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Desoneração da folha é assunto tão antigo quanto atual

Hugo de Brito Machado Segundo

Hugo de Brito Machado Segundo

16/01/2024

Tem sido bastante debatida, nos meios de comunicação, e na esfera política, a desoneração da folha de pagamentos. De um lado, o governo argumenta que a medida é inconstitucional e causará perda significativa de receita, desequilibrando as contas da previdência social. De outro, setores da economia sustentam que, sem ela, haverá aumento do desemprego, com demissões e reduções nas contratações.

Não parece haver inconstitucionalidade na prorrogação, visto que a Constituição não impede que se instituam contribuições previdenciárias substitutivas da folha, desde que atreladas a outras bases também referidas no seu artigo 195. Por outro lado, não se trata de desoneração, pura e simples, tampouco de “benefício fiscal”. O que ocorre é uma substituição: em vez de se contribuir tendo como base de cálculo a folha de pagamentos, parte-se da receita bruta. Segue-se pagando a contribuição, apenas calculada sobre outra grandeza. Para empresas que têm poucos empregados, e elevada receita, a tal desoneração da folha pode, portanto, levar a um ônus tributário até maior.

Constituição de 1988

Toda essa discussão, aliás, remete a 1988, e ao que se deu com as contribuições desde então. O assunto, portanto, não é novo. Quando da elaboração da Constituição, colocou-se a questão de saber de onde viriam os recursos necessários ao custeio da seguridade social, e dos inúmeros benefícios que ela garantiria aos segurados. Pensou-se em majorar o percentual já incidente sobre praticamente a única base então utilizada, a folha de salários. Mas isso teria um ônus. Quanto mais alto o tributo, maior a tendência do contribuinte a tentar escapar dele, por meios lícitos ou ilícitos. Assim, o aumento da contribuição sobre a folha poderia levar a um incremento da informalidade, e da automação. Perderiam todos, principalmente trabalhadores, e não seria obtida a arrecadação desejada.

A solução encontrada, nesse contexto, foi partir para fontes de custeio que não estivessem diretamente atreladas à relação de emprego. Daí a remissão, no artigo 195 da Constituição, a contribuições sobre faturamento e lucro. Independentemente da quantidade de empregados formalmente registrados, e de quanto pagasse a eles, a empresa seria contribuinte da seguridade social sobre tais bases.

Perceba-se que a Constituição, conquanto aponte, em diversos dispositivos, a necessidade de se valorizar o trabalho humano, foi feita em uma época em que inteligência artificial, robôs e algoritmos estavam presentes apenas nos livros, fossem eles de entusiastas da tecnologia, ou autores de ficção científica. E mesmo assim previa o caminho para se buscarem fontes alternativas de custeio para a seguridade, não vinculadas à relação de emprego.

O problema foi que as contribuições sobre o faturamento, e o lucro, tiveram como sujeito ativo a União, não a Seguridade Social, à revelia do que dispunham os artigos 165, §5.º, III, 194 e 195, da CF/88, destinando-se à conta única do Tesouro Nacional. O Supremo Tribunal Federal, diante disso, foi altamente complacente. Não só afirmou que não haveria invalidade, desde que os recursos fossem legalmente prometidos à seguridade (RE 138.284), como depois reconheceu que o desvio para aplicação em finalidades outras não invalidaria a cobrança, e não daria ao sujeito passivo o direito de questioná-la (RE 566.007).

Foi a deixa para que as referidas contribuições se transformassem, na prática, em impostos (clique aqui), e o problema da diminuição da pressão tributária sobre a folha de salários, no que tange ao custeio da Previdência Social, continuasse. A folha continuou sendo, como era, a fonte precípua de financiamento desta.

 Daí dizer-se, no título deste artigo, que o tema não é novo.

 Mas é, paradoxalmente, cada vez mais atual, porque, além de a Constituição determinar a valorização do trabalho humano, desde 1988, houve uma alteração no cenário fático, ou social, que torna hoje a questão mais sensível: o avanço tecnológico, notadamente com o desenvolvimento da inteligência artificial, que saiu do inverno em que se encontrava na época em que o texto constitucional foi promulgado.

Atualmente, fala-se no risco duplicado para regimes de previdência, pois a inteligência artificial pode reduzir a base tributável dos sistemas de seguridade, na medida em que pessoas são substituídas por máquinas, deixando de receber salários que servem de base para as contribuições de previdência, e passando, como desempregadas, a depender de tais sistemas. Quanto mais avança a IA e o seu uso, mais diminuem as receitas, e aumentam as despesas, dos regimes de previdência, cenário que reclama mudança drástica na forma como se busca seu financiamento.

 O universo das empresas de tenologia, hoje, revela agentes econômicos dotados de elevado faturamento, e grande lucratividade, mas que empregam poucas pessoas. Não se pode comparar, por exemplo, as maiores e mais ricas empresas da atualidade, e as de cinquenta ou cem anos atrás, no que tange à relação entre o que lucram e faturam, e a quantidade de empregados que remuneram.

Nesse contexto, se não é o caso ainda de se instituírem tributos sobre o uso ou emprego de agentes artificiais inteligentes (robot taxes), assunto que pode ficar para um outro texto, deve-se pelo menos diminuir o ônus sobre os que empregam pessoas de carne e osso, transferindo-o para bases alternativas, como a receita, algo que desde 1988 se permite. Quando os agentes econômicos percebem que a consequência de empregar pessoas e pegar-lhes salários dignos é uma incidência tributária elevada justamente por conta disso, talvez estejam a receber uma mensagem equivocada, mas muito clara, no sentido de que melhor seria se pagassem salários diminutos, não registrassem seus empregados, ou, pior, que os substituíssem por algoritmos, que não dormem, não cansam, não ficam doentes, e não ensejam a incidência de contribuições sociais

Fonte: ConJur

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