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PROCESSO CIVIL
Citação eletrônica: Inconstitucionalidade da Lei n.º 14.195/2021

Andre Vasconcellos Roque
12/11/2025
O artigo em questão foi profundamente alterado pela Lei n.º 14.195/2021 (Lei de Modernização do Ambiente de Negócios), com vistas a ampliar os casos de utilização da citação eletrônica no processo civil, tida como modalidade mais célere e menos dispendiosa. Contudo, referida lei, no que tange às alterações introduzidas no CPC e, em especial, neste dispositivo, se mostra inconstitucional. Tal questão, inclusive, já é objeto da ADI 7.005, ajuizada perante o STF e pendente de julgamento. 1-A.1.
Sob o aspecto formal, deve-se destacar que referida lei se originou da Medida Provisória n.º 1.040/2021, que não comtemplava qualquer modificação no Código de Processo Civil – até porque é vedada a edição de Medida Provisória sobre matéria processual (art. 62, § 1.º, I, alínea “b”, da Constituição).
Tal acréscimo, realizado pela Câmara dos Deputados e não suprimido pelo Senado Federal, extrapolou o objeto da originária MP n.º 1.040/2021, que versava essencialmente sobre a modernização do ambiente de negócios no Brasil, introduzindo em seu texto verdadeira reforma processual. A reforma processual estabelecida no texto da Lei n.º 14.195/2021, portanto, não possui pertinência temática com o objeto da MP n.º 1.040/2021, tratando-se de “contrabando legislativo” ou “emenda-jabuti”, que deve ser repudiado por violar o direito fundamental ao devido processo legislativo (nesse mesmo sentido, repudiando a inserção de emendas no processo legislativo sem pertinência temática com a medida provisória originária, STF, ADI 5127, Pleno, Rel. p/ acórdão Min. Edson Fachin, julg. 15.10.2015 e STF, ADI 5012, Rel. Min. Rosa Weber, julg. 16.3.2017). 1-A.2.
Sob o aspecto material, a pretexto de ampliar a utilização da citação eletrônica no país, de maneira a promover celeridade processual, a Lei n.º 14.195/2021 incorreu em possível violação aos princípios da segurança jurídica, do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. Isso porque, ao que parece, a Lei n.º 14.195/2021 abriu espaço para que a citação seja realizada por e-mail (“endereço eletrônico”, conforme redação atual do art. 246, caput), modalidade absolutamente insegura para tal comunicação. Com efeito, o simples envio de e-mail não assegura que a mensagem chegou na caixa de seu destinatário.
Como ter certeza de que ela não se perdeu, foi indevidamente bloqueada como spam ou simplesmente deixou de ser aberta pelo destinatário por algum descuido? Pior: como se sabe, os e-mails podem ser acessados por qualquer computador ou mesmo celular, não havendo a mínima garantia de que quem abriu a mensagem era seu destinatário (pode ser, por exemplo, que uma criança tenha aberto e apagado por engano o documento).
Note-se que a citação eletrônica, na forma estabelecida pela Lei n.º 14.195/2021, é aplicável não somente para as grandes e médias empresas, que até poderiam criar um e-mail específico para o recebimento de comunicações processuais e assegurar que apenas pessoas habilitadas tivessem acesso a tais mensagens. Pelo contrário, os atuais §§ 5.º e 6.º do art. 246 preveem expressamente que a citação eletrônica valerá como regra igualmente para as microempresas e as pequenas empresas. Como se não bastasse, em que pese o silêncio do texto normativo, a Lei n.º 14.195/2021 não excluiu sequer as pessoas físicas de sua incidência.
Ou seja, até mesmo pessoas sem nenhuma formação jurídica, com pouca instrução, estariam sujeitas a serem citadas mediante o recebimento de mensagens em seu e-mail. É verdade que apenas as pessoas físicas que tiverem cadastrado seu endereço eletrônico no banco de dados do Poder Judiciário poderão ser citadas por correio eletrônico, mas será que, no caso de mudança de e-mail, uma pessoa física se lembrará de informar a alteração no banco de dados do Poder Judiciário? Com a mesma preocupação, TARTUCE e BERGAMASCHI, 2021.
Absolutamente irreal que se espere de pessoas físicas ou mesmo de microempresas e pequenas empresas que consultem periodicamente seus e-mails (a cada três dias úteis, como exige o atual art. 246, § 1.º-A) e assegurem que sua caixa postal não bloqueará indevidamente mensagens enviadas pelo Poder Judiciário como spam, bem como que sua caixa de e-mails não seja acessada por pessoas não habilitadas. Surreal, ainda, exigir – especialmente dos chamados “excluídos digitais”, que não apenas são aqueles sem acesso à internet, mas os que não estão familiarizados com a utilização de computadores em geral – que eles não apenas consultem periodicamente e abram eventual citação eletrônica, mas que efetivamente confirmem o seu recebimento, sob pena de sofrerem as sanções estabelecidas no art. 246, §§ 1.º-B e 1.º-C do CPC.
Para arrematar: a Lei n.º 14.195/2021 abriu espaço para um regime verdadeiramente draconiano, em especial para as pessoas físicas, microempresas e pequenas empresas, obrigando-as a consultar seus e-mails periodicamente (pelo menos a cada três dias úteis) e a confirmar o recebimento de qualquer citação eletrônica, sob pena de responderem por ato atentatório à dignidade da justiça e por multa de até 5% (cinco) sobre o valor da causa.

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