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Tributário

CLÁSSICOS FORENSE

PARECERES E JURISPRUDÊNCIA

REVISTA FORENSE

TRIBUTÁRIO

Instituto do Açúcar e do Álcool – Fixação de sobrepreço – Inconstitucionalidade

FIXAÇÃO DE SOBREPREÇO

INSTITUTO DO AÇÚCAR E DO ÁLCOOL

PARECER

REVISTA FORENSE

REVISTA FORENSE 145

Revista Forense

Revista Forense

10/11/2021

REVISTA FORENSE – VOLUME 145
JANEIRO-FEVEREIRO DE 1953
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICA

DOUTRINA

PARECERES

  • Instituto do Açúcar e do Álcool – Fixação de sobrepreço – Inconstitucionalidade – Mílton Campos
  • Coisa julgada – Locação – Compra e venda de imóvel – Antão de Morais
  • Sociedade por ações – Subscrição de ações novas – Pedido, causa ou questão e lide – M. Seabra Fagundes
  • Terras devolutas – Registro paroquial – Fé pública e presunção do registro imobiliário – Pontes de Miranda
  • Banco do Brasil – Inquérito administrativo – Certidão – Ação popular – Carlos Medeiros Silva
  • Cheque sem fundos – Emissão para garantia de dívida – Efeitos gerais – Roberto Lira

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • A nacionalidade e a condição dos apátridas – Francisco Campos; José Joaquin Caicedo Castilla; Georges H. Owen; Osvaldo Vial; Mariano Ibérico
  • Expulsão de sócio de sociedade civil e controle jurisdicional – Miguel Reale
  • Do dever de declarar-se falido no prazo legal e suas relações com o requerimento de concordata preventiva – Rui Carneiro Guimarães
  • O Executivo e as leis inconstitucionais – Antônio Carrillo Flores
  • Encargos do Ministério Público no ramo civil – H. da Silva Lima
  • Variações sôbre recursos – L. A. Costa Carvalho
  • Maioria nas eleições presidenciais norte-americanas – Matos Peixoto
  • Sociedades por ações – Substituição de diretores por membros do Conselho Fiscal – Aloísio Lopes Pontes
  • Em defesa do Prof. Rafael Bielsa – Editorial Revista Forense
  • Entidades de direito privado ou de direito público, que recebem ou aplicam contribuições para fiscais – Prestação de contas – Bilac Pinto
  • Sôbre um veto (matéria constitucional) – Alcino Pinto Falcão

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

  • Jurisprudência Civil e Comercial
  • Jurisprudência Criminal
  • Jurisprudência do Trabalho

LEGISLAÇÃO

Sobre o autor

Mílton Campos, advogado em Belo Horizonte.

Instituto do Açúcar e do Álcool – Fixação de sobrepreço – Inconstitucionalidade

O I. A. A. não tem competência para criar o tributo sob o nome de sobrepreço ou diferença entre o preço de venda e o preço de faturamento.

– O chamado sobrepreço nada mais é do que um impôsto de vendas e consignações reservado aos Estados; é ainda inconstitucional o tributo, porque violador do princípio da uniformidade.

Parecer

A exposição e consulta submetidas a meu exame estão concebidas nos seguintes têrmos:

1°) O Instituto do Açúcar e do Álcool, criado pelo dec. nº 22.789, de 1º de junho de 1933, alterado logo a seguir pelo de nº 22.981, de 25 de julho do mesmo ano, tem, dentre outras, a atribuição de

“propor ao Ministério da Fazenda taxas e impostos que devam ser aplicados ao açúcar…” (art. 4° do decreto nº 22.789), tendo sido mantida, no art. 10, a taxa de Cr$ 3,00 por saco de açúcar, produzido pelas usinas do país:

“Para a execução das medidas de defesa da produção açucareira, assim como para o amparo e estímulo à produção e desenvolvimento do álcool anidro”, taxa esta depois aumentada para Cr$ 3,10, pelo art. 2° do dec.-lei nº 1.831, de 4 de dezembro de 1939. Pelo art. 1° do dec.-lei nº 644, de 28 de agôsto de 1938, o produto das taxas arrecadadas pelo I. A. A. passou a ter por finalidade, também:

“a montagem, aquisição e manutenção de refinarias destinadas ao beneficiamento do açúcar”.

2º) De comêço, quanto à fixação de preço, só cabia ao I.A.A.

“fixar o preço do álcool anidro destinado às misturas carburantes e bem assim o preço da venda destas aos consumidores” (dec. nº 22.789; art. 4º, letra l).

O açúcar cristal. permaneceu no mercado em livre concorrência, até que, a 17 de março de 1942, pelo dec.-lei n° 4.189, ficou:

1º “O I. A. A. autorizado a fixar, em todo o território nacional, o preço do açúcar cristal para refinação, tomando por base o disposto no decreto-lei nº 3.967, de 23-12-1941″; e

2º “Para a execução dêste decreto-lei, fica o presidente do I.A.A. autorizado a usar as faculdades do artigo 2º do dec.-lei nº 644, de 25-8-38, e arts. 54 e 58 do dec.-lei n° 1.831, de 4 de dezembro de 1939″.

O dec.-lei nº 3.967, de 23-12-1941, versa, na 1ª alínea do art. 1°, a alteração do art. 4º do dec. nº 22.981, sôbre o preço do saco de açúcar para fornecimento ao Distrito Federal e, na alínea 2ª e última, preceitua que:

“O I.A.A. verificará os preçoscorrespondentes nas praçasprodutoras e por êles reajustará a cotação básica ao auxílio bancário à indústria açucareira, estabelecida no art. 14 do dec. nº 22.789, de 1º de junho de 1933″.

Além dêsse artigo, só contém, mais, o 2º, pelo qual revoga as disposições contrárias e define a vigência imediata do diploma.

O art. 2° da lei nº 644, de 25-8-1938, tem por objeto a faculdade de requisição “nos centros produtores, pelos preços legais, do açúcar necessário ao abastecimento do mercado de consumo, quando fôr excedido nas praças do país o preço legal”. O parág. único versa a escolha do centro em que a requisição será operada e rateio da quota requisitada.

Os arts. 54 e 58 do dec.-lei nº 1.831, de 4 de dezembro de 1939, versam: o primeiro a notificação às usinas da quantidade do açúcar a entregar, na hipótese do art. 2º do dec.-lei nº 644, de 25-8-38, e prazo para a entrega; e o segundo a pena de não redistribuição de quotas e de não liberação dos excessos que eram da competência do I.A.A. e, pois, passaram à do seu presidente, nos têrmos do dec.-lei número 4.189.

3°) Na vigência da lei nº 4.189 supra referida, acaba o I.A.A. de baixar a resolução nº 619, de 29 de dezembro de 1951, que reza, integralmente, isto:

“Resolução nº 619/51 – de 29 de dezembro de 1951.

“Modifica os preços de açúcar estabelecidos na Resolução 534/51, que aprovou o plano de safra 51/52 e dá outras providências.

” Comissão Executiva do Instituto do Açúcar e do Álcool, no uso das atribuições que lhe são conferidas por lei;

“Considerando a necessidade de se adotar uma nova política de preços para o produto, através da qual se tornem mais estreitos os laços de solidariedade econômica nacional;

“Considerando que para a adoção dessa política tornar-se-á indispensável a execução de medidas e de encargos destinados a assegurar a todos os produtores o mesmo preço básico;

“Considerando a conveniência de se estimular a prática de adubagem, irrigação, tratoragem e o aperfeiçoamento da técnica agrocanavieira;

“Considerando a necessidade do re-equipamento e ampliação do parque açucareiro e alcooleiro do país, tendo em vista a elevação da produção agrícola e industrial para atender ao crescimento do consumo do mercado interno e à procura do mercado externo, liberando-se, assim, progressivamente, a economia agro-industrial canavieira do regime de contingentamento e contrôle dos preços e mercados, e

Considerando, finalmente, o interêsse de cooperação no desenvolvimento da indústria de fertilizantes e na instalação da indústria da borracha sintética com base no álcool da cana de açúcar,

Resolve:

“Art. 1º – Os preços oficiais de faturamento para o consumo do açúcar cristal de polarização “Standard” (99°, 3), nas usinas, são os constantes da tabela que se segue:

Centros ProdutoresPreço por saco

(60 Kg)

Cr$

Paraíba………………………………………..187,30
Pernambuco………………………………….187,30
Alagoas………………………………………..187,30
Sergipe………………………………………..187,30
Bahia……………………………………………201,00
Espírito Santo………………………………..201,90
Rio de Janeiro………………………………..196,30
Minas Gerais………………………………..214,80
São Paulo…………………………………….209,40
Paraná…………………………………………209,60
Santa Catarina………………………………..219,00
Goiás…………………………………………..209,40
Rio Grande do Norte……………………..202,00
Ceará……………………………………………205,60
Piauí……………………………………………217,10
Maranhão……………………………………..207,00
Pará……………………………………………..208,60
Mato Grosso………………………………..209,40

“§ 1º Os tipos de qualidade superior poderão ter, no máximo, as seguintes diferenças de preço acima do cristal, quaisquer que sejam a localidade e a categoria do comprador, não incluindo o valor correspondente ao impôsto do consumo, quando incidente:

“§ 2° Os tipos de qualidade inferior terão no mínimo as seguintes diferenças de preço, tendo-se em vista a base estabelecida para o açúcar cristal, quaisquer que sejam a localidade e a categoria do comprador:

“1 –Granulado triturado ou moído………………

Cr$ 7,30

“2 –Granulado americano comum de produção direta, não refinado…

Cr$ 17,60

“3 –Granulado americano superior de produção direta, não refinado…

Cr$ 25,00

“4 –Refinado amorfo de primeira………………..

Cr$ 28,00

“5 –Refinado amorfo extra – tipos finos…..

Cr$ 36,70

“6 –Refinado granulado…Cr$ 44,00
“7 –Grã-fina:

“a) verde……………….

“b) azul…………………

“c) encarnado…………

Cr$ 45,60

Cr$ 47,00

Cr$ 48,00

“Somenos (5 %)………………Cr$ 9,40
“Demerara (10 %)…………….Cr$ 18,70
“Mascavo (20%)………………Cr$ 38,50

“Art. 2º O preço de liquidação para o açúcar cristal do tipo “Standard” (99º,3), em tôdas as usinas do país, será de Cr$ 187,30 (cento e oitenta e sete cruzeiros e trinta centavos), por saco de 60 (sessenta) quilos.

“Parág. único. O preço de liquidação de que trata êste artigo é o do produto pôsto vagão na usina (PVU).

“Art. 3º As diferenças verificadas entre os preços de faturamento e o de liquidação estabelecidos nesta Resolução serão recolhidas ao Banco do Brasil, em conta especial, à disposição do I.A.A. e serão aplicadas:

a) na compensação de fretes para permitir a equivalência dos preços dos diversos centros consumidores, qualquer que seja a procedência do açúcar;

b) no financiamento e ampliação do parque açucareiro e alcooleiro;

c) nó desenvolvimento do serviço de tratoragem e ampliação da prática de adubação, irrigação e assistência técnica em geral à cultura da cana em cooperação com o Ministério da Agricultura;

d) no financiamento da instalação e ampliação das indústrias de fertilizantes;

e) no amparo e estímulo aos estudos relacionados com a indústria da borracha sintética, com o emprêgo de álcool proveniente da cana de açúcar, e na cooperação para o financiamento de instalação da referida indústria.

“Art. 4º O recolhimento das diferenças de preços de que trata o art. 1° desta Resolução será disciplinado de modo que não acarrete novos encargos à saída do produto.

“Art. 5° As diferenças entre os preços de faturamento e liquidação estabelecidas pelo I.A.A. não serão suscetíveis de redução na vigência dos Planos de Safra.

“Art. 6º As refinarias com quotas de estabelecimento, asseguradas pelo I.A.A., ficam obrigadas a entregar ao consumo, em seus estabelecimentos ou através dos varejistas, em pacotes, a quantidade de açúcar cristal branco “Standard” de polarização 990,3 que fôr oficialmente fixada, proporcional às vendas diárias de refinado.

“Art. 7° O pagamento das canas fornecidas às usinas será fixado tomando-se por base o preço da liquidação na Usina para o açúcar cristal de polarização “Standard” (990,3), observadas as normas das Resoluções ns. 109/45 e 534/51.

“Art. 8° À Comissão Especial, instituída na forma da decisão da Comissão Executiva, em sua sessão de 28 do corrente, incumbirá estudar e sugerir a adoção de normas e medidas complementares, que se fizerem necessárias à execução do disposto nesta Resolução.

“Art. 9º A presente Resolução entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

“Sala das Sessões da Comissão Executiva do Instituto do Açúcar e do Álcool, aos vinte e nove de dezembro do ano de mil novecentos e cinqüenta e um. – Gileno Dê Carli, presidente”,o que se seguiu a um despacho do Exmo. Sr. presidente da República, assim redigido:

“I.A.A. – GP-302/51.

“Volte o processo ao I.A.A. para as seguintes providências:

a) reexame do inquérito de custos de produção, excluindo os elementos que dependem, para sua verificação, da implantação da escrituração padronizada nas usinas; e fixação pela Comissão Executiva do preço justo para os produtores;

b) implantação de uma nova política de preços, de forma a assegurar a todos os produtores de açúcar de usina no país o mesmo preço de liquidação na fábrica;

c) tornar efetiva e prática uma quota de açúcar, por preço acessível aos consumidores menos favorecidos;

d) estudar e promover um programa de reequipamento, tendo em vista a elevação da produtividade agrícola e industrial e a expansão da produção açucareira e alcooleira, para atender ao crescimento da procura normal e ao programa de elevação dos padrões de vida, bem como ao desenvolvimento das indústrias e à procura internacional; liberando assim progressivamente a economia açucareira do regime de contingentamento e contrôle de preços e mercados.

“Em 28-12-1951. – G. Vargas”.

4º) O salário mínimo, fixado pelo dec. n° 30.342, de 24 de dezembro de 1951, evidencia as seguintes diferenças nas diferentes zonas a que se refere a resolução supra, do chamado preço único:

Paraíba………………………………………..450
Pernambuco………………………………….500
Alagoas………………………………………..490
Sergipe………………………………………..490
Bahia……………………………………………420
Espírito Santo………………………………..590
Rio de Janeiro………………………………..700
Minas Gerais………………………………..650
São Paulo…………………………………….700
Paraná…………………………………………550
Santa Catarina………………………………..530
Rio Grande do Norte……………………..370
Ceará……………………………………………510
Piauí……………………………………………460
Maranhão……………………………………..550
Pará……………………………………………..560
Mato Grosso………………………………..500

Isto pôsto:

1ª Consulta:

Se o salário é função essencial do preço;

Se êle varia, legalmente, de região para outra do País em que há produção de açúcar;

Se a lei nº 4.189 só faculta ao I.A.A. fixar o preço de venda do açúcar cristal para refinação, tomando por base “os preços correspondentes nas praças produtoras”.

Pergunta-se:

I) Podia ser adotada, independentemente de intervenção legislativa, alterando a política econômica e com desrespeito ao preceito do dec.-lei nº 4.189, de 17 de março de 1942, a chamada política de preço único em tôdas as usinas do país; pôsto cada região estadual esteja sujeita a fatôres diversos de custo de produto, notadamente o salário e os tributos estaduais, em face do que preceitua o artigo 5º, nº XV, letra c, combinado com o art. 65, nº IX, da Constituição federal?

II) Qual o meio judicial mais rápido e eficiente aconselhável para que os interessados promovam a decretação judicial da nulidade do mesmo ato, se irregular, e qual o juiz ou Tribunal competente?

*

PROSSEGUIMENTO DA EXPOSIÇÃO

5º) No mesmo dia do despacho atrás transcrito do Exmo. Sr. presidente da República, o I.A.A. entrou na discussão do assunto e resolveu criar o chamado sobrepreço, variável de Estado a Estado, que não recaiu sôbre os quatro grandes Estados produtores nordestinos:

Paraíba

Pernambuco

Alagoas e

Sergipe.

Êste sobrepreço que é um tributo nacional, que recairá sôbre o açúcar vendido, para as finalidades da referida resolução, varia de Estado para Estado, sendo que, quando naqueles quatro Estados inexiste, em Minas é de Cr$ 27,50 por saco; em São Paulo é de Cr$ 22,10; no Paraná é de Cr$ 22,30; em Santa Catarina é de…. Cr$ 31,70, etc., etc.

Como se vê da discussão no I.A.A., êsse sobrepreço, criado sôbre o consumo no Centro e no Sul do país e Estados pequenos produtores do Norte: Ceará, Piauí, Maranhão e Pará, teve em vista facilitar o incremento da indústria nos Estados grandes produtores nordestinos: Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe.

Isto pôsto:

Consulta:

Se pelo dec. nº 22.789, de 1° de junho de 1938, o I.A.A. não tem competência para criar qualquer tributo, competindo-lhe, apenas,

Propor ao Ministério da Fazenda as taxas e impostos que devem ser aplicados no açúcar…”.

Se aos Estados é que cabe impostos sôbre a venda do açúcar, pelo art. 19, nº IV, da Constituição federal;

Se, na forma do art. 17 da Constituição federal, nenhum tributo nacional pode deixar de ser uniforme em “todo o território nacional”, pergunta-se:

1°) Tem o I.A.A. competência parar criação do tributo nacional sob a forma de sobrepreço ou diferença entre preço de venda (PVU) e preço do faturamento?

2º) A criação dêste tributo está autorizada no despacho do Exmo. Sr. presidente da República, atrás transcrito, expressa ou implìcitamente?

3°) Há bitributação entre êste novo ônus nacional e o impôsto estadual de vendas e consignações? É constitucional êsse tributo em face do art. 17 da Constituição federal?

4°) Qual o meio judicial mais rápido e eficiente aconselhável para que os interessados promovam a decretação judicial de nulidade do mesmo ato, se irregular, e qual o juiz ou Tribunal competente?

5°) Quem será parte legítima para postular a nulidade do tributo: o usineiro; o comprador ou o consumidor?

6º) No caso de ser cabível o mandado de segurança, quando começa a fluir o prazo da decadência?

7°) Podem ou não os usineiros requerer o mandado de segurança para, com fundamento no art. 141, § 2º, da Constituição federal, se eximirem da obrigação de faturar o sobrepreço?

A exposição acima resume fielmente a legislação que, depois de haver criado e organizado o Instituto do Açúcar e do Álcool, regulou a competência e o funcionamento dessa autarquia, instituída, como se sabe, para assegurar o equilíbrio, constantemente ameaçado, do mercado do açúcar e promover o desenvolvimento da agro-indústria canavieira.

Os primeiros decretos da numerosa série de leis sôbre o assunto foram baixados no período do chamado “Govêrno Provisório”, entre 1930 e 1934, quando o chefe daquele Govêrno, por fôrça do decreto institucional nº 19.398, de 11 de novembro de 1930, exercia “discricionàriamente em tôda sua plenitude as funções e atribuições não só do Poder Executivo “como do Poder Legislativo”.

Assim, ao mesmo tempo que criava o Instituto do Açúcar e do Álcool, o decreto inicial estabelecia uma taxa de Cr$ 3,00, ulteriormente aumentada para Cr$ 3,10, que recaia sôbre cada saco de açúcar produzido pelas usinas do país. Era o exercício da atribuição legislativa (tìpicamente e tradicionalmente legislativa – decretar impôsto) pelo Govêrno Provisório e discricionário.

Observe-se, porém, que, no referente ao jus imponendi, não se conferiu ao instituto nenhuma delegação que o armasse dessa competência. Pelo contrário: não só o próprio decreto desde logo estipulou a taxa, como, nessa matéria, limitou a atribuição do Instituto a

“propor ao Ministério da Fazenda e aos governos estaduais e municipais a criação ou modificação de taxas e impostos que lhe pareçam necessários à proteção das indústrias do açúcar e do álcool de diferentes graus”.

Evidentemente, se pretendesse outorgar ao Instituto a atribuição de impor tributos, não teria a lei o cuidado de expressamente limitar-lhe a esfera de ação, nesse particular, à simples faculdade de formular propostas aos órgãos competentes da administração federal e local.

Todavia, uma outra competência, sem dúvida relevante, mas sem o caráter tributário, foi dada ao Instituto: a de “fixar, em todo o território nacional, o preço do açúcar cristal para refinação”.

Foi com base nesse decreto-lei (número 4.189, de 17 de março de 1942) que o preço do açúcar veio sendo estabelecido pelo I. A. A., até que se baixou a Resolução n° 619, de 29 de dezembro de 1951, transcrita na consulta e que a esta deu origem.

*

O propósito aparente da Resolução foi fixação de preços.

Seu preâmbulo fala em adotar “nova política de preços” e em “assegurar a todos os produtores o mesmo preço básico”; e, nos arts. 1° e 2°, estabelece os preços do açúcar cristal de polarização standard, distinguindo-o em duas espécies: o preço de faturamento e o preço de liquidação.

O primeiro é variável segundo a região produtora. Para a região nordestina (Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe), Cr$ 187,30 por saco de 60 quilos; para a produção do sul, vários são os preços, fixando-se para o Estado de Minas o de… Cr$ 214,80.

O segundo preço (de liquidação) é uniforme: Cr$ 187,30.

Pelo sistema da Resolução, vê-se que o preço de faturamento é o que consta do documento de venda e que o adquirente efetivamente paga pelo produto; o de liquidação é o que o vendedor efetivamente incorpora ao seu patrimônio como contraprestação real do fornecimento. E verificar-se então uma diferença que, no caso das operações em Minas, soma Cr$ 27,50 por saco de 60 quilos.

Qual o destino dessa diferença, que vem sendo chamada oficialmente de sobrepreço?

Esclarece o art. 3º da Resolução que “as diferenças verificadas entre os preços de faturamento e o de liquidação serão recolhidas ao Banco do Brasil, em conta especial, à disposição do I. A. A.”, e serão aplicadas a iniciativas mais ou menos relacionadas com a agro-indústria da cana de açúcar.

Será isto fixação de preço, a. que estava autorizado o I.A.A.? E que caráter jurídico se há de atribuir ao variável sobrepreço, que onera obrigatòriamente os produtores de determinadas regiões e a que escapam os de outras?

Afastadas as controvérsias da doutrina econômica, que não interessam ao caso, pode conceituar-se o preço como a valor da mercadoria, expresso em dinheiro. No jôgo dos interêsses privados, o adquirente da mercadoria paga pela aquisição um preço, embolsado pelo transmitente. Admite-se, em certos casos, a intervenção do Estado para fixação dos preços, mas, uma vez adotado o tabelamento, é em proveito do particular vendedor que se paga a totalidade da quantia tabelada. O Estado não participa do preço e apenas o limita, no objetivo de, em dadas oportunidades anormais, eliminar os efeitos da livre concorrência e defender o consumo. Atua, então, como mero regulador.

O preço só pode ser crédito do Estado ou elemento de sua receita quando é êle o dono e senhor do objeto ou serviço fornecidos. Aí então é que o preço passa a ser elemento das rendas públicas e se cobra como preço quase-privado, se o serviço ou o objeto são fornecidos pelo Estado como o faria um particular qualquer, ou como preço-público, quando êsse fornecimento, tendo em vista vantagem particular do indivíduo que paga, todavia se inspira também no interêsse da comunidade (SELIGMAN, “Essais sur l’Impôt” II, pág. 174; ATTILIO CANINA, “Appunti di Scienza delle Finanze”, pág. 78).

Na espécie, não é o Estado o fornecedor e não lhe cabe exigir qualquer preço. O que êle faz, por outro lado, não é a simples intervenção no domínio econômico privado, para fixar limite ao valor em dinheiro de determinadas mercadorias, mas sim impedir que êsse dinheiro, representativo do preço, seja embolsado, na sua totalidade, pelo fornecedor. A operação, aqui, é de outra ordem. O Estado fixa um preço aparente (de faturamento) ao lado de outro real (de liquidação), variável o primeiro, uniforme o segundo. E, quando se verifica a diferença, é êle que embolsa, impondo assim ao particular fornecedor a obrigação de entregar-lhe, a pretexto da venda, uma contribuição em dinheiro.

Que é isto, senão impôsto? Ou taxa, se quisermos considerar como contraprestação ao contribuinte os serviços genéricos e vagos que se enumeram como finalidade do sobrepreço?

*

Taxa ou imposto

Taxa ou impôsto, o certo é que o sobrepreço corresponde a uma contribuição que o poder público força o produtor de açúcar, na oportunidade da venda do produto.

Ora, é fácil demonstrar que, sob vários aspectos, essa imposição escapa inteiramente à competência do Instituto do Açúcar e do Álcool.

Vimos que não há lei conferindo-lhe atribuição de lançar quaisquer tributos. Nem podia haver, dentro em nosso sistema constitucional. Não adianta, pois, considerar-se como autorizativo da competência em debate o despacho do Sr. presidente da República, datado de 28-12-51, e em que se recomendou a “implantação de mova política de preços”.

É que, havido o sobrepreço como verdadeiro tributo, nem mesmo na competência do Poder Executivo êle se pode incluir. Vale recordar, a êsse respeito, um dos notáveis pareceres de RUI BARBOSA, em que, após a afirmação de “ser o poder do impôsto uma atribuição da soberania”, se assentam os três princípios que disciplinam a matéria:

“Primeiro – Não basta saber que é, pelo seu caráter, um elemento da, soberania, e que o seu exercício é o exercício de uma autoridade soberana. Necessário será, igualmente, averiguar em qual dos três grandes ramos do govêrno reside êsse poder: se no Executivo, no Judiciário ou no Legislativo.

“Segundo – Se o govêrno é de natureza democrática, a resposta é bem simples. Todo impôsto se há de sempre decretar sob a forma de lei, e a lei só pode ter existência mediante o exercício da autoridade legislativa.

“Terceiro – Mas tão importante é a condição de residir no corpo legislativo a função de tributar, que ao corpo legislativo é defesa a delegação dêsse poder. Assim, a atribuição de lançar o imposto, de sujeitar a contribuições pecuniárias o contribuinte, os seus bens, reside indelegável, isto é, intransferível, incomunicável, irrepartìvelmente, no Poder Legislativo, que, ainda querendo, não tem faculdade para o outorgar a outro poder ou com êle dividir” (“REVISTA FORENSE”, vol. XXI, pág. 226).

Essa lição, dada no regime da Constituição de 1891, tem ainda completa atualidade. Porque a Constituição vigente expressamente vedou a delegação de atribuições (art. 36, § 2º), conferiu ao Poder Legislativo a competência para “votar os tributos próprios da União e regular a arrecadação e á distribuição das suas rendas” (art. 65, II), e, finalmente, estabeleceu, entre os direitos e garantias individuais, que nenhum tributo será exigido ou aumentado sem que a lei o estabeleça” (art. 141, § 34). Aí estão princípios básicos que atualizam a lição de RUI, sem embargo de quaisquer críticas que se oponham, doutrinàriamente, à teoria da separação de poderes e da indelegabilidade de funções, que o nosso direito constitucional positivo consagrou.

Por isso mesmo, não pode invalidar essa argumentação a moderna teoria da parafiscalidade, que se caracteriza pela atribuição do poder fiscal do Estado a autarquias ou instituições autônomas de serviço público para realização de objetivos públicos destacados ou descentralizados. A organização administrativa em nossos dias, pela sua crescente complexidade, utiliza cada vez com mais freqüência êsse processo, e muitas são, entre nós, as entidades públicas dotadas da atribuição fiscal. Mas será sempre necessário que a capacidade tributária esteja na lei instituidora ou em leis ulteriores e só nos têrmos de tais leis se exercerá. O próprio I.A.A. oferece exemplo disso: legitimamente lhe cabe arrecadar a contribuição de Cr$ 3,10 por saco de açúcar produzido pelas usinas do país, porque a lei criou essa taxa, êsse impôsto ou essa contribuição especial.

Como acertadamente conclui, em obra recente, ò Prof. ALIOMAR BALEEIRO, “as contribuições parafiscais são tributos, e como tais não escapam aos princípios dos arts. 141, § 34, e 202 da Constituição” (“Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar”, ed. “REVISTA FORENSE”, número. 61, pág. 177).

A teoria da parafiscalidade, portanto, não autorizaria o I.A.A. a impor tributos aos produtores, sem lei que os decretasse; e para tanto não bastaria também o acôrdo ou a prévia determinação do presidente da República, em despacho, ato ou decreto.

*

Resolução nº 619

Ainda mais. Tal como está instituída na Resolução nº 619, a contribuição, disfarçada com o nome de sobrepreço, nem mediante lei que a adotasse poderia prevalecer. E a razão é que o tributo não guarda a uniformidade exigida pela Constituição, cujo art. 17 é muito claro:

“À União é vedado decretar tributos que não sejam uniformes em todo o território nacional, ou que importem distinção ou preferência para êste ou aquêle pôrto, em detrimento de outro de qualquer Estado”.

A exigência da uniformidade consta de tôdas as anteriores Constituições: 1937, art. 34; 1934, art. 18; 1891, art. 7°, § 2°; e com a circunstância de ser o texto atual mais abrangente, porque se refere genèricamente a tributos, quando as outras se referiam a impostos, que poderiam ser entendidos strictosensu.

Transportou-se, assim, pára as eminências do texto constitucional um dos requisitos a que deve atender o impôsto para ser justo, isto é, a uniformidade:

“Pour être juste; l’impôt doit être uniforme; la charge doit en être répartie uniformément entre les individus: c’est la conséquence du principe de l’égalité devant les charges publiques. Cette règle semble déterminer la mesure dans laquelle les individus doivent payer l’impôt. Le principe est très clair si on le rapproche des circonstances historiques dans lesquelles il a été proclamé: on a voulu mettre fin à des privilèges soit individuels, soit territoriaux, qui donnaient lieu à des abus que l’on jugeait intolérables” (GASTON JÈZE, “Cours Elémentaire de Science des Finances”, pág. 361).

A idéia de eliminação, pela uniformidade, dos privilégios territoriais ou geográficos é que justifica predominantemente a enunciação do princípio no texto constitucional, num regime federativo que tem como um de seus traços fundamentais a igualdade dos Estados-membros.

Por isso o consagrou a Constituição norte-americana, no art. 1º, Seção 8ª, que inspirou o nosso texto:

“The Congress shall have Power to lay and collect Taxes, Duties, Imposts and Excises, to pay the Debts and provide for the common Defence and general Welfare of the United States; but all Duties, Imposts and Excises shall be uniform throughout the United States”.

Que a uniformidade, aí, era empregada em sentido geográfico, foi o que estabeleceu a Suprema Côrte no caso Knowltonv. Mcore, julgado em 1900. Cuidava-se de saber se infringia princípio o impôsto progressivo sôbre a herança. A solução foi pela negativa:

“Te two contentions then may be summarized by saying that the one asserts that the Constitution prohibits the levy of any duty, impost or excise which is not intrinsically aqual an uniform in its operations upon individuals, and the other that the power of Congress in levying the taxes in question is by the terms of the Constitution restrained only by the requirement that such taxes be geographically uniform.

By the result of an analysis of the history of the adoption of the Constitution, it becomes plain that the words “uniform throughout the United States” do not signify an intrinsic but simply a geographical uniformity” (LONG “Cases on, Constitutional Law”, pág. 643).

E que é êste o sentido ainda hoje atribuído ao texto da República do Norte é o que mostram as claras explicações dos professôres FERGUSON e MC HENRY:

“It is geographical uniformity that is required. Congress is free to mak classification for the purpose of taxation, but once having done so, the tax cannot be more nor less for objects within the same class at any point within the United States. The tariff on men’s shoes, for example, may be higher than the tariff on women’s, but the rate of men’s cannot be less at the port of New Orleans than at New York. Employers of fewer than eight persons are exempt from paying a payroll tax to. the Federal government from which to pay unemployed workmen, but all employers of eight or more must be taxed at the same rate whether they live in Maine or California. Large corporations may be required to pay at higher rates than smaller ones, but all of the same class and size must pay at the same rate whether they operate in Kansas or Ohio” (“The American System of Government”, página 346)

Eis aí como o sistema federal de govêrno entre nós, como nos Estados Unidos, acautela a igualdade dos Estados-membros através da uniformidade tributária. Não se contesta, do ponto de vista da economia nacional, possa surgir aqui ou ali, em nosso vasto território, a conveniência de realizar obras ou serviços e de determinar providências administrativas preferentemente em certas regiões, atendendo-se a umas antes ou em vez de outras. Mas isso se há de fazer à custa da receita geral, decorrente de tributos uniformes, e não mediante desigualdade tributária, que armaria o poder federal de instrumentos perigosos, com possíveis e funestas repercussões sôbre o supremo compromisso de unidade nacional.

O intérprete máximo de nossa Constituição, adotando a verdadeira inteligência do texto sôbre o assunto na Constituição de 1891, sentiu-lhe os rigores proibitivos, que iam ao ponto de impedir, muitas vezes, uma política fiscal de maior plasticidade. Não lhe ocorreu, porém, alterar a interpretação consagrada, senão incluir a sugestão da reforma constitucional no seu programa revisionista:

“Entre as aspirações generalizadas no país, considera o P. R. L. como de mais urgência: alterar a Constituição no artigo 7º, § 2°, permitindo que os impostos da União atendam à condição especial de certos Estados, quanto à sua posição geográfica, à sua situação econômica, às crises locais, por que passarem, e as dificuldades gerais de subsistência de sua população” (RUI BARBOSA, “Comentários à Constituição”, col. por HOMERO PIRES, I, pág. 312).

Entretanto, não prevaleceu o ponto de vista revisionista. Ao contrário, como vimos, repetiu-se o texto nas Constituições ulteriores, com maior amplitude na última, que substituiu por “tributos” a palavra “impôstos”, constante das outras.

Ora, vimos que o chamado sobrepreço instituído pelo I.A.A, é verdadeira contribuição fiscal, ou tributo, de manifesta desigualdade em relação às várias regiões do pais e respectivos produtores de açúcar. É assim que, a título de sobrepreço, nada terão a pagar ao Instituto os produtores dos Estados da Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Os de Estado da Bahia pagarão Cr$ 13,70; os do Espírito Santo, Cr$ 14,60; os do Estado do Rio, Cr$ 9,00; os de São Paulo, Cr$ 22,10; os de Minas, Cr$ 27,50; e assim por diante, até os de Santa Catarina, que terão o ônus de Cr$ 31,70.

Depois disso, não será possível afastar a conclusão pela manifesta inconstitucionalidade da exigência constante da Resolução nº 619, da Comissão Executiva do I.A.A.

*

O poder de tributar

O poder de tributar, essencial ao Estado como manifestação de sua soberania, costuma exercer-se por várias modalidades, que assinalam a natureza da contribuição. Ao gênero tributo pertencem as espécies “impôsto”, strictosensu, “taxa” e “contribuição especial”.

Trata-se, em todos os casos, de contribuições forçadas, mas de uma para outras verifica-se um decréscimo de generalidade. A distinção mais em voga entre impôsto e taxa é ter esta última como base o benefício especial em proveito direto do contribuinte que paga. Entra aí uma idéia de reciprocidade ou de contraprestação. É certo que, no tarifamento do impôsto, também pode influir, de certo modo, a idéia do beneficio recebido pelo contribuinte. Mas a diferença reside na medida ou mensurabilidade. Se trata de taxa, o benefício é mensurável; se de impôsto, o proveito não pode ser diretamente apreciado. Na taxa, o serviço particular é a verdadeira razão do pagamento; no impôsto, o serviço particular, acaso existente, é mero resultado ocasional da ação do Estado.

SELIGMAN, depois de expor êsses princípios, acrescenta:

“On peut trouver une troisième distinction entre les taxes et les impôts dans les conditions attachées au service rendu par le gouvernement. On peut dire que, s’il s’agit d’une taxe, le gouvernement fait en retour quelque chose de particulier, tandis que, s’il s’agit d’un impôt, il ne rend pas de service particulier… ou, s’il fait quelque chose, il n’accomplit qu’une action gouvernèmentale générale” (obra cit., II, pág. 140).

Examinada à luz dêsses princípios, verifica-se que a contribuição em exame melhor se caracteriza como impôsto que como taxa.

Efetivamente, o art. 3° da Resolução nº 619 enumera os serviços em que se aplicará a diferença de preço, a saber:

a) na compensação de fretes para “permitir a equivalência dos preços dos diversos centros consumidores, qualquer que seja a procedência do açúcar;

b) no financiamento e ampliação do parque açucareiro e alcooleiro;

c) no desenvolvimento do serviço de tratoragem e ampliação da prática de adubação, irrigação e assistência técnica em geral à cultura da cana em cooperação com o Ministério da Agricultura;

d) no financiamento da instalação e ampliação das indústrias de fertilizantes;

e) no amparo e estímulo aos estudos relacionados com a indústria da borracha sintética, com o emprêgo de álcool proveniente da cana de açúcar, e na cooperação para o financiamento de instalação da referida indústria”.

Não há aí um serviço direto ou contraprestação a corresponder ao pagamento exigido do contribuinte. O primeiro item refere-se a providência acauteladora da posição dos consumidores e os demais anunciam Imprecisamente medidas de fomento agro-industrial, próprias de um programa administrativo genérico. Nada de imediata reciprocidade, de correspondência direta, que caracterizam o quid pro quo definidor do conceito de taxa.

Sendo um impôsto, a contribuição em exame não é senão o impôsto “sôbre vendas e consignações efetuadas por comerciantes e produtores”, que a Constituição atribui à competência dos Estados (artigo 19, nº IV).

Êsse tributo se cobra sôbre cada operação de venda e em razão dela. Quando o produtor ou comerciante transfere o produto ou mercadoria, paga (percentualmente no Estado de Minas) determinada contribuição fiscal. E, em relação ao açúcar, que é, senão a cobrança de contribuição idêntica, o que determina a Resolução nº 619?

Embora restrita à área do açúcar e ao primeiro produtor (usina), o certo é que ocorre, da parte de uma autarquia federal, a invasão parcial do campo tributário reservado pela Constituição aos Estados. Mas um campo tributário reservado não pode ser usurpado totalmente nem invadido em pequeno trecho. Não é pelas dimensões, e sim pela natureza do ato, que se caracteriza a invasão fiscal. Tanto mais quanto seria fácil fazer progredir a conquista, pela sujeição, dia a dia, de novos produtos à imposição fiscal invasora.

Ainda por êsse aspecto, portanto, seria ilegítima, pelo mesmo fundamento de inconstitucionalidade, a exigência do I.A.A.

*

Quanto à primeira consulta:

Com a trascrição dos textos legais aplicáveis, a exposição, que precede êste parecer, esclarece a situação relativa ao preço do açúcar. Verifica-se que o I.A.A. foi autorizado a fixar, em todo o território nacional, o preço do açúcar cristal para refinação, tomando por base os preços correspondentes nas praças produtoras (dec.-lei nº 4.189, de 17-3-1942; decreto-lei nº 3.967, de 23-12-1941).

Houve, assim, uma autorização condicionada, a saber: a fixação de preço ficaria sujeita às verificações respectivas nas praças produtoras do país. Nada mais razoável, dada nossa extensão geográfica, em que variam de uma região para outra os fatôres que influem no custo do produto.

Não se deduz daí, porém, que se haja determinado uma política econômica de preço múltiplo ou de preço único. O que se instituiu foi a política do justo preço, que é natural seja variável, em vez de uniforme, ante a diversidade dos fatôres que influem para sua conceituação.

Os preços devem ser verificados em cada praça produtora, mesmo porque, sem essa verificação, êles poderiam não ser justos, e sim arbitrários. Mas, em princípio, nada impede que os inquéritos econômicos realizados nas várias praças concluam pela ocorrência de preço único ou de preços de variação tão pequena que, pràticamente, ao preço único equivalham.

De resto, não se pode examinar a questão de fixação de preço das utilidades sem se ter em vista a lei geral sôbre o assunto, que é hoje a de n° 1.522, de 26 de dezembro de 1951. Aí, com fundamento no art. 146 da Constituição, autorizou-se o Poder Executivo “a intervir no domínio econômico”, e esclareceu-se que essa Intervenção se faria por vários processos. inclusive pela “fixação de preços” (artigo 2°, II), através de uma Comissão Federal de Abastecimento e Preços (C.O.F.A.P.).

É certo que essa lei geral sôbre a matéria não revogou a lei especial anterior. Mas influiu na sua aplicação e a completa. É assim que, no art. 9°, dispõe a lei geral recente:

“Sòmente depois de autorizados pela C.OF.A.P. poderão entrar em vigor os aumentos de preços dos gêneros e mercadorias cuja produção e venda sejam reguladas por autarquias ou órgãos federais ou estaduais”.

Quer isto dizer que a fixação de preços, em relação ao açúcar, continua na competência do I.A.A., mas sob a supervisão da C.O.F.A.P. Nem poderia ser de outro modo, sob pena de se sacrificar a notória finalidade do novo órgão de intervenção no domínio econômico, o qual não pode ter os seus objetivos, relacionados com a política de preços, neutralizados pela autonomia a êsse respeito concedida por leis especiais anteriores, relativamente a determinadas mercadorias em particular.

A política econômica, que o Executivo está por lei autorizado a executar, não é, pois, em relação a qualquer produto, a do preço múltiplo ou único, e sim a do justo preço, que se traduz, em defesa dos consumidores, nos preços-teto, ou ceilingprices dos americanos, que a jurisprudência da Suprema Côrte acabou por legitimar.

Sob êsse aspecto (que não exclui o erro ou inconveniência da medida), não me parece exorbitante, ilegal ou inconstitucional e, portanto, nula a Resolução em exame.

Ela só seria ilegal, por desvio das finalidades com que a competência foi Instituída, se desse em resultado verdadeira impossibilidade da exploração da indústria açucareira, em virtude de errado ou opressivo tabelamento, único ou variável. Nessa hipótese, porém, â reparação não poderia vir por processo ‘rápido, como o mandado de segurança, uma, vez que o direito lesado, dependente de várias circunstâncias de fato a serem provadas, não seria líquido e certo. Caberia, sim, a ação comum, pela qual o prejudicado reclamaria a nulidade da medida e a Indenização dos danos dela decorrentes.

Quanto à segunda consulta, respondo:

1°) Negativamente. O I.A.A. não tem competência para criar o tributo sob o nome de sobrepreço ou diferença entre preço de venda (PVU) e preço de faturamento. Pelos vários motivos apontados, êsse sobrepreço corresponde a um tributo inconstitucional.

2º) Nem expressa, nem implìcitamente, está a criação dêsse tributo autorizada pelo despacho de 28 de dezembro de 1951, do Exmo. Sr. presidente da República, que se referiu a “uma nova política de preços” e não à outorga de qualquer aspecto do poder de tributar. Vimos, aliás, que, em face da Constituição, essa autorização, ainda que existisse no despacho, não prevaleceria.

3º) Afirmativamente. Ficou visto que o chamado sobrepreço nada mais é do que um impôsto de vendas e consignações, reservado aos Estados. Sua incidência, portanto, seria bitributação proibida. E é ainda inconstitucional o tributo, porque violador do princípio de uniformidade consagrado no art. 17 da Carta Magna.

4º) O meio judicial mais rápido e eficiente para que os interessados promovam a decretação da nulidade do ato em exame é o mandado de segurança, cuja aplicação se ampliou em face da lei número 1.533, de dezembro de 1951. Foi eliminada a restrição anterior, que afastava a medida quando se tratasse de impostos ou taxas (Cód. de Proc. Civil, art. 320, nº IV). Assim, havendo no caso ameaça de violação de um direito líquido e certo por parte de representante de entidade autárquica, a proteção a invocar-se é o mandado de segurança, nos termos da lei citada, art. 1º, § 1º.

Quanto à competência, uma vez que se trata de processo contra ato de autarquia federal, em que a União é interessada, e como não se vai atacar nenhum ato do Sr. presidente da República, que não autorizou o sobrepreço, segue-se que o fôro é, para os usineiros do Estado de Minas, o da capital do Estado, perante o juiz privativo dos Feitos da Fazenda Pública (Constituição, art. 201; Cód. de Processo Civil, art. 143).

5º) Embora a elevação do preço de faturamento venha afetar o consumidor, que adquirirá o produto encarecido, o verdadeiro interessado no particular do sobrepreço é o usineiro, que é quem vai cobrar e entregar ao I.A.A. a diferença de preço. É êle, portanto, parte legítima para pleitear o mandado de segurança.

6°) Embora a Resolução nº 619, no art. 8°, institua uma comissão para “estudar e sugerir a adoção de normas e medidas complementares que se fizerem necessárias à execução” das deliberações tomadas, o que indica não será imediata a execução, a verdade é que na Resolução mesma está, pelo menos, a ameaça de exigência ilegal que, por si só, motiva o mandado. Deve, assim, o prazo de decadência (120 dias) ser contado a partir da data da Resolução, isto é, 29 de dezembro de 1951.

7º) Afirmativamente, pelas razões expostas.

Salvo melhor juízo, é êste o meu parecer.

Belo Horizonte, 1952.

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