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PROCESSO CIVIL
O Princípio da Comunhão da Prova
Daniel Amorim Assumpção Neves
19/12/2014
Já tivemos oportunidade de expressar nossa preocupação com os princípios processuais, em artigo escrito especificamente sobre os princípios no processo de execução.[1] Tal preocupação voltou ao centro de nossas atenções num campo diferente da ciência processual; o do direito probatório. Essa importante área do direito processual civil contém uma série de princípios que mereceriam atenção pormenorizada, cada qual em um artigo específico, mas dentre todos o que nos chamou provocou a escrever o presente artigo é o princípio da comunhão das provas.
Devemos confessar que a curiosidade nasceu de uma dificuldade enfrentada em nossa prática profissional, em um processo determinado. Fazemos esse esclarecimento inicial para demonstrar que são acertadas as afirmativas de que o professor ou acadêmico de direito se completa com a atividade jurisdicional desenvolvida na prática.[2] Em nosso caso específico, a advocacia nos fornece desafios que nos exigem constantes estudos para serem superados, além de nos fornecer valiosos exemplos práticos pra rechear as aulas, seminários, artigos e livros. No caso em tela, a aridez do tratamento do assunto de forma concentrada nos incentivou a elaboração do presente artigo.
De forma bastante sucinta o caso concreto que enfrentamos em nossa prática profissional de desenvolveu da seguinte maneira: autor e réu requereram genericamente a produção de provas em sua petição inicial e contestação, respectivamente. Pelo autor foi requerida a inversão do ônus probatório, em virtude de alegada relação de consumo, pedido esse indeferido na audiência preliminar. O réu, nessa mesma audiência, reiterou seu desejo na produção da prova pericial, deferida pelo juiz. Curiosamente, entretanto, após a apresentação dos quesitos e dos assistentes técnicos por ambas as partes, o réu desistiu de seu pedido de produção de perícia, sendo tal requerimento deferido pelo juiz inaudita altera parte.
Além da evidente má-fé e deslealdade processual do réu, que buscou por meio de uma traiçoeira manobra afastar o juiz da verdade dos fatos, na esperança de que nas águas turvas da presunção gerada pela aplicação da regra do ônus da prova se sagrasse vitorioso, a decisão padecia de grave vício gerado pela injustificável afronta ao princípio do contraditório, já que o autor não pode se manifestar sobre o pedido de desistência da prova. A par de tais considerações – que deixaremos de lado para que o artigo não assuma a forma de peça processual – o mais importante desse problema prático que enfrentamos era se o réu, como “dono da prova”, poderia, a seu bel prazer, desistir de uma prova já deferida, ainda que a parte contrária não concordasse com tal desistência. Justamente a percepção de que a resposta deve ser dada de forma negativa, à luz do direito constitucional da prova e do princípio da comunhão das provas, nos motivou a elaboração do presente artigo.
2 – Conceito
Num primeiro momento o conceito tradicional do princípio da comunhão das provas não parece suscitar grandes nem complexas questões, apesar da aridez com que é tratado pela doutrina pátria. Dentro do já pouco cuidado tema das provas, ao princípio da comunhão das provas é reservado lugar ainda mais obscuro e subalterno. De qualquer forma, aqueles que se dispuseram a tratar especificamente do tema parecem convergir para uma conceituação em comum.
Segundo a doutrina que já enfrentou o fenômeno processual ora analisado, o princípio da comunhão das provas determina que uma prova produzida passa a ser do processo, pouco importando se o responsável pelo requerimento ou determinação de sua produção tenha sido o autor, réu, ou mesmo o juiz de ofício. Na verdade, até mesmo outros sujeitos processuais poderão ter requerido a produção de tal prova, como os terceiros intervenientes ou o Ministério Público como fiscal da lei, que ainda assim a prova não será de A, B, ou C, mas sim do processo. Significa dizer que não se admite que a prova tenha uma identidade subjetiva, pouco importando quem tenha sido responsável por sua produção.
Nesse sentido já havia se manifestado com acerto na doutrina nacional o magistrado gaúcho Rui Portanova:
“Sendo o fim da prova levar a certeza à mente do juiz, para que possa falar conforme a justiça, diz Echandia, há um interesse indubitável e manifesto em razão da função que desempenha no processo. É o princípio do interesse público na função da prova. É evidente, cada parte persegue, com suas próprias forças, um benefício próprio e imediato. Contudo, há de se considerar, ainda, o interesse público mediato que está acima dos benefícios específicos das partes. Em conseqüência, a prova nunca pertence a uma ou outra parte, mas ao juízo. Por igual, o benefício que se retira do elemento probatório não se vincula somente ao interesse da parte que produziu tal prova. É o princípio da comunhão ou comunidade da prova, também chamado da aquisição”.[3]
A principal característica desse princípio diz respeito à prova produzida, embora nos parece que seja tal princípio também aplicável à fase anterior à produção propriamente dita da prova, ainda no plano do direito à prova adquirido concretamente no processo em razão do deferimento pelo juiz da produção de determinado meio de prova. Classicamente, uma vez tendo sido produzida a prova, pouco importando quem seja o responsável pela introdução de tal prova no processo, a mesma gerará efeitos para todos os sujeitos processuais indistintamente, inclusive para aqueles que nada tiverem a ver com a produção da prova.
Como ideia central do princípio encontra-se justamente a comunhão da eficácia probatória, sendo aqui entendido o termo “eficácia”, como condição de gerar efeitos no caso concreto. Uma prova produzida dentro do processo passa a gerar efeitos – benéficos ou prejudiciais – para todos os sujeitos processuais, não sendo possível ao juiz valorar uma prova de forma diferente para sujeitos processuais diferentes somente porque um foi o responsável por sua produção e o outro não. Apesar do sistema de livre convencimento motivado (persuasão racional), tal postura do juiz seria até mesmo ilógica, em nada se justificando tratar o valor da prova diferentemente para os sujeitos processuais. Ainda que tenha ampla liberdade na valoração probatória, haverá certos limites à atuação jurisdicional – como os resquícios de provas tarifadas (p. ex. art. 401, CPC c/c art. 227, CC) e a tentativa do Novo Código Civil de ressuscitar a prova plena (arts. 215 e 225, CC)[4] – sendo o princípio da comunhão das provas justamente um deles. O juiz pode dar o valor que entender a prova produzida, mas deverá fazê-lo de forma homogênea para todos os sujeitos processuais.
A justificativa lógica de aplicação do princípio da comunhão das provas decorre da própria função desse instituto dentro do panorama processual, qual seja, convencer o juiz da veracidade dos fatos alegados, ainda que a veracidade processual ou veracidade possível, em decorrência de ser a verdade absoluta um valor meramente utópico e inalcançável.[5] Seja como for, as provas servem como instrumento para que o juiz chegue o mais próximo possível a percepção de como os fatos realmente ocorreram, gerando-se dessa aproximação o seu convencimento.[6] Sendo a prova instrumento de convencimento, seria absolutamente ilógico que para uma das partes a prova fosse suficiente para o juiz acreditar que o fato ocorreu, enquanto que para outra tal fato seria considerado inverídico, somente porque não foi ela a responsável pela produção da prova. A homogeneidade exigida no tocante ao convencimento dos fatos é a base justificadora do princípio da comunhão das provas, ao menos no tocante à prova já produzida, que não é, como veremos, o campo exclusivo de aplicação do princípio.
Seria de fato inadmissível que um mesmo fato, diante de um mesmo conjunto probatório, analisado por um só juiz, pudesse ser considerado verdadeiro para a parte que a produziu e falso para a parte contrária – não responsável pela sua produção – ou mesmo para litisconsortes da parte responsável pela produção. Utilizando-nos de um brocardo popular, o fato dentro do processo, no tocante aos sujeitos processuais é como a mulher grávida, ou seja, não existe mulher meio grávida, ou está ou não está…[7] Da mesma forma, para o fato considerado dentro do processo, não existe fato meio verdadeiro, ou verdadeiro somente para uns; ou o fato é verdadeiro para todos ou para ninguém, daí decorrente a exigência da prova gerar efeitos homogêneos para todos os sujeitos processuais, responsáveis ou não por sua produção.
Por fim, também se ampara no princípio da comunhão das provas a impossibilidade da parte que tenha requerido a produção da prova pretender, após sua produção e entendendo lhe ser a mesma prejudicial, impedir que o juiz a utilize em seu convencimento. Como os advogados não têm uma bola de cristal para antever o resultado de uma prova, muitas vezes o produto probatório acaba por prejudicar a própria parte que requereu sua produção, o que não é raro na praxe forense e que espelha bem o dito popular de dar um tiro no próprio pé. Caso fosse possível se afirmar que a prova pertence a quem a produz, seria admissível que a parte, prejudicada pela prova, simplesmente conseguisse seu desentranhamento dos autos, impedindo o juiz de utilizá-la em seu convencimento. Sendo “dona da prova”, se contrariado com seu resultado, a retiraria do processo, como o menino “dono da bola”, que ao ser colocado no gol pelos colegas, fica contrariado e leva a bola embora, terminando com o jogo.
É evidente que rumaria contra as tendências mais modernas do processo civil, em especial a promessa constitucional de um amplo acesso à ordem jurídica justa, atual feição do tradicional princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional (art. 5º, XXXV, CF), se permitir a retirada de prova do processo somente porque essa não se mostrou favorável à parte responsável por sua produção. O princípio da comunhão das provas, ao indicar que a prova é do processo, e não das partes e nem do juiz, evita que tal procedimento seja adotado, não podendo a parte dispor de algo que não é dela, e sim do processo. A prova, dessa forma, prejudicial ou benéfica a quem quer que seja, jamais será afastada do convencimento do juiz por “arrependimento” da parte que requereu sua produção.[8]
3- Direito adquirido à prova de todos os sujeitos processuais
Já tivemos a oportunidade de afirmar, em trabalho anterior específico a respeito do tema, que uma vez deferida uma prova, tendo ela sido requerida por uma das partes, ou determinada de ofício pelo juiz, não seria mais admissível, sem o ingresso do recurso cabível pela parte interessada, a retratação por parte do juiz. Em nossa visão se verificaria no caso a preclusão judicial, comumente e de forma errônea tratada como preclusão pro iudicato, o que simplesmente impediria que o juiz voltasse atrás em sua decisão anteriormente proferida.
A justificativa é que, embora o juiz possa – na verdade deva – indeferir as provas inúteis e desnecessárias, uma vez deferida a produção de algum meio de prova cria-se um direito adquirido à prova, não sendo mais possível o juiz voltar atrás em seu entendimento anterior para indeferir a prova, ainda que passe, nesse segundo momento, a acreditar em sua inutilidade ou desnecessidade.
Em nosso sentir, prova deferida é prova a ser produzida, ainda que a percepção do juiz sobre ela se modifique no tempo. Em conclusão ao pensamento desenvolvido afirmamos que:
“Assim, é correto afirmar, conclusivamente, que o art. 130 do Código de Processo Civil permite a produção de provas por parte do juiz a qualquer momento do processo, tendo essas sido indeferidas ou sendo novidades na demanda judicial. Tal artigo, entretanto, sob pena de afronta ao direito à prova que a parte vê nascer quando há seu deferimento, não permite ao juiz o indeferimento de prova por ele deferida, tenha sido ela fruto de requerimento da parte ou mesmo de iniciativa do próprio juiz, em nítida verificação de preclusão judicial”.[9]
Confessamos, entretanto, uma omissão cometida em nosso trabalho anterior, que apesar de específico sobre o tema, essa questão não foi abordado de forma tão completa quanto o necessário. Centramos naquele trabalho a atenção na parte que requereu a prova, afirmando não ser possível que o juiz a indeferisse sem concordância expressa da mesma. Enfrentamos ainda a questão da prova deferida de ofício, afirmando que nesse caso ambas as partes teriam um direito adquirido à prova, não se admitindo o indeferimento de tal prova senão mediante a concordância de ambas as partes. Não imaginamos, entretanto, o caso específico de desistência da prova da parte que justamente a requereu, à luz do direito adquirido da prova da parte contrária e do princípio da comunhão das provas.
É evidente que a partir do momento em que defendemos a existência de um direito adquirido tanto de autor como do réu à produção de prova determinada de ofício, fica bem claro que não importa o sujeito responsável pelo pedido ou determinação da produção da prova, considerando-se a própria natureza pública do processo, conquista inafastável da ciência processual moderna. Procuraremos expor com maior clareza tal ponto de vista, o que nos levará a conclusão de que não basta à parte que requereu a produção da prova concordar com sua não produção depois de seu deferimento, também sendo necessária a concordância da parte contrária para que tal prova não seja mais produzida. É nessa conclusão que nos parece legítimo a aplicação do princípio da comunhão das provas em momento processual diverso do tradicionalmente enfrentado pela doutrina.
Sendo a prova do processo, e não da parte que a requereu, a partir do momento em que a mesma é deferida pelo juiz, ela perde completamente a sua identidade subjetiva, passando desde já a pertencer ao processo. Não há de fato qualquer razão – acadêmica ou lógica – que reserve tal constatação somente a prova já produzida, bastando para tanto lembrar que a fase de produção da prova é apenas uma entre aquelas que compõe o procedimento probatório. E é justamente o princípio da comunhão das provas, responsável pela perda da identidade pelo seu surgimento no processo, que nos autoriza tal conclusão. Nesse tocante, inclusive, cabe recordar as lições de Cândido Rangel Dinamarco, para quem a propositura da prova já faz parte de sua produção.
Tomando por base as lições do processualista das Arcadas, fica ainda mais irrefutável a ideia de que a prova, embora não tenha sido pedida por uma das partes, passa a também lhe pertencer após seu deferimento, não se podendo admitir a não realização da mesma a não ser mediante sua concordância. Pelo princípio da comunhão das provas a prova é do processo, e o processo, segundo conceituação mais moderna, é o procedimento animado por uma relação jurídica em contraditório. A relação processual é formada pelos sujeitos processuais – todos eles – que exercem no processo ônus, faculdades, deveres, direitos e sujeições.
Em última análise, os sujeitos processuais são titulares dos direitos processuais, sendo o direito à produção de prova já deferida um deles.
Haverá, portanto, um direito adquirido de todos os sujeitos processuais – em especial os parciais – para que a prova deferida, independentemente de quem requereu sua produção, seja devidamente produzida. Uma eventual retratação do juiz, indeferindo uma prova que já havia sido anteriormente deferida, somente será admitida se, ouvidas as partes, titulares em comum do direito à produção da prova, houver concordância de ambas no tocante à sua não produção da prova. E aqui pouco importa qual o sujeito responsável pelo desejo de não mais produzir a prova; sendo o juiz, ouvirá ambas as partes, e, sendo a parte que a requereu, será ouvida a parte contrária.
É evidente que nesse caso haverá uma inversão dos ônus de adiantamento para a produção da prova, passando esse a ser carreado à parte que se mantém desejosa de produzir a prova. Assim, se o autor tinha pedido prova pericial e desiste de tal produção, após o deferimento do juiz, o réu será ouvido, e se discordar, por qualquer razão, da desistência, passará a ser o responsável pela realização da prova, de forma que deverá, nos termos do art. 21, CPC, adiantar as verbas honorárias do perito para que a prova possa ser produzida. O indeferimento, entretanto, será absolutamente nulo, por inconstitucional, já que agressor do princípio do direito à prova. É, em nosso entender, a aplicação do princípio da comunhão das provas já em seu nascedouro, quando nasce concretamente o direito a todos os sujeitos processuais a produzir uma prova, independentemente de quem tenha sido o responsável pelo pedido de sua produção. Apesar do pouco trato da matéria pela doutrina nacional, cumpre registrar que Rui Portanova, ao tratar do princípio da comunhão das provas, tece comentários no sentido do texto, tomando como exemplo a possibilidade aberta à parte pelo art. 408, CPC, de substituição de testemunhas já arroladas:
“Entendemos que no sistema brasileiro vige o princípio da comunidade da prova e que, não raras vezes, a parte-ré deixa de arrolar testemunha comum já arrolada pela parte autora. Assim, uma desistência pode causar danos à outra parte (particular) e à busca da verdade real (em geral). A melhor solução para o caso de desistência não suficientemente motivada de testemunha é colher a concordância da parte contrária e, em caso de dúvida, ouvir tanto a nova testemunha indicada com a testemunha que se tentou substituir”.[10]
Nos servindo da feliz lição do processualista gaúcho, e a ampliando para outros meios de prova, nos parece que requerido qualquer meio de prova, não seria possível à parte que a requereu desistir unilateralmente de sua produção. O deferimento de pedido nesses termos, em discordância da parte contrária, desejosa na produção de tal prova, afrontaria o direito à produção da prova à luz do princípio da comunhão das provas.
4 – Aplicações práticas do princípio da comunhão das provas
Embora a doutrina nacional tenha em sua grande maioria diligenciado no tocante ao trato específico do princípio da comunhão das provas, em alguns fenômenos processuais sua aplicação é sempre lembrada, demonstrando a doutrina uma preocupação mais casuística que pontual com o princípio. Não tendo feito uma análise exaustiva do ordenamento processual brasileiro, lembramos de três fenômenos em que o princípio ora analisado terá grande importância: (I) prova produzida por litisconsorte; (II) prova produzida no recurso de agravo para comprovar a determinação do art. 526, caput, CPC; (III) ônus da prova. Faremos com relação a esses três fenômenos algumas considerações que nos parecem relevantes.
a) Prova produzida por litisconsorte
A atuação dos litisconsortes vem regulada pelo art. 48, CPC, que cria, ainda que em termos, o princípio da autonomia da atuação dos litisconsortes. Segundo o dispositivo legal, “salvo disposição em contrário, os litisconsortes serão considerados, em suas relações com a parte adversa, como litigantes distintos; os atos e as omissões de um não prejudicarão nem beneficiarão os outros”. Apesar da clara redação do texto legal levar a conclusão de que existe uma verdadeira autonomia de atuação entre os litisconsortes, a melhor doutrina vem flexibilizando tal autonomia, pontuando as exceções a tal regra.[11]
De início é interessante frisar que a aplicação do art. 48, CPC, aos litisconsortes no caso concreto dependerá num primeiro momento da espécie de litisconsórcio que os une para litigar em conjunto. Das diversas classificações possíveis, nos interessa aquele que separa o litisconsórcio em unitário e simples, tomando como critério a possibilidade ou não aberta ao juiz para resolver o processo de forma diferenciada para os litisconsortes. Dessa forma, havendo a possibilidade de distintas decisões para os litisconsortes, o litisconsórcio será simples, enquanto que a obrigatoriedade de decisão uniforme para todos os litisconsortes gera o litisconsórcio unitário.
Da definição apresentada acima – propositalmente simples – já se pode perceber a primeira diferença no tratamento da autonomia de atuação dos litigantes no tocante à espécie de litisconsórcio. No litisconsórcio unitário, em que o destino dos litisconsortes obrigatoriamente será o mesmo, resta evidenciado que qualquer ato de disposição de direito por parte de somente um litisconsorte, sem o consentimento do outro, será plenamente ineficaz.
Não há como se admitir, por exemplo, que somente um dos litisconsortes transacione com a parte contrária, porque homologado o acordo, a decisão final será diferente para os litisconsortes. Para um, haverá uma sentença homologatória de transação, para o outro, desde que a demanda seja julgada no mérito, uma sentença de procedência ou improcedência.
Por outro lado, todos os atos benéficos praticados por um dos litisconsortes certamente gerarão efeitos para os outros sujeitos que com ele litigam em conjunto. Sendo o destino de todos o mesmo dentro do processo, qualquer ato que auxilie processualmente um dos litisconsortes obrigatoriamente auxiliará também a todos os demais. Assim, na hipótese de litisconsórcio unitário, de total aplicação o disposto no art. 320, I, CPC (não presunção de veracidade dos fatos quando um dos réus contesta a ação) e art. 509, CPC (o recurso de um litisconsorte aproveita aos demais).
Como se percebe, portanto, não parece ser possível se afirmar que na hipótese de litisconsórcio unitário seja efetivamente aplicada a regra da comunhão das provas[12]. No litisconsórcio simples, por outro lado, se percebe uma maior aplicação do princípio, ainda que, ao menos nos casos do art. 320, I e 509, ambos do CPC, seja possível excepcioná-los desde que não exista entre os litisconsortes uma comunhão de interesses, ou seja, que o ato praticado por um deles não tenha como objeto algo que aproveite ao outro, alguma matéria que teria sido alegada pelo próprio litisconsorte omisso.
Seja como for, e nesse tocante pouco importando a espécie de litisconsórcio, a questão da prova produzida por um dos litisconsortes passa a margem da regra – ou princípio – da autonomia de atuação dos litisconsortes. A doutrina é uníssona em afirmar que a prova produzida por um litisconsorte poderá plenamente prejudicar aos demais, que em nada colaboraram para sua produção, mas que sofrerão seus efeitos da mesma forma que os sofrerá o responsável pela produção. Prejudicial ou benéfica, a prova produzida servirá a formar o convencimento do juiz, e naturalmente esse convencimento será o mesmo para todos os sujeitos processuais, o que incluiu os litisconsortes. E essa circunstância é decorrência da aplicação do princípio da comunhão das provas.
Nesse sentido vem afirmando reiteradamente nossa melhor doutrina, como se pode notar das lições de Humberto Theodoro Jr:
“As provas, todavia, não se consideram como pertinentes apenas ao litisconsorte que as tenha promovido, sejam favoráveis ou contrárias ao interesse comum do litisconsórcio. É que, pelo princípio da livre pesquisa da verdade material, as provas são do juízo, ao importando a quem tenha cabido a iniciativa de produzi-las. Prevalece, modernamente, o princípio da comunhão das provas”.[13]
Diga-se em síntese conclusiva que a aplicação do princípio da comunhão das provas impede uma situação no mínimo surreal se permitido fosse ao juiz considerar a prova produzida somente com relação ao litisconsórcio responsável por sua produção. Sabendo-se que a prova serve a formar o convencimento do juiz a respeito da veracidade de um fato, seria admitir que um mesmo fato, perante o mesmo juiz, pudesse ser considerado verdadeiro para um litisconsorte e falso para outro, o que logicamente é insustentável. Não custa frisar novamente, mas se a prova não pertence nem ao autor, nem ao réu, e nem mesmo ao juiz, estão incluídos aí também, por consequência óbvia, os litisconsortes.
b) A confissão e o litisconsórcio
A par da acirrada discussão a respeito da verdadeira natureza da confissão, que para parcela significativa da doutrina não pode ser considerada meio de prova, é notório a colocação de tal instituto entre os meios de prova arrolados pelo Código de Processo Civil. Nos estreitos limites do presente artigo, centraremos nossas preocupações no disposto no art. 350, caput, CPC: “A confissão judicial faz prova contra o confitente, não prejudicando, todavia, os litisconsortes”. Conforme se nota do dispositivo legal transcrito, a sua literalidade leva o operador a acreditar que na hipótese de litisconsórcio um meio de prova específico – confissão – somente geraria efeitos para um dos litisconsortes, no caso aquele responsável por sua produção, o confitente. Seria, portanto, uma exceção ao princípio da comunhão das provas e de aplicação da regra de autonomia de atuação dos litisconsortes.
Já nos adiantando a nossas próprias conclusões, o art. 350, caput, CPC, apesar de sua tortuosa redação, não excepciona em nada o princípio da comunhão das provas, e isso independentemente da espécie de litisconsórcio. Para justificar nossa conclusão é preciso partir do pressuposto que a confissão vincula o confitente, senão com força de prova plena, noção rechaçada pela melhor doutrina à luz do princípio da persuasão racional do juiz[14], servindo como importante meio para seu convencimento. Significa dizer que uma confissão eficaz é aquela que convence o juiz da veracidade de um fato, sendo justamente esse convencimento o efeito programado da confissão.
É natural que em decorrência do atual sistema de valoração de provas que vigora em nosso ordenamento processual civil, a confissão seja analisada em conjunto com as outras provas produzidas, em princípio em pé de igualdade com as mesmas, não se admitindo nenhuma espécie de tarifação prévia dos meios de prova. Inegável, entretanto, que a confissão guarda na praxe forense lugar de destaque dentre os meios de prova, sendo invariavelmente importante elemento na formação de convencimento do juiz. Significa dizer que não tem força de prova plena – nenhuma prova o tem – mas se mostra na prática como importante elemento na demonstração da veracidade do fato alegado.
O mais importante aspecto da confissão para a análise ora feita é a questão de sua eficácia. Há a regra de que a confissão vincula o confitente, o que significa dizer que a confissão gera seus regulares efeitos para aquele que confessou, ou seja, havendo a confissão o fato será considerado com verdadeiro. Esse efeito, como já visto, somente será gerado se a confissão, diante de outras provas produzidas, for suficiente para convencer o juiz, mas de qualquer forma é possível se concluir que, ao menos com relação ao confitente, haverá uma vinculação. Nesse ponto é preciso, desde já, fazer uma observação: partindo-se de uma análise sob a perspectiva dos resultados, a confissão não vincula somente o confitente, mas também, e naturalmente, a parte contrária, em razão da aplicação do princípio da comunhão das provas.
Especificamente no tocante ao disposto no dispositivo legal ora enfrentado, há a afirmação de que a confissão faz prova contra o confitente, mas não prejudica os litisconsortes. A afirmativa não se mostra aplicável diante da própria lógica exigida pelo sistema processual. Fazer prova só pode ser entendido como convencer o juiz da veracidade de um fato, o que, conforme exaustivamente visto, não pode se configurar em fenômeno subjetivo parcial, dando-se o fato verdadeiro para somente alguns dos sujeitos processuais, e não para outros.
Esse verdadeiro absurdo lógico – antes mesmo de se tratar de absurdo jurídico – é exatamente o sugerido pelo art. 350, caput, CPC, ao afirmar que para o confitente fato seria dado como verdadeiro, mas ao litisconsorte seria plenamente possível que o fato fosse considerado falso.[15] E tudo isso na mesma demanda…
Se a confissão gerar seus efeitos de convencer o juiz, todos os sujeitos sofreram tais efeitos, considerando-se que o fato será considerado verdadeiro pelo juiz para todos os sujeitos processuais, tenham esses participado ou não da confissão. É justamente em virtude desse nosso entendimento que pouco nos interessa qual a espécie de litisconsórcio para que a confissão vincule ou não o litisconsorte não confitente. Sendo unitário ou simples, o fato será sempre um só, de forma que sendo a confissão eficaz vinculará a todos, sendo ineficaz, não vinculará a ninguém.[16] Simples assim, a confissão pode ser plenamente eficaz ou plenamente ineficaz, independentemente da espécie de litisconsórcio, não existindo eficácia parcial justamente por não existir um fato que possa ser ao mesmo tempo verdadeiro pra alguns e falso par outros.
Apenas uma consideração deve ser feita à luz da espécie de litisconsórcio, a título de esclarecimento. Na hipótese de litisconsórcio simples, é plenamente possível que um fato diga respeito a apenas um dos litisconsortes, o que não ocorrerá no litisconsórcio simples. Essa realidade poderia levar um leitor mais incauto a acreditar que nessa hipótese seria aplicável a regra da eficácia subjetivamente parcial da confissão, prevista pelo art. 350, caput, CPC, já que somente com relação à parte confitente, única interessada no fato, a confissão geraria seus efeitos. Essa, entretanto, é uma conclusão enganosa. Ainda que o fato diga respeito a somente uma das partes, a confissão será plenamente eficaz, se o juiz no caso concreto se convencer em razão dela, e a veracidade do fato se dará a todos os litigantes, inclusive ao litisconsorte que não confessou e que nada tem a ver com aquele fato. A ausência de relação entre o litisconsorte e o fato narrado, entretanto, não enseja a conclusão de que a confissão fez prova somente contra o confitente; fez prova “contra” todos os sujeitos processuais, mas dependendo do caso concreto no litisconsórcio simples, tal veracidade não importará em absolutamente nada ao litisconsorte não confitente. [17]
Em compasso ao entendimento exposto, reforçamos nossa crença de que o princípio da comunhão das prova afasta qualquer possibilidade de aplicação da regra da autonomia dos litisconsortes no tocante às provas produzidas no processo. E isso independentemente da espécie de litisconsórcio – unitário ou simples – ou ainda do meio de prova, incluindo-se aí também a confissão. Em qualquer espécie de litisconsórcio, e qualquer que seja o meio de prova, se o juiz se convencer, o convencimento será idêntico para todos os litigantes, o mesmo podendo se afirmar na hipótese de não convencimento.
c) O princípio da comunhão das provas e o art. 526, CPC
Nas recentes reformas processuais – ao menos na mais recente onda reformista; Lei 10.352/02 – houve uma importante modificação no tocante ao procedimento de comunicação de interposição do agravo de instrumento perante o juízo de primeiro grau.
A partir do novo texto legal do art. 526, CPC, em especial com a inclusão de um parágrafo único, a ausência de comunicação da interposição do agravo de instrumento perante o juízo de primeiro grau somente será razão para a inadmissibilidade do recurso se o agravado arguir e provar o descumprimento do disposto no art. 526, caput, CPC. Apesar de contrariar a teoria geral dos requisitos de admissibilidade recursal, o dispositivo legal tentou colocar fim a antiga divergência doutrinaria e jurisprudencial a respeito de ser a comunicação um ônus ou mera faculdade do agravante.
Apesar de superada a discussão, em razão da nova redação do dispositivo legal, sempre entendemos que a comunicação no prazo de três dias, prevista em lei, não se tratava de mera faculdade do agravante, mas sim de ônus processual, que uma vez descumprido geraria o não conhecimento do recurso. E assim nos parecia em virtude de não entendermos que a única função da comunicação era possibilitar ao juiz de primeiro grau a retratação. Além disso, aspecto inegável de um dos efeitos da comunicação, sempre nos pareceu que a norma prestigiava o princípio da boa-fé e lealdade processual, já que forçando a comunicação em três dias, o agravado, quando intimado, não seria obrigado a se deslocar até a sede do tribunal, em alguns casos consideravelmente longe do local em que milita, bastando para ter ciência do teor do recurso fazer uma visita ao Fórum da cidade e analisar os autos principais. Quem sabe para aqueles que, como nós, militam em capitais do Estado, a observação seja esquisita, mas nem só de capital vive a atividade advocatícia desse enorme país.
Seja como for, nos parece que, a par de eventuais críticas, a nova redação do art. 526, CPC, estancou qualquer dúvida a respeito da natureza jurídica da informação lá prevista, embora tenha criado um curioso e singular requisito de cabimento recursal que não é tratado como matéria de ordem pública, só podendo ser considerado pelo Tribunal se a parte recorrida expressamente alegar o desrespeito a exigência legal.[18]
Alegar e provar, segundo a segunda atividade a que mais nos interessa no presente artigo.
Nos parece indubitável que, se o agravado não arguir o descumprimento do disposto no art. 526, caput, CPC, o Tribunal estará obrigado a prosseguir no julgamento do agravo de instrumento, independentemente do agravante ter ou não informado o juízo de primeiro grau da interposição do recurso. Tal exigência, inclusive, conota de manifesta ilegalidade a prática relativamente disseminada do relator de exigir do agravante a comprovação da comunicação perante o juízo de primeiro grau.[19] Se à luz da redação anterior tal exigência já era deveras discutível, atualmente é um absurdo sem qualquer respaldo na legislação, devendo o advogado simplesmente ignorar tal requisição do juiz relator, ou ainda lembrá-lo pacientemente que com a mudança legislativa, o ônus de, ao menos alegar o descumprimento da comunicação prevista pelo art. 526, CPC, caberá ao agravado, e nunca ao agravado. Goste-se ou não, é isso que determina a lei.
Se nenhuma dúvida nos resta quanto à exigência de alegação do agravado de que o agravante não informou o primeiro grau em 3 dias da interposição do agravo, não concordamos com a interpretação literal do dispositivo legal ora analisado no tocante a exigência de que a comprovação de tal omissão também seja de responsabilidade exclusiva do agravado.
É evidente que no mais das vezes será o próprio agravado que comprovará, por meio de certidão de objeto e pé, que o agravante descumpriu a informação, mas não nos parece que ele seja o único responsável por tal prova.[20] Em nosso sentir, uma vez alegado o descumprimento, qualquer prova, produzida por qualquer dos sujeitos processuais, poderá servir ao Tribunal para deixar de conhecer o recurso, justamente em razão do princípio da comunhão das provas.
Cândido Rangel Dinamarco, amparado em lições de Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, já se manifestou nesse sentido, respondendo à questão a respeito da rigidez do ônus da prova ao agravado nesse caso:
“Mas será tão rígido esse onus probandi posto a cargo do agravado? Se ele alegar a infração ao art. 526 e o agravante admitir a omissão ou silenciar, ainda assim o recurso será conhecido? Seguramente, o agravo não será conhecido se o agravado fizer a arguição, nada provar, mas as informações prestadas pelo juiz de primeiro grau derem conta de que a comunicação não foi feita pelo agravante – porque essa é uma aplicação do princípio da aquisição da prova, pelo qual a prova vinda aos autos produz seus efeitos sempre, sem importar qual sua origem ou quem a produziu.”[21]
Concordamos plenamente com os doutrinadores citados acima, nos parecendo que, independentemente do sujeito responsável pela produção da prova de que a comunicação não ocorre conforme os ditames legais, o Tribunal pode se convencer do descumprimento – desde que alegado pelo agravado – gerando o não conhecimento do agravo de instrumento. O princípio da comunhão das provas, determinando que a prova é do processo, e não dos sujeitos processuais, impede que o Tribunal desconsidere a prova somente porque a mesma não foi produzida pelo agravado, bastando para o não conhecimento do recurso a existência da prova. Assim, a informação do agravado é um ônus perfeito, enquanto a comprovação é um ônus imperfeito.
d) Ônus da prova
Outro tema em que se constata a importância da aplicação do princípio da comunhão das provas é o do ônus da prova, em especial no tocante a seu elemento objetivo. Não é esse o momento para considerações mais especificas a respeito do tema, mas sucintamente, apenas para sedimentar aquilo que pretendemos de fato expor, nos deteremos nos aspectos objetivos e subjetivos do instituto.
O ônus da prova é comumente encarado pela doutrina sob dois aspectos; o subjetivo e objetivo. Pelo aspecto subjetivo do ônus da prova se estabelecem as regras de qual sujeito processual sofrerá situação processual de desvantagem no caso da prova não ser produzida, parcialmente ou integralmente. Nesse sentido o ônus da prova serve como uma regra de conduta das partes durante a instrução probatória, indicando quem é o responsável pelo convencimento do juiz dos fatos alegados pelo autor. Pelo aspecto objetivo o ônus da prova funciona como uma regra de julgamento, aplicada pelo juiz sempre que não exista qualquer prova produzida ou a mesma se mostre insuficiente. Não podendo declarar o non liquet, ou seja, estando obrigado a decidir, independentemente da prova produzida, o juiz, tomando por base as regras que definem o caráter subjetivo do ônus da prova, coloca a parte que dele não se desincumbiu em situação processual de desvantagem.[22]
Mas o que teria o ônus da prova a ver com o princípio da comunhão das provas? Na verdade essa relação se cristaliza partindo-se de uma análise do ônus sob o aspecto objetivo, sendo certo que a regra de julgamento estabelecida pelo ônus da prova só deve ser aplicada na ausência – total ou parcial – de prova, não se justificando sua aplicação nas hipóteses de existir nos autos elementos de convicção do juiz. Nem poderia ser diferente, considerando-se que ao julgar pelo ônus da prova o juiz decide baseado numa mera presunção, que poderia ser singelamente traduzida da seguinte forma: aquele que alegou e não provou deve ter alegado algo que não correspondia com a realidade. Por outro lado, julgando baseado na prova, o juiz deixa de lado a presunção, se baseando na certeza a respeito do conjunto fático que compõe o processo judicial. Resta evidente ser preferível ao juiz decidir baseando-se na certeza gerada pela prova do que na presunção típica da aplicação da regra de julgamento chamada de ônus da prova.
O interessante aqui, e nisso o aspecto objetivo do ônus da prova se interage com o aspecto subjetivo, é que a regra de julgamento não se importa com quem tinha o ônus de provar, mas sim com a efetiva produção da mesma, independentemente de seu responsável. O juiz somente passará no caso concreto a analisar o aspecto subjetivo do ônus da prova se for forçado a aplica-lo como regra de julgamento (aspecto objetivo), o que só ocorrerá, conforme já afirmado, se não houver prova suficiente para forma seu convencimento. Somente nessa situação terá alguma importância ao processo de quem era o ônus da prova, e qual o sujeito processual será colocado numa situação processual de desvantagem. Em outras palavras, o juiz não investiga o caráter subjetivo da prova, quem foi o responsável pela sua produção, situando sua analise tão somente ao produto probatório; se as provas forem suficientes ele decide baseado nelas, em caso contrário, aplica o ônus da prova.
A nenhuma importância de quem foi o responsável pela produção da prova, mas sim de sua efetiva produção, decorre da aplicação do princípio da comunhão das provas. O juiz não se interessa pelo responsável pela produção da prova porque somente lhe interessa se ela foi produzida ou não, em decorrência lógica do princípio que determina que toda prova produzida é do processo, e não de forma exclusiva daquele que se desincumbiu de seu ônus a produzindo ou mesmo daquele que, mesmo não tendo tal ônus, a produziu. Assim já havia se manifestado com precisão José Carlos Barbosa Moreira:
“Ao juiz, por conseguinte, toca ver se são completos ou incompletos os resultados da atividade instrutória. Não lhe importa, na primeira hipótese, a quem se deve o serem completos os resultados. Importar-lhe-á, sim, na segunda, a quem se deve o serem incompletos; ou, mais precisamente, a quem se hão de atribuir as consequências da remanescente incerteza. Se quisermos usar a terminologia habitual, poderemos dizer que o órgão judicial só tem de preocupar-se, a rigor, com o aspecto objetivo do ônus da prova, não com o seu aspecto subjetivo.”[23]
Não existe a possibilidade, portanto, do juiz deixar de levar em consideração uma prova efetivamente produzida somente porque seu responsável não tinha o ônus de produzi-la. Essa questão, na verdade, não é nem ao menos colocada, contando que o aspecto subjetivo do ônus da prova só passa a ter alguma importância a partir do momento em que o juiz se vê obrigado a aplica-lo em seu aspecto objetivo. Com prova produzida, independentemente de seu responsável, o juiz decidirá sem qualquer remissão ao ônus da prova, pouco importando para seu julgamento quem tinha o ônus de provar, e essa situação se justifica justamente em razão do princípio da comunhão das provas.[24]