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Litisconsórcio Alternativo e o Código de Defesa do Consumidor
Daniel Amorim Assumpção Neves
31/12/2014
Em tema enfrentado com extrema raridade pela doutrina, encontrando-se na doutrina nacional de forma mais aprofundada apenas as lições de Candido Rangel Dinamarco[1], encontra-se o instituto do litisconsórcio alternativo. Pergunta o processualista: “Será lícito comparecerem dois autores, na dúvida sobre qual deles seja o verdadeiro credor, pedindo que o juiz emita um provimento contra o adversário comum, em benefício de um dos dois (cúmulo alternativo)?”
O instituto do litisconsórcio alternativo representa, portanto, a possibilidade aberta ao autor para demandar duas ou mais pessoas quando tenha dúvidas fundadas a respeito de qual delas, efetivamente, deveria participar no polo passivo da demanda. Na realidade, a construção do instituto do litisconsórcio alternativo atinge também o polo ativo, quando exista dúvida fundada a respeito de quem seja o titular do direito a ser discutido no processo. O que caracteriza, fundamentalmente, o litisconsórcio alternativo, é a indefinição a respeito do sujeito legitimado a litigar, seja no polo ativo, seja no polo passivo da demanda.
Observe-se que o litisconsórcio alternativo não se confunde com o litisconsórcio eventual ou sucessivo. Nestes, a parte sabe, com precisão, quem são os sujeitos que devem participar da relação jurídica processual e o fator que caracteriza essa espécie de litisconsórcio é a cumulação de pedidos dirigidos contra ou por sujeitos distintos, que formarão o litisconsórcio; somente é possível o acolhimento do segundo pedido se for acolhido o primeiro ou ainda que o segundo seja acolhido não o sendo o primeiro. Rodrigo Reis Mazzei, em artigo específico sobre o tema, ainda não publicado e cedido gentilmente pelo autor, dá como exemplos de litisconsórcio sucessivo as hipóteses previstas nos arts. 1698 e 928, parágrafo único, do CC[2].
As precisas lições do mestre capixaba reforçam a ideia de que, nas hipóteses de litisconsórcio sucessivo, não existe dúvida quanto à legitimidade; essa diferença é essencial para conceituar tal litisconsórcio de maneira diversa do alternativo, ora analisado[3]. A distinção, inclusive, afasta o instituto do objeto do presente estudo, apesar de sua inegável complexidade e importância prática.
Alguns exemplos para justificar a construção são dados por Dinamarco, em sua maioria retirados das lições a respeito do tema dos italianos Giuseppe Tarzia e Ludovico Mortara, com as devidas citações. Aponta, primeiramente, para a hipótese de duas ou mais pessoas jurídicas, componentes do mesmo grupo econômico, realizarem diversos negócios jurídicos com terceiro de forma que não se saiba, com exatidão, qual delas é a efetivamente legitimada a propor a demanda, o que somente restará demonstrado com a análise de documentos em poder da parte contrária. Afirma que, nesse caso, será possível uma cumulação subjetiva eventual no polo ativo, de modo até mesmo a evitar a propositura de ações conexas – mesma causa de pedir – propostas em separado por tais pessoas jurídicas, a fundamentar o litisconsórcio no art. 46, inc. III, do CPC[4].
Esse é um bom exemplo também para o polo passivo da demanda, em situações nas quais o autor não tem a exata concepção de quem realmente deverá tal polo processual. Atualmente, são tantas as empresas criadas por um mesmo grupo econômico, por exemplo, que, muitas vezes, existe a real dificuldade em individualizá-las no tocante a quem, efetivamente, participou da relação jurídica de direito material e que, por essa razão, deverá figurar no pólo passivo da demanda.
Um mesmo conglomerado financeiro exerce atividades de banco, financiadora, seguradora, administradora etc., exercidas por pessoas jurídicas diferentes, o que nem sempre fica muito claro para aqueles que com esse conglomerado fazem negócios.
Nesse tocante, é importante ressaltar algumas particularidades do direito consumerista, em que a figura do litisconsórcio alternativo deve ser tratada de forma diferenciada. Para análise, demanda-se o enfrentamento de duas situações distintas em decorrência da aplicação do art. 7º, parágrafo único, e 12 e 13, do CDC.
O art. 7º, parágrafo único, do CDC, vem assim redigido: “Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo”. Esse dispositivo constitui a regra geral de responsabilidade solidária entre todos os fornecedores que participaram da cadeia de fornecimento do serviço ou produto perante o consumidor. A regra justifica-se pela responsabilidade objetiva adotada pelo CDC, que dispensa a culpa como elemento da responsabilidade dos fornecedores[5]. Dessa maneira, independente de a culpa não ser do fornecedor demandado, ou não ser de todos os fornecedores demandados, haverá a condenação de quem estiver no pólo passivo a indenizar o consumidor; assim, é inviável imaginar, em uma situação tratada à luz do dispositivo legal comentado, uma sentença terminativa por ilegitimidade de parte se for comprovado que a culpa não foi daquele fornecedor demandado.
Em razão da solidariedade entre todos os fornecedores e de sua responsabilidade objetiva, o consumidor poderá optar contra quem pretende litigar. Poderá propor a demanda a buscar o ressarcimento de seu dano somente contra um dos fornecedores, alguns, ou todos eles. A doutrina que já enfrentou o tema aponta acertadamente para a hipótese de litisconsórcio facultativo, considerando ser a vontade do consumidor que definirá a formação ou não da pluralidade de sujeitos no polo passivo e mesmo, quando se formar o litisconsórcio, qual a extensão subjetiva da pluralidade[6].
Nesse caso, portanto, de responsabilidade solidária e objetiva dos fornecedores, não será aplicável o instituto do litisconsórcio alternativo, pois, ainda que exista uma dúvida fundada por parte do consumidor sobre quem foi o causador direto de seu dano, a legislação consumerista, expressamente, atribui a responsabilidade a qualquer dos fornecedores que tenha participado da cadeia de produção do produto ou da prestação do serviço. Por ser inviável antever a ilegitimidade de qualquer deles, ainda que nenhuma culpa tenha no evento danoso, pouco importa, para os fins do processo, a individualização do fornecedor que tenha sido o responsável direto pelo dano, de modo que é inviável, nesse caso, falar em litisconsórcio alternativo.
Essa disposição do CDC, repetida em outras normas do diploma consumerista – como os arts. 18, caput, 19, caput, 25, §§ 1º e 2º, art. 28, § 3º, e art. 34 –, é demonstração clara de proteção ao consumidor, que não poderia ser afetado por incertezas a respeito de qual dos fornecedores foi o responsável direto pela ofensa a seus direitos. A ideia é que os fornecedores, solidariamente, respondam perante o consumidor independente de sua culpa no caso concreto; assim, é lícito àquele que pagou e que não teve culpa ingressar com ação de repetição de indébito contra o fornecedor causador direto do dano. A proteção do consumidor, a criar um litisconsórcio facultativo entre os fornecedores, afasta, por completo, a necessidade do litisconsórcio alternativo.
Registre-se que a melhor doutrina aponta para a possibilidade de o fornecedor condenado a satisfazer o consumidor, caso não tenha tido culpa no evento danoso, ou ainda que a culpa não tenha sido exclusivamente sua, ingressar com outro processo perante o fornecedor culpado pelo dano para receber aquilo que pagou ao consumidor[7]. O direito de regresso, entretanto, não poderá ser exercido no próprio processo em virtude da proibição explícita do art. 88 do CDC, que impede a denunciação da lide nas demandas consumeristas. A disposição tem o fim de evitar complicações procedimentais naturais da ampliação subjetiva da relação jurídica processual, o que poderia trazer desvantagens ao consumidor[8].
Questão mais interessante vem da aplicação conjunta dos arts. 12 e 13 do CDC; indica o primeiro a responsabilidade solidária do fabricante, produtor, construtor e importador pela reparação de danos causados aos consumidores por defeito no produto, já o segundo dispositivo prevê uma responsabilidade subsidiária do comerciante desde que: “I – o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados; II – o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; III – não conservar adequadamente os produtos perecíveis”.
Apesar de forte corrente doutrinária entender que, nesse caso, o comerciante também terá responsabilidade de ressarcir o consumidor, ainda que possa, depois de satisfazê-lo, pleitear o ressarcimento perante o fabricante, produtor, construtor e importador[9], a leitura conjunta dos dois dispositivos legais anteriormente referidos demonstra que, ao ser verificada uma das hipóteses previstas pelo art. 13 do código consumerista, o comerciante não responderá perante o consumidor, por ser parte ilegítima para figurar no polo passivo do processo, em razão de sua responsabilidade somente subsidiária, não solidária[10]. A hipótese que mais interesse traz ao presente trabalho é certamente aquela prevista pelo referido art. 13, inc. III, do CDC, que trata da causa excludente de responsabilidade do comerciante nos casos em que tenha conservado adequadamente produtos perecíveis.
Nessa hipótese, estar-se-á diante de típica situação em que o instituto do litisconsórcio alternativo poderá ser aplicado. É evidente que, em relação ao consumidor, existirão situações em que dificilmente conseguirá determinar, com exatidão, o responsável pelos defeitos do produto, sabendo somente que adquiriu de um determinante comerciante um produto perecível, o qual, por não estar no estado esperado, causou-lhe um dano. A dar o exemplo de um iogurte estragado ingerido pelo filho do consumidor, Luiz Antonio Rizzato Nunes[11] afirma que, em casos como esse, “não é tão simples determinar quando e onde ocorreu a deterioração do produto perecível”.
Resta evidente que essa seria uma hipótese em que a fixação da legitimidade passiva somente poderá ser clarificada com a produção da prova pericial, pela qual se descobrirá, afinal, se o comerciante teve os cuidados necessários na conservação dos produtos perecíveis. Caso a prova técnica a ser produzida indique que o defeito do produto nada teve a ver com a conservação deste pelo comerciante, não haverá qualquer responsabilidade em ressarcir o consumidor, considerando até mesmo sua ilegitimidade passiva para figurar na demanda judicial. O consumidor, nesse caso, ingressaria com o processo contra os sujeitos que participaram da cadeia de produção do produto, formando um litisconsórcio alternativo em razão da dificuldade em aferir, no início da demanda, a responsabilidade ou não – e consequentemente sua legitimidade – do comerciante.
Outro exemplo, dado por Cândido Rangel Dinamarco[12], refere-se a pessoa que “haja participado de negócio, sem ficar claro a ela própria se o fez em nome próprio, ou como representante de outrem. Se for o caso de vir a juízo poderá ela comparecer em litisconsórcio com o possível representado, postulando um provimento de mérito a favor de um ou de outro deles; se for o caso de mover-lhe ação, poderá o adversário demandar a quem negociou e ao seu possível representado, para que um deles seja atingido pelo julgamento do mérito e o outro, considerado parte ilegítima (litisconsórcio alternativo passivo)”.
Aos exemplos dados pelo processualista paulista poderiam ser acrescidos outros, o que, entretanto, não se faz necessário, por serem suficientes os apresentados para a visualização de algumas hipóteses em que teria cabimento o litisconsórcio alternativo. O fenômeno processual sugerido somente passa a fazer sentido no momento em que se percebe nem sempre ser a questão da legitimidade – ativa ou passiva –facilmente resolvida antes da propositura da demanda judicial, o que resta claro somente após a produção de provas. Nesses casos, em que exista uma dúvida fundada a respeito da legitimidade, permitir-se-ia à parte a formação de um litisconsórcio mesmo que se saiba que nem todos os sujeitos participantes do processo deveriam estar ali; o problema seria, justamente, determinar quem deveria e quem não deveria participar da relação jurídica processual.
Existirá, claro, problema a ser resolvido no tocante à condenação nas verbas de sucumbência com relação à parte tida por ilegítima ao final do processo. Quem deverá arcar com tais verbas? O sujeito que não deveria ter sido parte no processo ou aquele que inclui o sujeito que não tinha legitimidade? Parece ser mais correto aplicar-se ao caso a regra da causalidade, pela qual deverá responder pelas verbas de sucumbência aquele que deu causa à demanda[13].
Ao ser demonstrada que a dúvida surgida quanto à legitimidade não é de nenhuma responsabilidade do sujeito que venha a ser considerado parte ilegítima, não haverá qualquer razão para arcar com as verbas de sucumbência. Esse seria mais um problema a ser enfrentado pelo demandante.
Independente desse problema, o instituto do litisconsórcio alternativo gera uma nova e clara utilidade para ação probatória autônoma com a função de demonstrar, mais claramente, que sujeito tem legitimidade para participar da relação jurídica processual. Ainda que o problema de indefinição quanto à legitimidade repita-se na ação probatória autônoma, é inegável que os transtornos criados por tal instituto serão de menor monta em um processo que tenha como único e exclusivo objetivo a produção de prova que indique a legitimidade. Ao invés de forçar uma parte ilegítima a participar de todo o processo de conhecimento, com a demora e os custos típicos de tal espécie de processo, a participação desse sujeito ficaria limitada a um processo judicial bem mais simples, rápido e barato, em manifesto benefício ao sistema processual.
Cumpre registrar que, nos países em que se adota o instituto das diligencias preliminares, como Espanha, Argentina, Uruguai, Chile e Bolívia, existe uma hipótese de cabimento específica concernente à fixação da legitimação do polo ativo e passivo – cada qual com suas particularidade –, como forma de permitir ao autor o ingresso do “processo principal” somente contra sujeitos legitimados.
Realça-se, nesse caso, a função primordial desse instituto: preparar a futura demanda judicial, de modo a evitar os percalços de ingresso de demanda judicial contra parte ilegítima, ainda que em litisconsórcio com a parte legitimada. Prepara, portanto, um processo formalmente regular no tocante aos seus elementos subjetivos.
Na Espanha, a previsão se encontra no art. 256, 1º, da LEC; na Argentina, no art. 323, 1, do CPCCN; no Uruguai, no art. 306, 1, e 309, 1, do CGP; no Chile, no art. 273, do CPC, e, na Bolívia, no art. 319, 1, do CPC. Apesar da fonte comum, existem algumas diferenças entre as disposições legais mencionadas que fazem necessária uma análise individualizada dos diferentes ordenamentos.
O art. 256, 1º, da LEC da Espanha encontra-se assim redigido: “Por petición de que la persona a quien se dirigiria la demanda declare, bajo juramento o promesa de decir verdad, sobre algún hecho relativo a su capacidad, representación o legitimación, cuyo conocimiento sea necesario para el pleito, o exhiba lós documentos en los que conste dicha capacidad, representación o legitimación”.
Da literalidade do texto, é possível perceber uma restrição do âmbito de aplicação do instituto, porquanto somente a questão referente ao polo passivo da demanda poderá ser objeto de esclarecimento anterior à propositura da demanda por meio das diligencias preliminares.
Apesar da restrição suscitada, o dispositivo permite o esclarecimento a respeito de diferentes aspectos do réu e não somente da legitimação, o fenômeno tratado no presente tópico. Assim, será possível o ingresso de diligencias preliminares para verificar a capacidade jurídica do sujeito, que se confunde com sua capacidade de ser parte, aspecto do fenômeno que efetivamente importa ao processo judicial.
Naturalmente, essa demanda dificilmente será proposta contra pessoa física, que adquire a capacidade de ser parte com a concepção e perde-a com a morte, sendo mais factível imaginarem-se hipóteses envolvendo pessoas jurídicas[14]. Há também a possibilidade de ingresso de diligencia preliminar para a verificação da capacidade de estar em juízo do sujeito, a significar sua capacidade de praticar atos processuais validamente sem que para isso seja assistido ou representado.
Quanto à representação, a melhor doutrina entende que a finalidade da diligencia preliminar é descobrir se o sujeito que participou da relação de direito material que será o objeto do futuro processo o fez como representante de um incapaz, de uma sociedade, ou ainda representante civil de qualquer outra pessoa ou entidade. Essa verificação se fará necessária para que o autor saiba, com exatidão, a quem atribuir as consequências de seus atos, a ele mesmo ou ao sujeito representado; isso significa dizer que a diligencia preliminar terá, ao fim e a cabo, auxiliado o autor a determinar qual sujeito deverá ser a parte legítima da ação judicial. Apesar de a lei mencionar a representação, trata-se, na verdade, de hipótese em que a descoberta de tal representação influirá na determinação do sujeito que deverá compor o polo passivo da demanda[15].
Finalmente, essa espécie de diligencia preliminar tem o condão de estabelecer a legitimidade do sujeito para figurar no polo passivo e abrange, segundo a doutrina, as mais diversas situações em que exista uma dúvida fundada a respeito dessa condição da ação[16]. A verificar-se a dúvida fundada a respeito de qual o sujeito é efetivamente o legitimado a compor o polo passivo, condição sine qua non para que seja admitida essa diligencia preliminar[17], abrir-se-á à parte a oportunidade de verificar perante o suposto legitimado se é efetivamente ele quem deverá compor o polo passivo da demanda; é também possível que, em caso de dúvida entre dois ou mais sujeitos, chamem-se todos a juízo para obter-se tal esclarecimento, em fenômeno muito próximo do litisconsórcio alternativo ora analisado.
O ponto peculiar do direito espanhol é que este admite a confissão nessa diligencia preliminar, o que não se admite, conforme já visto, nas ações probatórias autônomas do direito brasileiro[18]. De qualquer forma, é interessante perceber que o procedimento dessa diligencia preliminar consistirá na oitiva do demandado – pela qual será possível a obtenção da confissão – ou a exibição de documento que demonstre qual o sujeito que deverá compor o polo passivo da demanda. Como se percebe, são procedimentos plenamente compatíveis – exceto a figura da confissão – ao direito brasileiro, no qual, além da prova oral e documental, parece ser possível também a prova pericial, inclusive em hipótese como a já analisada, a respeito de produtos perecíveis que causem dano ao consumidor.
O art. 323, 1, do CPCCN argentino dispõe: “Que la persona contra quien se proponga dirigir la demanda preste declaración jurada, por escrito y dentro Del plazo que fije el Juez, sobre algún hecho relativo a su personalidad, sin cuya comprobación no pueda entrarse en juicio”. A redação do dispositivo legal segue a antiga redação da legislação espanhola ao apontar para direito relativos à personalidade; não resta dúvida, entretanto, que estão incluídos os direitos relativos à capacidade, representação e em especial à legitimação[19].
A legislação argentina é mais restrita que a espanhola a respeito do procedimento a ser adotado nessa espécie de diligencia preliminar, considerando que não há qualquer menção à possibilidade de exibição de documentos que possam auxiliar na fixação da legitimação passiva. Segundo a redação do dispositivo legal ora analisado, somente haverá espaço para a manifestação do demandado, que deverá ser feita por escrito por meio de declaração juramentada. A restrição não parece ser tão absoluta quanto parece, ao menos no tocante à forma de manifestação do demandado, já que existem províncias argentinas que permitem a oitiva do demandado em audiência, como previsto no art. 489 da Lei 8.465/95 (Código de Procedimientos de la Província de Córdoba).
Há dois aspectos interessantes a serem analisados nessa espécie de diligencia preliminar no direito argentino. Em primeiro lugar, as consequências da ausência de resposta por parte do demandado ou ainda da verificação de respostas evasivas que, na verdade, nada esclarecem. Segundo a previsão do art. 324 do CPCCN, tal atitude do demandado fará com que se tenham os fatos consignados como verdadeiros, em nítida aplicação da ficta confessio, admitida pela doutrina espanhola. O dispositivo legal, entretanto, é bastante claro ao apontar que essa confissão poderá ser afastada em virtude de outras provas produzidas no processo principal[20].
Em segundo lugar, afirma a melhor doutrina que, no caso de o demandado, maliciosamente, levar o demandante a crer sobre sua legitimidade passiva e somente no processo principal demonstrar que não tem a legitimidade exigida, apesar de o processo ser extinto sem o julgamento de mérito o demandado será condenado a pagar as verbas de sucumbência. Leva-se em conta a regra da causalidade, considerando que o demandado foi o responsável pela propositura equivocada em termos subjetivos da demanda judicial[21].
Não será, entretanto, uma atitude muito inteligente, porque, já demandado na diligencia preliminar, poderia perfeitamente demonstrar sua ilegitimidade passiva, o que o dispensaria de compor o polo passivo do processo principal.
No processo uruguaio, a previsão legal geral a respeito da diligencia preliminar ora analisada encontra-se no art. 306, 1, do CGP: “determinar o completar la legitimación activa o passiva de las partes en el futuro proceso”. O art. 309, 1, do CPC, especifica essa hipótese de diligencia preliminar e indica, inclusive, seu procedimento. A literalidade do dispositivo legal demonstra sua maior amplitude subjetiva se for comparada com as previsões legais constantes do ordenamento espanhol e argentino. A definição da legitimação não se limita ao pólo passivo da demanda, pois também é admissível quando existir dúvida a respeito do pólo ativo que deverá ser formado no futuro processo judicial.
Diferentemente do direito argentino, o direito uruguaio exige do autor uma indicação precisa de suas perguntas já na petição inicial e prevê que a resposta ocorra por escrito; sempre que necessário, haverá a realização de uma audiência após a apresentação da defesa escrita[22].
De maneira mais clara do que no direito argentino, há previsão expressa no art. 309, 1, do CGC, de que também ocorrerá a ficta confessio no caso de omissão nas respostas às questões elaboradas ou diante de respostas evasivas. A exemplo do que ocorre no direito argentino, o dispositivo legal indica expressamente que a presunção gerada nas diligências preliminares poderá ser afastada em razão de provas produzidas no “processo principal” que indiquem a ilegitimidade passiva do demandado. O grande mérito do dispositivo legal é prever expressamente que o juiz deve, nesse caso, se entender que a demanda não teria existido se não tivesse ocorrido a confissão na diligência preliminar, impor ao demandado “las máximas sanciones procesuales al demandado ganancioso”, o que significa que será condenado por custas, despesas e honorários advocatícios[23].
No Chile, o instituto é chamado de medida prejudicial, prevista no art. 273, 1, do CPC: “Declaración jurada acerca de algún hecho relativo a su capacidad para parecer en juicio, o a su personería o al nombre y domicilio de sus representantes”.
Percebe-se pela redação do dispositivo legal que há, no direito chileno, apenas uma especialidade digna de nota. A medida prejudicial – instituto similar às providências preliminares – pode ser utilizada para descobrir o nome do demandado, o que é mais específico que saber quem será, e também para descobrir o domicílio dos representantes do demandado.
Em trabalho de maior fôlego[24], procurei demonstrar a importância para o direito brasileiro da adoção de uma ação probatória autônoma, desvinculada dos tradicionais requisitos cautelares. Dentre as várias utilidades práticas imaginadas com a adoção dessa espécie de demanda judicial, que teria como objeto exclusivamente a produção probatória, visualizasse a preparação de outras demandas, no caso, da descoberta do pólo passivo da demanda, como ocorre com as diligencias preliminares analisadas.
Apesar de não se tratar de identidade plena do instituto das diligencias preliminares com a ação probatória autônoma sugerida, fica evidente que, nos países indicados, também existe a dificuldade, em certas circunstâncias, de determinar-se a legitimação dos sujeitos que deverão compor os polos da relação jurídica do “processo principal”. Nesses países, a própria legislação resolve o problema a prever um processo prévio para que as dúvidas sejam afastadas e proponha-se o processo regular do ponto de vista subjetivo.
Em conclusão, apesar da sugerida ação probatória autônoma não afastar por completo a existência do litisconsórcio alternativo, é bastante claro ser mais benéfico ao demandado que não é parte legítima e, por consequência, também ao próprio sistema processual, participar de um processo bem mais simples, barato e rápido que tenha como objeto exclusivo a prova de fatos que esclareçam a dúvida a respeito da legitimidade. Manter-se-ia a figura do litisconsórcio alternativo na ação probatória autônoma, mas o fenômeno se tornaria totalmente dispensável no processo principal.