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NCPC: Atipicidade de medidas executivas já é realidade

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NCPC: Atipicidade de medidas executivas já é realidade

ART. 139

CPC

CPC 2015

MEDIDAS EXECUTIVAS

NCPC

NOVO CPC

PROCESSO CIVIL

Luiz Dellore
Luiz Dellore

17/04/2017

Há diversos dispositivos do NCPC que ainda são apenas uma promessa. Ou, em outras palavras “algumas de suas disposições simplesmente continuam ineficazes, como se sequer tivessem sido aprovadas”. De qualquer forma, uma das grandes novidades do NCPC – a ampla atipicidade das medidas executivas (NCPC, art. 139, IV), inclusive para a execução de pagar – começa a ser aplicada com mais ênfase no cotidiano forense.

A doutrina está bastante dividida. Igualmente a jurisprudência.

Mas já se pode afirmar que o dispositivo é razoavelmente conhecido no foro – e isso não é pouco, com pouco mais de 1 ano de vigência do Código.

Resenha doutrinária virtual

Muito se tem escrito a respeito da amplitude do art. 139, IV no âmbito do NCPC. Talvez seja dos temas mais debatidos na ágora virtual relativa ao Novo Código.

O ponto de partida, sob a perspectiva do NCPC, foi dado aqui na coluna do JOTA, em agosto de 2015, quando Gajardoni defendeu, dentre as medidas atípicas, a suspensão de carteira de motorista. Nessa mesma linha, posteriormente, Alexandre Freitas Câmara se manifestou, de forma incidental.

Mas a doutrina, longe da unanimidade, também se manifestou contra essa nova visão relativa às medidas atípicas – entendendo que as medidas coercitivas se limitam ao que se tinha no sistema anterior, como as multas diárias.

Fernanda Tartuce, em entrevista, apresentou visão mais restritiva. Paulo Papini, advogado responsável pelo primeiro HC que discutiu a suspensão de CNH e passaporte (vide item abaixo), manifestou-se contra essa novel interpretação. Da mesma forma, Jorge Nunes e Guilherme Pupe e também Dierle Nunes e Lenio Streck.

Em posição que pode ser apontada como intermediária, Thiago Rodovalho defende a aplicação, mas com algumas balizas.

Mas, para além dos textos, também há vídeos disponíveis na internet que debatem a questão. Desde vídeos curtos[1], como de Rodrigo da Cunha Lima Freire, crítico à inovação[2], até debates com mais de 1h de duração[3].

Isso já mostra como o tema é polêmico.

Mas não é somente isso: nos grupos de processualistas, a questão é constantemente debatida. Nesse sentido, no grupo de e-mails do Centro de Estudos Avançados de Processo (Ceapro), já há algum tempo se tem um intenso e rico debate a respeito desse tema, com manifestações das mais variadas, com os mais diversos argumentos. E, por força disso, logo haverá eventos exclusivos do Ceapro para debater o tema – e que será divulgado via redes sociais a eventuais interessados.

Algumas decisões representativas a respeito da aplicação do art. 139, IV do NCPC

A questão não é apenas debatida em sede doutrinária. Nos tribunais, a assunto já se mostra presente, bem como as inevitáveis divergências.

A primeira decisão da qual se tem notícia, proferida com base no novo art. 139, IV, foi de São Paulo. No caso, em execução de quantia decorrente de aluguel comercial não pago, o executado não tinha nenhum patrimônio em seu nome, mas mantinha padrão de vida incompatível com esse patrimônio inexistente. Diante disso, a magistrada de 1º grau assim decidiu [4]:

(…) Se o executado não tem como solver a presente dívida, também não recursos para viagens internacionais, ou para manter um veículo, ou mesmo manter um cartão de crédito. Se porém, mantiver tais atividades, poderá quitar a dívida, razão pela qual a medida coercitiva poderá se mostrar efetiva.

Assim, como medida coercitiva objetivando a efetivação da presente execução, defiro o pedido formulado pelo exequente, e suspendo a Carteira Nacional de Habilitação do executado (…), determinando, ainda, a apreensão de seu passaporte, até o pagamento da presente dívida. Oficie-se ao Departamento Estadual de Trânsito e à Delegacia da Polícia Federal.

Determino, ainda, o cancelamento dos cartões de crédito do executado até o pagamento da presente dívida. Oficie-se às empresas operadoras de cartão de crédito Mastercard, Visa, Elo, Amex e Hipercard, para cancelar os cartões do executado. (…) Int.

Essa decisão foi objeto de HC, no tocante à restrição de passaporte e CNH. Houve concessão de liminar e, ao final, a ordem foi concedida, por maioria, em acórdão assim ementado [5]:

‘Habeas corpus’ Ação de execução por quantia certa – Decisão que determinou a apreensão do passaporte e a suspensão da CNH do executado, até que efetue o pagamento do débito exequendo, fundamento no art. 139, IV, do NCPC – Remédio constitucional conhecido e liminar concedida – Medidas impostas que restringem a liberdade pessoal e o direito de locomoção do paciente Inteligência do art. 5o, XV, da CF – Limites da responsabilidade patrimonial do devedor que se mantêm circunscritos ao comando do art. 789, do NCPC – Impossibilidade de se impor medidas que extrapolem os limites da razoabilidade e da proporcionalidade. Ação procedente para conceder a ordem.

Vale também destacar trecho do voto vencido, que bem reproduz, no Judiciário, o debate existente na doutrina [6]:

O objetivo do novel dispositivo não é impor penas ou restringir direitos, não sendo intenção do Judiciário suspender indefinidamente o direito de dirigir do executado ou sua liberdade de viajar, mas sim impor uma restrição tão gravosa caso ele não cumpra a determinação, que escolha cumprir sua obrigação e dar fim ao problema. Em outras palavras, mediante as medidas de coerção o Estado procura persuadir o inadimplente, impondo-lhe situações tão onerosas e inconvenientes que em algum momento seja para ele mais vantajoso cumprir do que permanecer no inadimplemento.

Ao fazê-lo, o Novo Código de Processo Civil rompe com as críticas da ineficiência das execuções. Não se cogita deferir medidas restritivas àqueles que demonstram a incapacidade absoluta de solver o débito, apenas àqueles que reconhecidamente se valem de artimanhas e subterfúgios para evitar a satisfação das dívidas, “preferindo” outras despesas mais ‘nobres’, agindo em nome de terceiros e fazendo escárnio dos credores e do próprio Poder Judiciário. (…)

Para tanto, memorável a noção de que a medida em comento tem caráter excepcional e encontra limites no plano da proporcionalidade, como sustenta o ilustrado Magistrado paulista Fernando da Fonseca Gajardoni, Professor Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP (in https://www.jota.info/artigos/a-revolucao-silenciosa-da-execucao-por-quantia-24082015, acesso em 09.12.16, às 11h20min). E, para análise da proporcionalidade, a ponderação deve observar os três passos apontados pela doutrina: a necessidade, a adequação e a proporcionalidade em sentido estrito.

A questão também foi enfrentada no âmbito do TJRS. Após algumas decisões vedando o alcance inovador da tese, tal Tribunal proferiu decisão colegiada admitindo a restrição ao direito de dirigir. Trata-se, possivelmente, do 1º acórdão no país que permite essa medida coercitiva.

A decisão foi assim ementada [7]:

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. (…)

No caso, a determinação judicial de suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor não ocasiona ofensa ao direito do paciente, que segue podendo ir e vir (art. 5o, XV, da CF). (…)

Trata-se de providência tendente a assegurar efetividade à decisão que condenou o devedor ao pagamento de pensão, e que se justifica plenamente, porque a situação enfrentada é de natureza singular, já que, não obstante todas as providências adotadas pela parte credora, não houve êxito na cobrança dos alimentos devidos, tudo indicando que o executado tem condições de contribuir com alimentos, mas opta por deixar a prole passar necessidades. (…)

Não há que se cogitar de imposição de pena perpétua, uma vez que a matéria tratada possui natureza civil e cessará tão logo adimplida a obrigação do devedor, não sendo necessário maior esforço para concluir que direito deve prevalecer no cotejo entre o direito à vida e à existência digna e o de dirigir veículo automotor. ORDEM DENEGADA.

Trata-se de uma singela, mas já representativa, análise de como os tribunais estão se manifestando a respeito do tema (com divergência, mas já enfrentando o tema). Até agora, não se tem ciência de decisão proferida pelos tribunais superiores a respeito desse assunto.

O que vem por aí?

Ainda que a jurisprudência esteja indefinida, o fato é que a questão deixou de ser apenas acadêmica e já está nos fóruns e tribunais, com requerimentos por parte dos exequentes, objeções por parte dos executados e decisões em ambos os sentidos (com as respectivas impugnações), como destacado acima.

Assim, a tendência é que cada vez mais haja requerimentos e decisões a respeito do tema [8], criando correntes jurisprudenciais mais definidas, de lado a lado.

Até a definição do assunto pelos tribunais superiores em Brasília, a tendência é que prossiga a divergência jurisprudencial. E assim será até que sejam fixadas as balizas para a aplicação do art. 139, IV pelo STJ e STF, o que levará algum tempo.

Até lá, portanto, compete ao advogado pleitear, defender e recorrer a respeito do tema, com os principais argumentos já expostos ao longo do texto.

De minha parte, creio que efetivamente há inovação no at. 139, IV do NCPC (e não mera repetição do que já havia no Código anterior), que tem o condão de trazer mais efetividade ao processo executivo no Brasil – que por décadas centrou sua atenção na defesa do executado (vide a grande quantidade de impenhorabilidades [9]), sem dar maior atenção ao crédito do exequente.

Logo, a meu ver, medidas como (i) restrição ao direito de dirigir, (ii) apreensão de passaporte, (iii) cancelamento de cartões de crédito e (iv) vedação de obtenção de novos empréstimos se não vinculados ao pagamento do débito exequendo, dentre outras restrições que deverão ser observadas a cada caso, são permitidas pelo sistema do NCPC e, em regra, não violam direitos fundamentais do devedor. E têm o condão de fazer com que o executado que tem recursos, diante dessas medidas coercitivas, pague o débito, trazendo sucesso à satisfação do crédito.

Contudo, se por exemplo (a) o executado for motorista de táxi ou de uber, ou (b) viajar a trabalho para o exterior (para seu sustento), é de se considerar que a restrição a dirigir ou viajar seria abusiva e, portanto, não deveria ser aplicada. Da mesma forma, uma medida indutiva em si mesma desproporcional não deve ser aplicada[10].

Há muito a ser debatido e decidido acerca do assunto. O objetivo deste texto é chamar a atenção para isso.

Passamos por um momento de descrença generalizada no país, escancarado pelas delações da Lava Jato. Precisamos voltar a ter confiança no Brasil. Precisamos voltar a entender que quem deve tem de pagar pelo seu débito ou terá consequências. Que não é mais suficiente colocar os bens em nome de terceiros e continuar a dirigir, viajar e usar cartão de crédito sem qualquer receio. Será que veremos essa mudança? Oxalá que sim – e o art. 139, IV é um caminho para isso.


[1] Breve vídeo que gravei no projeto #TudoDoNCPC, explicando o que se pode esperar da atipicidade, pode ser acessado em https://www.facebook.com/tudodoncpc/videos/1318738468148423/ – com grande repercussão e muitas manifestações pró e contra a inovação.

[2] https://youtu.be/IDGsS5b2n0o

[3] Esse debate, do projeto #TudoDoNCPC contou com participação de 5 professores, com diversas opiniões (a maioria pró-atipicidade), sendo que 4 são autores desta coluna: https://www.youtube.com/watch?v=b87l9MdRCoE

[4] Processo nº: 4001386-13.2013.8.26.0011.

[5] HC 2183713-85.2016.8.26.0000, 30ª Câmara Direito Privado TJSP, relator Des. Marcos Ramos, j. 29/03/17.

[6] Voto vencido no HC indicado na nota anterior, de autora da Desa. Maria Lúcia Pizzotti.

[7] HC 0431358-49.2016.8.21.7000, 8ª Câmara Cível, Des Ricardo Moreira Lins Pastl.

[8] Nessa linha, vale reproduzir outra recente decisão a respeito do assunto, de Vara Cível de Santos/SP (0046324-70.2007.8.26.0562): “A pessoa condenada ou que sofra o efeito de uma condenação civil tem o dever jurídico e cívico de cumprir a sentença, não se concebendo, por exemplo, que viaje ao exterior, efetuando gastos consideráveis, sem que primeiramente quite a dívida, enfim. Não se trata de impedir e pessoa de ir e vir, porque esse direito persiste, mas de impedir a pessoa de viajar ao exterior até que efetue o pagamento da dívida, na medida em que a viagem ao exterior sempre demanda gastos significativos, que devem ser vertidos à satisfação da obrigação. Considerando que o devedor neste processo não indica ao juiz meio eficaz visando à realização do crédito e que o credor tem o direito constitucional à colocação em prática pelo juiz de técnicas destinadas concretamente ao cumprimento desse desiderato, mesmo porque a efetividade do processo é uma exigência constitucional e a dignidade tem dupla face, a do devedor e a do credor, defiro o requerimento do credor de bloqueio do passaporte do devedor, que, vale registrar, viajou ao exterior recentemente. Determino que o cartório faça as comunicações necessárias, especialmente à Polícia Federal, para que o devedor não saia do país, devendo, demais disso, o passaporte ser apreendido pela Polícia Federal. Int”.

[9] A respeito da penhorabilidade de salário no NCPC, vide https://jota.info/colunas/novo-cpc/a-penhora-do-salario-no-novo-cpc-05102015

[10] Como exemplo, a seguinte decisão (Processo nº 0025710-16.2012.8.22.0001): “Como o Código de Processo Civil, em seu artigo 139, estabeleceu o poder de tutela específica ao magistrado, para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive na busca da satisfação de prestação pecuniária, defiro a suspensão do CPF do executado, uma vez que se não efetua o pagamento de seus débitos, já tendo sido realizado inúmeras e diversas diligências para tentar penhorar bens do executado, inclusive intimando-se-o para indicar bens, também não pode o executado usufruir de cadastro para realizar negociação, compras, vendas, créditos e tributos. Oficie-se à Receita Federal. Porto Velho-RO.”.


VEJA AQUI OUTROS TEXTOS DA SÉRIE CPC 2015

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