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PROCESSO CIVIL
Mediação: marco legal e cultura
Diogo Rezende de Almeida
28/03/2016
Por Diogo Rezende de Almeida[1] e Fernanda Medina Pantoja[2]
Em reforço ao movimento de valorização dos meios consensuais de solução de conflitos, entrou em vigor, em dezembro de 2015, a nova Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015). Após a edição da Resolução nº 125/2010, do CNJ, que institucionalizou a autocomposição como política pública, e da regulamentação da mediação incidental ao processo pelo novo Código de Processo Civil, o marco legal da mediação teve o mérito de complementar a normatização do instituto, abrangendo também a sua prática em sede extrajudicial e no âmbito da administração pública.
Não obstante o festejado crescimento de sua prática nos últimos anos, a mediação no Brasil é ainda incipiente. O tratamento legislativo caracteriza-se, assim, pelo claro e louvável propósito de fomentar a cultura desse mecanismo, que é, de longe, o mais adequado ao manejo de certos conflitos, como os originários de uma relação continuada no tempo, a exemplo das relações familiares, societárias e de vizinhança.
A mediação é uma das principais apostas do novo CPC para lidar com a crise da justiça. O legislador previu que o jurisdicionado, ao adentrar no tribunal, não terá a seu dispor apenas a via da sentença, isto é, da decisão imposta. As partes podem optar por outro caminho – o dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos, criados pela Resolução 125/2010 do CNJ –, no qual serão disponibilizados profissionais capacitados em mediação ou conciliação, para auxiliá-las nas tratativas das questões em conflito, com vistas à obtenção de um acordo. Transfere-se inicialmente a gestão do conflito para órgão interno das cortes, mas afastado do dia a dia das varas.
Essa é a promessa do código, que estabelece um rito comum (pondo fim à tradicional dicotomia entre os procedimentos ordinário e sumário), cuja fase inicial, antes mesmo do oferecimento de defesa pelo réu, prevê a tentativa de solução consensual do litígio por meio de um dos métodos consensuais. Guardadas as devidas proporções, trata-se de uma versão mais modesta do sistema de “tribunais multiportas”, adotado nos Estados Unidos desde a década de 1970, por meio do qual são disponibilizadas às partes outras vias de solução de conflito além da sentença, dentro do ambiente do tribunal ou sob sua chancela.
O modelo brasileiro conta, porém, com um incentivo adicional, na medida em que somente a impossibilidade de transação quanto ao direito em jogo no processo e a manifestação expressa e prévia de desinteresse de ambas as partes as desobrigam de comparecerem à primeira reunião, agendada quando da propositura da ação. Além disso, decerto inspirado na legislação argentina, o novo CPC sanciona com multa o não comparecimento injustificado de qualquer das partes àquela primeira audiência, no valor de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, a ser revertida em favor da União ou do Estado.
Conquanto louvável a criação de um espaço para a mediação dentro do processo judicial, a verdade é que as vias consensuais deveriam, preferencialmente, ser prévias à procura das partes pela jurisdição, até mesmo para desonerar a inchada estrutura estatal. Justamente nesse ponto reside o grande mérito da Lei de Mediação, por conceber uma série de incentivos à realização da mediação na forma extrajudicial e prévia ao processo.
Por exemplo, é comum que as partes não se entusiasmem com a ideia de comparecer a uma primeira reunião de mediação, quando, desacreditadas da possibilidade de acordo, confiam em que o gasto com os honorários do mediador será uma despesa inútil. A esse respeito, diz a lei que, em casos de litígios societários ou comerciais, o mediador extrajudicial somente poderá cobrar honorários se for assinado o termo inicial de mediação.
Outra preocupação recorrente é a de que, submetendo-se à mediação, a parte fique sujeita ao pernicioso decurso do prazo prescricional para a propositura de ação. A Lei de Mediação, nesse particular, cuida de garantir o direito da parte, tranquilizando-a para tentar um acordo, ao prever que o prazo prescricional ficará suspenso desde a data da primeira reunião de mediação até o encerramento do processo.
A principal inovação legal, contudo, foi a de atribuir eficácia à cláusula contratual de mediação. A par de indicar os elementos mínimos que uma estipulação dessa natureza deve conter, a fim de permitir que as partes se reúnam com o mediador (prazo mínimo e máximo para o encontro, local da reunião, critérios de escolha do mediador e penalidade em caso de não comparecimento), a lei fixou, ainda, alguns critérios para viabilizar a realização da primeira sessão mesmo quando a cláusula for incompleta.
Nesse caso, o convite para mediação deverá definir um prazo máximo de três meses para a realização da reunião, indicar um local adequado a uma reunião sigilosa, e relacionar cinco nomes e referências profissionais de mediadores capacitados. Cabe à parte convidada escolher um dos nomes, sob pena de o primeiro ser tido por aceito, caso ela não se manifeste. Estatui a lei, ainda, que o não comparecimento da parte convidada à primeira reunião de mediação acarretará a assunção por parte desta de cinquenta por cento das custas e honorários sucumbenciais, caso venha a ser vencedora em procedimento arbitral ou judicial posterior, que envolva o mesmo conflito.
Ou seja, havendo cláusula de mediação, as partes deverão obrigatoriamente comparecer à primeira reunião, sob pena de sujeitar-se a parte faltosa à penalidade pactuada ou, não havendo disposição expressa, à assunção de cinquenta por cento das custas e honorários sucumbenciais, se vencedora em futuro processo arbitral ou judicial. A Lei de Mediação também se preocupou, pois, em tornar mais habitual o emprego da mediação antes do socorro a mecanismos impositivos de solução de conflitos.
Note-se que em nenhum dos casos – seja na mediação incidental ou na mediação prévia ao processo – exige-se das partes a sua adesão ao procedimento, mas tão somente a sua presença na reunião inicial, dita de “pré-mediação”. Esta é, portanto, uma importantíssima oportunidade para que as partes possam conhecer o método e convencer-se de suas inequívocas vantagens, quando ele se mostra adequado à resolução do litígio.
Vê-se que, de uma forma geral, as normas legais recém-editadas trouxeram importantes ferramentas para o aperfeiçoamento e a expansão da mediação. O grande desafio a ser enfrentado, porém, é o de vencer a cultura de litigiosidade imperante na sociedade brasileira e a dificuldade de exercício de protagonismo pelas partes no enfrentamento de seus conflitos, que podem significar um odioso obstáculo à realidade almejada pela nova legislação.
[1] Professor Adjunto de Direito Processual da FGV Direito Rio. Mestre e Doutor em Direito Processual pela UERJ. Advogado. www.facebook.com/Diogo-Rezende-de-Almeida.
[2] Professora de Direito Processual da PUC-Rio. Mestre e Doutoranda em Direito Processual pela UERJ. Advogada.
Veja também:
- O novo Código de Processo Civil e a crise da Justiça brasileira
- A nova lei de mediação
- As convenções processuais e o calendário no novo CPC
- Informativo de Legislação Federal: resumo diário das principais movimentações legislativas
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