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NOVO CPC
PROCESSO CIVIL
No NCPC, a inadmissão de REsp/RE admite dois agravos?
13/11/2017
Por Luiz Dellore e Ricardo Maffeis Martins
Em coluna anterior [1], discorremos sobre três enunciados relativos a recursos nos tribunais superiores aprovados pelo Conselho da Justiça Federal (CJF) na I Jornada de Direito Processual Civil, ocorrida em agosto de 2017, em Brasília [2].
Vale a pena, neste momento, tratarmos de outro enunciado aprovado na Jornada, também referente a recursos destinados aos Tribunais Superiores e cuja hipótese, por ser inédita, pode trazer dificuldade ao operador do Direito.
Trata-se do enunciado 77, cuja redação é a seguinte:
“Para impugnar decisão que obsta trânsito a recurso excepcional e que contenha simultaneamente fundamento relacionado à sistemática dos recursos repetitivos ou da repercussão geral (art. 1.030, I, do CPC) e fundamento relacionado à análise dos pressupostos de admissibilidade recursais (art. 1.030, V, do CPC), a parte sucumbente deve interpor, simultaneamente, agravo interno (art. 1.021 do CPC) caso queira impugnar a parte relativa aos recursos repetitivos ou repercussão geral e agravo em recurso especial/extraordinário (art. 1.042 do CPC) caso queira impugnar a parte relativa aos fundamentos de inadmissão por ausência dos pressupostos recursais”.
Para comentá-lo, necessário fazer uma rápida digressão. Na sistemática do Código de Processo Civil anterior (CPC/1973), os recursos especial e extraordinário eram interpostos perante o Tribunal de Justiça (TJ) ou Tribunal Regional Federal (TRF) e a Presidência daquele tribunal fazia o exame de admissibilidade. Decidindo negativamente, era cabível o recurso de agravo nos próprios autos, cuja apreciação ficava a cargo do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme a hipótese[3].
Pela redação original do CPC/2015, tal como promulgado, os recursos excepcionais seriam recebidos no tribunal de origem e enviados diretamente a Brasília, sem análise de admissibilidade pelos tribunais locais[4]. Entretanto, antes da entrada em vigor do novo Código, a regra foi alterada pela Lei nº 13.256/2016 [5].
Continua existindo, então, a sistemática de duplo exame de admissibilidade: o primeiro deles realizado pela Presidência dos tribunais locais (juízo a quo); se for positivo o juízo de admissibilidade, o recurso é encaminhado ao STF ou ao STJ (juízo ad quem), onde haverá nova apreciação dos requisitos de admissibilidade.
Por sua vez, as hipóteses previstas no CPC/2015 para que seja negado seguimento ao recurso podem ser divididas em dois grandes grupos, a saber:
- não admissibilidade em virtude da falta de um ou mais requisitos dos recursos excepcionais, como intempestividade, não demonstração do dispositivo violado, não comprovação de dissídio jurisprudencial etc;
- inadmissibilidade decorrente da inexistência de repercussão geral já reconhecida pelo STF ou por ser o recurso contrário a entendimento pacificado em sede de recursos repetitivos.
No primeiro caso – e sem maiores dificuldades –, a parte que teve seu recurso não admitido pode interpor agravo em recurso especial/extraordinário (arts. 1.030, § 1º c/c 1.042, do CPC/2015), atualmente conhecidos por suas siglas (AREsp e ARE) e que no cotidiano forense é bastante denominado por “agravo de decisão denegatória”.
Já no segundo caso, o CPC/2015 inova (vale frisar, novidade na legislação, mas não no sistema – pois anteriormente isso já era aplicado pela jurisprudência do STJ e do STF em relação ao REsp repetitivo e repercussão geral, mas sem respaldo legal): contra a decisão que nega seguimento ao recurso por força de repercussão geral ou recurso repetitivo, cabe agravo interno, a ser julgado pelo próprio TJ ou TRF (conforme arts. 1.030, § 2º c/c 1.021, do CPC/2015). A ideia desse recurso é tentar demonstrar que o caso concreto não se insere no precedente da repercussão geral ou repetitivo (qualquer que seja a razão, seja por ser caso distinto ou por já ter havido superação).
A importante questão que o enunciado 77 traz para discussão é: o que fazer se a decisão de inadmissibilidade do recurso se lastrear em dois fundamentos distintos? Por exemplo, se a decisão de não admissão vier nos seguintes termos: “nego seguimento ao recurso especial, no tocante ao tema ‘x’, por ser contrário ao entendimento pacificado pelo STJ em sede de recurso repetitivo; bem como nego seguimento em relação ao tema ‘y’ por esbarrar na necessidade de revolvimento de fatos e provas, nos termos da súmula 7 do STJ”[6].
Surge aqui nova exceção à regra de que, contra uma decisão judicial, somente é cabível um único recurso (princípio da unirrecorribilidade). Assim como contra acórdãos dos TJs e TRFs são cabíveis tanto o recurso especial para o STJ quando existir violação de lei federal, quanto o recurso extraordinário para o STF quando se verificar desrespeito à Constituição Federal[7], contra a decisão acima exemplificada serão cabíveis, simultaneamente: (a) agravo interno para o próprio Tribunal local (quanto ao capítulo da decisão que aplicar o repetitivo ou repercussão geral) e (b) agravo em recurso especial para o STJ (quanto ao capítulo da decisão que entender pela aplicação da Súmula 7) [8].
Isto se dá porque, embora seja uma única decisão, ela possui dois fundamentos diferentes e a competência legal para análise da correção ou não daquela decisão pertence a órgãos diversos, conforme expressamente previsto na legislação processual.
Nesse sentido, a interposição apenas de um único agravo – seja o interno, seja o AREsp/ARE direcionado ao STJ/STF – pode vir a acarretar o não conhecimento do recurso interposto. Isso quando a decisão de inadmissão se referir ao mesmo ponto do recurso, mas com base nos dois fundamentos: ou seja, a não admissão se dá, ao mesmo tempo, tanto pela aplicação do repetitivo como pela aplicação da admissibilidade usual. Assim, nesse caso, haverá necessidade de interposição de ambos os recursos, uma vez que a decisão agravada será capaz de se manter sólida pelo fundamento não atacado [9].
Mas se essa não for a hipótese – e ainda de acordo com o enunciado comentado – será possível a interposição de apenas um dos agravos quando (i) os dois fundamentos se referirem a teses recursais distintas(como no hipotético exemplo de inadmissão exposto quatro parágrafos acima) e (ii) o agravante tiver interesse em impugnar um único fundamento da decisão de inadmissibilidade, conformando-se com a negativa do outro. Neste caso, a interposição do agravo equivocado importa em erro grosseiro, não sendo admitida a fungibilidade recursal entre eles[10].
Em conclusão, o enunciado 77, embora tenha uma redação à primeira vista de difícil compreensão, é elucidativo ao deixar claras as hipóteses de cabimento de cada um dos agravos contra a decisão que nega seguimento ao recurso especial ou extraordinário, evitando-se que os profissionais do direito deixem de ter a análise de suas pretensões obstadas por erro na interposição do(s) agravo(s) correto(s). É assim que deve ser o processo, especialmente no âmbito dos Tribunais Superiores: sem surpresas quanto à tramitação dos recursos; a emoção deve ficar para o mérito da causa.
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[1] Os comentários foram relativos aos enunciados 75, 79 e 80. Confira o artigo em https://jota.info/colunas/novo-cpc/jornadas-cjf-esclarecem-pontos-dos-recursos-excepcionais-04092017.
[2] Na sequência, aquele evento seguiu sendo enfrentado aqui – por exemplo, no texto de Andre Roque sobre a comprovação do feriado local https://jota.info/colunas/novo-cpc/posso-comprovar-o-feriado-local-apos-interpor-o-recurso-18092017.
[3] Arts. 542, § 1º e 544 do CPC/1973.
[4] A redação original previa: “Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão remetidos ao respectivo tribunal superior. Parágrafo único. A remessa de que trata o caput dar-se-á independentemente de juízo de admissibilidade”. Confira também, de um dos autores deste texto: DELLORE, Luiz in GAJARDONI, Fernando et alii. Comentários ao CPC de 2015, Execução e Recursos. São Paulo: Método, 2017, p. 1.174.
[5] A respeito de qual seria o melhor formato acerca da admissibilidade dos recursos excepcionais, há divergência entre os autores deste texto. E houve um debate online a respeito disso, antes mesmo da edição da Lei nº 13.256/2016, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=NV67aJywTHk (o assunto é exposto na abertura, a partir de 5:30min e posteriormente retomado e aprofundado em 31:20min).
[6] A título de exemplo, o recurso não foi admitido porque há tese fixada em sede de recurso especial repetitivo quanto ao tema central da lide e, com relação aos honorários advocatícios, ele não foi aceito por esbarrar na súmula 7 do STJ (A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial).
[7] Conforme arts. 102, III e 105, III, da Constituição Federal.
[8] Como já defendido por um dos autores deste texto (DELLORE, op. cit., p. 1.176/7).
[9] Isso não consta do Enunciado 77/CJF. De qualquer forma, pode-se chegar a essa conclusão por analogia ao entendimento sedimentado pela súmula 126 do STJ: É inadmissível recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário.
[10] Nesse sentido: “A interposição do agravo nos próprios autos contra decisão que aplica a sistemática da repercussão geral consubstancia erro grave. Não incidência do princípio da fungibilidade” (STJ – AgRg no ARE no RE no AgRg no AREsp 624.262/SP, Corte Especial, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 26.10.2016) e “AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DE ADMISSIBILIDADE. NEGATIVA BASEADA EM RECURSO REPETITIVO. ARAVO INTERNO. ART. 1.030, § 2º, DO CPC/2015. 1. Consoante o disposto no art. 1.030, § 2º, do CPC/2015, é cabível agravo interno contra a decisão do presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido que nega seguimento a recurso especial” (STJ – AgInt no AREsp 1.071.743/RS, Terceira Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe 02.08.2017).