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Imposto de indústrias e profissões – Impôsto indireto – Isenção fiscal

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Imposto de indústrias e profissões – Impôsto indireto – Isenção fiscal – Cooperativas

COOPERATIVAS

IMPOSTO

IMPOSTO DE INDÚSTRIAS

IMPOSTO DE PROFISSÕES

ISENÇÃO FISCAL

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 148

Revista Forense

Revista Forense

06/04/2022

REVISTA FORENSE – VOLUME 148
JULHO-AGOSTO DE 1953
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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Revista Forense Volume 148

CRÔNICA
Aspectos da sociologia jurídica de Gurvitch – Henrique Stodieck

DOUTRINA

PARECERES

NOTAS E COMENTÁRIOS

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

Sobre o autor

Teotônio Monteiro de Barros Filho, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

PARECERES

Imposto de indústrias e profissões – Impôsto indireto – Isenção fiscal – Cooperativas

– O imposto de indústrias e profissões é um impôsto direto.

– Quando o interêsse de tôda a coletividade o reclame, a União e o Estado podem instituir imunidades fiscais gerais, inclusive de tributos municipais.

– Interpretação do art. 114, parágrafo único, da Constituição do Estado de São Paulo.

PARECER

I. Consulta:

1. É o imposto de indústrias e profissões do tipo direto ou indireto?

2. Em face do art. 114, parág. único, da Constituição estadual, pode o Município cobrar impostos de indústrias e profissões às cooperativas, mesmo atendendo-se à competência tributária municipal?

II. Respostas:

1. Sim. O imposto de indústrias e profissões é um impôsto direto. O problema da classificação das receitas sempre foi muito árduo. Até agora, em doutrina, tem sido difícil o encontro de critérios de ordem geral capazes de abranger, dentro de uma suficiente compreensividade, tôdas as formas de receita, sendo certo que tais dificuldades não são menores no terreno da receita tributária. No tocante à subdivisão dos impostos (reais e pessoais, diretos e indiretos, proporcionais e progressivos, por cotas e repartição), é justamente a distinção entre os impostos diretos e indiretos que mais tem oferecido obstáculos à obtenção de um critério diferencial nítido e científico.

Muitos entenderam que diretos seriam os impostos que não se prestam ao fenômeno da repercussão, sendo indiretos aquêles que se podem repercutir. A observação da realidade, entretanto, comprova que, embora em verdade os impostos indiretos sejam de fácil repercussão e mesmo, como regra geral, sejam repercutidos pelo sujeito de direito do impôsto, um tal fato não bastaria para ser erigido em traço diferencial seguro, visto como, em determinadas circunstâncias excepcionais favoráveis, a repercussão pode dar-se em relação a impostos diretos; inversamente, circunstâncias desfavoráveis, relacionadas com a elasticidade da procura de determinados bens econômicos, especialmente em fases depressivas da conjuntura, podem obstar à regra geral da repercussão dos impostos indiretos.

Outros entenderam que era o fato de serem arrecadados através de róis nominativos que caracteriza os impostos diretos, sendo verdade que tais róis não podem ser levantados para os impostos indiretos, pagos sempre de modo ocasional e intermitente, por contribuintes desconhecidos. Êsse, porém, nunca poderia ser um critério científico. Funda-se evidentemente tão-só em um elemento puramente formal, qual seja o modo de arrecadação do impôsto e não em elementos intrínsecos do mesmo.

Alguns autores, desanimados relativamente ao encontro de uma distinção segura, preferiram colocar-se dentro de um plano estritamente legal. Para êsses, diretos ou indiretos seriam os impostos que as leis declarassem como tais. Para o uso prático, uma tal diferenciação poderia ser útil. Mas fôrça é convir que ela não atende aos reclamos de uma classificação científica, pelo que a sua adoção não exime os autores de procurarem, no campo doutrinário, uma melhor elucidação da matéria.

Até hoje, foi, sem dúvida, DE FOVILLE quem fixou o melhor traço diferencial, de cunho científico, entre as duas categorias de impostos. Segundo êle, o impôsto direto é o que se aplica a situações permanentes; o indireto atinge fatos intermitentes. Em artigo publicado no “Economiste Français” de 1° de setembro de 1883, reproduzido nos “Systèmes Généraux d’Impôts”, de STOURM, assim se exprime DE FOVILLE: “L’impôt direct vise et atteint chez le contribuale ceux des éléments imposables qui ont un caractère durable, constant ou du moins continu, comme l’existence, la possession ou la profession. Exister, posseder, exercer un commerce ou une industrie, voilá chez l’homme des données permanentes que l’administration peut suivre dans leur cours et mettre en coupe réglée, pour ainsi dire, par des impôts nominatifs ou périodiques. Les impôts indirects, au contraire, portent non pas sur des qualités ou des possessions, mais sur des faits particuliers, sur des actes intermittents. En deux mots, le verbe “faire” appelle l’impôt indirect; le verbe “être” ou “avoir” appelle l’impôt direct”. No mesmo sentido, consulte-se também o grande ALLIX, em “Science des Finances”, Rosseau & Cie., 4ª ed., Paris, 1921, págs. 378 e segs., notadamente pág. 380, e também, no mesmo ALLIX “Cience Financière. Les impôts directs” (“Repetitions écrites pour la preparation de tous les éxamens de Droit. Doctoral d’Economie Politique”), Paris, 1924-1925, pág. 5.

Tal critério distintivo é hoje generalizado na doutrina e é êle que explica o fato prático de se poderem arrecadar os impostos diretos através de róis nominativos, enquanto que isto é impossível para os impostos indiretos. Dentro de um tal critério, que é atualmente o corrente, não paira a menor dúvida sôbre a classificação do imposto de indústrias e profissões como um impôsto direto. O exercício continuado de uma atividade produtiva (é êsse o sentido de indústria aqui), ou de uma profissão, constitui uma situação estável, prolongada, ordinàriamente, com uma sede conhecida, caracterizando um fato permanente, que se estende não raro por tôda uma vida, derramando-se, assim, por vários anos financeiros sucessivos, de modo a permitir o conhecimento do contribuinte pelo seu nome e endereço, o que permite a organização da lista dos contribuintes.

De resto, ao mencionar os seus exemplos, o próprio DE FOVILLE alude ao fato de exercer alguém uma indústria ou um comércio, como fato gerador de incidência direta. Não há, pois, sombra de dúvida, apesar de certas figuras tributárias serem de classificação difícil: o imposto de indústrias e profissões é direto.

2. Discriminando as receitas públicas entre as três pessoas jurídicas de direito público que integram nossa estrutura federal, a Constituição atribuiu aos Municípios o imposto de indústrias e profissões, conforme o art. 29, inciso III.

De acôrdo com o inciso IV do artigo 68 da Lei Orgânica dos Municípios paulistas, êsse impôsto integra a receita municipal. Entretanto, o art. 114 da Constituição estadual de 9 de julho de 1947 assim reza:

“O Estado estimulará a formação de cooperativas de natureza civil, registradas e fiscalizadas pelos órgãos competentes”.

Criou, assim, a Constituição estadual, em relação às cooperativas civis registradas e fiscalizadas pelos órgãos competentes, uma imunidade aos impostos diretos.

Dever-se-á entender que tais imunidades só eximem as cooperativas dos impostos diretos estaduais? Ou abrangerá o dispositivo constitucional estadual também os impostos diretos devidos aos Municípios? Quando o parág. único do artigo 114 citado diz “nenhum impôsto direto gravará” as cooperativas, usa de uma expressão geral e imperativa, dando a entender que a imunidade é extensiva aos impostos municipais também. A latitude com que está lançado o texto leva a crer que essa imunidade funciona dentro do Estado, relativamente a quaisquer impostos diretos, sejam estaduais ou municipais. Mas põe-se aí o problema: pode o Estado, constitucionalmente, dispensar impostos devidos a outro ente público, ou seja, o Município? Não será isso ferir a autonomia municipal?

A questão é deveras interessante, envolvendo tese jurídica de alta relevância, mormente dentro do regime federativo. Inclinamo-nos a pensar que o Estado pode fazê-lo. De acôrdo com a Lei Orgânica dos Municípios, a idéia da autonomia municipal se concretiza no fato de “prover o Município aos seus interêsses e ao bem-estar de sua população” (art. 16). Mas, pela Constituição federal, art. 28 e seus incisos e alíneas, a autonomia do nosso ente público celular está configurada: a) pela eleição de seus vereadores e prefeito; b) pela administração própria, no que concerne ao seu peculiar interêsse, especialmente no que diz respeito à decretação, arrecadação e emprêgo de suas receitas, bem como organização dos serviço públicos locais. Como se vê, a idéia nuclear do conceito complexo da autonomia local, em regime federativo, é a do peculiar interêsse, isto é, do interêsse da circunscrição territorial e da população nela residente.

Ora, o problema do estímulo à formação das cooperativas é um problema econômico de interêsse geral do Estado e até mesmo do país. Êle escapa a qualquer interêsse peculiar local, porque transcende para um âmbito muito mais lato, afetando interesses da coletividade estadual e mesmo nacional. É um problema de política econômica geral que não diz respeito a êste ou àquele Município peculiarmente, mas à coletividade tôda. Nestas condições, parece lícito ao Estado, que tenha em vista estimular essa forma econômica em seu território, estabelecer a imunidade com o caráter geral que a Constituição paulista lhe imprimiu. Não há aí violação da autonomia municipal, embora tal imunidade atinja uma parcela da receita do Município, porque os benefícios que, para a coletividade estadual, resultariam de uma sólida estrutura cooperativa em todo o Estado, compensariam largamente a pequena perda sofrida pela receita municipal.

De resto, a Constituição estadual de São Paulo foi objeto de uma revisão pelo egrégio Supremo Tribunal Federal, que a submeteu a rigoroso crivo, sendo certo que o art. 114 e seu parág. único escaparam a essa prova, que lhes atesta a legalidade e a constitucionalidade. Isso, porém, não é tudo. A própria Constituição federal, em seu art. 31, inciso V, alíneas a, b e c e parág. único, estabelece a proibição à União, aos Estados e aos Municípios de lançarem impostos sôbre determinadas formas de atividades, de organizações e de propriedades, tendo em atenção as finalidades de tais atividades, organizações é propriedades. É, portanto, o próprio constituinte federal quem afirma a possibilidade de um ente público maior, tendo em vista o interêsse global da coletividade, criar imunidades fiscais, mesmo quando relativas a impostos pertencentes a outros entes públicos menores.

Nem parece conveniente aos interêsses da nação entender-se de outro modo. Seria estabelecer uma limitação intolerável à política econômica e à política financeira, cujo exercício cabe, em regime federal, aos entes públicos maiores (União e Estados), em benefício de tôda a coletividade.

É hoje, correntemente, admitido o uso, ora do impôsto, ora da isenção, ora da imunidade fiscal, com propósitos de ordem geral, extrafiscais, como estímulo à natalidade, defesa da saúde, defesa do solo, reflorestamento, estímulo a certas atividades econômicas, e tantos outros, inclusive defesa do crédito público.

Cremos que seria demonstrar um excessivo zêlo pela autonomia municipal ou estadual proibir-se à União ou ao Estado, em certos casos, de instituírem imunidades fiscais gerais, quando o interêsse de tôda a coletividade o indique ou o reclame.

Nestas condições, interpreto o texto do parág. único do art. 114 da Constituição de São Paulo como um dispositivo de ordem geral, a ser atendido inclusive pelos Municípios. E, assim pensando, entendo que êstes últimos não podem fazer incidir sôbre as cooperativas civis, devidamente registradas e fiscalizadas pelos órgãos competentes, nenhum impôsto direto.

Este é o meu parecer. S. M. J.

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