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PROCESSO CIVIL
O novo CPC que ainda não entrou em vigor
24/10/2016
Ao menos para a maioria da doutrina brasileira o Novo CPC (Lei 13.105/2015) entrou em vigor em 18.03.2016 (art. 1.045)[1]. Desde então as normas da nova codificação processual civil deveriam ter eficácia em todo território nacional.
Todavia, após mais de meio ano da vigência do CPC/2015, algumas de suas disposições simplesmente continuam ineficazes, como se sequer tivessem sido aprovadas pelo legislativo federal.
Variados são os responsáveis.
Um tanto de culpa do Poder Judiciário brasileiro. Não se preparou, no período de vacatio de 01 (um) ano do CPC/2015, para várias das disposições que lhe foram dirigidas. Tampouco foi capaz de operacionalizá-las no primeiro semestre de vigência da nova codificação.
Outro tanto de culpa à crise econômica/financeira do Estado brasileiro, que em virtude da grave recessão pela qual passa o país, não parece ver o Sistema de Justiça como destinatário prioritário de seus recursos financeiros.
Também não se pode isentar de culpa o legislador. Pressupor que o Poder Judiciário brasileiro tivesse estrutura suficiente (ou que venha a ter em curto espaço de tempo) para realizar diversas das promessas do CPC/2015, é um misto de utopia com um tanto de desconhecimento da realidade material das unidades judiciárias de primeiro grau do país (que sequer têm juízes e servidores suficientes).
Há disposições da Lei 13.105/2015 que, em realidade, mais representam uma petição de intenção do que, propriamente, norma cogente.
Obviamente, de se ressalvar que ainda é muito cedo para análise mais aprofundada a respeito das disposições que “pegaram” do CPC/2015. E de se ressalvar, também, que diante da natureza continental do nosso país (com 24 TRTs, 05 TRFs e 27 TJs), um indicativo geral das disposições que ainda não são operacionalizadas sempre encontrará uma exceção.
De todo modo, fato é que há disposições do CPC/2015 que, de modo geral, ainda são apenas promessas, mesmo já estando em vigor a Lei 13.105/2015 faz mais de meio ano.
A mais evidente delas é a regra do art. 334 do CPC/2015. Estabelece a disposição que, nas ações de procedimento comum, não sendo caso de indeferimento da inicial (art. 330) ou julgamento liminar de improcedência (art. 332), o juiz designará audiência de conciliação/mediação a ser presidida, preferencialmente, por conciliadores/mediadores, selecionados por concurso público, cadastramento (com remuneração a ser definida pelo CNJ) ou voluntariado (arts. 167 e 169, § 1º).
Ocorre que em diversos locais do país, especialmente nas Comarcas e Subseções Judiciárias de menor porte, não há conciliadores/mediadores com cargo público, cadastrados ou voluntários (inclusive porque isto gera impedimento para a advocacia) para a realização das mediações/conciliações. E mesmo em juízos de maior porte, os CEJUSCs/CECONs existentes não são capazes de absorver toda a demanda, considerando que além das conciliações/mediações do procedimento comum, devem suportar, também, as conciliações/mediações dos procedimentos especiais das ações de família (art. 695).
Este estado das coisas tem feito com que juízes dispensem a realização da audiência inaugural do art. 334 do CPC/2015, tanto pela falta de estrutura, quanto a bem da preservação do mínimo de razoabilidade temporal dos processos (art. 4º do NCPC).[2]
Ademais, não há notícias de que o CNJ – mesmo já tendo atuado para disciplinar questões relativas ao CPC/2015[3] – tenha estabelecido um modelo nacional posterior ao Novo Código de cadastramento de conciliadores/mediadores nos Tribunais. Ou mesmo fixado administrativamente a remuneração deles como lhe compete (art. 169).
Outra norma que, apesar de vigente, ainda parece não ter sido operacionalizada pelos Tribunais brasileiros, é a dos arts. 246, § 1º e 1.051, ambos do do CPC/2015.
Por eles, as empresas públicas e privadas (salvo MEs e EPPs) deveriam – logo após a entrada em vigor do NCPC para as empresas já existentes (art. 246, § 1º), e no prazo de 30 (trinta) dias a contar da constituição, para empresas constituendas – cadastrar seus respectivos endereços eletrônicos no juízo onde tenha sede ou filial. Tudo a fim de viabilizar as intimações/citações nos processos em que forem partes.
Não se tem notícia de que os Tribunais tenham exigido o cumprimento do cadastramento pelos seus destinatários, algo extremamente importante para a aceleração do trâmite dos processos.
E o CNJ, apesar de ter disciplinado a questão através da Resolução n. 234/2016, estabeleceu um prazo de 90 dias a partir da disponibilização da plataforma de comunicações processuais (ainda não criada) para que os interessados façam o respectivo cadastramento (art. 15).
Ou seja, o art. 246, § 1º, do CPC/2015 ainda é inoperante no Brasil.
O art. 156, §§, do CPC/2015, estabelece que os peritos se cadastrarão perante os Tribunais a que os juízes estão vinculados. Estabelece, ainda, que para a formação deste cadastro, será realizada consulta pública por meio de divulgação na rede mundial de computadores ou jornais de grande circulação, além de consulta a universidades, órgãos de classe, MP, DP e OAB, para indicação de profissionais e órgão técnicos interessados (cujos profissionais serão reavaliados periodicamente).
Até há normativa do CNJ (Resolução n. 233/2016, já em vigor) estabelecendo um modelo para este cadastramento. Mas sem notícias concretas de que os Tribunais do país estejam a cumpri-la com rigor.
Há, também, um conjunto de normas sobre o emprego de videoconferência, se não ignoradas, de aplicabilidade bastante reduzida em virtude da completa e total falta de estrutura material das milhares de unidades judiciárias de primeiro grau espalhadas pelo país.
De fato, o art. 334, § 7º, do CPC/2015, estabelece que as audiências de conciliação/mediação podem ser realizadas por meio eletrônico, obviamente para evitar que as partes domiciliadas em foro distinto do da ação tenham que para ele se deslocar. Na mesma toada, o art. 453, § 1º, do CPC/2015, dispõe sobre a possibilidade de testemunhas residentes em comarca ou subseção diversa de onde tramita o processo, serem ouvidas por videoconferência ou método afim. E, ainda, o art. 937, § 4º, do CPC/2015, permite ao advogado com domicílio profissional em cidade diversa daquela da sede do Tribunal (inclusive superiores), realizar sustentação oral nos recursos e ações originárias por meio de videoconferência.
Rareiam notícias no sentido de os Tribunais do país terem cumprido as disposições, equipando as unidades judiciárias com a tecnologia suficiente para dar cumprimento ao regramento, especialmente as conciliações/mediações e oitivas de testemunhas por videoconferência.[4]
Por fim, o art. 12 do CPC estabelece a ordem cronológica preferencial de julgamento do processos, bem como que a lista dos processos conclusos seja publicada na rede mundial de computadores para acompanhamento de partes, advogados e terceiros (§ 1º).
Até se tem notícia da existência desta lista nos sistemas informatizados dos Tribunais (ao menos para os processos digitais). Mas um simples acesso aos sítios dos Tribunais de Justiça e Federais do país revelará que não se encontra o link onde estariam disponíveis as tais listas conforme unidade judiciária ou relatoria.
Enfim, é bastante cedo para julgar se o CPC/2015 conseguirá cumprir a promessa de entregar decisão de mérito e efetiva em tempo razoável. Uma coisa, todavia, é fato: há algumas disposições do Novo CPC que são meras promessas, pois, na prática, ainda não estão em vigor.
[1] ROQUE, Andre; DELLORE, Luiz; GAJARDONI, Fernando; MACHADO, Marcelo; OLIVEIRA JR., Zulmar. Vigência do Novo CPC: um IRDR para chamar de seu. Jota. Publicado em 14.03.2016. Disponível em: https://www.jota.info/vigencia-do-novo-cpc-um-irdr-para-chamar-de-seu; CARVALHO, Fabiano. Divergência doutrinária sobre a entrada em vigor do Novo CPC e propostas de solução. Publicado em 19.06.20165. Disponível em: http://justificando.com/2015/06/19/divergencia-doutrinaria-sobre-a-entrada-em-vigor-do-novo-cpc-e-propostas-de-solucao/; e CRAMER, Ronaldo. Comentários ao art. 1.045. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e outros. Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 2357.
[2] Providência que defendi em texto anterior nesta coluna (GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Sem conciliador não se faz a audiência inaugural do novo CPC. Jota. Publicado em 25.04.2016. Acesso em: http://jota.uol.com.br/sem-conciliador-nao-se-faz-audiencia-inaugural-novo-cpc).
[3] O CNJ publicou cinco resoluções que regulamentam trechos do novo CPC, quais sejam: comunicação processual (234/2016), leilão eletrônico (236/2016), cadastro de peritos (233/2016), honorários periciais (232/2016) e demandas repetitivas/assunção de competência/repercussão geral (235/2016)
[4] A sustentação oral por videoconferência já é prática adotada em alguns tribunais do país.