
32
Ínicio
>
Clássicos Forense
>
Revista Forense
>
Trabalho
CLÁSSICOS FORENSE
REVISTA FORENSE
TRABALHO
O poder normativo das decisões trabalhistas, de Ciro de Luna Dias

Revista Forense
24/01/2025
SUMÁRIO: 1. O aparecimento da emprêsa e a formação dos sindicatos. 2. O poder normativo dos tribunais trabalhistas. 3. Natureza jurídica das sentenças normativas; o conceito da coisa julgada nas decisões coletivas. 4. A cláusula rebussicstantibus. 5. As concessões da doutrina clássica para os novos métodos interpretativos.
O aparecimento da empresa e a formação dos sindicatos.
1. Podemos chamar ao século XX, a era dos grandes acontecimentos. Assistimos a duas guerras mundiais, às experiência, de massa realizadas pelo comunismo russo e o nazi-fascismo, à fissão do átomo e ao aproveitamento da energia nuclear despendida, para fins de guerra e paz.
Com a atenção voltada para êsses fatos, os estudiosos não deram a devida importância a dois fenômeno, característicos dêste século e que representarão no futuro maior influência na vida do homem, que todo o restante.
O primeiro é o fenômeno da “despersonalização do patrão” pelo aparecimento da grande emprêsa, instituição que, ultrapassando muitas vêzes a fronteira do país onde se organizou, se transforma em verdadeiro organismo internacional, concentrando em si própria o poder econômico necessário à sua atuação e desenvolvimento. Muitas delas sobreviveram ao total arrazamento do país onde se originaram, como aconteceu, nesta segunda guerra mundial.1
A concentração de capitais atingiu a tão alto índice nos tempos modernos, que o poder da emprêsa começou a preocupar o Estado. As leis antitruste, adotadas pelas nações civilizadas, têm a finalidade de opor uma barreira legal ao monopólio, isto é, à possibilidade de todo um setor da produção concentrar-se num grupo econômico único.
Trata-se de manter a estrutura industrial em expansão dentro da superestrutura política do Estado.2
Foi pensando nisso que ROOSEVELT declarou: “O poder de poucos para dirigir a vida econômica da nação deve ser confundido entre muitos ou ser transferido ao púbico e a seu govêrno democràticamente responsável. Se os preços têm de ser dirigidos e administrados, se os negócios do país devem ser orientados para uma planificação e não pela concorrência, êste poder não deve ser detido por nenhum grupo privado”.3
De fato, essa tendência para a concentração de capitais é fenômeno que se manifesta com mais intensidade aos Estados Unidos, mas que também começamos a sentir com o incipiente crescimento industrial do Brasil. Malgrado aquêle país manter o mais alto padrão de vida no mundo, são de temer-se as conseqüências do poder da emprêsa; êsse temor, transparece nas 17.000 páginas do relatório da T. N. E. C.,4 apresentado a ROOSEVELT.
Um grupo poderoso de capitais poderia tornar inoperante a lei antitruste, exercendo poderes análogos ao de um monopólio, com todos os efeitos no domínio econômico, dentre os quais o mais nefasto à ordem pública: o limite da produção, para manter elevado o nível dos preços.5
Gradualmente, a concorrência desapareceu como um dos fatôres que estabelecem o custo das utilidades e o valor dos salários, substituída pelo planejamento sob a tutela do govêrno.6
Como as principais leis da economia política clássica se fundamentavam na concorrência, resultou tornarem-se obsoletos os princípios básicos dessa ciência.
Evidentemente, não pode denominar-se competição a rivalidade verificada nos anúncios através da imprensa falida e escrita no mundo inteiro. Parece que tôda a finalidade dessa vasta campanha é apenas tornar conhecido do público o nome de algum produto, para que o consumidor o peça entre vários produtos estandardizados e de preços equilibrados. JOHN KENNETH GALBRAITB chama “a estranha economia da opulência” a êsse desperdício de fortunas em propaganda, que, aplicadas na produção, necessàriamente, viriam a baixar o preço do produto.7
Assim, a não-concorrência estabeleceu uma proteção eficaz às emprêsas, à sombra da qual bons e maus produtos e fabricantes eficientes e ineficientes gozam dos preços remuneradores estabelecidos no acôrdo.
Também os salários prèviamente combinados entre os patrões dão uma garantia que não faltarão braços a nenhuma emprêsa. Difìcilmente um mecânico despedido de uma fábrica de automóveis, por exemplo, encontrará emprêgo em outra companhia similar. As portas da sua, profissão estarão fechadas para êle, e se não tiver boas referências do patrão anterior, possìvelmente passará fome.
Diz A. BERLE JÚNIOR: “Num sistema de concentração industrial, o resultado da concorrência redunda no estabelecimento dum esquema de planejamento: o que significa um aumento e não uma redução de poder”.8
Tudo se transformaria no melhor dos mundos para os detentores do capital unidos num vasto monopólio – malgrado as leis antitruste – se não surgisse o outro braço da balança do poder: a concentração de milhões de operários nos sindicatos trabalhistas, coligados para fazer face ao poder da emprêsa.
Essa entidade – o sindicato – é quem vai discutir as condições de trabalho e, para muitos autores modernos, só então pode falar-se em contrato bilateral sinalagmático, nas relações de emprêgo.9
As relações entre êsses dois grupos – o sindicato operário e o patronal – terão maior influência sôbre o futuro da humanidade que quaisquer outros acontecimentos de natureza política.
O poder normativo dos tribunais trabalhistas
2. De interêsses quase sempre opostos, era inevitável o choque entre os grupos, realidades sociais tão vivas quanto o indivíduo. A solução dêsses dissídios fugia à competência dos Códigos de Obrigações.10
Surgiu, então, a necessidade de aparelhar a justiça com meios para resolver litígio; entre massas econômicas e profissionais, dando ensejo ao segundo fenômeno dêste século: o poder normativo dos tribunas trabalhistas.
Esta é a mais profunda revolução operada no campo do direito. Seu traço característico é o poder criador de regras jurídicas que atingem todos os integrantes de uma mesma categoria profissional ou econômica, ainda que não diretamente envolta no dissídio.
As sentenças proferidas nos dissídios coletivos de natureza econômica, com a força normativa consagrada no § 2º do art. 123 da Constituição, nada têm em comum com as demais sentenças os tribunais.
Não julga extra ou ultrapetita, embora vincule ao direito assegurado pessoas que não são partes no processo, nem por litisconsórcio ativo ou passivo.
Não é lei, se aceitamos o conceito clássico de lei dado pelos mestres da teoria geral do direito. É um novumgenus, uma espécie nova, diz SEIWONTI.11
PONTES DE MIRANDA, comentando o art. 123 da Constituição, diz: “É a Constituição que lhe permite editar normas: não é a título de interpretação; é a título de legislação ou de capitação técnica dos usos e costumes negociais”.12
E CARLOS MAXIMILIANO: “triunfou a idéia de legislar em sentenças trabalhistas”.13
Não se pode, entretanto, ter uma compreensão nítida de sentença normativa e do que ela representa na vida jurídica moderna, se não tivermos uma noção geral dos novos rumos da aplicação do direito.
Na verdade, o que se passa neste campo é uma reação enérgica e sistemática contra todos os princípios individualistas.
A Declaração dos Direitos do Homem, passo decisivo para a libertação do servo medieval, vai suceder-se uma declaração dos direitos do grupo, outro passo para livrar o operário da opressão industrial, sob a tutela do Estado, e o reconhecimento do fato resumido naquela célebre frase de LACORDAIRE: “entre o fraco e o forte, é a liberdade que oprime e a lei que liberta”.
A origem romana da ciência jurídica tem sido uma das causas do retardamento da compreensão desta revolução no direito.
O Direito Romano, criado para manter a propriedade e garantir o status de uma elite de cidadãos (cives), sobreviveu aos séculos como estrutura de base da sociedade humana, justamente os dois milênios em que a propriedade foi mais valorizada que o trabalho; aquela, o único meio de produção numa economia agrícola, e êste, representando ùnicamente o dever dos escravos, servos, camponeses, até os últimos decênios do século XIX.
O Cód. Civil, com suas raízes implantadas em Roma, através do Código de NAPOLEÃO, seu paradigma, envelheceu ràpidamente em partes fundamentais. Basta dizer que ao complexo sistema de garantia do trabalho dedica apenas 21 artigos, sob o título de “locação de serviços”, onde mal podemos entrever o contrato de trabalho, e o conceito de salário – vital como meio exclusivo de sustento de oito décimos da população do mundo – é irreconhecível na retribuição de serviços consagrada naquela lei.
A libertação do Direito do Trabalho do Cód. Civil não se operou por meios revolucionários, nem por concessão política.14 Deu-se simplesmente pelo reconhecimento do legislador da existência de fatos que não cabiam na órbita das leis vigentes.
Alterou-se a relação jurídica pela criação dum ramo autônomo do direito, que pudesse conter um conceito de “relação de emprêgo”, diferente da locação de serviços (locatiooperarum) e da empreitada (locatiooperis). E o salário, revestido duma natureza alimentar, considerado irredutível e impenhorável, obrigatòriamente paga em moeda torrente,15 que tem sido um golpe na última forma de servidão humana inda subsistente na História: o pagamento de dívidas mediante prestação de serviços.
A função do Direito Trabalhista no futuro talvez seja substituir o direito romano como estrutura de base numa sociedade fundamentada sôbre o trabalho, armado da elasticidade necessária para transformar o fato social em ato jurídico, principalmente neste ponto crucial da vida humana: o equilíbrio entre o lucro e o salário, ou, diríamos melhor, entre o capital e o trabalho.
Natureza jurídica das sentenças normativas; o conceito da coisa julgada nas decisões coletivas
3. Ao lado da aceitação geral do fato de um cerceamento contínuo dos direitos individuais – principalmente o da propriedade como jusutendietabutendi – assistimos a outra realidade que tem merecido a atenção dos juristas contemporâneos: a decadência da soberania da lei como expressão da autoridade do Estado, ao lado do crescente prestígio das convenções de grupos sociais, que procuram estabelecer entre si as normas que regulam suas relações recíprocas.16 “Engendram o direito que lhes serve de fundamento”, diz GURVITCH. DUGUIT assinalou que “a convenção coletiva apresenta-se com as características de verdadeira lei do ponto de vista material, mas que não emana do Estado, senão da vontade dos particulares, por acôrdo”.17
Ora, nos casos de conflito das vontades que produziram êsse acôrdo com fôrça normativa (os alemães chamam-na “convencão-lei”), a justiça especializada é chamada a intervir para resolver o dissídio suscitado.
Por falta de têrmo apropriado, denomina-se “sentença” a decisão judicial: e exceto nos casos em que vem apenas esclarecer dúvidas ou interpretar parágrafos do contrato (decisão meramente declaratória), vem armada do poder normativo.
Nunca é demais esclarecer que existem conflitos coletivos de natureza, jurídica e conflitos coletivos de natureza econômica.18 Naquele, não se modifica ou se transforma o contrato: interpreta-se. Nesse caso a sentença coletiva tem pressupostos análogos à sentença de preceito.19 Nos de natureza econômica, a sentença é “ato formalmente jurisdicional e substancialmente legislativo”.20
Pensamos como OLIVEIRA VIANA, que as sentenças coletivas, que tenham por objeto fixar nevas condições de trabalho, são sempre proferidas com a cláusula rebussicstantibus, que a torna incompatíveis com a constituição da coisa julgada.
A única coisa que subsiste é, coma observa DE LITALA, o princípio de eficácia negativa da coisa julgada, não podendo o mesmo tribunal julgar novamente o mesmo dissídio.21
Ouçamos o mestre OLIVEIRA VIANA: “… mas a sentença coletiva não tem apenas êste caráter diferencial das demais sentenças. Não é a normatividade a única característica que a singulariza, não apenas em face do direito processual ordinário, mas mesmo em face do direito processual do trabalho. Porque os critérios da sua formação também são específicos”.
“Na verdade, dado o caráter substancialmente econômico da controvérsia, o juiz do trabalho, a que foi afeto um dissídio coletivo por novas condições de trabalho, trabalho, não tem que resolver nenhum problema jurídico, interpretando a vontade das partes, manifestada através de um contrato, ou aplicando um texto de lei – como acontece na justiça ordinária”.
“Não há, na controvérsia coletiva suscitada para o fim de estabelecimento de novas bases de trabalho, nenhum ponto preestabelecido, nenhuma prova pré-constituída, nenhum texto de lei ou contrato a invocar, a que o juiz deva subordinar-se para determinar sua decisão.
Há apenas uma situação de fato, para a qual tem êle que estabelecer uma regulamentação a vigorar como se êle fôsse legislador”.
“Os critérios para chegar a êsse objetivo, é claro, não podem ser os comumente adotados pelos magistrados do direito comum. Não podem ser as regras da interpretação das leis ou dos contratos, pois não há nenhuma lei ou contrato a cumprir. Não podem ser as regras da interpretação analógica, pois não há nenhuma outra regra análoga a observar. Não podem ser os precedentes judiciários, a tradição jurisprudencial, nem a doutrina dos mestres do direito pois que nem a doutrina nem os precedente têm nada a ver com esta questão nova”.
“Nesta espécie, o juiz do trabalho tem apenas que se ater às condições reais, julgar com critérios não jurídicos ou, pelo menos, não legais; ponderar preços, estudar condições de mercados; custos e métodos de produção; possibilidades comerciais ou financeiras da emprêsa; condições normais ou mínimas de vida dos trabalhadores e interêsses superiores da coletividade ou da nação; balancear tudo isto, tirar uma média e decidir…”
“Nada, pois, mais fora dos métodos e do espírito, da justiça ordinária e da sua processualística”.
“O veredicto que daí promana, depois de todo êste trabalho, que nada tem da dialética jurídica dos legistas e dos advogados, é uma coisa para que a processualística clássica não tem categoria lógica, para enquadrar, não encontra forma para conter, aberrante como ela é de todos os princípios da sua sistemática. É o puro domínio dos standards legais, concretos objetivos, flexíveis, e não o das regras de direito, abstratas, rígidas, impessoais”.22
Não quis, evidentemente, o mestre, afirmar que o direito seja criado diretamente pelo fato, mas que os fatos novos, ou necessidades peculiares a certas épocas, forçam o legislador a buscar novas normas para a solução daquelas necessidades. “Puesto que el derecho nace de la vida humana social y está destinado a la vida humana social, habrá que refutar los caracteres de esa vida humana”.23
A sentença coletiva está destinada à solução de conflitos entre classes sociais e, portanto, seu alcance e eficácia não podem ser medidos nos padrões comuns das sentenças ordinárias. Daí a indecisão dos estudiosos nas tentativas de classificá-las na doutrina processual.
Colocam-nas, ora entre as sentenças constitutivas, segundo a teoria de CHIOVENDA, obedecendo a conhecida divisão das sentenças, do mestre, em declaratórias, condenatórias e constitutivas.24
Outros adotando a classificação de CARNELUTTI, acham que devem ser compreendidas entre as sentenças dispositivas.25
E, finalmente, alguns pensando como RASELLI, – que divide as sentenças em duas grandes categorias: declaratórias e determinativas, – acham que a sentença coletiva é determinativa.
Parece-nos que a sentença coletiva não pode ser relacionada em nenhuma dessas categorias; é, a sentençanormativa, categoria única e nova, que foge à analogia das sentenças comuns. Êste, aliás, é o pensamento de SERMONTI (“Il diritto Sindacale”), COSTAMAGNA (” Diritto Corporativo”), e D’AGOSTINO (“La Magistratura del Lavoro”).26
Justifica-se esta categoria exclusiva para as sentenças coletivas quando se observa que suas características especiais não s e enquadram na divisão clássica das sentença. O direito não poderia prever um tipo de sentença para um dissídio que começou a existi em nosso tempo e, portanto, desconhecido até fins do século XIX, a época áurea da doutrina jurídica.
Não se pode pretender resolver “selon l’esprit du XVIII siècle, les conflits que pose le XXe”, disse ROGER PINTO.27
Ouçamos DE LITALA, na obra tantas vêzes citada, versão espanhola do professor SANTIAGO SENTÍS MELENDO: “La sentencia colectiva está destinada a componer la controversia de naturalez colectiva, esto es, el conflicto de los intereses entre categoria, y, por consiguiente, así como el contrato colectivo no contiene más que mandatos abstractos, dirigidos, en las controversias para la formación de nuevas condiciones de trabajo, a constituir la norma imperativa para las relaciones singulares, a suplir el reglamento de las relaciones de trabajo cuando el mismo sea inidóneo y deba ser transformado bajo la presión del cambio del estado de hecho, y dirigidos, finalmente, a completar la regulación insuficiente. La sentencia colectiva tiene la forma del acto jurisdiccional que responde a las nombre, según el procedimiento ordinario, mientras, desde el punto de vista sustancial constituye una ley en sentido material conteniendo normas juridicas abstractas”.28
Ora, essa abstração e generalidade, qualidade – ou, diríamos melhor, defeito – da lei, que obriga a sentença coletiva a passar por um processo cognitivo para a sua aplicação, – a ação de cumprimento, – pois ela não é um título exeqüível em si; a qualidade e quantidade das pessoas atingidas pela decisão, a capacidade do juízo de interpretar a sentença no curso da ação de cumprimento, repelem ou pelo menos deformam até a irreconhecibilidade o conceito de coisa julgada.
Diz PIRES CHAVES, na sua obra recentemente publicada29 “… A sentença coletiva que interpreta condição controvertida, faz coisa julgada…”;30 e mais adiante: “o mesmo não se passa com as sentenças do tipo dispositivo ou constitutivo. Estas sentenças cumprem-se de imediato, e podem ser interpretadas no curso da ação do art. 872, parág. único (da Consol. das Leis do Trabalho). São sentenças que se aplicam como leis da categoria. As argüições, inclusive de nulidade plenojure, podem ser enfrentadas pelo juízo a quo, talqualmente êle decide; por exemplo, a inconstitucionalidade das leis, ou as exceções”.31
A Comissão elaboradora do projeto de organização da Justiça do Trabalho observou: “Ora, se aos Tribunais do Trabalho é dada competência para dirimir conflitos coletivos, isto implica afinal não apenas a competência para aplicar a norma legal ou contratual porventura existente; mas, como no caso das conflitos coletivos de natureza econômica, também a competência para formular esta própria norma – o que importará, por sua vez, em reconhecer aos tribunais do trabalho competência para editar normas gerais, reguladoras das relações de trabalho entre as duas classes, categorias ou grupos em conflito”.
E comenta EDGAR DE OLIVEIRA LIMA, de cuja obra extraímos a citação acima: “Refira-se, de passagem, que aquela Comissão assim se manifestava em 1938, quando tal competência normativa era considerada uma delegação implícita da Constituição de 1937. Hoje se trata de uma competência decorrente de disposição constitucional expressa”.32
A jurisprudência de nosso País, poucas vêzes chamada a manifestar-se sôbre o assunto, entretanto, nos tem dado preciosos ensinamentos, como aquêles do conhecido acórdão no dissídio dos empregados no comércio hoteleiro, em 1949, relator o ministro DELFIM MOREIRA, onde destacamos o seguinte: “… já afirmei neste plenário, por mais de uma vez, que, nos conflitos coletivos, o objetivo primordial é a constituição de novas condições de trabalho sem que o julgador seja obrigado a submeter seu veredicto às regras comuns do direito subjetivo, que se fundamentam sempre no contrato ou em lei. Cabe a êle decidir diante de um fato real que nenhuma consideração de origem jurídica, de obediência às regras da analogia, da coisa julgada, pode ser incluída no sentido de ser dada esta ou aquela decisão”.
Após citar OLIVEIRA VIANA, onde o mestre prega a não-admissibilidade da constituição da resjudicata nos conflitos coletivos de natureza econômica, acrescenta o douto ministro do Tribunal Superior do Trabalho: “Ora, verificado que não é rígido o princípio da imodificabilidade da coisa julgada nas sentenças e nos ajustes coletivos homologados, pela Justiça do Trabalho, não se poderá impor, na simples interpretação isolada de uma cláusula secundária, essa característica”.
Seria ilógico conceber que a extensão da sentença normativa a tôda uma categoria seja equivalente à extensão da coisa julgada a pessoas que não são partes no processo.33
Na falta de nomenclatura apropriada, o Direito do Trabalho conservou têrmos clássicos para institutos diferentes aos do direito comum, do qual êle surgiu.
Nenhum tem trazido maior confusão que o nome sentença coletiva, dada àquele regulamento profissional emanado dos tribunais nos dissídios coletivos.
Na Exposição de motivos que fundamenta o poder normativo o legislador esclarece: “Essas chamadas sentenças coletivas não são senão convenções coletivas, que o Estado formula e impõe aos litigantes, como se êles as houvessem pactuado livremente”. Sôbre isso, observa CESARINO JÚNIOR: “é o que doutrina SINZHEIMER, o maior teorista contemporâneo do direito social”.34
Esta faculdade de criar o direito, atributo especial do poder normativo, é reconhecida pelos doutrinadores do nosso país, e pelos de maior renome no estrangeiro.
São de um acórdão relatado por DÉLIO MARANHÃO estas palavras: “A sentença coletiva e a convenção coletiva equiparam-se nos seus efeitos: têm ambas, fôrça normativa. Fôrça normativa, por definição, não quer dizer senão isto: fixação de condições com valor de normas objetivas, reguladoras de contratos individuais de trabalho, já concluídos ou que se venham a concluir no futuro, dentro do prazo de vigência das referidas condições”.35
Numa feliz expressão, CARNELUTTI disse que o contrato coletivo é um híbrido, corpo de contrato e alma de lei.
Assim, a sentença normativa realiza um direito novo e não declara um direito subjetivo. É o que muito bem ressaltou GERALDO BEZERRA DE MENESES, esclarecendo ser esta a communisopinio entre os estudiosos e comentadores brasileiros.
Seria longo nominar os doutrinadores que aqui e no estrangeiro seguem essa orientação. Ouçamos, entretanto, SCELLE: “Desde que exista uma regra de atividade comum a todo um grupo de indivíduos, a uma comunidade grande ou pequena, concebida sem distinção de pessoas, a que se imponha colei uma fôrça obrigatória – donde quer que venha esta fôrça qualquer que seja a autoridade que a edite e lhe assegure eficácia, qualquer que seja o processo pelo qual ela tenha sido elaborada, determinação de autoridade ou pacto convencional – existe lei”, isto fazendo-o com plena concordância de ARNION, que apenas ressalva: “Notemos, entretanto, que êsses diversos textos (o de SCELLE e um de DUGUIT) se baseiam sôbre uma concepção ampla do têrmo lei, que, stricto sensu, nos parece inadequada; trata-se de regulamentos“.36
Quanto ao prazo de um ano para a revisão da sentença normativa, – estabelecido no art. 873 da Consol. das Leis do Trabalho, – a nosso ver, não implica na impossibilidade de modificação das condições de trabalho estipuladas na sentença, por acôrdo-coletivo que melhore as condições decididas.37 Porque, tanto no contrato como na sentença coletiva, o que se estabelece é um mínimo, dentro do qual os contratos individuais ou de grupo se limitam.38
O contrário seria estabilizar por um ano condições que iriam ferir o princípio eminentemente tutelar do direito social.
A cláusula rebus sic stantibus
4. Ora, passemos a um rápido estudo da cláusula rebussicstantibus, implícita nas sentenças coletivas, que as torna Incompatíveis com a constituição da coisa julgada.
Para a compreensão do poder normativo, da cláusula rebus, nas novas tendência, do direito, é necessário que nos libertemos de certos princípios obsoletos, herdados do Direito Romano e sancionados pela Revolução Francesa.39
O cidadão, ser abstrato e prepotente, em nome de quem se exercia a soberania do Estado e cuja igualdade perante a lei se tornou artigo de tôdas as Constituições pós-revolucionárias, podia ser privado, por tôda a existência, da sua liberdade (o bem máximo do ser humano, invocado para levantar o povo às armas, e que NAPOLEÃO tomara por lema do seu Código), desde que não pagasse uma duplicata ou não cumprisse uma prestação pecuniária.
Era o fantasma da propriedade, pairando acima de todos os direitos. Não importava que o fogo tivesse devorado sua colheita ou que se afundasse o navio da sua mercadoria; êle seria despojado de tudo e, no calabouço, meditaria na sua incompetência em prever o fogo, a geada prematura ou a praga nos seus trigais, quando arrendou o campo do latifundiário.
Todo o rígido princípio do pacta sunt servanda, que estabelece a autonomia da vontade na teoria dos contratos, se originou na necessidade que a nobreza feudal tinha de aumentar o rendimento das suas propriedades. A aceitação da superveniência de fatos que tornassem por demais onerosa a prestação em dinheiro da parte dos arrendatários – princípio que o Direito Canônico estabelecera até cêrca do século XVII – era uma sangria intolerável aos senhores da terra.
Numa agricultura rudimentar, não eram raros os anos de colheita nula e, quando a produção era boa, muitas vêzes se perdia o produto, por deficiência de transportes ou pela queda dos preços no mercado.
Não se aceitava a prestação in natura, isto é, de percentagem do produto colhido, como nos primórdios da Idade Média.
Foi então que começaram a firmar-se os princípios da autonomia da vontade humana e da irretratabilidade das convenções. A cláusula rebus sic stantibus “caiu em desuso”, segundo a elegante linguagem dos juristas.
Na impossibilidade do cumprimento da obrigação de pagar o arrendamento, o rendeiro ficaria devendo a prestação aos donos da terra, até que êstes o levassem aos tribunais, que o condenaria à prisão ou a trabalhar para êles até pagar a dívida. Esta última fórmula sempre a preferida, e, por conseqüência, um homem livre se transformava num servo. Mantiveram-se desde então, num nível seguro, os rendimentos dos castelões.
Os juízes foram desarmados do poder de revisão dos contratos mesmo nos casos de extrema ruína do devedor e da locupletacão do credor com a necessidade alheia. Princípio que vigorou até nossa época e que pode ler resumido assim: “a liberdade de querer cessa quando se contrai a obrigação; depois, nada mais resta ao obrigado que cumpri-la”.40
Lentamente, vamos assistindo à mutação dêsses princípios. O Direto e a Física são duas ciências mais atingidas pelo nosso século.
Está morto o universo de NEWTON, COPÉRNICO e GALILEU, cujas leis nossa geração ainda teve como princípios inabaláveis da mecânica celeste e da propriedade dos corpos, e nossa formação clássica de Física nos deixa incapazes de explicar satisfatòriamente o mundo revelado na teoria de EINSTEIN e nos laboratórios do Prof. NILS BOHR.
Também no campo do Direito se opera fenômeno semelhante, embora mais lento, tão profundo quanto aquêle, atingindo tôda hermenêutica e processualística com um novo conceito social da aplicação da lei.
Alterou-se a vida da humanidade em conseqüência de um grande progresso nas ciências de laboratório, na Filosofia, nos novos métodos de produção em massa, fatos sociais que influem na jurisprudência e começam a dar novo aspecto ao direito positivo.41
Variando em doutrina, mas de acôrdo num ponto contrário à aplicação mecânica da lei, que levaria a transformar o julgamento num problema de lógica, abstraída da realidade social viva, levantaram-se vários juristas – desde o alvorecer dêste século42 – cuja influência foi decisiva para os novos rumos do Direito.
A cláusula rebus procede do Direito Canônico e o nome – como nas encíclicas papais – pela expressão mais importante do texto latino: “In contractos gui habent tractum sucessivum et dependentlam de futuro, rebus sic stantibus intelliguntur”, isto é: deve admitir-se a revisão dos contratos de trato sucessivo, pela mudança do estado de fato no qual foram celebrados.43
Não gostamos de definições, mas se quisermos completar a definição acima, diremos: é causa do não-cumprimento total ou parcial das obrigações em atos jurídicos de trato sucessivo ou dependentes de prestação futura, desde que mudado o estado de fato vigente ao início da sua execução, de forma a tornar demasiado onerosa a obrigação assumida.
Dissemos “atos”, porque somos de opinião que a cláusula pode aplicar-se não só aos contratos como também aos atos jurídicos de trato sucessivo.44
O Código de NAPOLEÃO silenciou sôbre a cláusula. Talvez tenha sido a guerra de 1914-1918 a causadora da ressurreição da cláusula rebus do seu esquecimento secular.45 Acreditamos também numa mudança de pensamento dos que sobreviveram à catástrofe e se sentiram mais inclinados à eqüidade, que seus duros antecessores.
O fato é que, normalizada a vida na Europa após a primeira grande guerra, continuou a crescer de importância essa teoria. Basta dizer-se, que, na Semana Internacional de Direito, realizada pela Sociedade de Legislação Comparada em Paris, no ano de 1937, foram apresentadas 16 teses sôbre o assunto – que dominou o plenário – além do relatório do professor NIBOYET e as conclusões de RIPERT.46
Modernizada sob o nome de teoria da imprevisão, várias doutrinas apareceram para estudar seus fundamentos.
Não nos deteremos a examiná-las neste rápido trabalho, mas não podemos deixar de anotar a genial concepção de GIUSEPPE OSTI, que não aceitou o ato de vontade com a simplicidade e generalidade afirmada na lei positiva, reconhecendo a aguda diferença entre a vontade essencialmente simples e imanente à pessoa humana e a execução da vontade, uma ação complexa, dependente de circunstâncias alheias e externas. Parece que a profunda geratriz de injustiças da máxima pactasuntservanda foi identificar aquela execução da vontade – o contrato – com o livre arbítrio, isto é, o poder da vontade de se resolver por sua própria escolha por uma ou outra coisa; de agir ou não, sem constrangimentos exteriores.
Não prevalece a alegação que esta doutrina é psicológica e não jurídica. O direito não pode afastar-se da ciência experimental – ou, pelo menos, recuar os dados da experiência – sob pena de construir no vácuo, como a geometria, cujos princípios geram conseqüências inteiramente alheias à vida humana.
No Brasil, a cláusula, reboa tem encontrado defensores de mérito.47 “Em nosso direito positivo não há um dispositivo geral que reconheça a cláusula rebussicstantibus, nem tampouco algum que a repila”, escreveu EDUARDO ESPÍNOLA.48
No nosso Direito Administrativo é aceita a sua aplicação e são copiosos os pareceres favoráveis, avultando os de CARLOS MEDEIROS SILVA, CAIO TÁCITO e LÚCIO BITTENCOURT.
Aliás, o fenômeno é universal neste campo, como salientou o Prof. ADELQUI CARLOMAGNO: “La imprevisión, evidentemente, se aplica mejor al campo administrativo, caracterizado por la mayor magnitud y duración del objeto, y también por el servicio público, donde paralelamente a la rigidez del mismo, está la necesaria flexibilidad del contrato administrativo, en razón de ene objeto qui es casi siempre técnico… Lo que no significa sin embargo, que no pueda aplicarse también al derecho privado, muchas de cuyas situaciones se aproximam a las características señaladas por el derecho público…” (ob. cit., pág. 12, nota).
No direito privado, A. DE ALMEIDA PAIVA, na obra que citamos acima, transcreve o texto do anteprojeto do Cód. de Obrigações elaborado pelos juristas OROZIMBO NONATO, FILADELFO AZEVEDO e HAHNEMANN GUIMARÃES, nestes têrmos: “Quando por fôrça de acontecimentos excepcionais e imprevistos ao tempo da conclusão do ato, opõe-se ao cumprimento exato dêste dificuldade extrema, com prejuízo exorbitante para uma das partes, pode o juiz, a requerimento do interessado e considerando com equanimidade a situação dos contratantes, modificar o cumprimento da obrigação, prorrogando-lhe o têrmo ou reduzindo-lhe a importância”.49
Vemos, pois, que os eméritos juristas admitem expressamente a doutrina da imprevisão, por via da interpretação judicial, armados os juízes dos poderes e faculdades para aplicação da doutrina nos casos concretos, fórmula mais viável para aceitação da cláusula rebussicstantibus no direito moderno.
Quanto ao Direito do Trabalho, todo o processo de revisão das sentenças normativas é fundamentado no instituto da imprevisão. Não há mais, neste ponto, dúvida na doutrina e na jurisprudência e a própria norma legal – art. 873 da Consol. das Leis do Trabalho – a estabelece expressamente.
ARNOLDO MEDEIROS DA FONSECA, na sua obra “Caso Fortuito e Teoria da Imprevisão”, termina o capítulo sôbre a revisão nos contratos coletivos de trabalho com estas palavras: “Não se compreenderia que, um ramo de direito que procure proteger os econômicamente fracos, para assegurar a paz social, a justiça especial que o aplica, se insensibilizasse diante de uma situação ineqüitativa e injusta, decorrente de fatos imprevistos, podendo dar lugar a conflitos prejudiciais aos altos interêsses da coletividade”.50
A revisão das sentenças normativas, que no fundo não passa de um reexame da questãojádecidida na sentença originária, cujas condições podem deixar de ser atendidas “e até mesmo substituídas por outras que nem existiam na primitiva sentença – por exemplo, a cláusula-assiduidade”;51 eis uma característica própria, marcante e inconfundível, de uma nova processualística que representa, na ciência do direito algo até então desconhecido.
As concessões da doutrina clássica para os novos métodos interpretativos
5. Ora, no campo das ciências jurídicas sociais, se formos atender que a função do julgador consiste simplesmente em aplicar as normas da lei aos casos concretos submetidos a julgamento; se limitarmos as sentenças coletivas aos conceitos clássicos da coisa julgada, sua eficácia e autoridade; se considerarmos rigidamente os princípios da autonomia da vontade, então, o poder normativo, estabelecido no § 2° do art. 123 da Constituição, será uma lei morta, pela sua finalidade inatingível nos moldes clássicos do Direito. A vontade do legislador, imposta pelas condições atuais da sociedade humana, é, evidentemente, que as convenções coletivas tenham fôrça para modificar ou anular os contratos individuais que estiverem contra suas condições; é que as sentenças oriundas dos dissídios coletivos nasçam da situação econômica dos empregados e das emprêsas, sopesando mais a balança do lucros e dos salários que algum texto amigo de lei.
Seria inadmissível hoje, em face dos baixos salários ou condições escorchantes de trabalho de determinada categoria profissional e, do outro lado, lucros formidáveis do grupo econômico, fôsse o julgador desprezar a pobreza de uns e a grandeza de outros, para verificar se essas condições nasceram ou não de algum ato jurídico perfeito, ou contrato individual pactuado dentro da lei da época.
GEORGES RIPERT, numa das suas últimas obras,52 reconhece a competência dos juízes para fazer viverefetivamente uma lei. Inclui também o poder de interpretação do juiz para, além de precisar o alcance de uma norma legal, convertê-la num princípio jurídico que estava implícito em várias leis. “Assim se formou na jurisprudência a teoria do enriquecimento sem causa, a da ordem pública, a do abuso do direito”.53
Ouçamos um trecho do livro citado do professor de Paris: “A lei permanece na ordem jurídica formal desde seu nascimento, até sua morte; e sua morte não pode ser decretada senão pelo legislador que a criou. Porém, durante sua vida a lei escapa ao domínio do seu criador. A norma ditada pela lei não deve ser violada pelos que a aplicam, porque isto seria criar a desordem; não deve haver jurisprudência contrária a uma norma legal precisa e determinada. Porém, a regra não penetra a realidade jurídica senão através do poder judicial encarregado de aplicá-la; e o poder de aplicação consiste em fazê-la viver de modo útil. M. BOULANGER assinalou o poder de rejuvenescimento, que pertence à função judicial. Êste rejuvenescimento da regra consiste em fazê-la viver de acôrdo com a necessidade da época presente. Afirmar a autoridade da antiga fôrça textual das leis, poderia conduzi-las à impotência e à inutilidade em uma sociedade transformada”.54
Foi justamente para evitar essa impotência e inutilidade que nasceu a chamada interpretaçãosociológicadalei, que leva em conta fatôres econômicos e sociais desconhecidos da antiga jurisprudência.
É de justiça reconhecer que, largamente aplicados, nenhuma arbitrariedade surgiu dos novos métodos interpretativos; que uma soma considerável de benefícios nasceu do poder normativo concedido aos tribunais trabalhistas, malgrado as profecias sustentadas por aquêles que o combateram e que esperavam ver na Constituição de 1946 uma ressurreição aos moldes liberais da Carta de 1891.
Nenhuma sentença normativa foi dada em nosso País sem que antes um minucioso levantamento de dados financeiros, do custo de vida, de possibilidade econômica das emprêsas, tenha sido feito, perseverantemente, como preliminar do julgamento do dissídio.
Tanto uma justiça para os financeiramente débeis – rápida e barata – como uma justiça para as categorias patronais, que dela têm recebido a melhor base para o atual surto industrial e comercial do País: a paz social.
CONCLUSÕES
A) O poder normativo dos Tribunais do Trabalho representa o reconhecimento dos direitos do grupo sobrepostos ao individualismo e marca uma nova época, na Ciência do Direito, nascida da consciência coletiva, fenômeno do nosso século;
B) as sentenças normativas formam uma categoria única e especial, que mais se aproximam da norma que das sentenças comuns; devem ser interpretadas como regulamentos de categoria;
C) a cláusula rebussicstantibus está implícita nos contratos coletivos e nas sentenças normativas. Caminha ràpidamente para aceitação na lei positiva do Direito Privado, não como preceitos especificados no Código, mas como faculdade concedida aos juízes para a revisão dos contratos, segundo os princípios da eqüidade, que SZLATIS chama “a estrêla polar do direito”.
___________
Notas:
1 “Baseado em estimativa meticulosa e imparcial – a do Prof. M. ADELMAN, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts – 135 grandes emprêsas são detentoras de 45% do acervo industrial dos Estados Unidos, ou seja, quase a quarta parte da capacidade industrial do mundo inteiro”. Veja-se A. A. BERLE JR., “A Revolução Capitalista do Século XX”, e êsse interessante livro para maiores detalhes sôbre a atuação da emprêsa na vida moderna.
2 Em 1921, a Justiça dos Estados Unidos desarticulou a Standard Oll Company, instituição mais poderosa que muitos Estados modernos. Também a jurisprudência influiu poderosamente para a divisão em três companhias da Aluminum Company of America.
3 Mensagem de 29 de abril de 1938, in “Monopoly and Free Enterprise”, GEORG W. STOCKING Y MYRON W. WATKINS pág. 52, citado por JOHN KENNETH GALBRAITH, “Capitalismo Americano”, Barcelona, pág 99.
4 “Temporary National Economic Committee”, J. K. GALBRAITH, ob. cit., pág. 99.
5 A título de ilustração dessa afirmativa, reproduzimos os sete princípios básicos adotados pelo acôrdo entre as emprêsas de petróleo, denominado “As Is Agreement”, realizado em Achnacarry, Inglaterra, em 1928:
1) Cada companhia reteria, em qualquer território, a percentagem do mercado que desfrutasse na ocasião.
2) O total das facilidades operacionais de que dispusessem os participantes deveria ser pôsto à disposição dos concorrente a um preço não inferior ao custo real porém a um custo mais baixo do que resultaria se o concorrente em aprêço se visse obrigado a construa novas instalações.
3) Novas facilidades sòmente seriam construídas para satisfazer às necessidades de um aumento de consumo.
4) Cada área produtora teria a vantagem decorrente de sua situação geográfica, isto é, deveria vender ao mercado mais próximo.
5) O abastecimento de cada mercado deveria se originar da área produtora mais próxima.
6) O excedente da produção não deveria ser descarregado em outras áreas de forma a comprometer a estrutura de preços ali prevalecentes. Na prática, isto significava que a produção excedente poderia ser vendida em qualquer parte no preço vigorante, mas, se não pudesse ser colocada àquele preço devera ser fechada.
7) Não se tomara nenhuma medida tendente a aumentar o custo de produção do petróleo.
…O comitê AS IS de Londres composto ao que se presume de representantes da Standard Oil Company of New Jersey Anglo Persian Company, Royal Dutch, Shell, Socony Vacuum, Gulf, Texas Atlantic e possìvelmente a Sinclair… (A. A. BERLE JR., ob. cit., págs. 143 e segs. e 147).
6 Não se diga que esta regulamentação é conseqüência do intervencionismo estatal dos regimes de fôrça. Nos E.U.A. são regulamentados: os bancos, pela FederalReserve; as estradas de ferro e transportes pelo InterstateCommerceAct; luz e energia elétrica, pelo FederalPowerCommissionAct; rádio e televisão, pelo FederalCommunicationsAct; petróleo e derivados. Pela InterstateOllCompact e o ConnallyHotOllAct; a indústria açucareira, de acôrdo com o SugarAct, e muitos outros setores da atividade industrial sujeitos a um regime de entendimentos controlados pela lei, o que afasta a competição entre emprêsas, pelo menos a competição como a entenderam os economistas até hoje.
7 Em 1949, nos Estados Unidos foram gastos 42 milhões de dólares em anúncios de cigarros.
8 A. A. BERLE JR., ob. cit., pág. 61.
9 “El reglamento de fabrica no puede valer como convención escrita; no tiene, en realidad, el carácter de una convención, de un contrato en el sent do propio de la palabra, porque no es sino un ordem, un conjunto de deberes impuestos por uno de los contratantes – el patrón – al otro contratante el obrero…” (BODEUX “Etudes sur le Contract de Travail”, apud CARBONE OYARZUM, “Contratos de Adhesión”, Buenos Aires; pág. 44).
10 Na América do Norte (E.U.A.) e outros países onde o Estado se reserva uma função policial deixando os grupos resolverem seus conflitos com suas próprias fôrças, já se nota um movimento tendente à reforma do Cód. Civil. Estas são palavras de BERLE JR.: “Parece indicar-se com clareza imperiosa a necessidade de instituir-se um Cód. Civil atualizado, dotado de competência suficiente para criar um forum através do qual se possam obter decisões precisas e rápidas” (ob. cit., pág. 103).
Em verdade, à extraordinária plasticidade do Direto Constitucional americano se deve o fato daquele país ter podido enfrentar situações insolúveis no texto da lei civil.
11 Citado por GERALDO BEZERRA DE MENESES, ob. cit., pág. 18.
12 PONTES DE MIRANDA, “Comentários à Constituição Brasileira de 1946”, art. 123, volume II, pág. 424.
13 CARLOS MAXIMILIANO, “Comentários à Constituição Brasileira”, pág. 405.
14 … “A fôrça não cria nunca o direito. Não há o direto da fôrça. O direito é que legitima a fôrça. E a consciência que cada um tem de ser legítimo o emprêgo da fôrça para sancionar a regra social que eleva esta à categoria de regra jurídica” (CARLOS CAMPOS, “Sociologia e Filosofia do Direito”, página 21).
15 Admite-se o pagamento de parte do salário em utilidades, com as ressalvas do art. 463 da Consol. das Leis do Trabalho, o que veio acabar com a exploração oriunda do pagamento in natura, o chamado TruckSistem.
16 Vide o magnífico estudo do professor ORLANDO GOMES, in “O Direito do Trabalho”.
17 DUGUIT “Los Transformations du Droit Public” apud ORLANDO GOMES, ob. cit., página 254.
18 “O nosso Direito do Trabalho conquanto não o faça expressamente admite tal distinção. Em apoio desta argüição, temos o disposto no dec.-lei nº 1.237, de 1939, art. 66, onde se fala em “dissídio coletivo” que tenha por motivo novas condições de trabalho” (GERALDO BEZERRA DE MENESES, ob. cit., pág. 13).
19 “A sentença coletiva faz, então, res judicata, com o trânsito em julgado. Serve de norma exeqüível por si” (PIRES CHAVES, “Da Ação Trabalhista”, ed. “REVISTA FORENSE”, pág. 327.
20 GUIDO ZANOBINI, “Corso di Diritto Corporativo”, apud PIRES CHAVES, ob. cit., pág. 327.
21 LITALA, “Diritto Processuale del Lavoro”, apud OLIVEIRA VIANA, “Problemas de Direito Corporativo”, pág. 290.
22 OLIVEIRA VIANA, ob. cit., pág. 114.
23 LUÍS RECASENS SICHES. “Nueva filosofia de la interpretación del derecho”, México, 1966, pág. 269.
24 CHIOVENDA, “Principi”, págs. 53 e segs. “Sentença constitutiva é aquela que determina a constituição de uma relação jurídica nova, ou que introduz modificações ou a dissolução de uma relação jurídica preexistente” Vide, DE LITALA, “Derecho Procesal del Trabajo”, Buenos Aires, vol. I, pág. 198.
25 CARNELUTTI, “Lezioni di diritto Processuale”: “Não existindo norma material que solucione a questão, o juiz compõe a lide por intermédio do processo” (DE LITALA, ob. cit., pág. 198).
26 PERGOLESI, “Diritto corporativo”, edição 1935, pág. 527 também, no que se refere às controvérsias relativas à constituição de novas condições de trabalho, as denomina sentençaseconômicasdotrabalho (in DE LITALA, ob. cit., vol. I, pág. 199).
27 ROGER PINTO, “Dos juges qui re gouvernent pas”, in GERALDO BEZERRA DE MENESES, ob. cit., pág. 36.
28 Ob. cit., págs. 195 e 196.
29 “Da Ação Trabalhista”, ed. “REVISTA FORENSE”, 1956, pág. 815.
30 Aqui, PIRES CHAVES se refere às sentenças em conflitos coletivos de natureza jurídica.
31 O ilustre jurista nunca afirmou, taxativamente, em sua obra, a inexistência da coisa julgada nos dissídios coletivos, mas esta é uma conclusão que achamos lógica, dos seus conceitos de sentença normativa.
32 EDGAR DE OLIVEIRA LIMA, “Poder normativo da Justiça do Trabalho”, in “REVISTA FORENSE”, vol. 114 pág. 258. “O juiz, nesse caso substitui-se: às partes, na criação de uma vontade contratual; ao legislador, na criação de uma norma geral; em qualquer dos casos, sai fora da órbita própria à função jurisdicional” (DEVEALI, in ob. cit., pág. 259).
33 “Resiudicatatertiusnequenocetnequeprodest“, é o princípio inconteste de direito, segundo o qual a coisa julgada opera exclusivamente entre as partes. Vide LIEBMAN. “Eficácia e autoridade da sentença”; PEDRO BATISTA MARTINS. “Comentários ao Código de Processo Civil”, principalmente pág. 311.
34 CESARINO JÚNIOR, “Direito Social Brasileiro”, vol. II, pág. 94.
35 V. PIRES CHAVES “Da Execução Trabalhista”, ed. “REVISTA FORENSE”, pág. 287.
36 “L’Evolution des Conventions Collectives de Travail”, apud A. B. COTRIM NETO, “Dos Contratos Coletivos de Trabalho”, pág. 109.
37 Esta também a opinião de ALFREDO GAETE (“Derecho Procesal del Trabajo”).
38 Êste não é o pensamento de muitos doutrinadores. Citamos o trabalho de VÍTOR NUNES LEAL, contrário à nossa conclusão, publicado na “REVISTA FORENSE”, sob o título “Funções normativas de órgãos judiciários”, volume 117, págs. 24 e segs.
39 No universo não existem princípios absolutos: esta é a primeira e mais importante conclusão do sistema filosófico de EINSTEIN.
40 “Perchè il volere in senso giuridico presappone per logica necessità la potesta de non volere” (PUGLIESI, apud ARNOLDO MEDEIROS, “A Teoria da Imprevisão”, pág. 210).
41 “Los nomes de KANT, HUMBOLDT y STUART MILL van unidos a los progresos y consolidación del liberalismo en el siglo XIX. Las varias doctrinas de filosofia social del siglo XIX y también del XX – las quales albergan importantes criterios de estimativa juridica – han contribuido también decisivamente a la reforma del derecho positivo, dando a êste una función de solidariedad y cooperación sociales” (L. RECASENS SICHES, ob. cit., pág. 11).
42 Entre os quais, na França: FRANÇOIS GENY, RENÉ DEMOGUE, J. CRUET, MORIN, GURVITCH, etc. Nos Estados Unidos, OLIVER WENDELL HOLMES, BENJAMIN CARDOZO (juízes da Suprema Côrte), GRAY, ROSCOE POUND, LLEWELLIN e JEROME FRANK. Na Alemanha, EHRLICH, ISAY. Na Itália, CARNELUTTI, etc.
43 A tradução do texto latino é de OSTI. O texto procede de BARTOLO, por interpretação do frag. 8, tít. XII, Livro IV do “Digesto”.
44 BONNECASE sustenta que pode ser aplicado a atos jurídicos unilaterais como a promessa de venda; e também nos legados, segundo ADELQUI CARLOMAGNO, “La Teoria de la Imprevisión y frustración en los contratos”, página 14.
45 “Daí o recurso dos juristas de pós-guerra à cláusula rebussicstantibus, preocupados justamente em atender aos apelos dos que se viram na impossibilidade de dar execução aos contratos a que anteriormente haviam se vinculado, em virtude da profunda alteração da situação de fato existente quando de sua estipulação” (ALFREDO DE ALMEIDA PAIVA, “Aspectos do Contrato de Empreitada”, ed. “REVISTA FORENSE”, pág. 57).
46 Essas interessantes teses foram publicadas nos “Traveaux de la Sémaine International de Droit”.
47 Vejamos ràpidamente como a teoria da imprevisão é vista no estrangeiro. França: negada a revisão pelo juiz, em direito privado; admitida em Direito Administrativo (célebre caso da Cia. de Gás de Bordéus, etc.). Alemanha: admitida, antes da última guerra mundial; é copiosa e jurisprudência do Tribunal Supremo do Reich; não possuímos dados para afirmar qual a orientação atual da República alemã. Itália: admitida. O art. 1.467 do Cód. Civil italiano consagra o princípio da excessiva onerosidade superveniente embora, no parecer do professor A. CARLOMAGNO (ob. cit., pág. 13), limite-se ao contrato coletivo e àquele em que o Estado é parte. Inglaterra: negada. Em nenhum país do mundo o direito é tão rígido e indiferente à pobreza e aos fatos sociais. Nos raros casos de exceção a esta regra, não pode identificar-se a cláusula rebus, senão motivos de fôrça maior que modificaram completamente a natureza da execução.
48 ALMEIDA PAIVA, ob. cit., pág. 61.
49 Ob. cit., Rio, 1966, pág. 62.
50 Ob. cit., pág. 287.
51 PIRES CHAVES, “Da Ação Trabalhista”, pág. 330.
52 “Les forces créatrices du droit”, Paris, 1955.
53 O Dr. L. RECASENS SICHES, professor da Faculdade de Direito da Universidade do México; na sua mais recente obra, várias vêzes citada no presente artigo, dedica o último capítulo ao estudo das concessões da doutrina clássica pelo seu atual representante, o Dr. RIPERT.
54 G. RIPERT, ob. cit., apud L. RECASENS SICHES, pág. 299.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 4
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 5
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 6
NORMAS DE SUBMISSÃO DE ARTIGOS

I) Normas técnicas para apresentação do trabalho:
- Os originais devem ser digitados em Word (Windows). A fonte deverá ser Times New Roman, corpo 12, espaço 1,5 cm entre linhas, em formato A4, com margens de 2,0 cm;
- Os trabalhos podem ser submetidos em português, inglês, francês, italiano e espanhol;
- Devem apresentar o título, o resumo e as palavras-chave, obrigatoriamente em português (ou inglês, francês, italiano e espanhol) e inglês, com o objetivo de permitir a divulgação dos trabalhos em indexadores e base de dados estrangeiros;
- A folha de rosto do arquivo deve conter o título do trabalho (em português – ou inglês, francês, italiano e espanhol) e os dados do(s) autor(es): nome completo, formação acadêmica, vínculo institucional, telefone e endereço eletrônico;
- O(s) nome(s) do(s) autor(es) e sua qualificação devem estar no arquivo do texto, abaixo do título;
- As notas de rodapé devem ser colocadas no corpo do texto.
II) Normas Editoriais
Todas as colaborações devem ser enviadas, exclusivamente por meio eletrônico, para o endereço: revista.forense@grupogen.com.br
Os artigos devem ser inéditos (os artigos submetidos não podem ter sido publicados em nenhum outro lugar). Não devem ser submetidos, simultaneamente, a mais do que uma publicação.
Devem ser originais (qualquer trabalho ou palavras provenientes de outros autores ou fontes devem ter sido devidamente acreditados e referenciados).
Serão aceitos artigos em português, inglês, francês, italiano e espanhol.
Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.
Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.
Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:
- adequação à linha editorial;
- contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
- qualidade da abordagem;
- qualidade do texto;
- qualidade da pesquisa;
- consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
- caráter inovador do artigo científico apresentado.
Observações gerais:
- A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
- Os autores assumem a responsabilidade das informações e dos dados apresentados nos manuscritos.
- As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade.
- Uma vez aprovados os artigos, a Revista Forense fica autorizada a proceder à publicação. Para tanto, os autores cedem, a título gratuito e em caráter definitivo, os direitos autorais patrimoniais decorrentes da publicação.
- Em caso de negativa de publicação, a Revista Forense enviará uma carta aos autores, explicando os motivos da rejeição.
- A Comissão Editorial da Revista Forense não se compromete a devolver as colaborações recebidas.
III) Política de Privacidade
Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo disponibilizados para outras finalidades ou a terceiros.
LEIA TAMBÉM: