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Nulidades no Direito contratual do Trabalho

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Nulidades no Direito contratual do Trabalho

DIREITO CONTRATUAL

NULIDADES

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REVISTA FORENSE 155

Revista Forense

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01/11/2022

REVISTA FORENSE – VOLUME 155
SETEMBRO-OUTUBRO DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICA

  • Intervenção Econômica do Estado Modernorevista forense 155

DOUTRINA

PARECERES

  • Mandado de Segurança Contra a Lei em Tese – Ato Normativo – Requisição de Aguardente pelo Instituto do Açúcar e do Álcool, Francisco Campos
  • Fideicomisso e Usufruto – Distinção, Carlos Medeiros Silva
  • Impôstos – Arrecadação Estadual – Excesso a ser entregue aos Municípios, Aliomar Baleeiro
  • Impôsto de Renda – Pessoa Jurídica Domiciliada no Estrangeiro – Convenção de “Royalties”, Rui Barbosa Nogueira
  • Contrato Administrativo – Revisão de Preço – Teoria da Imprevisão, Caio Tácito
  • Contrato por Correspondência com Firma Estrangeira – Nota Promissória – Requisitos Essenciais, Afrânio de Carvalho
  • Advogado – Retirada de Autos de Cartório – Processos Criminais, Evandro Lins e Silva

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • A Conclusão de Atos Internacionais no Brasil, Hildebrando Accioly
  • O Federalismo e a Universidade Regional, Orlando M. Carvalho
  • Inelegibilidade por Convicção Política, Osni Duarte Pereira
  • Embargos do Executado, Martins de Andrade
  • Questão de Fato, Questão de Direito, João de Oliveira Filho
  • Fantasia e Realidade Constitucional, Alcino Pinto Falcão
  • Da Composição da Firma Individual, Justino de Vasconcelos
  • A Indivisibilidade da Herança, Gastão Grossé Saraiva
  • O Novo Consultor Geral da República, A. Gonçalves de Oliveira
  • Desembargador João Maria Furtado, João Maria Furtado

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA

LEGISLAÇÃO

SUMÁRIO: Generalidades. Caracterização da “ordem pública”. Leis de ordem pública e leis imperativas. Evolução do princípio da autonomia da vontade. Processos técnicos para o seu reajustamento. Natureza dos interêsses protegidos. Gradação das sanções civis. Contratualidade da relação de emprêgo. Regime das nulidades em Direito contratual. Leis de proteção a interêsses individuais. O recibo de quitação passado por menor. A limitação do prazo do contrato de trabalho. A fixação do intervalo máxima para o pagamento do salário. A proibição de efetuar desconto no salário. Alteração das condições de trabalho. Interêsse de qualificar as nulidades. Influência do tempo sôbre os atos nulos e anuláveis. A adesão abdicativa. Dosagem das sanções. Conclusões.

Sobre o autor

Orlando Gomes, Professor da Faculdade de Direito da Universidade da Bahia

DOUTRINA

Nulidades no Direito contratual do Trabalho

1. Generalidades.

A sistematização das nulidades em Direito do Trabalho exige prévio esfôrço analítico, à luz de conceitos gerais nem sempre pacíficos.

A primeira questão que se apresenta consiste em saber se os atos jurídicos imperfeitos admitem tratamento uniforme ou, se, ao contrário, a sua diversidade morfológica e funcional força a elaboração de regimes particulares.

Os esforços desenvolvidos para a construção de uma teoria geral têm sido improfícuos.

A unificação enfrenta particularismos irredutíveis. Assim, multiplicam-se especializações à margem das idéias gerais admitidas como postulados nucleares de um sistema central.

Para saber se o Direito do Trabalho reclama regime especial, é preciso determinar, primeiramente, a natureza de seus preceitos.

Disputa-se ainda sôbre o seu enquadramento no Direito Público ou no Direito Privado. A dificuldade de se encontrar uma linha divisória nítida entre essas duas formas gerais do Direito decorre da ausência de critério para definir a essência de cada qual. Mesmo que se aceitasse o combatido critério teleológico, não seria fácil incluir o Direito do Trabalho em uma das duas categorias. A finalidade das leis sociais empresta-lhes acentuado cunho político, que, todavia, destorce a sua destilação, dificultando a qualificação.

Mas, a classificação do Direito do Trabalho como um dos ramos do Direito Público ou do Direito Privado seria simples questão acadêmica se, nas suas dobras, não estivesse contido o problema, importante pelas suas repercussões práticas, da qualificação de seus preceitos, para o fim de lhes avaliar a fôrça obrigatória.

2. Caracterização da “ordem pública”.

Em verdade, o que mais importa saber é se as normas jurídicas de regula. Tentação do trabalho estão compreendidas entre as disposições de ordem pública.

A impossibilidade de conceituar a ordem pública, por todos reconhecida, não pode ser contornada, sequer, pelo expediente da enumeração dos preceitos desta natureza, uma vez que, por sua complexidade, teria caráter meramente exemplificativo. Tão importante é, no entanto, êsse conceito, que a impossibilidade de o fixar numa fórmula precisa e escorreita não impede que se o substitua por uma idéia geral, de caráter indicativo. No que toca ao Direito Público, os preceitos de ordem pública seriam todos os que concernem aos interêsses essenciais do Estado e da coletividade, e, no Direito Privado, os que fixam as bases jurídicas sôbre as quais repousam a ordem econômica ou moral de uma sociedade determinada (DE PAGE). Fundamentalmente, seriam normas de ordem pública no campo do Direito Privado: 1º) as que regulam o estado e a capacidade das pessoas; 2º) as que organizam a família, a propriedade e o regime de sua aquisição e perda; 3°) as que impõem às partes proibições ou medidas ditadas no interêsse dos terceiros (DE GASPERI).

3. Leis de ordem pública e leis imperativas.

Delineada a ordem pública por êsses largos traços, a sua caracterização só se aclara com distinção entre leis imperativas e supletivas. As primeiras contêm uma ordem irresistível. Inderrogáveis pela vontade das partes são os preceitos nos quais a obrigatoriedade da lei se revela em tôda a sua virtualidade. As leis supletivas aplicam-se, ùnicamente, se as partes não regulam seus interêsses pelo modo que mais lhes convém. Não impõem, não ordenam, não exigem. O legislador lhes oferece uma solução, que aceitam ou não.

À primeira vista, poderia parecer que há coincidência necessária entre a lei imperativa e a lei de ordem pública. A aparência é enganosa. Equívoco perigoso é supor, com efeito, que tôda lei imperativa é de ordem pública. Ùltimamente muitas leis, outrora supletivas, adquiriram o cunho da imperatividade, por conveniência social. No propósito de proteger pessoas expostas à submissão ou à exploração, porque se encontrem em circunstâncias socialmente desfavoráveis, uma nova política legislativa, por vêzes afeita, invade a esfera da autonomia da vontade, que se retrai e encolhe diante dos golpes desferidos. Onde o legislador se ausentava para não ferir a liberdade de contratar e onde proporcionava apenas um sucedâneo à vontade das partes, florescem, com exuberância, leis imperativas. Mas, a conversão das leis supletivas não significa que os interêsses que passaram a ser tutelados tenham adquirido a natureza de interêsses essenciais do Estado ou da coletividade ou de interêsses orgânicos da economia e da moralidade sociais. As novas leis imperativas, em sua maior quantidade, não condensam preceitos de ordem pública.

Como o Direito do Trabalho se constitui de normas tutelares de uma categoria de pessoas, cujas relações se estruturavam sob a égide do princípio da autonomia da vontade, tal como o concebia a doutrina do individualismo jurídico, a imperatividade atual dos seus preceitos não significa, ipso facto, que adquiriram a natureza de regras de ordem pública.

Esta primeira verificação é de importância decisiva para a compreensão do regime especial de nulidades a que se deve subordinar.

Não basta afirmar, todavia, que as leis imperativas do Direito do Trabalho, na sua maioria, não são leis de ordem pública. É preciso esclarecer porque, sem ter essa natureza, contudo, são imperativas.

4. Evolução do princípio da autonomia da vontade.

A imperatividade dessas leis é processo técnico para a realização de fins políticos. A atividade econômica dos homens desenrola-se jurìdicamente através de relações livremente estabelecidas. Superados os sucessivos regimes de trabalho obrigatório, o consentimento de quem trabalha é um dado irremovível da organização econômica. Conseqüentemente, o contrato constitui o instrumento, por excelência, da vida econômica, o meio técnico pelo qual as vontades se encontram e se harmonizam. Assegurou-se o poder de livremente, pelo acôrdo de vontades, fixarem-se os direitos e obrigações recíprocos, correspondentes à relação jurídica contraída. A vontade individual era autônoma para escolher a forma de vinculação jurídica e para determinar os efeitos que deveria produzir.

Causas e fatôres, que não precisam ser apontados, mostraram que a desigualdade social impedia que o princípio da autonomia da vontade, tal como o formulara a doutrina individualista, realizasse a idéia de liberdade, da qual pretendia ser a aplicação no campo do direito contratual. Foi, principalmente, no terreno das relações de produção que a sua frustração se manifestou de modo mais incisivo e ostensivo. Não só porque, nesse terreno, as desigualdades, tanto econômicas como sociais, se aprofundaram com os progressos do capitalismo, mas, também, porque, aí, a necessidade de ganhar a vida obriga a quase totalidade dos homens a empregar a sua atividade profissional trabalhando sob a direção e em proveito de outrem. O princípio da autonomia da vontade, para vigorar plenamente, exigia que a igualdade jurídica, seu suporte, correspondesse à igualdade social. O divórcio entre as duas igualdades revelou-se abertamente. Permaneceu como uma abstração a igualdade de todos perante a lei. A evolução necessária do princípio verificou-se, então, no sentido da regulamentação legal dos contratos nos quais é manifesta a desigualdade econômica e social. Processa-se, ainda hoje, sob a forma de limitação à liberdade de contratar.

Outrora, os limites postos a essa liberdade eram, exclusivamente, a ordem pública e os bons costumes. Incorreria em equívoco quem sustentasse que essas lindes perduram com o caráter de exclusividade, alteradas apenas em sua extensão. Não foi a noção de ordem pública que se alargou. Novos limites se criaram, fundados em razões de conveniência social, que não traduzem, porém, interêsses do teor daqueles que se consubstanciam, quer no Direito Público, quer no Direito Privado, certos valores reputados intocáveis e invulneráveis, condensados na expressão ordem pública.

A razão por que os novos limites não podem ser incorporados à noção de ordem pública reside na carência de substância política para que sejam elevados, na ordem reinante, à categoria dos valores supremos que constituem o mínimo de estabilidade social, segundo a ideologia dominante.

Mas, em proveito dessa estabilidade mesma, e, portanto, por uma questão de conveniência social, impõem-se limitações à liberdade de contratar, sob sanção que, na forma, se identifica, não raro, à pena imposta ao transgressor de um preceito de ordem pública, mas que, no fundo, não pode ter a mesma reatividade.

A identidade formal tem concorrido para difundir a confusão entre lei imperativa e lei de ordem pública. Mas o conhecimento do sentido em que evolui o princípio da autonomia da vontade ajuda a dissipar essa confusão na esfera em que a imperatividade das leis se apresenta, nem mais, nem menos, do que como simples processo técnico para corrigir desigualdades, restaurando a liberdade, que fôra sacrificada no regime em que se apoiava numa igualdade simplesmente teórica.

5. Processos técnicos para o seu reajustamento.

Êsse desiderato pode ser alcançado, realmente, por vários meios. Dentre os processos técnicos utilizados, o de mais larga aplicação tem sido o de ditar leis imperativas para disciplinar o conteúdo dos contratos nos quais a desigualdade econômica e social das partes não permite o rendimento normal do princípio da autonomia da vontade. A função de tais leis é impedir que o mau uso da liberdade de contratar enseje a uma das partes a possibilidade de fixar soberanamente os efeitos do contrato, impondo a sua vontade em condições lesivas. Em síntese, a lei limitando, em caráter geral, a liberdade de contratar dos que se encontram em determinada situação, exerce uma ação profilática contra uma lesão potencial. Preserva certas pessoas da exploração e da opressão de outras, precisamente as que podem aproveitar-se da inexperiência ou da necessidade daquelas. É importante assinalar êsse significado das limitações impostas à liberdade de contratar, porque revela a natureza dos interêsses que a lei quer proteger.

A convicção de que o objetivo é neutralizar os efeitos da deformação do princípio da autonomia da vontade como causa potencial de lesão, se reforça pelo conhecimento de outros processos técnicos, notadamente o da discussão corporativa, através do qual o princípio se restaura na sua plenitude dispensando a intervenção do legislador sob a forma de leis imperativas. Nesse mesmo setor das relações de produção, se o processo da discussão corporativa pudesse ser generalizado, passando a ser a forma normal de pré-regulamentação dos vínculos jurídicos, as leis imperativas de limitação da liberdade de contratar tornar-se-iam supérfluas, senão excrescentes. A regulamentação legal do conteúdo dos contratos seria dispensável. Por êsse processo técnico, a defesa dos interêsses que devem ser respeitados incumbe aos próprios interessados, que, para êsse fim, se organizem, adquirindo, pela associação, a fôrça e o prestígio que isoladamente possuem. Podem enfrentar, assim, os que teriam possibilidade de abusar da sua fraqueza ou da sua necessidade. Organizados, estarão em pé de igualdade para estatuir condições de trabalho que se assemelham à sua regulamentação legal dos contratos, como se verifica com a convenção coletiva de trabalho. Com êste processo restaura-se a possibilidade de aplicação plena do princípio da autonomia da vontade.

6. Natureza dos interêsses protegidos.

O que importa frisar é que a existência de outros processos técnicos que não o da transformação das leis supletivas em leis imperativas indica que os interêsses protegidos por êsse meio, e defensáveis por outros, permanecem na esfera dos que não devem ser incluídos entre os que constituem a ordem pública. Dignos de proteção, conservam-se, entretanto, num plano em que a sua defesa não merece, da ordem jurídica, a sanção que impõe aos infratores dos preceitos de ordem pública. Por outro lado, não perdem a sua natureza de interêsses privados pelo fato de serem protegidos com maior calor e intensidade do que outros da mesma esfera. Realmente, as leis que protegem o mutuário, regulando cláusulas do mútuo, especialmente a que se refere à taxa dos juros, as que amparam o inquilino, disciplinando imperativamente a locação, as que tutelam o empregado, proibindo que concorde com alteração do contrato de trabalho que lhe seja prejudicial, ditam medidas, inspiradas, sem dúvida, em razões de conveniência social, mas que se destinam, em última análise, à proteção de interêsses privados. Essas leis não estão no mesmo plano das que organizam a propriedade e a família, das que estabelecem a liberdade de comércio e de trabalho, ou das que regulam o estado e a capacidade das pessoas. Diferem fundamentalmente, porque as leis de ordem pública, mesmo as que pertencem ao domínio do Direito Privado, preservam, resguardam e defendem interêsses políticos, vale dizer, básicos para a organização social. As leis que instituem o casamento monogâmico e asseguram a propriedade privada são fundamentais para a ordem moral e para a ordem econômica dos nossos dias, não podendo ser equiparadas à que protege, por exemplo, o adquirente de coisa móvel, sob reserva de domínio feita pelo alienante. Não é possível, por conseguinte, que contenham a mesma dose de imperatividade. Por mais respeitáveis que sejam certos interêsses individuais, a lei que os tutela, proibindo que sejam lesados, não sofre desvio em sua destinação. Será sempre uma lei que protege interêsse privado.

7. Gradação das sanções civis.

A razão determinante dessa proteção pode acarretar modulações na sua intensidade, mas, em princípio, a sanção a ser imposta aos que violam disposição legal dessa natureza não deve ser a mais severa. A pena máxima em Direito Privada reserva-se para os atos jurídicos defeituosos que se praticam com infração das disposições legais de ordem pública. Se as sanções civis admitem gradação, os atos que prejudicam interêsses privados, mesmo quando são especialmente protegidos, não devem ser punidos senão na medida em que a punição interessa aos prejudicados.

Esta é a regra dominante no regime de nulidade dos atos jurídicos que gravitam na órbita do Direito Civil.

A êsse regime não se submete entre nós, o Direito do Trabalho. Uma generalização apressada, decorrente da falsa idéia de que tôdas as disposições de caráter imperativo são de ordem pública, transformou em preceito de ordem geral a suposição de que deve ser nulo de pleno direito todo ato, – compreendida qualquer cláusula contratual, – que desvirtue, impeça ou fraude a aplicação dos preceitos que regulam o trabalho subordinado.

A simplificação das sanções, mediante o reconhecimento de uma só espécie de nulidade, precisamente a de grau mais forte, violenta princípios jurídicos respeitáveis e acarreta insustentáveis conseqüências de ordem prática.

A doutrina jurídica admite, nemine discrepante, graus na invalidade dos atos jurídicos. Imprecisão terminológica concorre para estabelecer certa confusão na gradação. Qualificam-se diversamente as modalidades das nulidades, mas não se contesta que existem como processo técnico útil. Aceitando-se denominações usuais, ainda que não muito expressivas dividem-se as nulidades em absolutas e relativas. O que as distingue, como se sabe, é a qualidade do preceito legal inobservado pelas partes. A nulidade é uma sanção. Sua intensidade depende da importância da lei infringida. Se é uma lei de ordem pública que sofre violação, o Direito reage, negando qualquer eficácia ao ato: nihil actum est. Mas, nem tôdas as leis infringíveis são de ordem pública. Inúmeras se estatuem com o objetivo único de proteger interêsses privados. Lògicamente, a sanção deve ser menos enérgica. Instituída em favor de certas pessoas, sua aplicação há de ficar na dependência da vontade do interessado. Sòmente êle pode invocá-la; se não a argúi, o ato subsiste, produzindo todos os seus efeitos. A nulidade é chamada relativa, neste caso, porque interessa apenas ao prejudicado, que é protegido, mas não contra a sua própria vontade ou conveniência.

Estas noções elementares precisavam ser relembradas para avivar o absurdo jurídico que encerra a tese segundo a qual só haveria nulidades absolutas em Direito do Trabalho.

Ao contrário do que afirma essa tese, a orientação dualista, que distingue os atos nulos (nulidade absoluta) dos atos anuláveis (nulidade relativa), tem perfeito cabimento no campo das leis sociais, onde es casos de nulidade relativa quadram melhor aos fins da legislação na parte erra que regula o contrato de trabalho do que os de nulidade absoluta.

É o que se vai ver.

8. Contratualidade da relação de emprêgo.

O Direito pátrio conservou-se fiel ao pensamento clássico da contratualidade da relação de emprêgo. Por mais francos e arrojados que fôssem os declarados propósitos de institucionalização da atividade profissional dos trabalhadores, o contrato individual de trabalho permaneceu como o objeto central da legislação. A sua formação, a sua execução e a sua extinção regulam-se sistemàticamente, embora se tenha procurado, de modo intencional, destacar alguns efeitos para satisfazer ao interêsse de homenagear a concepção estatutária, que se articulava doutrinàriamente com o pensamento político eventualmente dominante na época em que foram consolidadas as leis sociais. Prevaleceu, no entanto, a concepção contratualista, firmada, de modo inequívoco, no art. 444 da Consolidação das Leis do Trabalho, segundo o qual as relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que “lhe sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes”.

A lei brasileira adotou o processo de corrigir os abusas do princípio da autonomia da vontade mediante leis imperativas, ditas de proteção ao trabalho, mas que, em essência, se expressam em fórmulas restritivas da liberdade de contratar das partes interessadas, ditadas com o objetivo de favorecer os trabalhadores para que não sejam forçados a aceitar condições de trabalho prejudiciais a seus interêsses.

É evidente, nestas condições, que não elevou êsses interêsses, na sua generalidade, à altura de interêsses de ordem pública nem os desqualificou como interêsses privados. Para os defender, admitiu, como limite da autonomia da vontade, até as cláusulas de um contrato coletivo, através das quais não seria possível expressar-se a ordem pública, por maior que seja o empenho de se lhe atribuir a natureza de genuína lei no sentido material do vocábulo.

O contrato individual de trabalho é um instrumento de regularização de interêsses privados. Enquanto as emprêsas não forem transformadas em organismos públicos, as relações de trabalho que se travam no seu seio permanecem no âmbito do contratualismo civilístico. Decerto não são indiferentes ao Estado, como órgão da sociedade. Mas o interêsse e o cuidado que suscitam não as transformam em relações de Direito Público, nem lhes emprestam a condição de vínculos que incorporam a interêsses públicos. Essencialmente, o interêsse do patrão é aproveitar o trabalho do empregado para obter vantagens condensadas no lucro, e o do empregado ganhar o salário. O resto pode ser um pensamento generoso, mas vazio de realismo.

9. Regime das nulidades em Direito contratual.

Como contrato de Direito Privado, que o é irrecusàvelmente, o de trabalho há de subordinar-se às regras que disciplinam as nulidades no Direito contratual. Evidentemente, será nulo se contraído por pessoa absolutamente incapaz ou se tiver objeto impossível ou ilícito, ou, ainda, se contrariar alguma genuína disposição de ordem pública. Não se o nega. Apenas se contesta que todo preceito imperativo, de proteção ao trabalho, tenha essa natureza. E se sustenta que muitas dessas leis visam à proteção de interêsses privados razão por que sua inobservância deve acarretar apenas a anulabilidade do ato ou da cláusula infratora.

Por mais estranho que pareça, a legislação do trabalho trata aquêles a quem protege como pessoas incapazes: em seu benefício institui uma série de medidas tutelares. Mas essa incapacidade não é absoluta. Se, não obstante a proteção, se deixar prejudicar, o mais que se pode fazer é facultar-lhe o direito de promover a anulação do ato. Êsse é o ponto nevrálgico da questão. Se o interêsse privado do empregado, no contrato de trabalho, é ferido ou lesado, não há nulidade de pleno direito, mas sim nulidade dependente de rescisão. Examinar os casos de anulabilidade por vício do consentimento na formação do contrato ou por incapacidade relativa para o estipular, é desnecessário. São as situações decorrentes da aceitação, contemporânea ou superveniente, de condições que discrepam do preceito contido em norma protetora de interêsse privado, que exigem análise.

10. Leis de proteção a interêsses individuais. Tomem-se alguns exemplos. A lei proíbe que o menor de 18 anos dê ao empregador quitação pelo recebimento de indenização, sem assistência dos seus responsáveis legais (art. 439); não permite que se estipule contrato de trabalho por prazo superior a quatro anos (art. 445); ordena que o pagamento do salário seja efetuado com o intervalo máximo de um mês (art. 459); desautoriza qualquer desconto no salário do empregado, salvo em casos que especifica (art. 462); torna defesa a alteração das condições contratuais de trabalho, mesmo por mútuo consentimento, desde que acarrete prejuízo para o empregado (art. 468); veda a transferência do empregado, sem a sua anuência, para localidade diversa da que resultar do contrato (art. 469); a validade do pedido de demissão do empregado estável sem a assistência do sindicato (art. 500).

O caráter imperativo dos preceitos legais supramencionados não pode sofrer contestação. Todos encerram uma ordem. Por outro lado, com exceção de dois (artigos 439 e 500), que se referem à extinção do contrato de trabalho, os outros visam a condições que preenchem o seu conteúdo, podendo, por conseguinte, ser objeto de estipulação contratual. Encerram, dêste modo, limitações à liberdade de contratar dos interessadas. Protegem, porém, interêsses privados, já que, por sua qualidade seria absurdo considerá-los de ordem pública.

Dado o cunho de imperatividade dessas disposições legais, qualquer estipulação em contrário deverá ser tida como nula de pleno direito, em face dos têrmos categóricos do art. 9º da Consolidação das Leis do Trabalho, porquanto teria por objetivo desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos referidos preceitos.

O mais breve exame de cada dispositivo revela que é absurdo cominar a sanção de nulidade absoluta.

11. O recibo de quitação passado por menor.

A proibição imposta ao menor de receber indenização sem assistência do responsável legal é medida ditada no seu exclusivo interêsse. Dirige-se a pessoa relativamente incapaz. Sòmente aos 18 anos adquire-se a capacidade plena em Direito do Trabalho, mas, desde os 14 anos, o menor possui capacidade limitada. Como no Direito comum, os que são relativamente incapazes podem praticar certos atos para os quais são julgados aptos, enquanto, para outros, se requer a assistência do pai ou tutor. Aquêles em que a sua inexperiência ou fraqueza aconselham limitação à sua capacidade não podem ser cometidos sem a presença de quem, por dever legal, os orienta e guia, para resguardo dos seus interêsses. Mas, quando falta a assistência do responsável legal, o ato praticado pelo menor não é nulo de pleno direito. Exigida para o proteger, a omissão acarreta apenas a anulabilidade do ato. No art. 147, o Cód. Civil declara anulável o ato jurídico por incapacidade relativa de agente. No art. 154 dispõe:

“As obrigações contraídas por menores, entre 16 e 21 anos, são anuláveis quando resultem de atos por êles praticados sem autorização dos seus legítimos representantes ou sem assistência do curador, que nêle houvesse de intervir”.

Visses princípios devem ser aplicados, mutatis mutandis, no Direito do Trabalho. Não há razão para reputar nula de pleno direito a quitação dada a empregador por empregado que é menor relativamente incapaz. O ato deve ser considerado anulável, se praticado sem a assistência do responsável legal. A medida é ditada no interêsse do menor, a quem se deve assegurar, por seu legítimo representante, a possibilidade de promover a invalidada do ato, se lhe causou prejuízo, e nada mais. Trata-se, com efeito, de uma infração legal que não justifica a aplicação da sanção máxima. Segue-se, pois, que o recibo de quitação, por indenização recebida, firmado por menor, entre 14 e 18 anos, sem assistência dos seus legítimos representantes, é ato anulável. Portanto, subsiste até que seja judicialmente inválido; sua invalidação só pode ser promovida pela pessoa a quem a lei protege; os interessados podem ratificá-lo; e o direito de pleitear a sua anulação prescreve em dois anos (art. 11 da Consolidação das Leis do Trabalho).

12. A limitação do prazo do contrato de trabalho.

A proibição de estipular contrato de trabalho por prazo superior a quatro anos é outra lei imperativa cuja transgressão não acarreta a nulidade absoluta do ato. Conquanto se inspire no alto interêsse social de impedir que o trabalhador se vincule por tôda a vida, a cláusula contratual que determine período mais longo de duração do contrato é tida por não-escrita.

Pode-se qualificá-la de nula. Seria o caso de nulidade parcial separável. A cláusula seria destacável, de modo que a sua invalidade não atingiria o contrato nas outras partes. Mas, em verdade, a estipulação relativa ao prazo, nos contratos por tempo determinado, é de tamanho interêsse para as partes que a sua nulidade repercute evidentemente sôbre todo o negócio jurídico. Não há conveniência, todavia, na sua invalidação total. Admite-se, então, que o têrmo máximo fixado na lei se substitui ao que foi estipulado contratualmente, ultrapassando aquêle. A proibição não acarreta, portanto, a nulidade do contrato.

13. A fixação do intervalo máximo para o pagamento do salário.

Não permite a lei que o pagamento do salário seja estipulado por período superior a um mês, salvo no que concerne a comissões, percentagens e gratificações. Se, não obstante essa proibição, as partes acordam que o pagamento se faça com intervalo superior ao que está fixado na lei, essa estipulação não deve ser considerada nula, mas simplesmente anulável. Realmente, é descabida a aplicação da sanção mais forte, por isso que a proibição visa a proteger um interêsse particular do empregado, que carece de substancialidade para ser elevado à altura de interêsse de ordem pública. A cláusula deve ser tida como válida, só se tornando ineficaz se uma sentença judicial, pronunciada a requerimento do interessado, decretar a sua nulidade.

Poderá parecer absurda, prima facie, a validade de uma cláusula contratual que fere disposição imperativa de lei. Mas, desde que se leve em conta que essa disposição tem por fim resguardar um interêsse privado do trabalhador, a sua inércia em defendê-lo há de ser interpretada no sentido de que não a considera prejudicial. E próprio dos atos anuláveis o se confirmarem. Na hipótese sob exame, não se pode objetar sequer que a sua vontade não foi manifestada livremente, uma vez que a estipulação, nesse caso, não é feita no curso da relação de emprêgo, mas, sim, quando não se objetivou ainda o estado de subordinação ou dependência pessoal.

Configura-se, dêsse modo, uma situação na qual a inobservância de preceito legal imperativo não acarreta a nulidade de pleno direito da estipulação.

14. A proibição de efetuar desconto no salário.

Proíbe a lei que o empregador efetue qualquer desconto no salário de empregado, salvo quando resultar de adiantamentos, de dispositivos legais ou de contrato coletivo.

O ato pelo qual viole o empregador essa proibição não deve ser classificado como ato nulo. Protege-se, dêsse modo, um interêsse privado, cuja defesa se deve conservar na iniciativa do protegido. Se êste se desinteressa, não há motivo para que a lei, por sua própria fôrça, declare ineficaz o ato. O que procura evitar é que o empregado sofra reduções no seu salário por arbítrio do empregador ou que êste especule sôbre o mesmo como ocorrera se lhe fôsse dado aplicar multas em proveito próprio. Justo, portanto, que consagre o princípio da intangibilidade do salário. Mas, se, a despeito da proibição legal, o empregador efetua descontos, seu ato subsiste, até que seja judicialmente anulado. Vale dizer, êsse ato não é nulo de pleno direito. É puramente anulável. Se a sua anulação não fôr promovida pelo interessado, produz efeito jurídico e se confirma, definitivamente, pela prescrição. Se fôsse nulo, isso não ocorreria.

15. Alteração das condições de trabalho.

Onde, porém, a questão da natureza da sanção alcança maior interêsse é no capítulo da alteração do contrato de trabalho.

A lei assegura a inalterabilidade das condições contratuais. O dispositivo legal está vazado nestes têrmos:

“Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia”.

A redação dêste preceito legal dá a impressão de que se pretendeu considerar nula de pleno direito qualquer modificação da cláusula contratual, mesmo quando feita de comum acôrdo, mas, neste caso, sendo prejudicial ao empregado.

Entendido o preceito dêsse modo, por seu sentido literal, só se pode admiti-lo como efeito de um deslize de técnica. Pretende-se justificar tão ampla garantia sob o fundamento de que o estado de subordinação do empregado faz presumir, nas alterações bilaterais nocivas, aceitação coata. Ainda que tal presunção fôsse justificada, com o cunho de generalidade que se lhe empresta, jamais poderia ser admitida com a natureza de presunção juris et de jure. Quando muito, seria uma presunção juris tantum. A dependência pessoal não cria para o empregado, hoje protegido pela lei, assistido) pelo sindicato, e dispondo de justiça especial para apreciar suas reclamações, aquêle permanente estado de temor (metus), característico da vis compulsiva. Sem dúvida, o receio de perder o emprêgo atua em sua mente, as mais das vêzes, no sentido de o induzir a aceitar alteração prejudicial de condição do contrato. Mas, não é sempre que age sob êsse temor. Será necessário, portanto, que promova a anulação da cláusula nociva, comprovando que a aceitou sob fundado temor de dano à sua pessoa. Do contrário, a insegurança nas alterações bilaterais do contrato de trabalho patenteia-se com alarmante gravidade. Não deve ser admitida a nulidade de pleno direito das alterações por mútuo consentimento, de que advenham, direta ou indiretamente, prejuízos para o empregado. Essa alteração lesiva, embora concordada, há de ser compreendida como ato anulável.

As conseqüências que decorrem dêsse entendimento são importantíssimas. Se é nula, nenhum efeito produz. Conseqüentemente, sua invalidade pode ser pronunciada a todo tempo, de ofício ou a requerimento de qualquer interessado. Como os atos nulos não prescrevem, em princípio, uma alteração contratual, feita por mútuo consentimento, poderia ser invalidada em data tão remota da de sua verificação que causaria maior prejuízo. Por outro lado, é inadmissível que o prejudicado se conserve inerte diante da lesão ao seu interêsse ou que o juiz, conhecendo dos efeitos da alteração, declare a sua ineficácia ex officio.

Considerada, porém, anulável a alteração bilateral lesiva sòmente o interessado pode promover á decretação de sua ineficácia, dentro de certo prazo. A sua conformidade há de ser entendida no sentido de que se não considera prejudicado. Indispensável, por conseguinte, que tenha a iniciativa, e que o decurso de tempo consolide a situação.

A anulabilidade harmoniza-se com o fim visado pela proibição e com a razão que a ditou. Se o escopo é evitar que o empregado se deixe lesar, cumpre-lhe defender-se, promovendo a anulação de uma declaração por êrro ou coação. Como a proibição supõe que o estado de subordinação influi sôbre a vontade, incutindo no ânimo do empregado o temor de dano à sua pessoa, cabe-lhe agir para obter a anulação, porquanto os atos viciados por coação não são nulos, mas simplesmente anuláveis.

Estas considerações podem ser reproduzidas para os casos de alteração unilateral do contrato de trabalho. Também elas não devem ser consideradas nulas de pleno direito. Proibindo-as, a lei está amparando interêsses particulares, que devem ser defendidos por aquêles em favor dos quais foi instituída a proibição. O interêsse de evitar que um empregado seja removido de uma localidade para outra nada tem a ver com a ordem pública, interêsse nìtidamente particular, protegido embora para coibir abusos. A sua proteção justifica-se, mas, o que não tem cabimento é sancioná-la com a pena de nulidade absoluta.

16. Interêsse de qualificar as nulidades.

A esta altura, cabe indagar qual o interêsse da qualificação das sanções civis no campo do Direito do Trabalho.

Êsse interêsse é teórico e prático. Teórico, porque a construção doutrinária de uma teoria das nulidades do Direito do Trabalho se impõe em face do seu particularismo. Ademais, essa construção está condicionada à natureza das normas trabalhistas, de modo que se apresenta como um dos aspectos fundamentais da autonomia do Direito do Trabalho e de sua localização no quadro das ciências jurídicas. Por fim, é da maior conveniência, do ponto de vista da técnica jurídica, uniformizar categorias e conservar a terminologia clássica.

O interêsse prático manifesta-se em face da diversidade de conseqüências dos graus de nulidade.

Os atos nulos são privados de tôda eficácia. Por isto, a nulidade de pleno direito é instantânea e imediata, podendo ser alegada por qualquer interessado. Essa nulidade é incurável. Eis por que os atos nulos não são suscetíveis de ratificação, nem convalescem pela prescrição.

Os atos anuláveis produzem efeitos se não, forem invalidados por sentença judicial. Por isto, a nulidade dependente de rescisão não os torna ineficazes desde a formação, e sòmente pode ser alegada pelos interessados. Essa nulidade é curável. Os atos anuláveis, por conseguinte, podem ser ratificados, e convalescem pela prescrição.

É irrecusável, nestas condições, o interêsse de distinguir, no, campo do Direito do Trabalho, os atos nulos dos atos anuláveis. A tarefa de os classificar seria extenuante. Pode-se, no entanto, adotar um critério que facilite a diferenciação. Será anulável o ato que se praticar em desobediência às normas que protegera especialmente os interêsses privados dos trabalhadores, assim considerados os que s regulam pela vontade dos sujeitos do contrato de trabalho, limitada por disposições que levam em conta a posição desvantajosa de um contraente em face do outro. Será nulo o ato que se praticar com infração de preceito legal de ordem pública, reconhecido como tal aquêle que, embora protetor de um interêsse de classe ou de categoria social, se reputa essencial as fins capitais da ordem econômica. A lei que proíbe a estipulação de remuneração inferior ao salário mínimo (art. 117 da Consolidação das Leis do Trabalho) encerra preceito que garante interêsse social relevante, institucionalizado constitucionalmente, como uma das condições básicas da organização econômica. Mas a lei que proíbe ao empregador transferir o operário do serviço noturno para o serviço diurno, porque a prestação daquele era uma condição do contrato, inalterável a seu arbítrio, tendo o mesmo cunho imperativo, não é, entretanto, um preceito incorporável à ordem pública, porque, em verdade, assegura um interêsse privado que razões contingentes de política legislativa aconselham proteger. A desobediência a êsse preceito não pode ser fulminada com a sanção mais severa da nulidade de pleno direito. A natureza do interêsse protegido impõe a aplicação de pena mais branda, cuja aplicação há de depender da iniciativa do interessado na invalidação. O ato é, nesse caso, anulável.

17. Influência do tempo sôbre os atos nulos e anuláveis.

A distinção se faz necessária especialmente em relação à influência que o tempo exerce sôbre os atos nulos e os atos anuláveis. Nenhuma, no primeiro caso, segundo princípios correntios. Diz-se que a nulidade de pleno direito é perpétua. Contra ela não corre prescrição, de modo que, a todo tempo, qualquer interessado pode alegá-la. Ora, é absurdo admitir que a defesa de interêsses privados, que cabe exclusivamente à pessoa protegida, possa ser feita independentemente de prazo. O direito de promover a anulação de um ato dessa natureza há de prescrever, porque êsse ato é anulável. A inércia do interessado implica renúncia da faculdade de pleitear a invalidação do ato. Como corre prescrição contra o ato anulável, a segurança das relações jurídicas exige que a inobservância de preceito que contém a proteção do interêsse privado não possa determinar a sua ineficácia perpétua, mas, sòmente, dentro em certo lapso de tempo, no qual o interessado deve manifestar a sua inconformidade.

18. A adesão abdicativa.

Essa possibilidade que tem o ato anulável de convalescer pela prescrição, perfeitamente admissível nos casos mencionados, deveria ser simplificada e facilitada pela redução dos prazos de prescrição. A reação do prejudicado deve ser imediata. Não se compreende que se conserve inerte diante da lesão a um interêsse que é especialmente protegido pela lei. A sua inércia há de ser interpretada como adesão abdicativa. A prescrição significa, em última análise, a renúncia à faculdade de promover a anulação de ato. Conformando-se com os seus efeitos, o interessado abdica do direito de pleitear a invalidação do ato. A adesão é consentimento, significando, pois, que a parte renuncia à proteção que lhe é dispensada. Os tribunais deveriam ter, por conseguinte, a prerrogativa de julgar convalidados os atos anuláveis que perduram por adesão abdicativa, no caso de se entender inconveniente a redução dos prazos prescricionais. A vantagem do processo da adesão abdicativa está em que o juiz pode investigar se houve realmente o ânimo de renunciar, o que se não pode perquirir se já ocorreu a prescrição.

19. Dosagem das sanções.

Considerando anuláveis os atos que desobedeceis a certas prescrições legais, o Direito do Trabalho constrói a sua teoria das nulidades de harmonia com novas concepções que põem sob uma nova perspectiva o campo da imperfeição dos atos jurídicos.

Assentado o caráter da nulidade como sanção civil, – que é, por natureza e essência, – o que se deve considerar fundamentalmente para determinar a intensidade da punição é o fim visado pela lei. Afere-se essa intensidade pela análise dos efeitos jurídicos do ato. Se êsses efeitos são nocivos a tôda uma coletividade e por isso a lei que proíbe o ato é de ordem-pública, então deve-se-lhe recusar eficácia, totalmente. Caso contrário, não.

É de se reconhecer, com efeito, que a fôrça coercitiva da nulidade deve ser dosada, porque são de grau diverso os interêsses que a lei quer preservar, desde que atendem a solicitações distintas. São da sociedade, da parte e de terceiros. Conseqüentemente, a sanção não pode ser a mesma. Todos os departamentos jurídicos admitem a gradação. O Direito do Trabalho não pode fugir a essa contingência. No seu terreno, deve haver sanções mais e menos intensas, de acôrdo com o fim da lei, ou, mais precisamente, com a natureza dos interêsses que protege. Errôneo, por conseguinte, declarar que são nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação de todos os preceitos legais de proteção ao trabalho (art. 9º da Consolidação das Leis do Trabalho).

20. Conclusões:

I. O particularismo do Direito do Trabalho não repele a distinção clássica das nulidades construída pela doutrina para destacar os graus de imperfeição dos atos jurídicos. Também nesse ramo especializado do Direito, há regras de proteção ao interêsse geral e regras de proteção aos interêsses individuais. A sanção para a violação das primeiras é a nulidade absoluta; para a inobservância das outras, a nulidade relativa ou anulabilidade.

II. Nem tôdas as disposições legais do Direito do Trabalho são de ordem pública, pôsto que se revistam, na sua quase totalidade, do caráter de leis imperativas. Não havendo coincidência necessária entre as leis imperativas e as leis de ordem pública, não deve ser punida com a nulidade absoluta tôda infração de preceito imperativo, mas, sòmente, a que atinge o preceito de ordem pública.

III. A maior parte dos preceitos imperativos do Direito do Trabalho não passa de simples processo técnico destinado a impedir o desvirtuamento do princípio da autonomia da vontade, decorrente da desigualdade econômica e social dos sujeitos do contrato de trabalho. Ao limitar enèrgicamente a liberdade de contratar, a lei protege interêsses que, apesar de socialmente respeitáveis, não deixam de ser individuais, privados.

IV. A nulidade absoluta da declaração de vontade é sanção que sòmente deve ser imposta às infrações das leis que protegem o interêsse geral. Os atos prejudiciais a interêsses individuais especialmente garantidos devem ser simplesmente anuláveis.

V. A proteção aos interêsses privados do empregado, condensado nas cláusulas que preenchem o conteúdo do contrato, e que se efetiva através de leis imperativas, não os converte em interêsses de ordem pública. Dêste modo, a declaração de vontade adversa a êsses preceitos pode ser invalidada, se o interessado promover a sua anulação. A lesão ao interêsse individual do empregado não acarreta a nulidade absoluta do ato, mas, sim, a sua nulidade relativa.

VI. Não é fácil qualificar as leis imperativas que garantem apenas interêsses privados dos empregados. A generalizada convicção de que devem êles ser protegidos contra o abuso do poder econômico do empregador difundiu a falsa idéia de que tôdas as medidas de proteção se fundam no interêsse geral, e o defendem. Todavia, muitos preceitos não têm êsse fundamento e não visam, conseqüentemente, a garanti-lo. Cumpre à doutrina classificar, para distinguir, as leis que asseguram simplesmente interêsses individuais.

VII. Determinadas normas relativas ao cumprimento da obrigação de pagar salário e à execução do contrato de acôrdo com as suas cláusulas originais, notadamente, têm por fim a garantia de interêsses individuais. Assim, será simplesmente anulável a declaração de vontade que não as observe. Compete ao interessado pleitear a sua anulação.

VIII. É da maior importância prática determinar a qualidade do preceito para distinguir os atos nulos dos atos anuláveis, porque a nulidade absoluta é instantânea, e imprescritível, enquanto a nulidade relativa é diferida, sanável e prescritível.

IX. Para distinguir, em Direito do Trabalho, a declaração de vontade nula da que é simplesmente anulável, poder-se-ia adotar o seguinte critério: seria nulo o ato praticado com infração de preceito legal de ordem pública, como tal admitido o que é considerado essencial à estrutura e aos fins da ordem econômica: seria anulável o ato praticado em desobediência aos preceitos que protegem especialmente interêsses individuais dos trabalhadores, assim qualificados os que se regulam pela vontade dos sujeitos do contrato de trabalho, limitada por disposições normativas que levam em conta a posição desvantajosa de um em relação ao outro.

X. A distinção entre atos nulos e anuláveis em Direito do, Trabalho, de acordo com o critério proposto, harmoniza-se com o pensamento renovador na matéria, segundo o qual a intensidade da sanção deve variar segundo o fim visado pela lei. Decerto, não se pode aceitar a tese de que deveria haver tantas formas de nulidades quantos preceitos a resguardar, mas o processo técnico da gradação das penas, em Direito Civil, deve ter a plasticidade necessária para permitir que as sanções sejam adequadas. O excesso de rigor é tão prejudicial quanto a sua escassez.

XI. Desde que a intensidade da sanção deve ser dosada de acôrdo com o fim da lei, pode-se, pela análise dos efeitos que o ato visa a produzir, aferir a sua nocividade. Ora se impõe a sua invalidação congênita e total. Ora se admite a sua validade provisória. O critério proposto auxilia a investigação. Mas a determinação exata das infrações que reclamam sanção mais forte ou mais fraca não pode ser feita vàlidamente para todos os ordenamentos jurídicos, porque variamos fins da política econômica. Quer parecer, porém, que, nos regimes de intervencionismo estatal moderado, a proteção dos trabalhadores não deve exagerar-se ao ponto de incorporar à ordem pública todos os preceitos restritivos da liberdade de contratar, com as graves conseqüências da irrenunciabilidade absoluta de qualquer direito e a nulidade de pleno direito de todo ato infringente de preceito protetor, mesmo do mais evidente interêsse pessoal. A proteção nessa medida é própria dos sistemas políticos que sufocam a ação coletiva dos trabalhadores e os reduzem à condição de pessoas juridicamente tão incapazes, que necessitariam, de uma proteção superior à que é dispensada nela lei aos que, em razão da idade ou da saúde, são amparados de modo especial.

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