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CLÁSSICOS FORENSE
REVISTA FORENSE
TRABALHO
Coexistência dos contratos de trabalho e de locação de prédio, de Amaro barreto
Revista Forense
15/12/2023
Coexiste com o contrato de trabalho o de locação de prédio, quando a emprêsa contrata o trabalho subordinado do servidor e êste a ocupação de imóvel daquela.
Por que se evitem prestações entrecruzadas das partes dos dois contratos, a do salário do empregador ao empregado e a do aluguel do empregado ao empregador, – a lei admite que o aluguel, que é o valor da habitação, se impute no salário, que é o valor do trabalho, dêste descontando-se aquêle (art. 458 da Consolidação das Leis do Trabalho).
Tanto há aí o paralelismo dos dois contratos, que o legislador civil regeu, na sua esfera, em lei especial, a desocupação do prédio pelo empregado, após a rescisão do contrato de trabalho, tirando-a, assim, da área da legislação trabalhista.
De efeito, a lei n° 1.300, de 28 de dezembro de 1950, art. 15, nº VI, reza:
“Durante a vigência desta lei não será concedido despejo, a não ser:…
VI, se o empregador pedir o prédio locado a empregado, quando houver rescisão do contrato de trabalho, e o imóvel se destinar a moradia de empregado”.
Sublinhei as palavras despejo e locado, através das quais a lei põe à luz a existência, no caso, de contrato de locação de prédio, para cuja desocupação é específica a ação de despejo.
Mais ainda: dita lei civil, no § 2° do aludido art. 15, preceitua:
“A ação de despejo, nos casos dos itens II a IX, só poderá ser proposta depois de decorridos 90 dias da notificação judicial feita ao locatário”.
Outra vez aí se alude à ação de despejo, como a própria in casu, e se exige, como providência prévia e indispensável, a notificação judicial ao inquilino-empregado, para sair em 90 dias, sob pena de despejo.
Indubitabilíssimo, pois, que o empregador que fornecer casa e o empregado que a habita se interligam ex locato e se desligam por ação de despejo, se o não fizerem ex corde.
Não há acento nem friso de juridicidade no duplo deslocamento do cabimento formal da ação de despejo para a ação de reintegração de posse e da competência exclusiva da Justiça comum para a do Trabalho.
Ex locato, que o é, por sem dúvida, a relação jurídica em tela, específica a desatá-la, no direito universal de todos os tempos, é a ação de despejo.
E o nosso direito positivo, na lei que foi referida, põe em relêvo, com letras transparentes, a idoneidade exclusiva da ação de despejo para a espécie em debate.
E até a cláusula com a condição prévia da notificação judicial.
Ação prevista em lei, competência em lei fixada, não pode o juiz demuda-las para outra, não de lei, nem de lógica.
Ação de reintegração de posse
A ação de reintegração de posse, ou ação de esbulho, ou de fôrça nova espoliativa do direito moderno, a que correspondem o interdito retinendae possessionis ou interdito de vi dos romanos e a actio spolii do direito canônico só tem propriedade e pertinência quando se vigia a recuperar a posse “adquirida” com fôrça, violência, clandestinidade ou abuso de confiança. É a aquisição violenta, forçada, clandestina, ou abusiva da posse, caracterizando o esbulho ou espólio, que legitima essa ação possessória.
Os autores do direito romano ensinam que havia na época clássica dois interditos recuperatórios ou unde vi: o de vi cottidiana e o de vi armata. No primeiro se pressupunha a expulsão violenta, vis atrox, do possuidor dum imóvel pelo réu, por seus escravos, ou por seu procurador. Do segundo era requisito a expulsão da posse por obra de um grupo de homens, hominibuscoactis armatisve. Em ambas a violência, na aquisição da posse, é conditio sine qua non.
JUSTINIANO fundiu os dois aludidas interditos em um só, – o unde vi mantendo-lhe o pressuposto da violência.
Direito português
No antigo direito português, do qual adveio o nosso, continuou, no substrato da ação de reintegração de posse, a condição da aquisição violenta da posse.
VANGUERVE, citado por ASTOLFO RESENDE, já dizia: “Para se intentar a petição de fôrça, deve o espoliado provar três coisas: a primeira, que estava possuindo; a segunda, que foi esbulhado; a terceira, que foi lançado fora por fôrça“.
As Ordenações, no tít. 58 do Livro 4º, diziam:
“Se alguma pessoa forçar ou esbulhar outra da posse de alguma casa ou herdade, ou de outra possessão, não sendo primeiro citado e ouvido com sua justiça, o forçador perca o direito que tiver na coisa forçada, de que esbulhou o possuidor, o qual direito será adquirido e aplicado ao esbulhado, e lhe seja logo restituída a posse dela” (meus os grifos).
Analisando o assunto, LOBÃO, no § 211 do seu “Tratado Enciclopédico dos Interditos”, escreveu: “É bem claro que o tit. 48 se conformou com o direito do Digesto, tendo em vista, como mostram as misteriosas palavras um espólio de coisa imóvel, com formal fôrça e violência” (grifado por mim).
CÂNDIDO MENDES (“Código Filipino”, tít. 48, do Livro 3°), TEIXEIRA DE FREITAS (“Consolidação das Leis Civis”, art. 811 e respectiva nota), RIBAS (“Consolidação das Leis de Processo Civil” e “Da posse e das Ações Possessórias”), PAULA BATISTA (“Compêndio de Processo Civil”, § 31), todos a uma, professam a necessidade da fôrça, violência, clandestinidade, ou abuso de confiança no ato aquisitório da posse, para se legitimar a ação de fôrça nova espoliativa.
ASTOLFO RESENDE, em seu tratado da “Posse e sua Proteção” analisa as condições da ação reintegratória da posse, no direito antigo e atual, acentuando bem o requisito da posse violenta, clandestina, ou precária e abusiva (vol. 2, pág. 197).
É também a lição do eminente jurisconsulto MENDES PIMENTEL (“REVISTA FORENSE”. vol. 30, pág. 294) e do sábio jurista CLÓVIS BEVILÁQUA (“REVISTA FORENSE”, vol. 30, pág. 102).
Art. 489 do Código Civil
Êsse tríplice aspecto do vício da posse está expresso no art. 489 do Código Civil, in verbis:
“É justa a posse que não for violenta, clandestina, ou precária”,
Nossa jurisprudência tem considerado como precária a posse que, justa na sua origem, deixa de sê-lo depois, por deixar o possuidor de cumprir o contrato pelo qual a adquiriu. Isso se verifica em três casos em que o possuidor deixa de cumprir suas obrigações contratuais: na contrato de venda de coisa móvel com reserva de domínio, no contrato de promessa de compra e venda do imóvel, e no contrato de locação de prédio.
Nessas três hipóteses nossas doutrina e jurisprudência afirmam a existência do que chamam esbulho impróprio, por não haver violência, clandestinidade, ou abuso de confiança na aquisição da posse, casos únicos em que é próprio o esbulho (MENDES PIMENTEL, “REVISTA FORENSE”, vol. 30, págs. 42 e seguintes; ASTOLFO RESENDE, “Posse e sua Proteção”, vol. 2, pág. 248; CARVALHO SANTOS, “Código Civil Interpretado”, volume 7, págs. 118 e 119).
Nos dois primeiros casos, ou sejam, os de não-cumprimento dos contratos de venda de móvel com reserva de domínio e de promessa de venda de imóvel, admite-se, por extensão ou analogia, a ação de reintegração de posse, porque inexiste na lei outra ação específica.
Mas, no terceiro caso, vale dizer, no de rescisão de contrato de locação de prédio sem a restituição voluntária do mesmo, não é possível admitir-se o uso da ação de reintegração de posse, porque existe na lei a ação específica, que é a ação de despejo.
Demais disso, exigindo, como exige a lei, a notificação prévia do empregado-inquilino, para desocupar o prédio, após a rescisão do contrato de trabalho, continente do de locação (lei nº 1.300, artigo 15, § 2º), claro é que não há posse injusta ou precária senão depois de decorrido o prazo de 90 dias da notificação judicial. Só após êsse têrmo é que se pode reputar o empregado-locatário como praticante do esbulho impróprio. Decorrido, porém, êsse prazo, embora considerado êle autor de esbulho impróprio, não lhe é possível mover-se a ação de esbulho, porque só lhe é viável a de despejo, ex vi legis (lei nº 1.300, art. 15, número VI).
E, como autor e réu dessa ação de despejo não são mais empregador e empregado, rescindidos que já estão o contrato de trabalho e a locação, e como sua relação é regida pela lei civil comum, e não por lei especial do trabalho, manifesto é que tal ação só encontra caminho idôneo pelo órgão jurisdicional da Justiça comum, travada que é entre duas pessoas civis, e não entre duas pessoas trabalhistas.
Em suma de conclusão:
1. O valor da habitação, no contrato de trabalho, é aluguel imputado no salário e os contratos de trabalho e de locação coexistem, aquêle contendo êste.
2. O empregado-inquilino, rescindido o contrato de trabalho, só é considerado possuidor precário depois de decorrido o prazo de 90 dias de notificação judicial imposta pela lei nº 1.300, de 28 de dezembro de 1950, art. 15, § 2º.
3. Por isso, antes de decorrido o prazo da mencionada notificação judicial, não há cogitar-se do esbulho, mesmo o impróprio, e, por via de conseqüência, de ação de reintegração de posse.
4. Ainda posteriormente ao decurso do referido prazo da notificação legal, quando a posse se torna injusta ou precária, não há cabida para a ação de reintegração de posse, porque só cabível é, a rigor de lei expressa, a ação de despejo.
5. E competente para essa ação de despejo é tão-só a Justiça comum, porque nela autor e réu são pessoas civis, e não trabalhistas, isto é, já não são empregador e empregado e sua relação é regida pela lei civil comum do inquilinato, não por lei especial do trabalho.
Amaro Barreto, juiz do trabalho no Estado do Rio.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
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