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CLÁSSICOS FORENSE

PARECERES E JURISPRUDÊNCIA

REVISTA FORENSE

TRIBUTÁRIO

As classificações teóricas da receita pública

BILAC PINTO

CLASSIFICAÇÕES TEÓRICAS

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 144

Revista Forense

Revista Forense

14/10/2021

NOVEMBRO-DEZEMBRO DE 1952
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto

Abreviaturas e siglas usadas
Conheça outras obras da Editora Forense

Capa revista forense 144

CRÔNICA

DOUTRINA

PARECERES

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • As classificações teóricas da receita pública – Bilac Pinto
  • Responsabilidade do proprietário em face do direito de construir e das obrigações oriundas da vizinhança – João Procópio de Carvalho
  • Delitos do automóvel – Lourival Vilela Viana
  • Aposentadoria de funcionário públicos – Dario Pessoa
  • Caducidade de marcas de indústria e comércio – Aloísio Lopes Pontes
  • O segredo profissional e suas limitações – Hugo de Meira Lima
  • Segrêdo – Segrêdo profissional – Segredo de correspondência – João de Oliveira Filho
  • Meios e processos de pesquisa na moderna perícia de documentos – José Del Picchia Filho
  • Reconhecimento de firmas, letras e de sinais públicos – Otávio Uchoa da Veiga
  • Homenagem ao Desembargador Abel Sauerbronn de Azevedo Magalhães – Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

  • Jurisprudência Civil e Comercial
  • Jurisprudência Criminal
  • Jurisprudência do Trabalho

LEGISLAÇÃO

Sobre o autor

Bilac Pinto, professor da Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil.

As classificações teóricas da receita pública

A receita pública tomada em bloco, como um todo, não poderia ser ùtilmente estudada pelos financistas e juristas.

As múltiplas modalidades de receita sòmente podem ser analisadas e conhecidas mediante um processo de diversificação.

Sem a ajuda das classificações não se poderia interpretar e compreender a receita pública, no que concerne às partes de que se compõe e às relações que entre si mantêm as várias espécies de rendas do Estado.

Essa a razão pela qual os grandes mestres de finanças usam as classificações e as análises como técnicas de pensamento e de expressão.

As classificações não são um fim em si mesmas, mas, apenas, um modo ou método de pensamento.

O Prof. EDWIN SELIGMAN, na introdução à sua famosa classificação das receitas públicas, evidencia a importância dêsse método lógico, com as seguintes palavras:

“A classificação não é, certamente, de importância primordial, pois que o fundo é sempre mais essencial do que a forma.

“Uma classificação correta, porém, é útil, sob vários aspectos: requer criticismo lógico e análise rigorosa, e dêste modo vale como um test de vigor intelectual; conduz à definição precisa e evita o relaxamento de expressão e a confusão de pensamento; pode ter importantes resultados práticos, decidindo questões de fato e atribuindo valores definidos às categorias duvidosas; revela contrastes e semelhanças e, pela eliminação ou combinação do que é comum, sugere, muitas vêzes, uma concepção mais clara da matéria.

“Em verdade, uma classificação correta é uma condição essencial de todo progresso científico” (EDWIN SELIGMAN, “Essays in Taxation”, Macmillan, 1931, pág. 399).

O valor lógico das classificações

A classificação é um modo ou um processo de conhecimento, um meio de identificar a unidade de certo conceito e as relações entre várias espécies de conceitos; é o reconhecimento da unidade da multiplicidade e é afinal a ordenação dos conceitos, de acôrdo com as suas similaridades e diferenças, em classes e subclasses ou em gêneros e espécies.

Sendo a classificação um método científico para o conhecimento e a análise diversificadora dos conceitos, constitui uma atividade essencialmente intelectual, cujos resultados estarão sempre condicionados à rigorosa observância das “exigências da lógica interna, como a coesão, a harmonia e a adaptação das suas diversas partes entre si”.

A correção lógica, a coesão e a harmonia de uma classificação dar-lhe-ão, sem dúvida, indiscutível valor lógico, mas não devemos olvidar que a relatividade é da natureza intrínseca das classificações.

Uma classificação das receitas públicas brasileiras que visasse sistematizar e dividir as várias modalidades de receita, desde a fase colonial até hoje, seria, sem dúvida, valiosíssima para o conhecimento histórico dos vários tipos de tributos e receitas, mas seria certamente imprópria e inadequada para o estudo exclusivo das categorias fiscais e financeiras contemporâneas.

Na conhecida polêmica travada entre o Prof. BASTABLE e o Prof. PLEHN acêrca das críticas do primeiro à classificação de SELIGMAN, o eminente professor da Universidade de Dublin, replicando ao Professar PLEHN, evidencia o valor relativo das classificações com estas palavras:

“Depois de pensar maduramente sôbre o assunto, insistimos no caráter essencialmente relativo das classificações.

“Nenhum sistema é, em si mesmo, absolutamente bom ou mau; cada um deve ser julgado pela sua adequação aos fins para que é empregado”.

“Assim êle (Prof. PLEHN) parece incapaz de compreender que o princípio da classificação é relativo à matéria em vista; que uma sistematização própria para um fim pode ser imprópria para um fim diferente.

“Isto, porém, é um lugar comum para os logicistas; esta é uma noção familiar, pela prática, aos estudantes de ciências naturais e deve ser igualmente familiar aos investigadores da vida social” (C. F. BASTABLE, “Public Finance”, 3ª ed., Macmillan, 1932, pág. 167).

O valor das classificações, além de ser relativo, é também puramente formal.

A verdade lógica não tem uma relação necessária de conformidade com a realidade histórica ou científica dos fenômenos, consistindo apenas no caráter de uma conclusão estar implicitamente contida nas premissas de um raciocínio.

São muito esclarecedoras, a respeito, as seguintes palavras de ERNEST ROGUIN:

“O caráter geral, e para nós essencial, da lógica dedutiva é que, em principio, ela não se ocupa absolutamente da conformidade dos nossos julgamentos com a realidade histórica ou científica dos fenômenos, mas sòmente do acôrdo dêsses julgamentos entre si; a lógica é formal por natureza e sòmente quando, acidentalmente, as premissas de um silogismo são verdades históricas ou científicas é que a conclusão terá o mesmo caráter.

“A lógica dedutiva não trata, em princípio, senão do acôrdo de nosso pensamento com êle mesmo, e jamais do seu acôrdo com a natureza.

“A verdade lógica é, portanto, de um gênero muito particular” (ERNEST ROGUIN, “Sociologie” – Partie sur les différents activités intelectuelles, 1931, tomo 1, págs. 57-58).

A eficácia jurídica das classificações

O valor lógico e a eficácia jurídica de uma classificação não se confundem.

Uma classificação pode ser irrepreensível do ponto de vista lógico e inteiramente ineficaz do ponto de vista jurídico.

A verdade lógica não constitui necessàriamente uma verdade jurídica ou uma verdade histórica.

Existindo em cada país civilizado uma classificação constitucional, legal ou jurisprudencial das receitas públicas, que, não obstante seu caráter empírico e seus defeitos lógicos, está incorporada ao respectivo direito objetivo, as classificações teóricas que com ela não coincidam são destituídas de eficácia jurídica.

Como utilizar as classificações teóricas nos trabalhos jurídicos

A ineficácia jurídica de uma classificação teórica das receitas públicas não quer dizer que ela seja imprestável para o trabalho doutrinário do jurista ou do financista.

O destino específico das classificações teóricas é o de constituírem um instrumento de estudo dos diversos fenômenos de receita e com essa finalidade os juristas e financistas devem mesmo conhecê-las a fundo, a fim de poderem utilizá-las com segurança e propriedade, para fins de especulação teórica, de debate e esclarecimento de conceitos.

Não havendo, senão acidentalmente, coincidência entre as classificações elaboradas pelos sábios e as classificações tradicionais da legislação financeira, em cada país, deve o jurista ou financista ser prudente e cauteloso na utilização dos conceitos teóricos para a caracterização das categorias fiscais concretas, sob pena de incidir em erros mais ou menos graves.

Alguns autores de classificações teóricas são os primeiros a advertir seus leitores e discípulos dos riscos da confusão entre estas e as classificações tradicionais da legislação financeira.

Assim é que o Prof. GRIZIOTTI, depois de expor longamente sua excelente classificação teórica das receitas públicas, declara que, na exposição do ordenamento financeiro italiano, prescindirá da sua própria classificação para acompanhar a tradicional da legislação financeira (BENVENUTO GRIZIOTTI, “Primi Elementi di Scienza della Finanza”, 2ª ed., Editrice Giuseppe Principato, Milão, 1946, pág. 72).

Outro eminente mestre italiano, – Professor LUIGI EINAUDI, – é ainda mais preciso e exato no prevenir os seus leitores contra os azares da confusão, ensinando-lhes o processo puramente mental de utilização das classificações teóricas e alertando-os para que não confundam a denominação teórica com a denominação legislativa.

“O estudioso encontrando-se em seguida em frente dos institutos concretos da nossa legislação, denominados: taxas, direitos, impostos, monopólios ou proventos, cuidará de classificá-los mentalmente, de acordo com a classificação teórica aqui delineada ou com outra, não confundindo, porém, a denominação teórica coma legislativa.

“Esta, tendo surgido de circunstâncias históricas e devendo adaptar-se à infinita variedade dos casos concretos é, necessàriamente, empírica e sem rigor lógico.

“Aquela, sendo fruto de meditação, pode aspirar à simplicidade.

“Observe-se, porém, que toda classificação é arbitrária e que não se deve exagerar a sua importância a ponto de considerá-la mais do que um útil instrumento de estudo e de classificação” (LUIGI EINAUDI, “Principi di Scienza della Finanza”, 4ª ed., Giuili Einaudi, 1948, págs. 9 e 10).

Êste estudo preliminar a respeito das classificações teóricas da receita pública, no que concerne ao seu valor lógico, à sua eficácia e à técnica de sua utilização pelos juristas e financistas, vale por uma introdução ao estudo comparativo, que passaremos a fazer, das classificações de SELIGMAN, de EINAUDI e da classificação legal brasileira.

Classificação de Seligman

SELIGMAN deve o êxito da sua famosa classificação das receitas públicas ao critério essencialmente econômico que tomou como base da classificação das rendas do Estado, combinando os diferentes graus do interêsse público com a diversa intensidade de interêsse privado e extraindo de cinco pontos de incidência dêsses interêsses contraditórios as cinco modalidades de receita pública.

Para os outros tipos de receita foi também SELIGMAN muito feliz, por ter desprezado as modalidades obsoletas de receita e por ter associado os elementos de voluntariedade, os econômicos e os jurídicos, como podemos perceber do capítulo em que resume e dá as conclusões da sua classificação, que passamos a ler:

Para resumir a discussão precedente, concluímos que nas atuais condições tôdas as rendas públicas ou são contribuições gratuitas, ou contratuais ou obrigatórias, e que estas últimas são percebidas em virtude do poder de desapropriação, do poder penai (seja como poder separado, seja como parte importante, do ponto de vista fiscal, do poder de polícia) ou do poder fiscal; e, enfim, que o poder fiscal se manifesta sob três formas: taxas, contribuições de melhoria e impostos.

No que concerne às remunerações conhecidas como preço, é indubitável que devemos fazer figurar os preços-quase-privados entre os pagamentos contratuais, mas os preços-públicos – remunerações sob certas condições, por emprêsas industriais ocupam uma posição intermediária e devem ser qualificados como semi-obrigatórios.

Se o govêrno dirige uma emprêsa precisamente como um indivíduo, o preço é virtualmente um pagamento contratual, mas, se o govêrno faz com que tôda a comunidade ou parte dela pague, será um pagamento obrigatório; mas, se o govêrno recorre ao princípio misto ou intermediário de remuneração, o pagamento não será nem inteiramente contratual nem totalmente obrigatório, mas conterá ambos os elementos.

A classificação será, assim, a seguinte:

Mas, se a verdadeira distinção é, como sugerimos, a relação econômica do indivíduo para com o govêrno, a classificação das receitas dependerá da importância do interêsse individual mensurável pela vantagem particular do indivíduo, comparado com o interesse comum ou com a utilidade pública, medido pela capacidade tributária do indivíduo.

No primeiro caso, o indivíduo é o fator principal ou único; no segundo, anula sua própria importância no interêsse comum da coletividade, e todos os benefícios que recebe não lhe advêm senão acidentalmente, em razão de sua qualidade de membro da coletividade.

Em uma das extremidades encontram-se os preços que dependem das relações do govêrno com alguma indústria ou algum indivíduo tomado em particular; na outra, encontram-se os impostos que dependem das relações do govêrno com tôdas as indústrias ou indivíduos; entre êsses extremos estão as taxas.

Segundo êsse modo de ver, se omitirmos, como sendo destituídas de importância, as expropriações e as multas, não restam senão três grandes classes, a saber: os preços, as taxas e os impostos.

A característica essencial de uma taxa é a existência de uma vantagem, associada a um interêsse público predominante; a ausência de interêsse público torna o pagamento um preço, e a ausência de uma vantagem particular torna-o um impôsto.

Como êsses elementos se apresentam com intensidade variável nos diferentes pagamentos, essas categorias se insinuam, recìprocamente, umas nas outras; de modo mais ou menos imperceptível, e formam classes intermediárias, que têm grande importância prática.

Assim, o preço-público tem certos elementos do preço e certos elementos da taxa, mas tem importância suficiente para justificar a sua classificação em categoria distinta.

Por outro lado, como vimos, a contribuição de melhoria, apesar de apresentar numerosos pontos comuns com a taxa, tem sentido particular bem nítido.

Nossa classificação final será, pois, a seguinte:

Gratuitas………………………………………………………………..Liberalidades

Contratuais

Propriedade Pública

e

Indústrias do Estado

Preços

Obrigatórias

Poder de Desapropriação – Desapropriação
Poder PenalMultas e Penalidades

Poder Fiscal

Taxas

Contribuições de melhoria

Impostos

A classificação precedente dará em resultado as seguintes definições:

1º) O preço-quase-privado é o pagamento voluntário efetuado pelo indivíduo por um serviço ou um bem vendido pelo govêrno tal como se fôsse uma pessoa privada.

2º) O preço-público é o pagamento efetuado pelo indivíduo por um serviço ou um bem vendido pelo govêrno, tendo em vista, sobretudo, uma vantagem particular sua, mas, em segundo lugar, no interêsse da comunidade.

3°) A taxa é o pagamento que se destina a cobrir o custo de cada serviço periódico, empreendido pelo govêmo principalmente no interêsse público, mas conferindo ao contribuinte uma vantagem particular mensurável.

4º) A contribuição de melhoria é o pagamento efetuado, uma vez por tôdas, para cobrir o custo de um melhoramento, específico para a propriedade, empreendido no interêsse público; ela é arrecadada pelo governo na proporção do benefício particular auferido pelo proprietário.

5°) O impôsto é a contribuição obrigatória do indivíduo para o govêrno, destinada a cobrir as despesas feitas no interesse comum, sem ter em conta as vantagens particulares obtidas pelos contribuintes.

Classificação de Einaudi

A classificação de EINAUDI muito se assemelha à de SELIGMAN, que lhe é anterior.

O mestre italiano funda sua classificação no duplo critério das necessidades públicas e nos meios de satisfazê-las, mas não desenvolve, com a extensão que seria de desejar, a sua justificação, o que o obriga a secundar as conceituações de cada uma das modalidades de receita com um exemplo. A classificação de EINAUDI é a seguinte:

1.Vantagem particular como consideração exclusiva.

Interêsse público acidental.Preço-quase-privado.
2.Vantagem particular menor, mas ainda preponderante.

Interêsse público de alguma importância.Preço-público.
3.Vantagem particular mensurável.

Interêsse público de importância maior.Taxa.
4.Vantagem particular de alguma importância.

Interêsse público como consideração preponderante.Contribuição de melhoria.
5.Vantagem particular como resultado puramente acidental.Interêsse público como consideração exclusiva: princípio das faculdades ou da capacidade.

Impôsto.

Não tendo tido EINAUDI o propósito de definir os diversos tipos de receita, procuramos extrair as definições que aqui damos do conjunto da sua obra, fazendo-as seguir dos exemplos por êle fornecidos.

Definições e exemplos da classificação de Einaudi

Preço-quase-privado – É aquêle que o Estado estabelece de acôrdo com as leis de preços da economia privada, mas visando, secundàriamente, a um fim público.

Exemplo: Tem-se o preço-quase-privado quando, v. g., os indivíduos provêm, através do Estado, a satisfação da sua própria necessidade de aquecer-se por meio de lenha. Trata-se de uma necessidade privada. Os indivíduos, porém, confiam, muitas vêzes, ao Estado a tarefa de produzir lenha e de vendê-la ao preço do mercado, com um fim público incidental, que é a conservação das florestas.

Preço-público – É aquêle que o Estado estabelece para remuneração de certos serviços seus, individualizáveis e divisíveis, que não devem constituir objeto de exploração particular, mediante critérios que tornem os seus preços sempre mais baixos que os da economia privada.

Exemplo: Tem-se o preço-público quando os indivíduos provêm, por meio de uma estrada de ferro do Estado, à satisfação da sua necessidade individualizável e divisível de viajar ou expedir mercadorias.

Trata-se de necessidade privada, que os indivíduos, porém, não desejam satisfazer por meio de uma emprêsa privada, a qual estabeleceria preços privados, que seriam muito altos, visto que de monopólio.

Fazendo gerir a emprêsa pelo Estado, os indivíduos obtêm ou esperam obter um preço-público mais baixo.

Dá-se-lhe o nome de preço-público para tornar claro que, sendo embora um verdadeiro preço, “suficiente” para cobrir o custo total do serviço, é estabelecido mediante critérios públicos.

Preço-político – É aquêle que o Estado estabelece como compensação inferior ao custo total de serviço especial e divisível prestado ao contribuinte, mediante solicitação, mas contemporâneamente à satisfação de necessidades indivisíveis da coletividade.

Exemplo: Tem-se o preço-político suando, v. g., os indivíduos provêm, mediante solicitação, não apenas à satisfação das suas necessidades individualizáveis e divisíveis de viajar ou de expedir mercadorias, mas também a outra necessidade comum a todos, indivisível em cotas-partes para cada indivíduo, de defender o território nacional, com rápida mobilização.

Dá-se o nome de preço-político a êste pagamento, que é da mesma natureza do preço-público, com o objetivo de tornar claro que, ao lado, de um custo de serviço divisível, existe um outro custo indivisível, o qual será coberto pelo impôsto. Adota-se o adjetivo político para assinalar a circunstância de que, pôr motivos de ordem pública, o Estado, como ente político, considera oportuno que o preço a ser pago pelos usuários não seja suficiente para cobrir o custo integral.

A parte residual do custo, não coberta pelo preço-político, será preenchida pelo impôsto.

Contribuição – É a compensação obrigatòriamente paga ao ente público por ocasião da execução de obra pública que proporciona vantagens particulares aos proprietários de bens imóveis.

Exemplo: Tem-se a contribuição quando os indivíduos provêm, em primeiro lugar, à satisfação de uma necessidade comum todos e indivisível, tal como a construção de uma estrada, mas que, secundàriamente, satisfazem ainda a necessidades particulares, individualizáveis, divisíveis entre cada um dos que, por meio da estrada, obtêm fácil acesso à sua casa ou ao seu sítio, os quais são chamados a pagar uma contribuição à despesa, que é, predominantemente, de utilidade geral.

A contribuição é obrigatória, visto que de outro modo os particulares esperarão que a estrada seja feita no interêsse comum e dela se servirão para alcançar sua propriedade, sem nada pagar.

Impôsto – É o pagamento obrigatório, decretado pelo Estado, para fazer face à parte indivisível do custo dos serviços públicos.

Exemplo: Tem-se o impôsto quando a receita pública visa satisfazer necessidades indivisíveis, comuns a todos, como, por exemplo, a defesa nacional.

Não se conhecendo, em tais casos, quais as vantagens proporcionadas individualmente aos contribuintes, reparte-se, entre todos, o seu custo, mediante critérios específicos e apropriados.

O impôsto é obrigatório, porque, de outro modo, todos prefeririam gozar dos serviços indivisíveis, sem nada pagar.

Classificação Legal Brasileira

Ainda não se empreendeu, no Brasil, a elaboração de uma classificação da totalidade da receita pública, tendo algumas leis apenas estabelecido a das rendas tributárias.

Com os elementos fornecidos por dispositivos constitucionais e legais vigentes, será possível, entretanto, bosquejar uma classificação que cubra tôdas as modalidades de receita ordinária.

O resultado que obtemos, mediante a conjugação daqueles dados do direito objetivo, é o seguinte:

Receita Pública

Preço-quase-privado

Preço-público

Preço-político

Contribuição

Impôsto

A classificação legal brasileira se aproxima, em certa medida, como se vê, das de SELIGMAN e EINAUDI; delas se distinguindo principalmente porque não contempla o preço-público como categoria autônoma de receita.

Quanto ao mais, como que coincidem as três classificações, variando apenas os termos técnicos adotados para designar certas espécies de receita.

Assim é que o preço-quase-privado de SELIGMAN e EINAUDI corresponde aproximadamente à Renda prevista no art. 30, inciso III, da Constituição federal.

A propósito convém lembrar que o ilustre financista Prof. ALIOMAR BALEEIRO, quando da elaboração da Constituição de 46, propôs, embora sem êxito, fôsse adotada a designação de preço para essas receitas (Comissão de Constituição (publicação nº 10) – Segunda Subcomissão – Relatório da Subcomissão de Discriminação de Rendas, página 31).

O preço-político, denominação lançada por EINAUDI, nada mais ë do que a taxa das classificações de SELIGMAN e da legal brasileira.

Na edição do seu “Corso” de 1926, o Professor LUIGI EINAUDI usava ainda da designação taxa, que nas posteriores edições dos seus “Principi di Scienza della Finanza”, de 1932, 1940 e 1948, passou a substituir por preço-político, mantendo integralmente a antiga conceituação.

A modificação, como se vê, foi puramente terminológica, justificando-a o seu autor com as seguintes palavras: “Na classificação ora exposta, não entra a categoria da taxa, a qual foi excluída porque, no plano teórico, seria causa de confusão”.

Na linguagem administrativa e legislativa italiana o vocábulo taxa é usado para indicar institutos diferentíssimos uns dos outros, tais como o impôsto, o preço público, o preço político e a contribuição.

Em outros países, como nos de língua inglêsa, êle significa sempre o conceito para o qual na Itália se usa a palavra impôsto.

Pareceu-nos por isso conveniente que, no plano teórico, cada instituto fôsse designado por uma palavra específica, que se prestasse no menor grau possível a equívocos (LUIGI EINAUDI, ob. cit., pág. 9).

A classificação legal por nós formulada, embora não seja adotada na elaboração orçamentária federal, onde a obediência a velhas tradições faz com que sejam agrupados ilógica e irracionalmente os diversos grupos de receitas (Proposta Orçamentária para 1944 – Relatório – 1º vol., págs. 11 e 13), fornece ao jurista uma base segura para a caracterização jurídica de cada uma das modalidades ou espécies de receita pública.

O cotejo entre a classificação legal brasileira com as de SELIGMAN e EINAUDI mostrará que, mau grado as diferenciações conceituais de cada uma das espécies de receita, que decorrem dos diversos critérios orientadores adotados, – elas mais ou menos coincidem, salvo no que se refere ao preço-público, que não figura na nossa classificação legal, e no que toca às contribuições parafiscais, como, por exemplo, as destinadas aos diversos institutos de previdência social e as que são pagas ao SESI, SENAI, SESC, SENAC e à LBA, as quais, por sua vez, não figuram nas classificações dos dois eminentes mestres.

Sendo a classificação um processo lógico de diferenciação, quando duas classificações que se propõem a diversificar o mesmo material, concluem diferentemente, dividindo-o uma em cinco espécies e outra em quatro, é inquestionável que a quinta espécie da classificação maior estará necessàriamente incluída em uma ou mais das categorias da classificação menor.

Assim sendo, vamos procurar demonstrar que a categoria do preço-público de SELIGMAN e EINAUDI está incluída em uma das espécies de receita da classificação legal brasileira.

Atentos à lição de SELIGMAN de que “o preço-público contém certos elementos do preço e certos elementos da taxa”, podemos desde logo reduzir o campo da nossa análise comparativa às receitas patrimoniais e industriais e às taxas, pois que o preço-público é uma categoria que deve estar necessàriamente incluída, total ou parcialmente, nos dois referidos tipos de receita.

Como estamos cotejando classificações de fundo econômico (SELIGMAN e EINAUDI) com uma classificação legal, o critério de que devemos lançar mão para situar nesta última a categoria do preço-público terá que ser eminentemente jurídico e consistirá em se apurar se no preço-público considerado existe ou inexiste em qualquer grau o elemento jurídico da coerção:

Essa coerção, no preço-público, é geralmente indireta, decorrendo quase sempre das vantagens monopolísticas que o Estado se assegura na execução de certos serviços.

Vejamos agora como podemos relacionar as contribuições parafiscais com a classificação de SELIGMAN.

Como “contribuição” SELIGMAN sòmente incluiu, na sua classificação, o special assessment, que corresponde à contribuição de melhoria.

Se quisermos, portanto, conceituar à luz da sua classificação as contribuições parafiscais brasileiras, tais como as que são pagas às diversas instituições de previdência social, bem como ao SESI, SENAI, SESC, SENAC e LBA, teremos, por exclusão, que examinar cada uma delas em cotejo com as definições do impôsto e da taxa formuladas pelo saudoso mestre americano.

Com êstes exemplos, com os quais procuramos apenas demonstrar a técnica da utilização das classificações e atendendo ao adiantado da hora, damos por finda a nova preleção.

Durante a aula, foi travado o seguinte debate

Prof. Bilac Pinto: Chamo a atenção elos senhores para que acompanhem a leitura desta segunda classificação de EINAUDI tendo em vista êste gráfico. (Mostra o gráfico no quadro.) O gráfico representa exatamente a classificação de SELIGMAN.

Poderíamos trazer a debate outras classificações, como, por exemplo, a tradicional classificação alemã das receitas, que as divide em receitas de economia privada e de economia pública, ou a classificação de JÈZE, que empresta, precisamente, ao critério da coerção da receita o caráter de elemento definidor das suas várias modalidades. Mas, para o objetivo que temos em vista, que é de instruir os alunos na técnica da utilização das classificações, essas duas – a de SELIGMAN e a de EINAUDI – nos bastam. Peço aos senhores que vejam, nas fôlhas mimeografadas, as definições de SELIGMAN e EINAUDI e que observem ainda a diferente conceituação que dão êsses autores, às vêzes, a modalidades fiscais que têm o mesmo nome. Êsse fato demonstra a diversa utilização de designações. Os senhores, assim procedendo, vão ver que, enquanto SELIGMAN fala em taxa, EINAUDI fala em preço. Por que? Qual a razão do professor italiano preferir essa denominação? Mais ainda, a classificação de SELIGMAN, sob outros aspectos, quase que coincide com a de EINAUDI. Em primeiro lugar vamos cuidar dessa semelhança entre as duas classificações. A classificação do Prof. EINAUDI é como que uma adaptação da de SELIGMAN. Elas são, em suas linhas gerais, quase idênticas. A do Prof. SELIGMAN tomou como critério fundamental a relação que estabelece entre a vantagem particular e o interêsse público, com o rigor que puderam observar e que nos permitiu formular a sua representação gráfica. Ao passo que a do Prof. EINAUDI, tendo abandonado êsse critério, não pode ser representada gràficamente. Ela é incerta, insegura. Reparem na conceituação do preço-político. (Mostra o gráfico cotejando-o com a definição constante do avulso mimeografado.)

De acôrdo com essa definição, quando a remuneração total de um serviço público é estabelecida em base tal que não baste para pagar as despesas respectivas, teremos um preço-político, isto é, um preço que o Estado estabelece intencionalmente abaixo do custo.

Ora, preço-público é o daquele serviço que o Estado estabelece, quando não o quer deixar em mãos da emprêsa privada, porque a preço privado seria muito alto. O Estado pretende um preço razoável, que cubra o custo, isto é, que não seja nunca abaixo do custo, mas que seja razoável.

Êste critério de custo torna esta classificação de difícil utilização. Para maior clareza, vamos apresentar um exemplo: A Estrada de Ferro Central do Brasil fixou as suas tarifas na base do chamado preço-público, isto é, elas asseguram a cobertura total das despesas e remuneram o capital. Se tôdas as tarifas fôssem organizadas nessa base, não haveria qualquer dificuldade, porque seriam usadas em tôdas as modalidades de transportes de mercadorias e passageiros. Neste caso, tratar-se-ia de um preço-público. Mas, se apresentasse um indivíduo que, por lei ou pelo regulamento da Estrada, gozasse de uma redução, e pagasse a passagem ou o frete com diferença, diferença essa correspondente à metade do custo de transporte, teríamos, neste caso, um preço-político.

Prof. Aliomar Baleeiro: Acho que há uma falha em todos êsses esquemas de classificação, inclusive nos de SELIGMAN e EINAUDI. Existe sempre uma zona fronteiriça entre preços e taxas, difícil de definir em cada caso concreto. Poder-se-á dizer, talvez, com JÈZE, que preços se referem a explorações industriais e comerciais também compatíveis com a atividade de emprêsas privadas de serviços de utilidade pública, ao passo que taxas corresponderiam aos serviços específicos do Estado – atos de autoridade, enfim.

Não me parece impossível uma adaptação da classificação de SELIGMAN ao esquema clássico alemão, que divide as receitas em: a) de economia pública; b) de economia privada. Os preços se enquadrariam nesta última, como receitas originárias, por oposição às receitas derivadas, isto é, tributos.

Prof. Bilac Pinto: A observação do Professor ALIOMAR BALEEIRO, relativa à zona fronteiriça, é exata. SELIGMAN procurou reduzi-la quando incluiu na classificação tradicional as categorias intermediárias. Entre a taxa e o impôsto criou o special assessment, entre o preço-quase-privado e a taxa criou o preço-público. A conclusão é, segundo meu parecer, a de que a classificação de SELIGMAN é a que mais de perto atende à conceituação teórica dos diferentes tipos de receitas. Continuando a crítica que estava fazendo a EINAUDI, devemos notar que êle não parte dos mesmos princípios adotados por SELIGMAN; não toma em consideração o interêsse público, em contraste com o interêsse privado, para dai extrair, em certo ponto da convergência dêsses dois interêsses, as modalidades de receita. EINAUDI adota como um dos critérios centrais o custo do serviço público: ou êle é coberto integralmente pela receita, e teremos o preço-público, ou a receita é insuficiente para cobrir o custo, e então estaremos diante do preço-político. Quando a receita é insuficiente, a diferença será coberta pelo impôsto. Êsse critério, baseado no custo, é que me parece inadequado para a classificação. Vamos voltar àquele exemplo que citei: quando o indivíduo paga a passagem normal, está pagando o preço-público. O estudante que tem 50% de abatimento, quando paga sua passagem, está realizando um preço-político. O critério de custo é que leva à situação de não se poder, desde logo, identificar a natureza da receita. Sob outros aspectos, as duas classificações quase que coincidem, notadamente quanto ao impôsto e ao preço-quase-privado, havendo, com relação ao preço-público e ao preço-político, a apontada divergência.

Prof. Aliomar Baleeiro: O senhor poderia explicar-me se admite uma classificação mais simples? (O Prof. BALEEIRO traça no quadro uma outra classificação.) (Copiar o quadro.)

Ainda não vi uma crítica séria a essa classificação, baseada na obrigatoriedade ou na faculdade das receitas. Assim, os tributos, que são os impostos, a contribuição de melhoria e as taxas, seriam receitas obrigatórias; enquanto os preços seriam facultativos e se dividiriam, então, em preço-público, preços-políticos e preços-quase-privados.

Prof. Alberto Deodato: Sugere que se distribua: preço-público, preço-político e preço-quase-privado.

Prof. Bilac Pinto: Não vou fazer objeção ao Prol. ALBERTO DEODATO. Esclareço, apenas, o seguinte: a classificação do Prof. SELIGMAN atende ao seu ponto de vista.

Chamo a atenção do Prof. BALEEIRO para a classificação inicial de SELIGMAN. Nela, faz êle uma primeira divisão das`receitas em três tipos: gratuitas, contratuais e obrigatórias.

As gratuitas são as de liberalidade, as contratuais são os preços, exatamente de acôrdo com o pensamento do Prof. BALEEIRO, e as obrigatórias são a taxa, contribuição de melhoria e impôsto. Êle parte, justamente, dêste estudo preliminar em que a obrigatoriedade é tomada em consideração, e, seguindo adiante, examina as receitas decorrentes do poder de desapropriação, do poder penal.

Prof. Aliomar Baleeiro: Explica, na pedra, a sua classificação, mostrando e justificando as suas razões.

Prof. Bilac Pinto: Passarei depois a estudar a sugestão do Prol. ALIOMAR BALEEIRO. Como vêem, o Prof. SELIGMAN não foi estranho à questão da obrigatoriedade ou não, e tanto é assim que, na primeira etapa do seu trabalho, adotou êsse critério de classificação; considerando-o, porém, insuficiente, ao verificar que, entre o preço e a taxa, havia uma categoria indecisa, que não era nem taxa nem preço, sugeriu o preço-público para atender a uma modalidade de receita que tinha algumas características da taxa e outras do preço, parecendo-lhe semi-obrigatória. Entre a taxa e o impôsto, encontrou também uma categoria que não podia ficar bem, nem como impôsto, nem como taxa – e daí ter lançado a contribuição de melhoria, como modalidade autônoma. Considero, por isso, que a objeção do Prof. ALBERTO DEODATO foi respondida pelo Prof. SELIGMAN na parte inicial dessa classificação. Se quiser classificar apenas pelo grau de obrigatoriedade temos a primeira parte.

Agora, vamos passar a examinar a classificação do Prof. ALIOMAR BALEEIRO, que é uma fusão da alemã com a de SELIGMAN. Ela vale em si mesma. Quando se critica uma classificação, a única crítica útil que se pode fazer é a respeito dos seus defeitos lógicos. Cada qual pode fazer uma classificação; desde que seja lògicamente perfeita, será utilizável na medida em que sirva em matéria financeira.

Prof. Aliomar Baleeiro: Pode-se incluir aqui (apontando para o quadro) a prescrição, indenização de guerra, bens de evento, legados, doações, etc.

Prof. Bilac Pinto: Vamos esclarecer primeiro a classificação. Quando usei a expressão receita privada foi para indicar tudo que o Estado recebe como particular.

Prof. Aliomar Baleeiro: Aí entram certos serviços que são pedidos, ou não, pelo contribuinte. Há várias hipóteses para prestação de um serviço público de interêsse geral, mas que é aproveitada individualmente por alguém. A taxa compensatória é o caso do indivíduo que fica numa situação privilegiada (isento do serviço militar, por exemplo). Escapa a um sacrifício a que todos os demais se prestam; ainda há a despesa de certos casos que o indivíduo provoca, pela sua atividade.

Aparte de aluno: E a isenção que não atinge as condições…

Prof. Aliomar Baleeiro: Há a taxa compensatória. O indivíduo, aí, não faz o serviço militar porque é considerado deficiente. Êle sendo deficiente, ou, às vêzes, sendo arrimo de mãe e de parentes, não presta serviço militar. Escapa ao sacrifício, mas paga uma taxa correspondente à vantagem que disso lhe adveio. Vejamos quando o indivíduo provoca, por sua atividade, uma despesa especial: se tnho automóvel, por exemplo, provoco serviços específicos, como os de serviço de trânsito, etc., não só no meu interêsse, mas para segurança e bem-estar dos outros cidadãos.

Prof. Bilac Pinto (continuando): Como, tôda classificação o que precisa é ter uma harmonia lógica, aqui, por exemplo, nessa categoria das receitas originárias, perguntaria ao Prof. ALIOMAR BALEEIRO por que estabeleceu três tipos de preços?

Porque (mostrando), se há um grau de coerção, como, por exemplo, no preço-público, a entrada é semi-obrigatória e não deve estar na mesma chave do preço facultativo; compreendo a dificuldade de se pôr o preço-público numa chave ou noutra, mas se o Prof. ALIOMAR BALEEIRO o pôs aqui, não, deve haver coerção.

(Analisando a tabela) – Aqui haveremos de considerar o preço resultante das condições de concorrência normal. Aqui, o preço de custo e aqui o preço abaixo do custo.

Prof. Aliomar Baleeiro: Permite uma explicação? Nunca achei uma solução para isso, de se estabelecer a barreira que separaria preço-político da taxa, pois acaba havendo uma intercessão. O caso do esgôto, por exemplo, qualquer emprêsa privada pode fornecê-lo e fornece. Mas há um interêsse público que provoca uma coerção.

Dr. Arizio de Viana: Como classificaria as rendas de capitais nacionais? Nas rendas originárias do Estado, dá a entender que há uma exploração do patrimônio público em quase concorrência com o particular.

Prof. Aliomar Baleeiro: Se o govêrno receber uma herança ou doação seriam Receitas de Direito Privado; quando houver receitas de emprêsas que o Estado criou, então eu poria em preços-quase-privados. É o caso das sociedades de economia mista.

Prof. Bilac Pinto: Há aí um problema de classificação orçamentária.

Dr. Arízio de Viana: A tendência da participação do Estado é comum. No Brasil temos a Companhia Siderúrgica e outras sociedades.

Se o Estado participa como acionista de uma sociedade privada, os dividendos de suas ações são, evidentemente, considerados rendimentos complementares da Receita Pública.

Prof. Bilac Pinto: No nosso orçamento como é?

Dr. Arízio de Viana: Entram como rendas de capitais.

Prof. Aliomar Baleeiro: Na proporção em que cedem as economias capitalistas às economias comunistas, vai desaparecendo o aspecto financeiro e ficando apenas o aspecto econômico.

À proporção que o Estado vai açambarcando a atividade econômica, não há mais fenômeno inanceiro.

Dr. Arízio de Viana: Quando há dois tipos opostos, não há dificuldade de classificação.

Prof. Aliomar Baleeiro: Nos orçamentos da Inglaterra, vão-se hipertrofiando as rendas das emprêsas que passam da economia particular para a pública. Há vários setores, na Inglaterra que passaram para o Estado: estradas de ferro, bancos, minas, etc.

Prof. Bilac Pinto: A observação do Dr. ARIZIO DE VIANA é um dado interessante para o nosso estudo, pois mostra a tendência, nos Estados modernos, para a presença de um tipo de renda que não foi presente a BELIGMAN.

Um economista liberal não poderia nunca imaginar êsse tipo de rendimento de dividendos do Estado como industrial, mas, como disse o Dr. ARÍZIO DE VIANA, é uma tendência pronunciada no Brasil e em outros países.

Isso revela, justamente, o valor relativo da classificação, classificação essa feita tendo em mente um determinado quadro de receitas.

A medida que o Estado evolui, que novas receitas surgem, verificamos que as classificações vão ficando obsoletas, porque nelas não têm lugar para certos tipos novos de receita. Essa importante observação vem documentar a afirmação que fizemos de início, a respeito da relatividade das classificações, e que elas só valem na medida em que são úteis para o estudo de um determinado quadro histórico em matéria de receitas públicas.

Mas a dúvida que eu queria propor ao Prof. ALIOMAR BALEEIRO não concerne a êste tipo, pois estou plenamente de acôrdo quanto ao preço-político.

Para o esclarecimento da dúvida a que me refiro, desejaria que S. Exª informasse quem pode estabelecer que determinado serviço prestado pelo Estado deve ser remunerado por impôsto, por taxa ou por preço?

Prof. Aliomar Baleeiro: Aí há um problema pràticamente político. O mesmo serviço pode ser remunerado pela taxa, pelo impôsto ou pelo preço-político. O órgão político é o competente para escolher quem deve pagar: o consumidor ou o povo todo. Posso determinar que a instrução primária seja paga por taxa: quem se inscreve paga Cr$ 50,00 por mês ou então paga o serviço o Estado; é o critério político. Se perguntássemos ao homem rico quem devia pagar êle diria: se é o menino que quer aprender a ler, o pai que pague. Se perguntarmos ao operário, êle dirá: o govêrno quer que êle arrenda, que pague o govêrno. Em todos fatos é um critério puramente político. Podemos resolver o problema dentro do critério técnico; digamos, na estrada de rodagem, dá-se o razoável se essa estrada, entre dois municípios, deve ser paga pelos que a utilizam. Temos o pedágio para isso. Na Itália, de tantos em tantos quilômetros, há sempre um sujeito cobrando o pedágio ou rodágio. Mas chega a certo ponto, quando a estrada tiver mais de mil carros trafegando por dia, será pràticamente impossível cobrar o pedágio, porque haverá o congestionamento inevitável para se poder cobrar os Cr$ 50,00. Pode-se adotar, não uma taxa, mas um impôsto sôbre o carro ou sôbre a gasolina. O impôsto único sôbre combustíveis é o meio técnico de substituir uma taxa por um impôsto. Seria impossível interromper o tráfego para cobrar o pedágio nas estradas de tráfego intenso.

Prof. Bilac Pinto: Já tiramos a limpo a nossa dúvida a respeito da escolha do tipo de remuneração do serviço público. Há sempre uma opção que só pode ser feita pelo Congresso e daí chegamos à seguinte conclusão: quando o legislador estabelece que certo serviço vai ser custeado por um preço-político, está implìcitamente decidindo o seu custeio parcial também pelo impôsto.

Portanto, se considerarmos que, na prestação daquele serviço, vai ser estabelecido pelo Congresso determinado preço, que não é o preço-quase-privado, pois que há uma remuneração inferior ao custo, teria dúvida em incluir essa categoria como receita originária.

Prof. Aliomar Baleeiro: Acho que seria possível atribuir a uma emprêsa, ou sociedade de economia mista, ou autarquia competência para estabelecer tarifas de serviços de transportes, telefone, telégrafo, sob contrôle da autoridade. A própria instituição dêsse serviço, por lei, daria competência para estabelecer a respectiva tarifa. Preços e não taxas, note-se bem.

Prof. Bilac Pinto: Mas, se uma determinada coisa é vendida por um preço de monopólio, tão pesado que represente em parte um impôsto, há necessidade de uma lei.

Prof. Aliomar Baleeiro: O monopólio de fumo na Itália é de tal forma e o governo cobra tão caro o preço, que a diferença representa impôsto de consumo. Nesse caso, há necessidade de lei, pois o preço existe apenas no nome.

O impôsto, na parte marginal, representa três vezes o custo do cigarro.

Qualquer cigarro ordinário na Itália custa Cr$ 5,00 e qualquer cigarro lá tem um cruzeiro de fumo e dois de impôsto. Na Itália só quem vende é o govêrno.

Se o senhor pudesse me dar cinco minutos, desejaria falar sôbre a questão da praticabilidade…

Prof. Bilac Pinto: Pois não, estou terminando e terei o maior prazer.

Não sei se os senhores perceberam bem o critério que estou procurando estabelecer para utilizar, no Brasil, a classificação de SELIGMAN. Nós, aqui, não temos essa categoria de preço-público, temos o impôsto, contribuição de melhoria, taxa e preços-quase-privados.

Em acórdão do Tribunal Federal de Recursos, foi julgado que a taxa aeroportuária brasileira era um preço-público. Essa taxa, entretanto, de acôrdo com o meu ponto de vista é obrigatória, porque as aeronaves comerciais só podem descer nos campos de aviação oficiais, ou nos que tenham sido aprovados como estações de desembarque de passageiros. Se a descida é obrigatória, e se estabelece uma remuneração para cada descida, sou levado a considerar que a fixação da taxa aeroportuária é da competência, exclusiva, do Congresso.

O Tribunal considerou que era um preço-público, e, por êsse motivo, entendeu que o ministro de Estado, podia, ele próprio, fixar êsse preço-público e não havia necessidade da intervenção do Congresso. Aliás, o próprio SELIGMAN, inicialmente, só considerou três categorias: impôsto, taxa e preços, mas ele percebeu que entre a taxa e o preço havia uma categoria intermediária a que denominou preço-público.

Naqueles países que só admitem preço, taxa e impôsto, nas suas classificações legais, como seria possível, por exemplo, a cobrança da contribuição de melhoria?

Aí é que é difícil o trabalho do jurista e do financista. Se na classificação legal não existe a contribuição de melhoria, êsse tributos estará necessàriamente compreendido no amplo conceito da taxa. Há mesmo uma corrente que sustenta que é taxa, recusando autonomia à contribuição de melhoria.

Com essas palavras procurei dar aos senhores a impressão de como se devem utilizar as classificações teóricas da receita pública e do seu valor relativo.

Agora, vamos ouvir o Prof. ALIOMAR BALEEIRO.

Aparte de aluno: O senhor disse que a questão da denominação do tributo não tem importância.

Prof. Bilac Pinto: A Constituição brasileira de 1934 estabelecia como categoria autônoma a contribuição de melhoria. A Carta de 37 não cuidou da contribuição de melhoria, a Constituição de 46 de novo a ela se refere. Ainda que a atual Constituição tivesse silenciado a seu respeito, as administrações municipais poderiam cobrar êsse tipo de tributo, como taxa.

Aparte de aluno: Como seria feita a conceituação da taxa?

Prof. Bilac Pinto: Essa conceituação não está na letra da Constituição. A União, o Estado, o município, podem cobrar taxas, mas a doutrina é que conceitua o que é taxa.

A classificação de SELIGMAN não conhece preço-político, a classificação de EINAUDI substitui a denominação de taxa por preço-político, conservando integralmente as características da taxa.

Prof. Aliomar Baleeiro: Não daria a essas três formas o cunho em que elas figuram. Tomaria o critério da maior ou menor equivalência, e então nos preços-quase-privados seria o critério da concorrência, o Estado fornecia o serviço quase como o particular. (Exemplos: madeira de florestas, ovos e aves de fazendas-modelo, etc.)

Daria o preço justo e equivalente ao custo do serviço ou abaixo do custo. Seria taxa, quando o serviço prestado representasse ato de autoridade: serviços judiciários, por exemplo, registro de marcas e patentes.

Só a autoridade pública pode dar essa certeza, essa segurança pública.

Tudo isso eu poria no regime de taxas.

Aparte de aluno: Onde colocaria o serviço postal?

Prof. Aliomar Baleeiro: Considerá-lo-ia como êle é: um preço.

(Exemplos sôbre o serviço de correio desde o início).

O serviço de correios custa mais caro do que recebe em rendas, portanto, é um preço-político. Quanto à obrigatoriedade, estabelece-a o govêrno como mera reminiscência. Não há nenhum prejuízo quando o particular leva uma carta. O monopólio é sobrevivência da origem regaliana do serviço.

Aparte de aluno: A taxa judiciária é tão obrigatória e facultativa…

Prof. Aliomar Baleeiro: Na última vez em que nos encontramos, pretendia dedicar um minuto à parafiscalidade, isto é, ao fenômeno financeiro que consiste na delegação de poder fiscal a várias entidades, como institutos, sindicatos, etc. Há duas correntes a respeito da parafiscalidade:

  1. a) a do Prof. MORSELLI, que considera o fenômeno como o aparecimento de um tipo novo e específico de Finanças, paralelas às clássicas;
  2. b) a de MERIGOT, na França, que reduz e equipara a parafiscalidade à tributação comum, apenas delegada e aplicada especialmente a certos fins.

Vejamos a conseqüência prática no Brasil: se adotarmos o ponto de vista de MORSELLI, os Institutos, SESI, SESC, IBGE, etc., não dependeriam de autorização orçamentária do art. 141, § 34, da Constituição. Isso não sucede, se verdadeiro é o ponto de vista de MERIGOT. Inclino-me para aceitar êste: a parafiscalidade é um nome novo e sonoro para um fato velho: a especialização de receita e delegação de sua cobrança a uma entidade pública ou semi-pública.

Notas

* N. da R.: Palestra proferida no “Curso de Conferências sôbre Direito Público”, organizado, em 1951, pelo Núcleo de Direito Público da Fundação Getúlio Vargas. Foram travados, no correr e após essa palestra, os debates que vão, depois dela, publicados.

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