujeitos a direitos de importação para consumo nas seguintes bases:…
“I. Querosene – Tonelada – Direitos mínimos – 380$000”.
“Assim o pensamento do legislador se concretizou mais uma vez em estabelecer o impôsto único sôbre o querosene. As opiniões formuladas pela administração não obrigam ao judiciário, mas servem de auxílio à solução dos litígios submetidos à sua decisão. Para considerar o querosene como combustível matéria essencialmente técnica – o acórdão embargado, reportando-se a uma sentença prolatada pelo ilustre desembargador RIBAS CARNEIRO, apóia-se em parecer do Instituto Nacional de “Tecnologia”.
Quer dizer: como se trata de combustível, a tributação – impôsto ou taxa – é inadmissível.
Persistiu a divergência do eminente ministro OROZIMBO NONATO, com o qual concordaram os Srs. ministros MACEDO LUDOLF e LUÍS GALLOTTI. Mas o Sr. ministro HAHNEMANN GUIMARÃES apoiou a argumentação do relator, dizendo:
“Ponderou com tôda exatidão, com todo acêrto parece-me, o eminente Sr. ministro relator que, falando a lei em tributo, abrange sem dúvida, as duas espécies – a taxa, contraprestação de serviço, e o impôsto, – porque a Lei Constitucional fala, expressamente, em tributo sôbre combustíveis e lubrificantes. Quer dizer: o impôsto e a taxa confundir-se-ão, quando se tratar de lubrificantes e combustíveis, num só impôsto. Além disso, Sr. presidente, data venia do eminente Sr. ministro revisor, considero que a taxa de previdência, criada, se não me engano, em 1936, é um verdadeiro impôsto. Não se trata de tributo remuneratório, não é uma contra-prestação de serviço, mas impôsto que recai sôbre os importadores e destinado à constituição de um fundo de beneficência, de previdência. A êste tributo não corresponde nenhum proveito para os importadores. Para que a noção de taxa possa ser aceita, é necessário, pelo menos, que o contribuinte que a presta tenha algum proveito como contraprestação. Não é possível que haja taxa quando o contribuinte nenhum proveito tira do seu pagamento. Pode ser que a taxa não corresponda ao valor real do serviço prestado pelo Estado, mas tem de haver reciprocidade entre a prestação do serviço do Estado e o pagamento do contribuinte. No caso não há isto. O contribuinte nenhum proveito aufere do pagamento feito Ao Estado que o destina a um fim social, mas que nem por isso desfigura o impôsto, transformando-o em taxa. O impôsto continua com o seu caráter próprio. Entendendo, data venia do eminente Sr. ministro revisor, que a taxa de previdência é um verdadeiro impôsto, e havendo a Lei Constitucional nº 4 estabelecido a unidade do impôsto, que recaía sôbre lubrificantes e combustíveis líquidos, acompanho o voto, do Sr. ministro relator”.
Acordaram-se, na mesma opinião os Srs. ministros RIBEIRO DA COSTA, LAFAYETTE DE ANDRADA, EDGAR COSTA e JOSÉ LINHARES.
No recurso do mandado de segurança nº 698, entre partes, a Cia. Mate Laranjeira, recorrente, e a União Federal, recorrida, de que o relator o Sr. ministro CÂNDIDO LÔBO. (“Rev. de Direito Administrativo”, vol. XXVII, pág. 182), o egrégio Tribunal Federal de Recursos, por acórdão de 4 de dezembro de 1950, deu provimento ao recurso contra o único voto do Sr. ministro ARTUR MARINHO. Tratava-se da incidência da taxa de previdência social sôbre lubrificantes e combustíveis (líquidos) sujeitos apenas à tributação única (art. 15 e § 2º da Constituição).
Depois de esclarecer que tributo abrange assim o impôsto como a taxa, diz o ilustrado relator:
“Êste próprio Tribunal Federal de Recursos já resolveu, no caso da apelação cível nº 8.483, de São Paulo, sendo embargante a Standard Oil, que precisamente a taxa de previdência social não incide sôbre lubrificantes e combustíveis sujeitos, apenas, à tributação única, é isso porque tais óleos gozam do benefício protetor que lhes dispensa o art. 15, § 2º, da Constituição federal. Aliás, na esfera administrativa, o pensamento que preside à solução do caso é idêntico, bastando para isso juntar o oficio dirigido ao Ministério da Fazenda pelo Conselho Nacional do Petróleo, note bem, Sr. presidente, para melhor verificar não só a ilegalidade como também a injustiça da cobrança que se pretende fazer no caso”.
“Conselho êsse que diz que a taxa de previdência social já se acha incorporada ao impôsto único de que trata, o dec.-lei nº 2. 615, de 21 de setembro de 1940”.
“Isto quer dizer que, quando o referido Conselho fêz os cálculos para poder fixar o impôsto único sôbre os lubrificantes, incluiu nesse cálculo a taxa de previdência, isto é, o que hoje se chama impôsto único, já tem em sua soma a cifra correspondente à referida taxa de previdência social. Cobrar, portanto, o impôsto único, no qual já está agregada a taxa em questão, e cobrar ainda mais a mesma taxa, porque é taxa e não impôsto, como visou a sentença, é bitributar, é cobrar duas vêzes a mesma importância”.
Passa o relator a transcrever o ofício dirigido ao ministro (da Fazenda) pelo
Conselho Nacional do Petróleo, e vale conhecê-lo para instrução do caso:
“Em petição protocolada neste Conselho sob o nº 8.521, a 27 do mês passado, reclama a Standard Oil contra a cobrança da taxa de previdência social, sôbre óleos lubrificantes importados, sob a alegação de que a mesma já se acha incorporada ao impôsto único de que trata o dec. nº 2.614, de 21 de setembro de 1940. De fato, ao proceder à análise dos impostos e taxas federais, e estaduais que gravaram os derivados do petróleo, a fim de sugerir o impôsto único, o Conselho levou em conta a taxa de previdência social, à razão de 2% (ad valorem), conforme consta do estudo que acompanhou a Exposição de motivos nº 1.771, dirigida ao Sr. presidente da República, em 18 de julho de 1939″.
Prossegue o eminente relator:
“Por aí se vê, Sr. presidente, clara e inequìvocamente, que a taxa de previdência social já está incluída no impôsto único”.
E se outro argumento mais fôsse necessário para decretar a improcedência total da conclusão da sentença apelada, bastaria aludirmos aos art. 1º da lei nº 22, de 15 de fevereiro de 1947, à luz do qual tem que ser entendido o art. 15 da Constituição federal, e êsse art. 1º da lei nº 22 declara que a tributação única de lubrificantes e de combustíveis líquidos, de origem mineral, será feita e aplicada na forma da legislação em vigor.
“E mais um contingente afirmativo de que se trata de uma contribuição particular para os cofres públicos, uma tributação única, da qual, como espécie, fazem parte o impôsto e a taxa, como divisões do tributo”.
Antes de terminar a resenha das decisões jurisprudenciais, que abonam a tese aqui sustentada, de vedar a Constituição federal referente ao impôsto único a incidência de quaisquer impostos e taxas sôbre os lubrificantes e combustíveis líquidos, de origem mineral (infelizmente não faltam os que fazem ouvir un autre son de cloche), não posso deixar de solicitar a atenção para dois votos, notáveis pela argumentação, proferidos, um pelo desembargador HEROTIDES DA SILVA LIMA, no mandado de segurança número 52.939, julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (“Rev. de Direito Administrativo”, vol. 2º, pág. 177), outro pelo ministro SAMPAIO COSTA, do Tribunal Federal de Recursos, no mandado de segurança nº 1.287 (“Rev. de Direito Administrativo”, vol. 29, pág. 298). São duas peças de valor que obrigam os estudiosos a refletir maduramente sôbre a questão.
A taxa de Previdência Social
Cumpre-nos agora examinar a questão sob o prisma da incidência da taxa sôbre carburante entregue ao consumo, chamada taxa de previdência social, criada pela lei nº 159, de 30 de dezembro de 1935, e modificada pelo dec.-lei nº 851, de 26 de agôsto de 1938, que alterou a organização da antiga Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Trabalhadores em Trapiches e Armazéns de Café, transformando-a num Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas. Dispondo sôbre a receita de Instituto, prescreveu o art. 4º dêsse diploma que a contribuição com que devia para êle concorrer a União seria formada, além de uma outra taxa, que não vem a pêlo referir,
“pelo produto de uma, taxa de $090 (noventa réis) por litro de carburante entregue ao consumo, que será arrecadada e recolhida ao Instituto pelas emprêsas distribuidoras, conforme fôr estabelecido no regulamento”.
A anunciada regulamentação só ocorreu oito anos mais tarde, pelo dec. número 22.367, de 27 de dezembro de 1946, para vigorar a partir de 1º de janeiro de 1947. Antes disto, porém, tentou o Instituto, em 1941, a cobrança dessa taxa, mas foram-lhe embargados os passos por decisão do ministro da Fazenda, publicada no “Diário Oficial” de 18 de março de 1941, à pág. 5.647, do teor seguinte:
“Diretoria de Rendas Aduaneiras – Expediente do Sr. diretor – Dia 28 de fevereiro de 1941. N. C. Em resposta ao telegrama nº 12, de 17 de janeiro (da Alfândega de Santos), declaro, de acôrdo com o despacho proferido em 25 do corrente pelo Sr. ministro da Fazenda que “em face do dec.-lei nº 2.815, de 21 de setembro de 1940, as taxas de previdência e a contribuição de 3$000 não vigoram para os óleos combustíveis e lubrificantes minerais importados”.
O dec.-lei nº 2.615, como se sabe, é mera conseqüência da Lei Constitucional número 4, que tornava-defesa a cobrança de tributo (impôsto/ou taxa) sôbre lubrificantes é combustíveis líquidos.
Quando, apareceu êsse regulamento, o I.A.P.E.T.C., designemo-lo com esta sigla, pro brevitate, solicitou ordem ao Conselho Nacional do Petróleo para cobrar a aludida taxa, mas êste recusou o pedido, como se apura da decisão, que proferiu em plenário, publicada no “Diário Oficial” de, 14 de setembro dd 1948, página 13.232. Com isto não se resignou o Instituto, entendendo que, decretada a taxa pelo dec.-lei nº 851, e regulamentado pelo dec. nº 22.387, não estava a cobrança, subornada à decisão daquele órgão governativo.
E exigiu do contribuinte em causa a apresentação dos elementos necessários para apuração do débito. Aqui nova dificuldade se lhe antepôs, decorrente do dec.-lei nº 4.292, de 7 de maio de 1942 (com a redação dada pelo dec.-lei número 8.820, de 21 de janeiro de 1948), segundo o qual
“Sòmente poderão ser fornecidos ao Conselho Nacional do Petróleo e aos Ministérios Militares as informações e dados estatísticos relativos ao abastecimento e ao armazenamento do petróleo e seus derivados, os quais serão ministrados ou divulgados pelo Conselho Nacional do Petróleo quando conveniente”
A despeito de tão categórica proibição, com a qual não entendeu o Instituto conformar-se, embora inserto num decreto-lei, prosseguiu êle na cobrança, autuando as emprêsas por infração dos dispositivos com que justificava a exigência.
E as questões têm tido êste desenlace, na generalidade dos casos: ou a cobrança executiva ou o pagamento sob protesto, seguido de ação da repetição de indébito.
Prescindindo aqui do exame da questão preliminar, de ser necessária a prévia autorização orçamentária anual para a cobrança de qualquer tributo, prescrito pelo art. 141, § 34, da Constituição federal, uma das mais preciosas garantias constitucionais no regime do estado de direito, em que temos a presunção de viver, passemos a ventilar duas questões, cuja solução nos permitirá concluir com segurança pela ilegalidade da cobrança da chamada taxa de previdência social:
a) taxa ou impôsto, a contribuição fiscal de que trata o art. 4º do dec.-lei nº 651, de 1938, não mais subsiste, em face do disposto no art. 15, nº III e § 2º, da Constituição federal, segundo a qual a tributação de que trata o nº III, de competência privativa da União, terá a forma de impôsto único, que incidirá sôbre cada espécie de produto;
b) a aludida contribuição fiscal não é uma taxa, mais verdadeiramente um impôsto, impôsto especial, ou, segundo alguns autores, impôsto de escopo ou de finalidade declarada na lei de sua criação.
A) Reza o art. 15, nº III, que à União compete decretar impostos sôbre produção, distribuição e consumo, importação e importação de lubrificantes e combustíveis líquidos ou gasosos de qualquer origem ou natureza, estendendo-se êsse regime, no que fôr aplicável, aos minerais do País e à energia elétrica.
Acrescenta o § 2º do mesmo artigo que a tributação de que trata o nº III terá a forma de impôsto único, que incidirá sôbre cada espécie de produto.
De tributação fala, o § 2º do art. 15, nº III, como de tributo rezava o art. único da Lei Constitucional nº 4 de 20 de setembro de 1940, in verbis: “é da competência privativa da União, além dos poderes que lhe atribui o art. 20 da Constituição, o de tributar a produção e o comércio, a distribuição e o consumo, etc.”. E continua “O tributo sôbre combustíveis e lubrificantes líquidos terá a forma de impôsto único, etc”.
Ora, ensina VEIGA FILHO (“Ciência das Finanças”, 3ª ed., nota 2 à pág. 78): “Tributo é o têrmo genérico que abrange tôdas as contribuições e até serviços. Impôsto é a contribuição exigida em virtude de um serviço geral individual, ex.: a governação do Estado, e é arrecadado como um direito preexistente, um fato a priori. Taxa é a contribuição exigida em virtude de um serviço especial, divisível, provocado, e é cobrada como uma remuneração ou retribuição de um fato a posteriori, ex.: um ato jurídico, a expedição de um telegrama”.
Doutrina PONTES DE MIRANDA (“Comentários à Constituição de 1948”, 2ª ed., pág. 12):
“Rigorosamente, a dicotomia “taxa-impôsto”, é exaustiva. Todo tributo pecuniário ou é impôsto ou é taxa. Nessa, o dever de tributo é correspectivo à prestação do Estado, considerada como divisível, ou á determinada atividade do Estado. A “contribuição” seria terceira espécie, que se forma com o conceito de impôsto ou com o de taxa, de modo que é tributo especial, uma vez que, com êle, se supõe ter havido, haver ou ir haver vantagem econômica particular do contribuinte, ou estar nêle a causa de despesa ou majoração da despesa do Estado”.
“O impôsto não se confunde com a taxa. A taxa é preço de direito público. Preço do domínio ou preço do uso.
Preço impôsto, preço a que é forçado unilateralmente o contribuinte, pelo fato de ser posta à sua disposição a obra, a administração ou o serviço público. Há taxas administrativas, como a que se paga por certos certificados, e taxas de utilização, como a que se vaga por passagem em cabo de ligação e tre dois montes… Se nenhuma prestação é dada pelo Estado, não pode haver taxa. Tratar-se-á de impôsto.
“Terceira forma, não pura, de imposição pública é a contribuição, por constituir a parte com que entra o contribuinte para criação ou mantença de serviço público (ruas, serviço de seguro contra incêndio)”.
E adiante, à pág. 27:
“Na terminologia do direito brasileiro, tributo abrange impostos e taxas (incluídas contribuições). Na Lei Constitucional nº 4 havia de ler-se, na 1ª alínea, “tributar” como “decretar impostos e taxas” quanto à produção, e ao consumo, à distribuição e ao consumo de combustíveis e – lubrificantes líquidos de qualquer origem, e na 2ª alínea, “tributo” como impôsto ou taxa, que tomaria feição de impôsto único (unicidade de tributação). Na Constituição de 1948, art. 15, § 2º, “tributação é imposição e taxação”.
E FRANCISCO CAMPOS, com a sua clareza e precisão habituais (“Pareceres”, 1ª série, pág. 220):
“Tributo é o gênero de que são espécies ou variedades es diversos títulos ou modos sob os quais se exerce, sôbre as pessoas ou sôbre as coisas, o poder fiscal do govêrno. Tributo é o exercício do poder de tributar; no poder de tributar se inclui, sob tôdas as suas formas, e em tôda sua latitude, a faculdade de levantar contribuições, destinadas a cobrir as despesas do Estado com a realização de seus diversos fins: o exercício de poder de tributar, isto é, de lançar tributos, esgota todo o poder fiscal do govêrno, não podendo, evidentemente, exercer-se o poder fiscal do govêrno, seja a que título fôr e sob qualquer que seja a modalidade, espécie ou variedade, onde não lhe, assiste o poder de tributar, sendo, como são, equivalentes e coincidentes o poder fiscal e o poder de tributar”,
E logo após acrescenta:
“O têrmo tributo, na nossa língua comum, assim como na linguagem legal, é, às vêzes, permutado pela expressão impôsto, sendo ambos indiferentemente usados paradesignar o gênero, e compreensivos, portanto, um e outro, de tôdas as categorias, espécies ou modalidades sob as quais se exerce o poder fiscal do govêrno”.
E à pág. 221:
“A expressão tributo, porém, não deixa dúvida quanto à sua latitude. Ela é compreensiva de tôdas as formas ou espécies de exação fiscal; não tem um sentido; lato e nem restrito, mas uma única, acepção, que é, a genérica, ou extensiva a todos os conceitos específicos da tributação, ou compreensiva, na sua significação, de tôdas as categorias de impostos, taxas e, contribuições especiais”.
O têrmo corresponde à palavra inglêsa taxation, que “in its broadest and most general sense, includes every charge or burden imposed by the sovereign power upon persons, property or property rights for the use and support of the government and to enable kit to discharge its appropriate functions, and in that broad definition there is included a proportionate levy upon persons or property and all the various other methods and devices by which revenue is exacted from Persons and property for public purposes” (“AmericanJurisprudence“, vb. Taxation, § 2º, vol. 51, pág. 35).
E o mesmo repertório, vb. InternalRevenue (vol. 30, § 2º), dá-nos a seguinte definição:
“The word “tax” as uses in the United States Constitution is a generic term and include all contributions imposed on individuals by the government for its services”.
Mas a mais precisa das definições é a da Suprema Côrte, referida por FRANCISCO CAMPOS (cit., pág. 221):
“The term taxation covers every conceivable exaction which is possible for a government to make, whether under the name of tax, or under such names as rates, assessments, duties, imposts, “excise, licence, fees, tolls, etc. (Hylton vs. The United States, 3 Dallas, 1, 556)”.
Havemos, portanto, de concluir que a tributação a que se refere o art. 15, III, § 3º, da Constituição federal, abrange o exercício do poder fiscal ou tributário, em sua plenitude, e compreende conseguintemente o impôsto único, que é apenas a forma por que se exerce o poder de tributar aí reservado à competência da União, todos e quaisquer impostos, taxas e contribuições, e portanto a chamada taxa de previdência social.
Poder-se-ia talvez objetar que o artigo 15 diz respeito à competência da União para decretar impostos sôbre a produção, comércio, distribuição e consumo de combustíveis líquidos ou gasosos, e, assim, que o têrmo tributação do § 2º refere-se a impostos, não a taxas.
Mas a coarctada, que se vale de uma interpretação puramente literal é Incongruente, porque restringe a significação do têrmo tributação, usado no parágrafo, têrmo genérico e compreensivo (indiscutìvelmente) de tôdas as formas do exercício do poder fiscal, com se reportar ao têrmo impostos, usado no artigo, quando o legítimo entendimento é que ó têrmo impostos é empregado no artigo no sentido genérico, ou latosensu, conforme a justa, observação de FRANCISCO CAMPOS, à pág. 221 do seu notável parecer:
“Apesar de, na nossa linguagem, tributo e impôsto serem têrmos equivalentes, quanto à extensão e à compreensão, o segundo dêles ainda se prestaria a equívocos, pois se distingue em lato sensue,stricto sensu, podendo, portanto, alegar-se, se usado pelo legislador sem qualquer especificação, que no sentido estrito e não no lato ou genérico deve ser interpretado, embora seja claro que uma expressão, suscetível de duas acepções, de que uma mais compreensiva do que a outra, desde que não acompanhada de especificação, deve ser tomada na acepção genérica e não na específica ou restrita”.
Podemos, pois, asseverar, com a maior firmeza e sem hesitar, que o art. 15 diz respeito a impostos lato sensu (impostos, taxas e contribuições), porque, segundo vimos e ficou cabalmente demonstrado neste escrito, o art. 15, no tocante à tributação dbs lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos, é reprodução da tributação sob a forma de impôsto único, criada pela Lei Constitucional nº 4, foi dali transposta, para o texto da Constituição vigente com o mesmo sentido, a mesma fôrça e o mesmo alcance, que se há de atribuir a essa Lei Constitucional, como se deduz de seus antecedentes, máxime da Exposição de motivos nº 1.777, de 18 de julho de 1939, do Conselho Nacional do Petróleo, de que nos ocupamos acima.
Em conclusão: taxa ou impôsto, que seja, a contribuição fiscal de que trata o art. 4º do dec.-lei nº 651, de 1938, não mais subsiste, em face: 1º) da Lei Constitucional nº 4, de 20 de setembro de 1940, que a revogara, e 2º) do art. 15, número III e § 2º da Constituição de 1946, que veio confirmar a revogação decorrente da Lei Constitucional nº 4. Quod erat demonstrandum.
B) Mas, a despeito da evidência resultante desta demonstração, não é menos certa a revogação do dispositivo que criou a taxa de previdência social, por se tratar, realmente, não de uma taxa, mas de um verdadeiro impôsto.
Reportemo-nos aos textos. O primeiro diploma, que se refere a essa taxa, é a lei nº 159, de 30 de dezembro de 1935, que regulava a contribuição para a formação de receita dos Institutos e Caixas de Aposentadoria e Pensões, subordinados ao Conselho Nacional do Trabalho. Reza o art. 6º dessa lei:
“Fica criada sob o título de “taxa de previdência social” uma percentagem de 2% sôbre o pagamento, qualquer que seja a sua modalidade, de artigos importados do exterior, excetuando-se, para êsse fim, o combustível e o trigo”.
Destinava-se à denominada taxa, com outros recursos, a constituir a contribuição da União – quota de previdência – para a receita dêsses Institutos e Caixas.
Quando foi, pelo dec.-lei nº 651, de 26 de agôsto de 1938, alterada a organização da Caixa de Aposentadoria, e Pensões dos Trabalhadores em Trapiches e Armazéns que se chamou desde então Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas, essa contribuição, dom a mesma finalidade de concorrer para a formação do contingente a devido pela União para a receita do Instituto, passou a consistir no
“produto de uma taxa de $090 (noventa réis) por litro de carburante entregue ao consumo, que será arrecadada e recolhida ao Instituto, pelas emprêsas distribuidoras, conforme fôr estabelecido no regulamento”,
a qual só foi posta em vigor, como vimos, em 1946.
Segundo se vê: 1º) trata-se de uma contribuição com destinação especial, a formação da receita do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas; 2º) e a esta contribuição, não corresponde qualquer serviço prestado, compulsória ou voluntàriamente, aos respectivos contribuintes.
Vejamos se a semelhante contribuição fiscal pode caber a denominação de taxa, se ela reveste as notas diferenciais que fazem de uma certa prestação fiscal o que na doutrina se designa por taxa, ou se é na realidade um impôsto.
Ouça-se a respeito a autoridade consagrada de ADOLF WAGNER (“Traité de la Science des Finances”, trad. francesa, vol. II, pág. 15):
“Nous entendons par taxes (Gebühren), 444, des redevances levées sur les particuliers ou des groupes de partieuliers, à l’occasion de l’exercice d’une intervention publique se produisant dans l’intérêt public, suivant un mode et un taux fixés unilatéralement par la puissance publique; spécialément par l’Êtat, comme contre-partie spéciale: 1º) d’un service à eux rendu par une personnepublique, l’État, la commune ou tout autre corps administratif autónome, ou, plus généralément, par une communautééconomique obligatoire(Zwangsgemeinwirtschaft); 2º) et (les deux causes peuvent se présenter simultanément) d’une dépense causée par eux (provocation de frais)”.
E adiante:
“Les taxes se différencient des impôts proprement dits, stricto sensu, par ce que, … elles doivent constituer et constituent pour le redevable la contre-partie spéciale d’une intervention publique dont il tire un profitparticulier ou qui a été occasionnée par lui particulièrement (dans certains cas par sa faute) la contre-partie des trais occasionnés dans ces conditions et par conséquent une indemnisation – plus ou moins complète – de cette intervention particulière e de cette provocation de frais párticulière. On ne peut donc être redevable de taxes que dans des cas particuliers; et le caractère de taxe dans une redevance est déterminé par la présence effective d’un cas particulier de cette nature, comme por suite la limite dans laquelle une redevance est une taxe déterminée par la relation de mesure entre la redevance, d’une part, et, d’autre part, la valeur du service public pour le redevable et le montant des trais que la prestation de se service occasione à la personne publique”.
E que se deve entender por impôsto? Diz o nosso autor (§ 83, pág. 109):
“La notion d’impôt est double, suivant la conception d’un double but. Sont des impôts au point de vue purementfinancier les charges publiques ou redevances réclamées, sor des bases et d’après des échelles générales, comme contributions obligatoires, aux organisations privées (aux particuliers); pour couvrir les dépensespubliquesgénérales, c’est-à-dire, les dépenses de l’État et des autres communautés économiques obligatoires (corps administratifs autonomes) en vertu du droit de souveraineté ou de l’autorité financière, du pouvoir financier de l’État par la puissance publique – directement par les autorités de l’État, ou médiatement au moyen d’un transport de compétence – suivant un mode et un taux fixés unilatéralement, à titre de contre-partie et de compensations de frais générales de l’ensemble de prestations publiques de l’État, respectivement de la commune, etc.” (grifos todos do autor). (Ocupa-se em seguida o autor de outra função do impôsto concernente à política social – intervenção regulamentar para modificar a repartição entre os particulares das rendas e da fortuna da população).
Diante destas definições de taxa e de impôsto, o seu confronto com o critério legal que regula a incidência da chamada taxa de previdência social nos compele a reconhecer que esta pretendida taxa não é senão um impôsto, cujas peculiaridades examinaremos mais adiante.
No seu exaustivo estudo sôbre a classificação das rendas públicas (“Essais sur l’mpôt”, II, cap. XIV, págs. 123 segs), SELIGMAN se ocupa do poder de tributação do Estado, que, diz êle, pode manifestar-se sob três formas diferentes, conhecidas pelos nomes de contribuições especiais, de taxas e de impostos: três formas que são espécies de impôsto lato sensu, e diferem, de um lado, da renda contratual ou quase-privada e, de outro, das outras divisões da receita forçada, como a desapropriação e as multas.
Mal tão nítidas são as diferenças entre as contribuições especiais e as taxas, de uma parte, e os impostos strictosensu, da outra, que teremos de as colocar em categorias separadas (pág. 135).
A taxa é uma contribuição forçada por um serviço de interêsse público, que difere do impôsto em vários pontos importantes, o impôsto é percebido como parte de um encargo comum, sendo à base do mesmo a capacidade o contribuinte. A base da taxa é o benefício especial de que tira proveito o indivíduo. Em se tratando de taxa, o benefício pode medir-se; mas em presença do impôsto, a vantagem não é suscetível de ser diretamente apreciada. Em se tratando de taxa, o serviço particular é a razão verdadeira do pagamento; mas, no que respeita ao impôsto, o serviço particular, se existe, é um simples resultado ocasional da ação do Estado. Deixando de lado um segundo critério da distinção, fundado no custo do serviço prestado ao indivíduo (pág. 137), SELIGMAN assinala uma terceira, distinção entre taxas e impostos (pág. 140), assente nas condições ligadas ao serviço prestado pelo govêrno. “On peut atire que, s’il s’agit d’une taxe, le gouvernement fait en retour quelque chose de particulier, tandis que, s’il s’agit d’un impôt, il ne rend par de service particulier. Le service particulier rendu en compensation d’une taxe peut consister soit en le déploiement d’une énergie positive, fourniture d’eau, par exemple, soit en une simple permission de faire quelque dose. Le gouvernement peut créer des utilités directes ou permettre à l’individu de créer der utilités, mais, dans chacun de der cas, il exige le paiement du privilège qu’il accorde. Si l’on a affaire à un impôt, par contre, le gouvernement s’abstient simplement de faire ou s’il fait quelque chose, il n’accomplit qu’une action gouvernementalé générale. Cette distinction s’applique aux impôts dits spéciaux, tout aussi bien qu’aux impôts généraux, cor, même dans le cas d’un impôt spécial, le gouvernement ne s’engage pas à faire quelque chose de particulier pour l’individu en tant qu’individu. Il se décide à faire quelque chose de spécial pour la communauté ou pour la classe particulière intéressée, mais peu lui importe que l’individu se prévale de l’avantage accidentel qui profite à l’ensemble de la classe. Même s’il s’cogit d’impôts spéciaux, nous ne nous trouvons pas en présence du principe de donner et prende (give and take), ou du quid pro quo, en ce qui concerne les individus” (págs. 140-141).
Ora, onde se nos depara na taxa de previdência social o princípio de dar e tomar (give and take) ou de um quidproquo? Onde o benefício, o proveito individual que redunda para as emprêsas distribuidoras de combustíveis do pagamento da taxa sôbre carburantes líquidos? Onde o serviço particular prestado às emprêsas em troca do pagamento dessa taxa? É que não se trata de taxa, senão de um verdadeiro impôsto.
Confronte-se PIERSON, “Ler revenues de l’Etat”, trad. francesa, Paris, 1913, página 23.
Consulte-se EHEBERG, “Hacienda pública”, trad. espanhola, § 74 à pág. 170:
“Las tasas son exacciones especiales de personas que requieren o provocan en casos particulares la actuación de funciones públicas. Por conseguiente, caracteriza. la naturaleza de las tesas y diferencía à estas de los impuestos el que aquellas se perciban con motivo de determinada atividad de los órganos públicos y como una remuneración especial por aquella actividad”.
E adiante, depois de haver traçado os caracteres diferenciais entre as taxas e os ingressos de economia privada (§ 76), assinala, as diferenças entre taxa e impôsto:
“Se diferencian de los impuestos en que las tesas impera el principio de la remurenación especial, del ajuste especial en cada caso entre el fisco y el individuo que ha de pagar la tasa; mientras que en aquélles impera el principio de la remuneración general, esto es, de una exacción general para la realización de los fines generales del derecho, de la cultura y del bien-estar. El impuesto se percibe del individuo por el mero hecho de pertenecer este a una comunidad política; la tasa, por el contrario, requiere una especial intervención de las instituciones públicas. Es erroneo poner en tela de juicio la diferenciación da las tosas y los impuestos por el hecho que no siempre se logra en la pratica la diferenciación entre ambas clases de exacciones”.
TANGORRA (“Trattato di scienza della finanza”, § 434), dá-nos a seguinte definição da taxa (pág. 544):
“Il diritto che si preleva, o che è corrisposto, da chi, dietro sua domanda, ottiene dall’autorità, sotto forma de prestazione o servizio speciale, l’individualizzazione in suo confronto di una attività amministrativa diretta principalmente a realizzare scopi di interêsse generale”.
Para excluir as dúvidas que poderiam resultar de um dos elementos de definição, a saber, a solicitação ou provocação da atividade administrativa – “dietro sua domanda” – esclarece o autor no § 432 (pág. 541):
“Poichè le tasse si percepiscono in occasione di rapporti della vita individuale, che interessano direttamente e, immediatamente la vita colletivá, e poichè l’attività amministrativa, alla quale si riferiscono, è diretta a realizzare anzitutto interessi generali, necessariamente il consumo di servizi speciali, nei quali quella data attività si traduce, deve risultare, in grado maggiore o minore, un consumo coattivo. Una certa misura di coercizione si riscontra rispetto al consumo di tutti i servizi publici speciali; lasciarne il consumo in piena libertà del cittadini equivarrebbe a lasciare la realizzazione di taluni interessi collettivi alla discrezione o al capriccio del singolo, o significherebbe addiritura rinunziare alla protezione di quei dati interessi della collettività, ciò che è ripugnante alla essenza stessa dello Stato”. (Disto temos exemplo na taxa de saneamento, que corresponde à prestação do serviço de esgotos, serviço individual, mas a que nenhum cidadão pode subtrair-se recusando o serviço, que é entretanto necessário ao bem da coletividade).
Em contraposição ao conceito de taxa, o de impôsto é o seguinte, segundo TANGORRA, cit., § 574, pág. 665:
“In base ai concetti svolti, possiamo difinire l’imposta como contributi domandati ai singoli cittadini, per provvedere alla spese (costo) occorrenti per la prestazione dei servizi pubblici di utilità generale o dallo Stato riguardati come tali. In altri termini, diremo, coll’EINAUDI che l’imposta “è quella somma che i contribuenti debbono pagare per far fronte a quelle spese od a quella parte di spese che non rendono un benefício singolare, particolare; ai cittadini; o che, pur beneficiandoli, non li beneficano in modo che si possa constatare qual’è il benefício che viene a vantaggio particolarmente di Tizio o di Caio o di Sempronio”.
Não diverge desta a lição de MÁRIO PUGLIESE (“Le Tasse nella scienza e nel diritto positivo italiano”) que, no § 24, página 48 da sua valiosa monografia, assim se exprime:
“La posizione della tassa rispetto l’imposta é, come vedemmo, caratterizzata essenzialmente da un rapporto di causa molto più specificato fra il vantaggio che il cittadino trae dall’attività statale e la prestazione tributaria.
È questo rapporto specifico, accompagnato necessariamente dalle caratteristiche della divisibilità del bisogno, cui la prestazione statale soddisfà e della individualità del vantaggio che ne deriva, che offre il criterio discriminatore fra la tassa e l’imposta.
Quando tale rapporto sussista si ha la formazione della tassa, che non si confonde in nessun caso – qualunque ne sia l’ammontare – con l’imposta, appunto perchè il processo formativo delle tasse segue una linea del tutto distinta da quello delle imposte: questo parte delle spese generali per ripartire secondo il presumibile vantaggio che isingoli ne ritraggono, quello parte del vantaggio individuale che deriva da un servigio statale per applicare un tributo giustificato di tale vantaggio, senza riguardo all’effettivo costo generale del servigio”.
Ora, na chamada “taxa de previdência social”, destinada a fornecer recursos, que, conjugados com os provenientes dos associados e dos seus empregadores, permitam ao Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas prestar aos seus associados os serviços de beneficência e assistência, que lhe incumbem, não se enxerga nenhum serviço individual, nenhuma vantagem, nenhum benefício singular ou particular das emprêsas distribuidoras de carburantes.
Não se verifica aí aquêle give and take, aquêle quidproquo, entre o govêrno, representado pelo Instituto, e as emprêsas de que se pretende exigir o tributo.
Êstes benefícios assistenciais redundam em vantagem da coletividade, pela paz e bem-estar geral que visam proporcionar a uma determinada classe de trabalhadores. Não se trata, portanto, de uma taxa, porque o tributo não aproveita ao contribuinte utisingulus, mas de um verdadeiro impôsto, embora com características que as distinguem dos impostos gerais.
Porque, como diz FASOLIS (“Scienza delle finanze e diritto finanziario”, I, página 146), se o impôsto constitui o tributo, que é destinado essencialmente à satisfação das necessidades de ordem coletiva, satisfação correspondente a uma exigência coletiva, “non deve escludersi il princípio che l’imposta possa venir adottata anche per provvedere al costo di pubblici instituti che rendono servizi capaci di domanda individuale”.
Também GIANNINI (“Istituzioni di diritto tributario”, pág. 37) adverte que nem a destinação particular do tributo, nem a limitação do circulo dos contribuintes (nem todos os impostos se destinam a onerar todos os sujeitos ao poder financeiro do ente público), alteram a característica essencial do impôsto, a saber, a de uma prestação a que o sujeito (contribuinte) é obrigado em virtude sòmente da sua sujeição ao poder público, sem nenhuma relação jurídica com a atividade da administração.
E no § 26, à pág. 53, falando de impostos com destinação determinada, diz êle que, embora o impôsto seja idealmente destinado na economia financeira do Estado a custear o conjunto das despesas pelos serviços públicos chamados indivisíveis, não estaria em contraste com a sua essencial estrutura jurídica o fato que o produto de um dado impôsto fôsse, ao invés disto, por disposição do legislador, mais especificadamente destinado a prover os meios necessários pára um determinado serviço público. É claro, efetivamente, continua êle, que esta destinação particular do impôsto não exerce influência sôbre a sua estrutura jurídica, dado que a obrigação do sujeito passivo surge, também aqui; pelo simples fato de se verificar o pressuposto, e é jurìdicamente independente do emprêgo que, em virtude de uma norma estranha à relação tributária, deve o ente público fazer da soma arrecadada. E em outra monografia (“Il rapporto jurídico d’imposta”, página 17) repete êle a mesma lição, quase que com as mesmas palavras.
Valiosos ensinamentos nos proporciona PASQUALE JANNACONE (“I tribute speciali nella scienza della finanza e nel diritto finanziario italiano”), cuja autoridade se vê freqüentemente invocada nos tratados de ciência das finanças, trabalho pregevolíssimo, no dizer de TANGORRA (pág. 652, nº 1). Referindo-se aos caracteres diferenciais dos tributos especiais, segundo SAX, SELIGMAN E SCHÄFFLE, observa JANNACONE:
“Sta berre che la figura dell’imposta speciale sorge là deve si tratti di provvedere, entro l’ambito di un complesso social, più vasto, al soddisfacimento di bisogni risentiti da un complesso sociale minore. Ma i rapporti in cui questi due complessi stanno fra loro non sono indifferenti; come non è indifferente, nè dal punto de vista jurídico, ne dall’economico, nè del sociale, que le funzioni siano esercitate dallo stesso ente maggiore, o del complesso minore costituito in corporazione, o altrimenti dotato di personalità juridica a sè stante. Il SAX ammette pure che assai spesso queste Specialsteuern siano Zwecksteuern: imposte, cioè, nelle quali è molto visibile e diretta la relazione fra il prelevamento e lo scopo cui vengono destinate; senzo però che questa circostanza induca alcuna sostanziale differenza fra esse e le imposte generali, nelle quali, soltanto per la molteplice varietà deglio scopi, questa relazione non è visibile, se pure qualche volta anche in esse non si manifesti (imposti di guerra)”.
“Bisogna attentamente guardare a non confondere, adverte êle, à pág. 24, la individuazione dello scopo cui qui si allude, com quella correlazione fro servigio prestato e prezzo pagato che netlà teoria finanziaria serve di fondamento a distinguere la tassa dalla imposta”.
Corresponde exatamente a chamada “taxa de previdência social” ao que, analisando as diversas espécies de tributos fiscais, os autores italianos denominam “impostos de escopo” ou de fim ou destinação especificada, como se vê destas palavras de GIORGIO TESORO, “Principi di diritto tributário”, nº 173 à pág. 558:
“Non si debbono confondere i contributi speciali con le imposte speciali, o con le imposte di scopo; le imposte speciali presuppongono un rapporto di scambio tra l’ente pubblico produttore ed un ristretto gruppo di individui, ma, nell’ambito di tale gruppo, costituiscono vere e proprie imposte (cosi le importe consigliari, i contributi sindicali, ecc.); le imposte di scopo, invece, presuppongono una contabilttà speciale, autonoma, e vengono integralmente devolute ad uno scopo determinato, ma dal punto di vista giuridico rappresentano anch’esse vere e proprie imposte”.
Quem dêstes impostos se ocupa mais largamente é V. TANGORRA (“Trattato”, cit., págs. 652-853):
“Le imposte di scopo ricorrono assai più raramente nella finanza degli Stati, che non in quella degli enti locali presso la quale sono invece frequentissimi, gli scrittori le distinguono nettamente, oltre che dalle imposte generali, anche dalle tasse e dai contributi di miglioria. Si dice che esse si differenziano dalle tasse, perchè le imposte di scopo, scrive il RUFFINI, non sono assolutamente, come le tasse invece sono, il corrispettivo che il singolo paga per un servizio pubblico a qui egli fece ricorso e che gli fu reso direttamente. Dai contributt di miglioria, poi, le dette imposte si distinguono perchè, esse non sono, come quei contributi, “il compenso che coloro i quali furono avvantaggiati da un’opera pubblica (che essi non avranno magari provocata o forse ne anche voluta) debbono pagare, in ricambio e in ragione dell’incremento di valore che ne è venuto alle cose loro e della loro aumentata ricchezza.. Le imposte di scopo sono prelevate per impiegarne il provento in uffici, che possono non recare a chi le paga nessun esclusivo, diretto o personale vantaggio; tale l’assistenza dei poveri, la poor rate iglese, o la manutenzione delle carceri, o altri somiglanti.
Il fine, a cui esso sono erogate, è pur sempre di vantaggio della coltettività, per quanto specificamente determinato; e unicamente come membro della collettività medesima e non come individuo, solo quindi mediatamente, e non immediatamente, chi le paga risente un utile dall’adempimento di quel fine. Non esiste pertanto in esse nè qual rapporto necesrio, nè quello stretto legame, che nelle tasse e nei contributi di miglioria invece sono, fra prestazione e controprestazione Perchè nelle tasse il contribuente paga ed ottiene; nei contributi riceve un lucro e lo rimborsa: ma niente di tutto ciò nelle nostre importe, ove la controprestazione non esiste, il vantaggio individuale può essere nullo o tutt’al più é sempre indistinto, indiretto, risentilo per il tramite o l’interposizione della collettività”.
Alude o nosso autor, como exemplo de um dos impostos, de escopo ou distinção especificada à poorrate ou taxederpauvres, do sistema tributário inglês, sôbre o qual se nos depara um artigo no vol. II, pág. 975, do “Nouveau Dictionnaire d’Economie Politique”, de LÉON SAY e JOSEPH CHALLEY. Sob êste nome se designa, diz o autor do verbete, EMILE CHAVALLIER, umimpôsto cujo produto é exclusivamente destinado a proporcionar socorros aos pobres. O que muito nìtidamente diferencia o sistema da “taxa dos pobres” dos outros sistemas de assistência é o fato que a despesa determina a taxa da receita. E como a taxa é especial, vê-lo-emos, daí resulta que é necessidade especial, provocada pela aplicação da poorlaw que determina a importância da poorrate:
“La taxe des pauvres a des caractères bien nettement définis; elle estun impôt local et, à ce titre, elle ofjre tous les caractères que revêtent les impôts locaux en Angleterre: elleconstitue un impôt qui est direct, absolument distinct des impôts de l’Etat, et spécial”.
Tocante ao caráter de impôsto especial da poorrate, diz o autor:
“On peut disserter longuemente sur les avantages et les inconvénients du principe de la spécialité. Il n’est pas douteux que, si l’on se place au point de vue théorique, on devrait approuver un système d’impôts spéciaux, qui ferait payer directement par chaque citoyen le prix du service qui lui est rendu par l’État, la province ou la commune. Mais si, pour certains services, ce principe est conforme à la vérité, il nous semble qu’il prête à la critique en ce qui concerne la poor rate. Ici, en effet, l’impót est payé précisément par ceux auxquels il ne profite pas”.
E é o que precisamente caracteriza a taxa de previdência social, de nenhum proveito para aquêles de quem está sendo exigida. Trata-se portanto de um impôsto, e não de uma taxa.
É a opinião que sustenta FRANCISCO CAMPOS, no 1º vol. de seus notáveis pareceres, pág. 223:
“As exações cobradas por ocasião de despachos de mercadorias sob as denominações de taxa de viação, federal ou estadual, a taxa de 2% para as Caixas de Aposentadoria e Pensões, são, efetivamente, impostos no sentido estrito, ou impostos pròpriamente ditos”.
Segue a explanação da doutrina:
“Na classificação das rendas públicas há o gênero, que é o tributo ou impôsto latosensu, e as espécies e variedades que são o impôsto strictosensu, a taxa e a contribuição especial, é o preço das utilidades produzidas pelo ente público quando êle assume a exploração de um serviço”.
“É corrente que o traço distintivo entre o impôsto pròpriamente dito e as outras espécies de tributação, como as taxas, contribuições e preços, consiste em que ao primeiro não corresponde uma prestação por parte do ente público, ao passo que as últimas espécies citadas encontram, a um só tempo, o seu equivalente econômico e o seu fundamento jurídico em um serviço ou utilidade recebida, em troca de sua prestação em dinheiro, pelo indivíduo, que paga a taxa, a contribuição e o preço”.
Esta doutrina é abonada no parecer por larga cópia de autoridades, como VON EHEBERG, SELIGMAN e WAGNER, depois do que conclui o douto jurista:
“Os 2% cobrados a título de contribuição para as Caixas de Aposentadoria e Pensões constituem, igualmente, impôsto pròpriamente dito. Não é o destino especial do tributo que o qualifica como impôsto ou taxa. A atribuição de um destino especial ao produto de certos impostos é uma questão de método ou de técnica de administração financeira, nada influindo sôbre a natureza do tributo, para o fim de classificá-lo nesta ou naquela categoria das rendas públicas”.
“Aos 2% destinados às Caixas de Aposentadoria e Pensões não corresponde, com efeito, nenhum serviço prestado diretamente pelo Estado ao contribuinte e de que êles representem a equivalência econômica, a indenização ou compensações. Êles se destinam, ao contrário, a beneficiar pessoalmente pessoas diversas dos contribuintes e, precisamente, como todos os impostos a ocorrer a despesas com a realização de um dos fins do Estado, a assistência, hoje em dia posta em especial relêvo como constituindo uma de suas missões essenciais”.
Ver, do mesmo autor, “Pareceres”, 1ª série, págs. 147 e segs.; RUBENS GOMES DE SOUSA, parecer em “REVISTA FORENSE”, vol. 133, pág 55; GILBERTO DE ULHOA CINTRA, “Temas de Direito Tributário”, págs, 122 e segs.; “Rev. de Direito Administrativo”, vol. 25, pág. 410, e SEABRA FAGUNDES, parecer supracitado.
Parece-me da mais translúcida evidência que nenhum argumento pode colher-se contra esta conclusão do disposto no dec: lei nº 1.804, de 24 de novembro de 1939, que aprovou normas orçamentárias, financeiras, de contabilidade para os Estados e Municípios, onde se diz – Parte II, nº XIX – que “a designação de impôsto fica reservada para os tributos destinados a atender indistintatamente às necessidades de ordem geral da administração pública; taxa, para os tributos exigidos como remuneração de serviços específicos prestados ao contribuinte
ou postos à sua disposição, ou ainda para custear atividades provocadas por conveniências de caráter geral ou de determinados grupos”.
Em primeiro lugar, após a promulgação da Constituição de 1946, que restaurou entre nós o regime federativo, com a autonomia conseqüente dos Estados e Municípios, estas prescrições caducaram, foram tàcitamente revogadas, desde que entrou em vigor o texto constitucional.
Em segundo lugar, estas normas orçamentárias tinham destinatários designados, os Estados e Municípios, e nenhuma aplicação têm à chamada taxa de previdência social, que é um impôsto federal.
Em terceiro lugar, não se trata pròpriamente de um preceito obrigatório, senão de meras resoluções votadas por uma Conferência de Técnicos em Contabilidade Pública e Assuntos Fazendários, normas de caráter prático, as quais, aprovadas pelo govêrno federal, pertencem à categoria das leggidirettive, de que nos fala SANTI ROMANO, “Corso di diritto costituzionale”, 2ª ed., 1928, pág. 236:
“Esse contengono consigli istruzioni, precetti tecnici, ammonimenti, promesse, programmi; in altri termini, norme che considerate in sè e per sè non sono obbligatorie, sebbene ad esse sè accompagni, como elemento aggiunto, l’obbligo, non di osservarle, ma di tenerle presenti e di non discostarsene senza un motivo plausibile”.
Discorre longamente sôbre o assunto o eminente FRANCESCO FERRARA, no seu clássico “Trattato di Diritto Civile Italiano”, vol. III, nº 14, pág. 65, sob a rubrica: Disposizionisenza – contenutoobbligatorio:
“Possono aversi delle disposizioni positive, prive di valore giuridico, in quanto non contegono alcun commando (grifo do autor). Se la funzione del diritto infatti è di porre degli imperativi, tutte le volte che la legge deviando o traviando dal suo compito, non impone niente, essa non ha carattere vincolante. Manca cioè la materia di un dovere. – Di questo fenomeno danno esempi notevoli le raccolte legislative dell’antichità, specialmente dell’Oriente, in cui essendo ingenuamente ed in modo primitivo concepita la funzione del legislatore, e non affinata l’arte legislativa, s’incontrano osservazioni e pensieri, che non hanno niente che fare col diritto, che non si risolvono in norme di condotta.
Ma anche nelle leggi moderne non mancano casi di questa specie. Cosi nelle leggi talora s’incontrano raccomandazioni, esortazioni, istruzioni, consigli, ammonimenti, dichiazioni, desideri (grifos do original) etc. Oppure si danno delle norme tecniche in materia industriale o commerciale, sull’esecuzione di progetti d’arte per la costruzione di lavori, delle regole di contabilità, dei precetti sanitari in casi d’epidemia, tutto ciò senza traccia di sanzione in caso d’innosservanza. Ora, questo non é diritto, il privato può conformarsi o no ai suggerimnti legislativi, ma non ha alcun dovere di sottostarvi, da momento ch’egli non va incontro ad alcuna reazione, se li viola”.
E adiante (pág. 67):
“Un campo abbastanza amplio di contenuto non vincolante (o grifo é meu) delle leggi si trova per il dottrinarismo introdotto nelle leggi moderne, specialmente di diritto privato, non solo nel linguaggio e nello stile, ma nel metodo della trattazione. Nei codici penetrano attraverso la mente del redattori idee e concezioni dottrinali, che s’esprimono con partizioni, formole e regole. Si ripete cioé il fenomeno inverso a quello del giurista che pone le sue idee come principi di diritto positivo. Qui invece é il legislatore che dimentica il suo officio imperativo, e scivola nella dogmatica”.
Assim, seria absurdo que os tribunais entendessem submeter-se a uma “norma técnica”, despida de caráter obrigatório, manifestamente errônea e em absoluto desacôrdo com a doutrina uniforme de todos os mestres e autoridades em matéria tributária.
O mesmo se há de dizer do dec. lei nº 2.416, de 17 de julho de 1940, que aprovou a codificação das normas financeiras para os Estados e Municípios, onde se reproduz o citado dispositivo, concernente ao que se há de entender por impostos e taxas. A respeito do qual, vale aduzir, como subsídio, o que diz o Sr. ARÍZIO DE VIANA, na 2ª ed. da sua monografia sôbre “Orçamento Brasileiro”:
“Êsse diploma”, diz êle, “deixou de existir porque diversas disposições do seu texto se tornaram obsoletas, como, dentre outras, as dos arts. 4º, 11 e seu § 1º, parág. único do art. 12, 20, 53 e sobretudo, porque, em sua essência, dispunha sôbre o processamento de atos administrativos dos Estados e Municípios, a respeito dos quais, a êstes, exclusivamente, compete legislar. Nenhuma interpretação extensiva do art. 5º, XV, b, da Constituição federal terá a virtude, diz o autor, de restaurar-lhe o vigor (pág. 303). Além do mais, continua êle adiante (pág. 304), as novas normas, as da III Conferência de Técnicos, deveriam ser comuns à União, aos Estados e aos Municípios. Isto importaria, quanto à União, em alterar dispositivos não só de determinadas leis especiais de pessoal e material, como ainda a legislação federal de contabilidade e, principalmente, a apresentação formal do Orçamento Geral da República. Para os Estados e Municípios, a experiência de quase 10 anos, na observância da padronização, está a demonstrar que não haveria dificuldades de vulto a remover. Mas o mesmo não seria lícito esperar relativamente â administração federal, se a esta se estenderem ex abrupto as normas por êles adotadas com tão grande sucesso. Para exemplificar, é suficiente mencionar a experiência que, presentemente, se fêz na elaboração do orçamento federal na Câmara dos Deputados. A proposta orçamentária, elaborada pelo Ministério da Fazenda e apresentada pelo Executivo ao Legislativo, referente ao ano fiscal de 1950, oferecia uma classificação das despesas semelhante a do padrão dos Estados e Municípios, que é, sensìvelmente, diversa do estilo adotado péla União, de 1940 até o exercício em curso. A Comissão de Finanças da Câmara dos Deputados repudiou, porém, a inovação e restaurou, em substitutivo, antiga apresentação formal do orçamento. Entendeu, naturalmente, o Congresso que a competência para elaborar o orçamento envolve, implìcitamente, o poder de atribuir-lhe a estrutura que julgar conveniente e consentânea com a legislação ordinária em vigor. Se idêntica competência é assegurada às Câmaras estaduais e municipais, como poderia uma lei federal, a pretexto de fixar normas de direito financeiro, cercear-lhes, pela adoção de um modêlo orçamentário, preestabelecido, o uso de uma prerrogativa que o próprio Congresso Nacional se mostra tão cioso de exercer na esfera de suas atribuições? Uma, lei federal nesse sentido violaria, evidentemente, as Constituições estaduais”.
Até aqui o Sr. ARÍZIO DE VIANA, um dos principais colaboradores do “Estado Novo” e da Conferência de Técnicos, que elaboraram as normas em questão.
Em suma, é uma vã tentativa a de galvanizar na categoria de taxa o impôsto que errôneamente se denominou de taxa de previdência social.
*
Êste trabalho dispensa conclusão, esta resulta do seu conteúdo, que é a demonstração das teses seguintes:
I. A disposição constitucional do art. 15, nº III, atribui à União competência para decretar impostos sôbre
“produção, comércio, distribuição e consumo, e bem assim importação e exportação de lubrificantes e de combustíveis líquidos ou gasosos de qualquer origem ou natureza, estendendo-se êsse regime, no que fôr aplicável, aos minerais do país e à energia elétrica”.
II. A expressão impostos, aí empregada, há de tomar-se no sentido de impostos latosensu, compreensivo do exercício do poder tributário em tôda a sua plenitude, que inclui o poder de lançar impostos, taxas e contribuições fiscais quaisquer, como se deduz: a) do emprêgo do têrmo tributação, que é genérico, no § 2º do mesmo artigo, o qual se reporta ao inc. III; b) da circunstância de que o preceito constitucional vigente corresponde em substância, no pensamento bem averiguado do legislador-constituinte, ao disposta nas Leis Constitucionais ns. 3 (art. 35, letra d) e 4, de 18 e 20 de setembro de 1940, onde se usa o têrmo tributar, de significação indúbia e inequívoca.
III. O preceito constitucional, em causa, reserva para a União a competência para decretar impostos (latosensu) sôbre o exercício de atividades, a saber: produção, comércio, distribuição e consumo, importação e exportação de lubrificantes e de combustíveis líquidos ou gasosos; sôbre atividades, que tenham por objeto êstes artigos, e não sôbre êstes artigos. Exclui, portanto, que os Estados e Municípios e a própria União, decretem impostos ou taxas, que gravem tais atividades, direta ou indiretamente, onerando os artigos, resultado ou, objeto das mesmas, fora do impôstoúnico reservado à competência da União, como exceção à competência que, em outros dispositivos constitucionais, é conferida aos Estados e Municípios.
IV. O impôstoúnico, de que trata o § 2º do art. 15, e que incide sôbre cada espécie de produção, é apenas a forma, o modo, o critério constitucionalmente adotado, dentre os que poderiam ser preferidos, pelo qual a União deverá, exercer a competência tributária conferida pelo art. 15, nº III, a qual tem pôr objeto as atividades, e não diretamente o resultado ou o objeto destas, como se deduz aliás da exceção referente aos impostos de renda e do sêlo, que seria de todo escusada se o impôsto recaísse não sobre as atividades, mas sôbre os produtos, pois êsses tributos não incidem sôbre produtos.
V. Conseqüentemente, a competência reservada à União pelo art. 15, nº III, exclui a incidência sôbre os lubrificantes e combustíveis líquidos ou gasosos, tanto do impôsto de indústrias e profissões, da competência dos Municípios (art. 29, número III), como da chamada taxa de previdência social, decretada pela União, e que não mais subsiste, em fôrça do artigo 15, nº III.
VI. Todavia, é inquestionável que esta denominada taxa de previdência social é na realidade um impôsto e não corresponde ao nomenjuris de taxa, que lhe deu errôneamente o legislador federal.
Rio de Janeiro, janeiro de 1956. – José Sabóia Viriato de Medeiros.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
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