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Pode a indenização mínima dos danos causados pela infração ser fixada na sentença penal relação a não-ofendidos

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Pode a indenização mínima dos danos causados pela infração ser fixada na sentença penal relação a não-ofendidos?

Augusta Diniz

Augusta Diniz

16/11/2023

Em 2008, a Lei n.º 11.719 procedeu à alteração de inúmeros dispositivos do Código de Processo Penal, dentre eles, o art. 387, inciso IV, estabelecendo que, o juiz, ao proferir sentença condenatória, fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido. No Código Penal, a mencionada lei acrescentou um parágrafo único ao art. 63, o qual já dispunha que “transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros”. Com a inclusão do parágrafo único, estabeleceu-se que, transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 do Código de Processo Penal, sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido.

Reparação do dano apenas em relação ao ofendido

Como se percebe, ambos os dispositivos mencionam a reparação do dano apenas em relação ao ofendido. É que, segundo a redação literal do art. 387, inciso IV, da Norma Adjetiva Penal, na sentença condenatória, o juiz deve fixar o valor mínimo da reparação dos danos causados pela infração “levando em consideração os prejuízos sofridos pelo ofendido”. Como se percebe, a norma deixou de fora a consideração do prejuízo experimentado por terceiras pessoas que não configurem como vítimas da infração em apuração. Isso se torna mais evidente quando o art. 63 do Código Penal explicita a legitimidade para a execução da sentença penal no juízo cível, restringindo-a ao ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.

Acontece que não são incomuns situações em que a infração causa prejuízos a terceiras pessoas diversas das vítimas. Basta pensar na hipótese de resultado diverso do pretendido ou aberratio criminis, quando o agente pretende lesionar determinado bem jurídico, mas termina, por erro, atingindo outro de espécie diversa ou mesmo ambos. Exemplo clássico é o do indivíduo que, querendo lesionar outrem, arremessa uma pedra na direção do seu alvo, mas, por erro de pontaria, termina quebrando a vitrine de uma loja. Aqui, tem incidência o art. 74 do Código Penal, segundo o qual  “fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente ou erro na execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o fato é previsto como crime culposo; se ocorre também o resultado pretendido, aplica-se a regra do art. 70 deste Código”.

Voltando ao nosso exemplo, responderia o sujeito ativo pela tentativa de lesões corporais apenas, uma vez que não há previsão de punição do crime de dano a título de culpa. Isso significa que o titular do direito patrimonial ofendido não configura vítima do delito praticado, nada obstante o prejuízo experimentado. Então se questiona: o proprietário da loja que teve a vitrine danificada não faria jus à indenização pelos danos que a infração lhe causou?

Pois bem, o art. 927 do Código Civil estabelece que aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Segundo os ditames do art. 186 do mesmo Estatuto, comete ato ilícito aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, o que inclui a prática de infrações penais. Dessa forma, o proprietário da loja poderá obter a reparação dos danos causados, devendo, para tanto, ajuizar a ação civil ex delito prevista no art. 64 do Código de Processo Penal. Trata-se, entretanto, de ação de conhecimento que deve preceder à executória.

Acontece que o próprio Código Penal, no art. 91, inciso I, dispõe que um dos efeitos da condenação é tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime (an debeatur) e, aqui, não se faz referência restrita ao ofendido. Quem faz essa limitação em relação à legitimidade para a execução é a norma processual penal, no artigo 63, caput. Se não fosse essa restrição adjetiva, com o trânsito em julgado, a sentença penal condenatória passaria a ser considerada um título executivo judicial, nos termos do art. 515, inciso VI, do Código de Processo Civil, em relação a qualquer prejudicado pela infração penal. Isso implicaria que, de posse da sentença penal condenatória, poderia qualquer pessoa que comprovadamente sofreu prejuízos com a infração promover a ulterior liquidação e execução no juízo cível, caso reconhecida essa responsabilidade na sentença penal condenatória. 

Além disso, em relação ao ofendido, a própria sentença penal condenatória poderá estabelecer o quantum debeatur mínimo ou, em outras palavras, o valor mínimo indenizatório a que a vítima faz jus (art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal), sem prejuízo do ajuizamento de ação cível com o objetivo de fixação de reparação suplementar. Como já explicitou o STJ, “o objetivo da norma foi o de dar maior efetividade aos direitos civis da vítima no processo penal e, desde logo, satisfazer certo grau de reparação ou compensação do dano, além de responder à tendência mundial de redução do número de processos” (AgRg no REsp n. 2.029.732/MS, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 22/8/2023, DJe de 25/8/2023).

Como se percebe, a Lei n.º 11.719/2008 deixou de fora os demais prejudicados com a infração que não constituem vítimas do delito e perdeu uma excelente oportunidade de modificar os legitimados ativos para a execução constantes no caput do art. 63 do Código de Processo Penal. Ora, enquanto o ofendido poderá, desde logo, executar, no juízo cível, a sentença criminal independentemente, inclusive, da liquidação tratada no art. 509 do Código de Processo Civil, os demais prejudicados deverão ingressar com ação civil ex delito, por meio da qual provarão os danos sofridos e pleitearão a correspondente reparação. Tudo, aliás, que já poderia constar na sentença criminal, o que facilitaria a reparação de danos e a viabilização de direitos. 

Em nosso entender, não é possível a interpretação ampliativa, em desfavor de réu em processo-crime (mesmo em se tratando de questão não-penal), do inciso IV do art. 387 do Código de Processo Penal para beneficiar quem não seja ofendido. O ideal seria que a lei tivesse possibilitado, ao juiz penal, fixar o valor mínimo indenizatório também em relação aos terceiros prejudicados com a infração, desde, obviamente, que haja pedido expresso e exercício do contraditório e da ampla defesa. Somente assim se atingiriam os escopos mundiais de redução do número de processos e de dar maior efetividade aos direitos civis não apenas do ofendido, mas de qualquer prejudicado pela infração penal.


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