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A sentença arbitral deve seguir o precedente judicial do novo CPC?

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A sentença arbitral deve seguir o precedente judicial do novo CPC?

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CPC 2015

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PRECEDENTE JUDICIAL

PROCESSO CIVIL

SENTENÇA ARBITRAL

Fernando Gajardoni
Fernando Gajardoni

07/11/2016

Hoje vamos falar de um assunto para o qual nos chamou a atenção recente e importante texto de José Rogério Cruz e Tucci [1] e que tem causado discussão entre os profissionais do Direito que atuam na arbitragem. Provocados, ainda, por alguns alunos a respeito do assunto, resolvemos adentrar na controvérsia.

Afinal, a sentença proferida por árbitros deve observar os precedentes vinculantes do novo CPC? E se isso não ocorrer, quais as consequências?

1. Vinculação ao precedente judicial e descabimento da reclamação contra a sentença arbitral que não segue precedente judicial

Vamos começar falando dos pontos em relação aos quais nós concordamos com a posição exposta por Cruz e Tucci.
De acordo com Cruz e Tucci, a sentença arbitral se equipara à judicial (o que já ocorria desde 1996), por força dos arts. 18 da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996) e 515, VII do CPC/2015. Ainda segundo Cruz e Tucci, “escolhido de comum acordo pelas partes o Direito brasileiro para reger determinada arbitragem, tal ordenamento jurídico, em todas as suas dimensões, deverá então servir de norte para fundamentar a futura sentença que colocará termo ao respectivo processo arbitral”.

Por isso, “assim como o juiz togado, o árbitro não poderá se afastar da interpretação, acerca de determinado texto legal, que desponta consagrada pelos tribunais pátrios”. Conclui-se, dessa maneira, que também a sentença arbitral deve observar os precedentes a que se refere o art. 927 do CPC/2015.

Até aqui, não vemos razão para discordar do texto. A aplicação do direito brasileiro não se esgota no texto legal e deve o árbitro, sob pena de promover interpretação peculiar – ou seja, contrária à isonomia e à segurança jurídica –, observar os precedentes existentes sobre a questão submetida à sua apreciação [2].

Por outro lado, assim como o juiz togado, pode o árbitro lançar mão das técnicas de superação de precedentes (distinguishing ou distinção / overrulingou superação) para afastar sua incidência, destacando a inadequação ao caso concreto ou a superação do julgado paradigma, mediante fundamentação específica e qualificada.

Também estamos de acordo que, em que pese estar a sentença arbitral sujeita à incidência dos precedentes vinculantes, não cabe reclamação pela sua inobservância. [3]

É que, como apontado por Cruz e Tucci, “não é propriamente a autoridade hierárquica da qual provém o precedente que determina ao árbitro a sua observância”, mas o simples fato de que a norma jurídica generalizante extraída do precedente (ratio decidendi) compõe o ordenamento jurídico brasileiro, o qual deve ser observado em sua inteireza pelo árbitro, desde que as partes tenham ajustado a regência pelo Direito brasileiro [4]. Inversamente, a reclamação pressupõe autoridade hierárquica para o seu cabimento – tanto assim que tal via processual não é admitida quando se alega que o tribunal desrespeitou seus próprios precedentes [5].

Conclui-se, dessa maneira, que a simples inobservância dos precedentes vinculantes do novo CPC não é suficiente para abrir a via da reclamação.

2. Descabimento da ação anulatória contra sentença arbitral que não segue o precedente judicial

Para além de não caber a reclamação, resta saber se é admissível ação anulatória contra a sentença arbitral que não segue o precedente judicial.

Para Cruz e Tucci, se o árbitro simplesmente ignora um precedente judicial, “configura-se error in iudicando e, nesse caso, não cabe ação anulatória da sentença, porque vedado ao Judiciário o controle intrínseco da justiça ou injustiça do julgamento do processo arbitral”.

Contudo, o professor da USP abre uma exceção a esse raciocínio no caso em que o árbitro deixa de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, “não tomando o cuidado de explicar que o julgado paradigma não se aplica ao caso concreto, ou mesmo, que já se encontra superado pela obsolescência”. Tal exceção é ainda alargada de forma bastante expressiva em seu texto por força do aforismo, iura novit curia, de maneira que “mesmo que a tese jurisprudencial, embora relevante, não seja invocada pela parte interessada, a sentença encontra-se eivada de nulidade, se o árbitro desprezá-la de forma injustificada”.

Considera Cruz e Tucci que a regra do art. 489, § 1º, VI do CPC/2015, segundo a qual não se considera fundamentada a decisão judicial que “deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”, deve ser aplicada à sentença arbitral. Assim, se o árbitro não justifica o afastamento de determinado precedente, sua sentença poderá ser invalidada.

Acreditamos, contudo, que tal conclusão abre margem a uma possibilidade amplíssima de ataque a sentenças arbitrais e em limites incompatíveis com a Lei nº 9.307/1996.

Não discordamos de Cruz e Tucci quando defende a aplicação do art. 489, § 1º, VI do CPC/2015 às sentenças arbitrais. Não por incidência subsidiária do CPC ao processo arbitral – tese que apenas se sustenta se as partes assim ajustarem –, mas porque a Lei de Arbitragem determina que a sentença arbitral (pelo menos a nacional) [6] deve ser fundamentada (art. 26, II da Lei nº 9.307/1996). O art. 489, § 1º do CPC/2015 apenas explicitou o dever de motivação das decisões judiciais, já que a jurisprudência formada no CPC/1973 permitiu que, não raras vezes, subsistissem provimentos judiciais que contemplavam verdadeiros “simulacros de fundamentação”.

Nossa discordância reside no fato de que a sentença arbitral fundamentada de forma insuficiente possa ser atacada por meio de ação anulatória.

O art. 32, III da Lei nº 9.307/1996, segundo o qual é nula a sentença arbitral se não contiver os requisitos do art. 26 (entre os quais, a fundamentação), com todas as vênias, não nos parece que deva ser lido na extensão que lhe atribui Cruz e Tucci. Tal interpretação permitiria verdadeira revisão judicial da justiça da decisão proferida pelo árbitro – tudo o que se quis evitar na Lei nº 9.307/1996, quando se extinguiu a exigência de homologação judicial da sentença arbitral.

Se fosse possível questionar a sentença arbitral por não observar precedente judicial, restariam esvaziadas praticamente todas as vantagens atribuídas à arbitragem. As partes, quando celebram convenção de arbitragem, querem justamente evitar o Judiciário e a possibilidade de rediscussão da controvérsia perante o juiz togado.

A se permitir questionar em juízo o error in iudicando do árbitro, a ação anulatória do art. 33 da Lei nº 9.307/1996 se transformaria em uma espécie de recurso de cassação da sentença arbitral, assumindo amplitude muito maior que a estabelecida até então pela Lei de Arbitragem e trazendo grande insegurança jurídica.

Parece-nos artificial a distinção que Cruz e Tucci tentou traçar entre sentenças arbitrais que não observam o precedente judicial tout court (que não poderiam ser questionadas no Poder Judiciário) e aquelas que deixam de aplicar o precedente, não tomando o cuidado de explicar que o julgado paradigma não se aplica ao caso concreto (as quais incorreriam em nulidade passível de controle pelo juiz). Na prática, os interessados em impugnar em juízo a sentença arbitral não hesitarão em argumentar que o árbitro deixou de apresentar a fundamentação necessária para afastar um precedente alegado pela parte ou mesmo que sequer foi cogitado pelo árbitro.

Não se quer com isso minimizar a importância do precedente vinculante no novo CPC, mas apenas evitar que seja a causa da ruína da arbitragem no Brasil.

Ainda que o precedente judicial tenha assumido particular importância no CPC/2015, não está acima da lei – e a exigência de integridade da jurisprudência (art. 926, caput) é evidência disso [7]. Se o árbitro, em sua sentença, simplesmente viola literal disposição de lei, não há previsão de ação anulatória por este motivo – ao contrário da decisão judicial transitada em julgado, em que se admite a ação rescisória por violação manifesta à norma jurídica (art. 966, V).

Não há razão para que a inobservância ao precedente pela sentença arbitral seja tutelada de forma mais enérgica que a violação à lei. Embora indesejável, trata-se de error in iudicando pelo árbitro, o qual escapa aos domínios da ação anulatória, que não pode, nem deve, ser banalizada no Brasil.

Enfim, não parece correto, nem conveniente, sustentar o cabimento de ação anulatória contra sentença arbitral que não aplica o precedente judicial.

O novo CPC é, sem dúvida nenhuma, a mais importante alteração legislativa no campo do direito processual das últimas décadas.

Evidentemente, suas regras terão influência em diversos outros campos do Direito que não o processo civil estatal, e a arbitragem não é exceção. O texto de José Rogério Cruz e Tucci tocou em ponto sensível para os procedimentos arbitrais na vigência do novo CPC, o qual merece detida reflexão.

Nada obstante, antes de se sustentar a incidência das regras do CPC/2015 à arbitragem, é preciso verificar se as novas disposições são compatíveis ou se há o risco de causar a morte do paciente pela rejeição do órgão transplantado. Esse parece ser o caso da ação anulatória contra a sentença arbitral que deixa de aplicar precedente judicial.


[1] http://www.conjur.com.br/2016-nov-01/paradoxo-corte-arbitro-observancia-precedente-judicial

[2] Nesse sentido, em relação à súmula vinculante, CAMARGO, Júlia Schledorn de. A influência da súmula persuasiva e vinculante dos tribunais superiores brasileiros na arbitragem. Dissertação (Mestrado em Direito). Faculdade de Direito da PUC. São Paulo, 2013, p. 165-168. Contra, entendendo que o árbitro não deve seguir nem mesmo as súmulas vinculantes, DINAMARCO, Júlia. O árbitro e as normas criadas judicialmente: notas sobre a sujeição do árbitro à súmula vinculante e ao precedente. In: LEMES, Selma Ferreira; CARMONA, Carlos Alberto; MARTINS, Pedro Batista (Coords.). Arbitragem: estudos em homenagem ao Prof. Guido Fernando da Silva Soares, in memoriam. São Paulo: Atlas, 2007, p. 69-70; PARENTE, Eduardo de Albuquerque. Processo arbitral e sistema. São Paulo: Atlas, 2012, p. 286-287.

[3] Contra, porém, entendendo pelo cabimento da reclamação, FONSECA, Rodrigo Garcia da. Reflexões sobre a sentença arbitral. Revista de Arbitragem e Mediação, v. 6, 2005, p. 59.

[4] Nessa direção, FERRAZ, Rafaella. Arbitragem comercial internacional e enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal. Revista de Arbitragem e Mediação, v. 17, 2008, p. 98.

[5] Exemplificativamente, STF, Rcl 4.591-AgR, Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julg. 8.10.2009 e Rcl-AgRg 3.916, Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, julg. 12.6.2006.

[6] Não vamos entrar aqui na discussão se as sentenças arbitrais estrangeiras, para serem homologadas no Brasil, também necessitariam estar fundamentadas. É possível que o ordenamento jurídico estrangeiro, por exemplo, dispense o requisito da fundamentação. Essa discussão, por transbordar dos limites do texto, ficará para outra oportunidade.

[7] Integridade significa, em apertadíssima síntese, decidir em conformidade com o Direito, como decorrência da unidade do ordenamento jurídico.


VEJA AQUI OUTROS TEXTOS DA SÉRIE CPC 2015

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