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Novo CPC: A “revisão” final
Luiz Dellore
06/01/2016
Por Andre Vasconcelos Roque*, Fernando da Fonseca Gajardoni**, Zulmar Duarte e Luiz Dellore
Em qualquer texto legislativo – e o novo CPC não é exceção –, uma das etapas do processo para a sua aprovação é a revisão final. Após deliberado e votado, passa-se um pente fino no texto, em busca de aprimoramentos referentes à escrita, às remissões a outros dispositivos e à técnica legislativa[1].
Evidentemente, essa etapa de revisão – meramente formal, bom que se deixe vincado –, não pode implicar alteração de significado do texto já votado, sob pena de configurar violação do processo legislativo. Lembre-se, a propósito, que alguns anos atrás Nélson Jobim, ex-deputado constituinte e ex-ministro do STF, admitiu publicamente ter inserido novo texto em dois dispositivos da Constituição, sem que tenha sido submetido à apreciação do Plenário.
Após provocação do professor Cássio Scarpinella Bueno[2], ficamos curiosos quanto a eventuais diferenças entre o texto do projeto aprovado no Plenário do Senado Federal, em dezembro de 2014, e o enviado para sanção presidencial, no final de fevereiro.
Comparamos cuidadosamente os textos, sendo que o resultado espanta
Em primeiro lugar, veio à luz um fato inusitado: o texto divulgado como sendo aquele votado pelo Senado em 17.12.2014, inclusive por pessoas que tiveram a oportunidade de participar de perto dos trabalhos legislativos, não era o correto. Nesse sentido, por exemplo, o texto efetivamente deliberado (Parecer 956/2014, alterado pelos destaques do Parecer 1.099/2014) continha sensível alteração no art. 85, § 11, mantendo a sistemática aprovada na Câmara dos Deputados, que limitava os honorários de sucumbência recursais a apenas 20% (em vez dos 25% que constavam na versão divulgada).
Embora esse exemplo não possa ser considerado como alteração de texto após a votação em Plenário, pois já na versão oficial votada pelo Senado constava o limite de 20%, se nem mesmo os professores de processo civil, preocupados em acompanhar o trâmite do projeto do novo CPC, conseguem ter clareza sobre qual texto foi efetivamente votado pelo Senado, é porque o processo legislativo não parece ter sido exatamente transparente…
Para além dessa circunstância, ao confrontarmos o texto do Parecer 956/2014 (e destaques aprovados) com aquele enviado à sanção, constatamos algumas alterações que parecem ir muito além do escopo de uma revisão formal.
Como exemplos, as seguintes situações,
1) Art. 77, IV – O texto aprovado apontava que era dever das partes e seus procuradores, bem como de todos que atuam no processo, cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza antecipada ou final, e não criar embaraços a sua efetivação (art. 77, IV, CPC/2015). Na revisão final feita no Senado após a aprovação, houve mudança no texto para substituir a expressão “antecipada” (espécie de tutela provisória) do dispositivo por “provisória” (gênero). Ainda que se possa apontar se tratar de mera correção de redação, fato é que, com a mudança, tornou-se ato atentatório à dignidade da justiça tanto o descumprimento ou a criação de embaraços à efetivação de tutelas de urgência antecipadas como, também, das tutelas de urgência cautelares e das tutelas de evidência. Não se trata, portanto, de mera mudança de redação, mas sim de inserção de novas situações jurídicas no âmbito de alcance da norma, o que certamente implicará na discussão sobre a constitucionalidade da mudança. Nem se discute aqui o mérito da alteração, que imprime sistematicidade ao tema. Porém, não cabe ao revisor formal fazer correções à substância do aprovado pelo legislador. O problema é de premissa, do respeito ao processo legislativo empreendido;
2) Art. 937, caput – o dispositivo trata da sustentação oral nos tribunais, tendo sido incluída referência à parte final do art. 1021, antes inexistente. O que é mais curioso é que esse art. 1021 trata apenas do agravo interno, de maneira que, aparentemente, a remissão foi acrescida apenas para que se fizesse referência às regras do regimento interno na disciplina da sustentação oral, o que extrapola em muito os limites de uma revisão formal.
3) Art. 966, § 2, II – em relação à rescisória, antes constava o seu cabimento contra decisão que impedia “reexame de mérito”, ao passo que agora há referência à decisão que impeça “admissibilidade do recurso”. Acaso os dois termos poderiam ser trocados indistintamente um pelo outro?
4) Arts. 986 c/c 977, III – os dispositivos tratam do IRDR (incidente de resolução de demandas repetitivas). Ao ser desdobrado o antigo art. 977, II em dois incisos (II e III), sem a adaptação do art. 986, acabou sendo restringida a legitimidade nesse último dispositivo, que trata do pedido de revisão da tese jurídica firmada no incidente. A revisão acabou por suprimir a possibilidade de as partes pedirem a revisão da tese jurídica do IRDR. Isso, por certo, transborda, para dizer o mínimo, um juízo de adequação formal do texto. É possível que a restrição à legitimidade no art. 986 tenha decorrido de erro material no curso do processo de revisão. De todo modo, é curioso notar que no art. 982 § 3º, a alteração foi realizada corretamente, incluindo-se a referência aos dois novos incisos do art. 977.
5) Art. 1035, § 3º, I – o artigo trata da repercussão geral no recurso extraordinário. No dispositivo indicado, que trata das hipóteses de repercussão geral presumida, houve alteração de decisão que contrarie “precedente” para “jurisprudência dominante”. Ora, houve sensível restrição, não?
6) Art. 1057 – esse dispositivo consiste em regra de transição para as decisões transitadas em julgado após a entrada em vigor do novo CPC. Em relação a estas, somente poderá ser suscitada sua inexigibilidade em sede de impugnação ao cumprimento de sentença, com fundamento em inconstitucionalidade reconhecida pelo STF, se este pronunciamento for anterior ao trânsito em julgado da decisão impugnada. Caso contrário, a alegação de incompatibilidade com a Constituição deverá ser veiculada em ação rescisória. Ainda de acordo com a regra de transição em tela, para as decisões já transitadas em julgado sob o CPC/1973, fica mantido o cabimento da impugnação indistintamente, não importando a data do pronunciamento do STF.
Tal diferenciação, segundo a data do reconhecimento da inconstitucionalidade pelo STF (antes ou depois do trânsito em julgado da decisão impugnada), havia sido afastada no Parecer 956/2014, regularmente aprovado no Plenário, de modo que a regra de transição que se encontrava no substitutivo da Câmara (art. 1.071) acabou sendo retirada por arrastamento. Até aí, tudo normal: não houve nenhum vício no processo legislativo.
Um dos destaques aprovados pelo Senado (Parecer 1.099/2014) consistia em restabelecer a diferenciação do cabimento da impugnação ou da rescisória, conforme a data do pronunciamento do STF. Entretanto – e aí que está o problema –, esse destaque não tinha por objeto a regra de transição do art. 1.071 do substitutivo, que acabou ressuscitada sem qualquer explicação, com mínimos ajustes redacionais, no art. 1.057 do texto enviado à sanção.
Não há, certamente, que se cogitar de aprovação de novo texto legislativo – que não constava do Parecer 956/2014 – por arrastamento.
Na página 523 do Diário Oficial do Senado de 18.12.2014, consta o seguinte debate acerca do destaque em tela:
Item seguinte, item 13, §§10 e 12 do art. 539 e 5º e 7º do art. 549 do substitutivo da Câmara dos Deputados. Senador Vital do Rêgo.
O SR. VITAL DO RÊGO (Bloco Maioria/PMDB – PB) – Esse…
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Maioria/PMDB – AL) – O destaque é do Senador Eduardo Braga.
O SR. VITAL DO RÊGO (Bloco Maioria/PMDB – PB. Como Relator. Sem revisão do orador.) – Na verdade, Sr. Presidente, são quatro destaques que nós estamos aprovando, dentro do mesmo objeto. O objetivo do conjunto de destaques apresentados é restabelecer o inteiro teor dos dispositivos apontados pelo requerimento, porque são partes do substitutivo da Câmara dos Deputados e não foram adotados com tal redação por nós, no nosso parecer. Acreditamos que a adoção do texto da Câmara traz ou trouxe aperfeiçoamentos à matéria, razão pela qual sugerimos sua aprovação, Sr. Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. Bloco Maioria/PMDB – AL) – Senador Eduardo Braga, o parecer do relator é pela aprovação. Nós vamos colocar em votação. Os Senadores e as Senadoras que o aprovam permaneçam como se encontram. Aprovado.
Da mesma forma, a análise dos quatro requerimentos que ensejaram esse destaque (Diário Oficial do Senado de 17.12.2014, páginas 250-254) mostra que os únicos dispositivos cuja aprovação foi requerida foram os arts. 539 §§ 10 e 12 e 549 §§ 5º e 7º do substitutivo da Câmara.
Então, onde se encontra a deliberação acerca da regra de transição do art. 1.057 do texto do novo CPC enviado à sanção?
Não se pode, enfim, deixar de criticar a aparente alteração de significado de diversos dispositivos do novo CPC e a inserção de outros, sem a deliberação pelo Plenário, indo muito além de uma revisão formal. Pior: em alguns casos, nem mesmo eventual veto presidencial – por inconstitucionalidade – seria capaz de sanar o vício, pois não se admite tal providência em relação a apenas parte do dispositivo (art. 66, § 2º da Constituição).
Caso efetivamente confirmados os vícios apontados, mediante detida análise das atas e relatórios, estaríamos diante de vício no processo legislativo e, portanto, inconstitucionalidade formal. Sendo assim, e não havendo veto por parte da Presidência da República, restaria o controle de constitucionalidade a ser exercido pelo Poder Judiciário e, em especial, pelo STF, com a esperança de que seja restabelecida a legítima deliberação do Poder Legislativo.
A pressa, enfim, quase sempre é inimiga jurada da perfeição.
Fonte: JOTA
* Andre Vasconcelos Roque éDoutor e mestre em Direito Processual pela UERJ. Professor Adjunto em Direito Processual Civil da Faculdade Nacional de Direito (UFRJ). Professor de cursos de pós-graduação. Membro do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual), do CBAr (Comitê Brasileiro de Arbitragem), do Ceapro (Centro de Estudos Avançados de Processo) e do IAB (Instituto dos Advogados Brasileiros). Advogado.
** Fernando da Fonseca Gajardoni é Doutor e Mestre em Direito Processual pela Faculdade de Direito da USP (FD-USP). Professor Doutor de Direito Processual Civil e Arbitragem dos cursos de graduação, especialização e mestrado da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP (FDRP-USP) e do programa de Mestrado em Direitos Coletivos e Cidadania da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp). Membro do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Processual), do CBAr (Comitê Brasileiro de Arbitragem) e Conselheiro do Ceapro (Centro de Estudos Avançados de Processo). Juiz de Direito no Estado de São Paulo.
[1] A respeito dessa questão, vale conferir, dentre diversas outras notícias, a seguinte: http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/o-segredo-constitucional-de-nelson-jobim-e-gastone-righi/
[2] V. Cássio Scarpinella Bueno, A “revisão” do texto do Novo CPC. Disponível em http://portalprocessual.com/a-revisao-do-texto-do-novo-cpc-2/. Acessado em 11 mar. 2015.
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