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CLÁSSICOS FORENSE
REVISTA FORENSE
TRIBUTÁRIO
Impôsto Do Sêlo – Princípio Documental E Princípio Negocia, de Amílcar De Araújo Falcão
Revista Forense
02/07/2024
– Salvo disposição expressa em contrário, só há incidência do sêlo quando existir o instrumento formal, o “papel”, com a forma indicada na própria lei.
PARECER
A consulta está assim formulada:
Um representante de sociedade, sediado no interior, após fazer a cobrança de duplicatas, envia um cheque correspondente à quantia cobrada.
Pergunta-se:
1º) Há incidência do sêlo na carta de remessa do cheque?
2º) Há incidência do impôsto de sêlo, quando a sociedade confirma o recebimento do cheque referido?
3º) Em caso afirmativo, será sêlo fixo ou proporcional?”
2. Em princípio, a interpretação da lei fiscal comporta amplos processos de indagação, a fim de verificar-se a configuração e a real consistência econômica do fato gerador da obrigação tributária.
Por isso se diz que a verificação ou exterioração do fato gerador obedece, em regra, ao princípionegocial(geschälts-prinzip). Dentro dessa ordem de considerações, é lícito ao intérprete indagar livremente sôbre a natureza da relação econômica que se apresente, seta se apegar ao formalismo, à forma jurídica de que aquela relação econômica esteja revestida. Todavia, o legislador tributário pode aduzir restrições a essa fórmula, determinando que a atuação do intérprete fique condicionada à configuração de certa e determinada forma jurídica. Nesse caso, diz-se que a exteriorização do fato gerador obedece ao princípio documental (urkunden–prinzip). Já agora, entende-se ocorrido o fato gerador sòmente quando a relação econômica se traduza pelo instrumento formal, pela forma reputada jurìdicamente relevante pelo legislador tributário.
A Lei do Sêlo adere a êsse último princípio. Conseqüentemente, só há incidência do sêlo, quando existir o instrumento formal, o “papel” com a forma indicada na própria lei. A exclusão dessa idéia só tem lugar, se a própria lei do sêlo expressamente a desprezar, quer fazendo equiparações de atos, quer dispensando a existência do “papel” ou instrumento, casos em que volta a prevalecei o referido princípio negocial.
À hipótese sob consulta essas noções têm perfeita aplicação.
3. Estão em cogitação os arts. 86 e 100 da Tabela anexa ao dec. nº 32.392, de 9 de março de 1953.
Dispõe o art. 100 que estão sujeitos ao impôsto
“Recibos comuns e outras declarações, qualquer que seja a forma empregada para expressar recebimentos de quantias, cada via”.
Vê-se que o fato relevante para a tributação, in casu, é não sòmente o instrumento formal de recibo, como qualquer declaração que exprima recebimento de quantias.
Não satisfeito com essa ampla enunciação, passa o dispositivo, nas suas notas, a equiparar a atos tais outros tantos em que a relação econômica de recebimento de quantias ocorra.
Assim é que as notas citadas consideraram abrangidas pela incidência contida no art. 100 as relações de mercadorias, em geral não tributadas (cf. letra e da Nota 4ª do art. 100 em causa), e as contas, desde que: 1º) contenham as expressões pago, liquidado, deduzido, dinheiroem conta, etc; 2º) ou contenham as expressões à vista, a dinheiro, etc., salvo se por elas se exprimir simples condição de venda, ou se, bem visível, houver sido impressa a expressão de que não valem como recibo (cf. Notas 1ª e 2ª do art. 100).
Outrossim, equiparam-se a recibo os papéis com a indicação de importância ou de simples algarismos ou sinais, entregues ou remetidos ao comprador de mercadorias ou devedor de quantias, uma vez que dados contábeis identifiquem pagamento ou recebimento (cf. Nota 4ª do dispositivo citado). A amplitude que aí se dá à investigação do fato gerador bem denota o intuito manifesto de admitir a pesquisa da relação econômica por todos os critérios de interpretação tolerados pelo princípio negocial.
Mas, como se não bastasse tôda essa riqueza de pormenores e detalhes, ainda se introduz no art. 100 mais uma Nota 3ª, alinhando papéis, dos quais sòmente dois interessam ao nosso caso, sujeitos à incidência ora examinada: 1º) comunicações, sob qualquer forma, referentes a recebimentos de quantias; 2º) avisos de cobrança feita a terceiros (cf. Nota 3ª).
O que se quer demonstrar, com tôda essa ordem de considerações, é que o artigo 100 da Tabela anexa à Consolidação das Leis do Sêlo consagra, para a incidência: da alíquota a que se refere, o princípionegocial, ou seja, a ampla investigação da relação econômica, para verificar se ocorre ou não pagamento ou recebimento de quantias.
4. Quem examinar a doutrina, há de convencer-se do acêrto dessa assertiva: MARCELO ULISSES RODRIGUES e ALMEIDA NOGUEIRA PÔRTO anotam, comentando o art. 100, que “não teve o Fisco outro remédio senão armar as repartições arrecadadoras de um dispositivo legal de tal forma amplo que permitisse exigir o sêlo em todos os papéis fornecidos ao comprador de mercadorias, ou devedor de quantias, quando viessem indicar um recebimento” (cf. “Impôsto do Sêlo Federal”, 1942, página 649). E acrescentam êsses comentadores: “A finalidade dêsse dispositivo é a de tributar todos os papéis que constituam prova, ou pelo menos criem uma legítima presunção de ter havido um recebimento de quantia” (cf. ob. cit., pág. 651).
5. Convém acrescentar que a incidência prevista no art. 100 não é a única relativa a recebimentos de quantias ou valores. A do art. 100 só atinge os recibos comuns ou papéis a êles equiparados. Vejamos os demais dispositivos. São êles: o art. 86 (recibo por ordem de uma pessoa e conta de outra), o art. 99 (recibos passados ou dados por estabelecimentos bancários), o art. 101 (recibos de documentos desentranhados de processos, nos cartórios e repartições públicas federais), o art. 102 (recibos de depósito de mercadorias em armazéns gerais ou comuns), o art. 103 (recibos de depósito de títulos e valores deixados em custódia, bem como os recibos de sua devolução aos depositantes), o art. 104 (recibo ou recebimento de juros de mora e cláusula penal).
No caso, para atender à resposta que oportunamente se dará ao item 3º da consulta, convém examinar o art. 88.
Diz o dispositivo, no seu caput:
“Papéis que declarem valor recebido por conta de pessoa diferente da que ordena o pagamento”.
A Nota 2ª equipara a essa situação o fato de, ao invés de ser pago, ser creditado o valor. É manifesta a regência do princípio documental sôbre o caso.
É preciso que o instrumento declare valor recebido por conta de A e ordem de B.
O tratamento especial, com sêlo proporcional, dado a essa categoria de recebimentos decorre do fato de que aí ocorre uma cessão de crédito (cf. RUBENS GOMES DE SOUSA, “Compêndio de Legislação Tributária”, 1952, pág. 351, b).
A hipótese, exemplificando, é a seguinte: Recebi de A, por ordem de B e conta de C, a quantia X (cf. RUBENS GOMES DE SOUSA, ob. e loc. cits.).
Entenda-se bem que a hipótese continuará a ser enquadrada no art. 100, se o recebimento fôr feito de A, por ordem e conta de B (RUBENS GOMES DE SOUSA, ob. e loc. cits.).
Para que se configure a espécie prevista iro art. 88, é preciso que no recibo figurem pelo menos quatro pessoas (MARCELO ULISSES e NOGUEIRA PÔRTO, ob. cit., pág. 605). Desse teor é a lição de TITO RESENDE e JAIME PÉRICLES, quando, procurando dar uma explicação prática do art. 86, reproduzem uma ilustração calcada nos têrmos de jurisprudência administrativa que hoje constitui modelo. Eis os casos:
X recebe de A, para crédito de s/c (de A);
X recebe de A, por ordem e conta de B;
X recebe de A, por ordem de B e conta de C;
X recebe de A, por ordem de B, cumprindo a de C, e conta de D.
A solução é a seguinte: nos dois primeiros casos, o se o devido é o do art. 100 e, nos dois últimos, o do art. 86 (cf. “Manual do Sêlo”, 6ª ed?, vol. III, pág. 844).
Tem-se, como resultado de tôda essa exposição, que: 1º) o art. 86 é regido pelo princípiodocumental; 2º) só ocorre a incidência da alíquota aí prevista, quando o negócio consubstanciado no papel configure uma cessão de crédito e, portanto, no instrumento concorram, pelo menos, quatro pessoas.
6. Uma advertência prévia convém fizer, antes de entrar no exame das espécies englobadas na consulta. É que ali se diz que os papéis foram passados entre mandante e mandatário.
Há uma isenção, prevista pelo nº 18 do art. 52 das Normas Gerais, para “papéis relativos a negócios entre matrizes e filiais e destas entre si, quando estabelecidas, quer as matrizes, quer as filiais, no território nacional”. Essa isenção só atinge relações entre matrizes e filiais, ou entre filiais, excluindo-se, pois, as hipóteses de representação, agência ou mandato. Contudo, se a agência está a cargo de funcionários da própria firma, sob regime de relação de emprêgo, continua a ser admissível a aplicação do artigo 52, nº 18, ao caso.
Neste sentido é a jurisprudência: “sòmente as agências a cargo de funcionários da própria firma ou emprêsa é que se equiparam a filiais tara os efeitos do art. 52, nº 18” (Recebedoria do Distrito Federal, decisões ns. 399 e 107, na “Revista Fiscal” de 1947 e 1949). “A isenção só ocorre se os viajantes, cobradores, ou representantes forem empregados da firma ou emprêsa, no verdadeiro sentido das leis comerciais e trabalhistas” (Conselho, decisões ns. 904, 475 e 18, na “Rev. Fiscal” de 1943, 1945 e 1947). “Se o representante ou agente não está na situação de empregado, se é apenas um mandatário, ou, não assumindo tal situação, se limita a prestar serviços, à comissão ou por outra forma, nesse caso não cabe a isenção” (Conselho, decisões ns. 170 e 352, na “Rev. Fiscal” de 1945 e 1946, a primeira delas mantendo a da Recebedoria do Distrito Federal, nº 892, na “Rev. Fiscal” de 1943).
Temos, assim, uma primeira conclusão parcial: se a representação a que se refere a consulta está a cargo de funcionários da emprêsa, em regime de relação de emprêgo, os casos mencionados são de isenção, prevista no art. 52, inc. 18, das Normas Gerais. De outro modo, inexiste a isenção aludida.
7. Resta verificar em que caso há incidência do sêlo e em que dispositivo ou dispositivos se enquadra cada um dos dois mencionados.
Já vimos que o art. 86 da Tabela é regido pelo princípio documental e que, demais disso, o papel deve exteriorizar uma cessão de crédito, cuja configuração, concretamente, requer a participação, no mínimo, de quatro pessoas. Ora, nenhuma dessas circunstâncias ocorre.
No primeiro quesito formulado pelo consulente, há a remessa de um cheque, em pagamento de duplicatas, por conta, e ordem de um comprador.
No segundo, há a configuração do recebimento do cheque pelo representado, por conta e ordem do comprador, confirmação essa dirigida ao representante. Logo, está fora de cogitação o art. 86 da Tabela.
Podemos, portanto, aduzir uma segunda resposta ao que foi consultado: não é devido, em nenhum dos casos, o selo proporcional previsto na Observação 2ª da Tabela.
8. Resta, pois, fixar-nos no art. 100 da Tabela. Em princípio, a remessa de quantia não está sujeita à incidência do sêlo. Contudo, como já vimos, o art. 100 da Tabela está regido pelo princípio negocial, de modo que se admite ampla indagação em tôrno do ato, para verificar se nêle se identifica a relação econômica de recebimento.
Ora, a carta expedida pelo representante na qual se remetia um cheque, resultante de cobrança de duplicatas, é um aviso de cobrança feita a terceiros.
A Nota 3ª do art. 100 dispõe que:
“Estão compreendidos nas disposições dêste artigo, quando não devido outro sêlo: … avisos de cobrança feita a terceiros”.
Já vimos que o art. 86 não é aplicável e que, assim, não é devido outro sêlo. A carta de remessa do cheque é mais, até, do que um aviso de cobrança feita a terceiro, porque, além de denunciar a cobrança, remete a importância correspondente.
MARCELO ULISSES E NOGUEIRA PÔRTO, comentando essa Nota 3ª, dizem:
“Osavisosdecobrançafeitaa terceiros, a que se refere a Nota 3ª, são os recibos que, em lugar de serem dirigidos à própria pessoa que pagou, são dirigidos a uma terceira pessoa. Êsses casos são comuns na gestão de negócios, pois a mandatário sempre comunica ao mandante as cobranças que fêz em seu nome e os respectivos recebimentos” (ob. cit., pág. 657).
Concluindo, no que tange ao primeiro quesito da consulta, temos que a hipótese nela prevista está compreendida na Nota 3ª do art. 100 da tabela e, conseqüentemente, sujeita à incidência da alíquota indicada neste dispositivo.
9. Vejam, afinal, o 2º quesito formulado pelo consulente. O representado, por carta, confirma ao representante o recebimento do cheque. Há aí, inegàvelmente, uma comunicação referente a recebimento de quantias.
Assinale-se que o fato de já haver sido pago o sêlo de recibo, quando da remessa do cheque não exime de novo pagamento nessa oportunidade, porque o artigo 100 é expresso ao dizer que o sêlo é devido em cada via, só se fazendo exceção a essa regra para os papéis passados por estabelecimentos bancários e tributados no art. 99 da Tabela (cf. Nota 8ª, letras b e c, do art. 100 da Tabela e MARCELO ULISSES e NOGUEIRA PÔRTO, ob. cit., pág. 659).
Pois bem, a Nota 3ª prescreve que
“Estão compreendidos nas disposições dêste artigo, quando não devido outro sêlo: comunicações, sobqualquerforma, referentesa recebimentos de quantias”.
É verdade que existe uma decisão, afirmando o seguinte: “carta acusando o recebimento de cheque, sem indicação do valor dêste: não tributada” (Conselho, decisão nº 382, na “Rev. Fiscal” de 1949).
Essa decisão, contudo, não parece acertada, se se tiver em vista não só a amplitude de indagação da relação econômica de recebimento, admitida pelo art. 100 da Tabela, como a indeterminação da dição de sua Nota 3ª, ao falar em “comunicações, sob qualquer forma”.
A jurisprudência, aliás, tem sido no sentido de que as declarações de recebimento de cheque estão sujeitas ao sêlo de recibo (Conselho, decisão nº 382, na “Revista Fiscal” de 1949).
É possível, assim, concluir, dizendo que a hipótese a que se refere o segundo quesito contido na consulta está sujeita ao sêlo de recibo, previsto no art. 100 da Tabela.
10. Resumidamente, respondo do modo como se segue, aos quesitos formulados:
Aos 1º e 2º quesitos: Sim.
Ao 3º quesito: O sêlo devido nos dois casos é o de recibo, previsto no art. 100 da Tabela.
Advirto, todavia, que se a representação a que se refere o consulente estiver a cargo de funcionário da emprêsa, em regime de relação de emprêgo, os papéis aludidos estarão compreendidos na isenção prevista pelo inciso 18 do art. 52 das Normas Gerais.
É o meu parecer, S.M.J.
Amílcar de Araújo Falcão, assistente jurídico do Ministério das Relações Exteriores.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 4
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