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PROCESSO CIVIL
Livro Mandado de Segurança: conheça a obra de Luiz Fux
GEN Jurídico
30/10/2023
Neste livro, o Min. Fux aborda o Mandado de Segurança, oferecendo uma doutrina sólida conceitual e processual para entender e aplicar o instituto. A didática aperfeiçoada com as experiências de Fux como acadêmico e magistrado contribuem para a maestria da obra.
Veja, a seguir, o prefácio escrito por Bruno Dantas, Doutor em Direito e Presidente do TCU.
Prefácio do livro Mandado de Segurança, de Luiz Fux
A proteção do indivíduo contra o arbítrio do Estado é um dos temas mais importantes da teoria política e da filosofia do direito. Ela esteve na gênese desses segmentos científicos e sempre ocupou o pensamento dos mais notáveis teóricos de cada época, sendo testemunha de seu relevo a herança intelectual deixada por pensadores da estatura de Locke, Montesquieu, Hobbes, Kant, Rosseau, Mill, Hayek e tantos outros.
Os clássicos constituíram os alicerces sobre os quais foi erguido o Estado de Direito dentro do qual a vida política e individual hoje se assenta. Esses alicerces, se é verdade que foram capazes de formatar o próprio âmbito de atuação das instituições públicas, também foram responsáveis por legar os elementos fundamentais que mais tarde seriam recolhidos por uma geração de juristas, sejam eles de tradição anglo-saxã ou romano-germânica, que se mostraram preocupados em elevar a promessa de proteção do indivíduo contra o arbítrio estatal ao status de uma efetiva garantia.
Mauro Cappelletti, embora tenha se tornado célebre entre nós pelas notáveis pesquisas publicadas a respeito do acesso à justiça no final do século passado, foi um dos principais entusiastas do regime de garantias processuais fundamentais.
Num período em que as Constituições eram ainda “um prelúdio do céu”, um “conjunto de proposições filosóficas”, para utilizar a expressões de Nicòlo Trocker,1 Mauro Cappelletti publica, em 1955, La giurisdizione costituzionale della libertà, notando que os direitos fundamentais reconhecidos pelas Constituições emergentes não poderiam ficar à mercê da solução meramente abstrata do texto constitucional, tampouco da disposição positiva da Administração Pública, devendo a efetivação desses direitos ser corporificada pela jurisdição, por meio de garantias judiciais que viabilizassem sua plena proteção.
Ao formular essa ideia, o ainda jovem erudito de Florença examinava a Declaração Universal dos Direitos do Homem e constatava que a versão francesa falava em um direito a “un recours effectif”, a versão inglesa em “right to an effective remedy”, e a versão alemã, por sua vez, em “Recht auf wirksamen Rechtsschutz”, do que extraiu a fundamentação para sustentar que à previsão dos direitos fundamentais deveriam corresponder instrumentos judiciais destinados à sua efetiva proteção.
De fato, a preocupação do jurista italiano tinha origem no próprio dilema, quase insolúvel, com que se defronta o Estado moderno, que foi bem captado por Martin Kriele: de um lado, o Estado tem de ser mais poderoso que as demais forças sociais dentro de um território, sendo capaz de fazer frente a qualquer tipo de empresa ou sindicato, e, de outro, deve garantir proteção efetiva às forças mais fracas, como os grupos de oposição, intelectuais, minorias étnicas, entre outros.2
Sem um forte regime de garantias efetivas, não há instrumentos a que possa recorrer para limitar o exercício do poder, quando ele se excede, tampouco para exercê-lo, quando ele falta, o que, como observam Gilmar Mendes e Paulo Gonet, borra os limites que “permite[m] avaliar a real observância dos elementos materiais do Estado de Direito e distinguir civilização de barbárie”.3
Embora, no Brasil, o mandado de segurança tenha precedido esse arcabouço teórico – pois a ferramenta surgiu com a Constituição de 1934 –, nele encontrou impulso e subsídios mais profundos para se desenvolver ao longo do século passado e encontrar, por fim, seu mais completo acabamento na Lei n.º 12.016, de 7 de agosto de 2009.
Evidentemente que uma garantia de posição tão central dentro do Estado Democrático de Direito – já que seu cabimento é de utilização ampla, abrangendo todo e qualquer direito subjetivo público sem proteção específica, desde que caracterizadas a liquidez e a certeza do direito – requer constante acompanhamento e aprimoramentos por parte da doutrina. É nesse contexto que se insere esta distinta obra que tenho o prazer de prefaciar, fruto do incansável trabalho, rigor metodológico e profundidade intelectual que são tão marcantes nas obras acadêmicas do Professor e Ministro Luiz Fux.
As garantias processuais fundamentais são, por excelência, o ponto de contato entre o direito processual e o direito constitucional. Entre elas, o mandado de segurança talvez seja aquela que melhor se situa nessa linha limítrofe entre os dois ramos do direito, tendo despertado o mútuo interesse de constitucionalistas e processualistas. A sólida formação que o autor possui em Direito Processual Civil, haurida em sua experiência como Professor Titular de Direito Processual da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, conjugada com sua longa atuação profissional como magistrado, desde o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o Superior Tribunal de Justiça e, por fim, o Supremo Tribunal Federal, sem dúvidas conferem ao texto uma perspectiva processual-constitucional única, resultado de elementos que não estão reunidos em nenhum outro jurista brasileiro.
Esta obra, que chega à sua terceira edição, não poderia ser mais oportuna, seja por tratar de uma tema em que o Direito Processual se entrelaça intensamente com o Direito Constitucional, sendo escrita por um Ministro de Corte Constitucional de sólida formação processual, seja porque sua profundidade e praticidade atendem, simultaneamente, tanto ao desígnio de aprimorar o arcabouço teórico, que trazemos de uma longa tradição, em torno da proteção do indivíduo contra o arbítrio estatal, quanto ao de munir o jurisdicionado do saber técnico necessário para garantir a tutela de seus direitos.
A efetiva vindicação de um direito, qualquer que seja ele, passa pelo domínio de sua disciplina processual. Aqui o leitor encontrará, como não poderia ser diferente, uma profunda análise de todos os aspectos processuais indispensáveis que perpassam a prática do mandado de segurança desde a fase de conhecimento (natureza jurídica, condições da ação, competência, procedimento), até as fases executiva e recursal.
Não me resta senão recomendar vivamente a leitura da obra, que se insere, sem dúvida, no panteão das mais notáveis obras nacionais sobre mandado de segurança.
Bruno Dantas
Presidente do TCU. Professor da UERJ, da FGV Direito-Rio e da UNINOVE. Doutor e Mestre em Direito com Pós-Doutoramento na UERJ e pesquisas na Cardozo Law School e na Université Paris I Panthéon-Sorbonne.
REFERÊNCIAS
1 TROCKER, Nicòlo. Processo e costituzione nell’opera di Mauro Cappelletti civil processualista. Rivista trimestrale di diritto e procedura civile, v. 69, n. 2, p. 446, giugno 2015.
2 KRIELE, Martin. Introducción a la teoría del Estado. Tradução de Eugênio Bulygin. Buenos Aires: Depalma, 1980, p. 149-150.
3 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 14. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 417.
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