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Jornadas CJF esclarecem pontos dos recursos excepcionais
04/09/2017
Nos dias 24 e 25 de agosto, o Conselho da Justiça Federal (CJF) sediou em Brasília a 1ª Jornada de Direito Processual Civil. O evento, coordenado pelos ministros Mauro Campbell Marques e Raul Araújo – ambos dos Superior Tribunal de Justiça (STJ) – contou com a participação de aproximadamente 250 processualistas de todo país, que discutiram pontos importantes, vários dos quais polêmicos, do Código de Processo Civil de 2015 (NCPC), em vigor há um ano e meio.
Após ampla chamada pública para participação da comunidade jurídica, o CJF recebeu 624 propostas de enunciados. Os trabalhos foram divididos em cinco grupos temáticos[1], cada um presidido por um ministro do STJ e contando com a participação de dois coordenadores científicos e outros quatro especialistas. Cada um desses grupos foi responsável por filtrar as propostas, sendo que 190 foram pré-selecionadas e levadas a debate no evento.
Cada enunciado foi então debatido em seu respectivo grupo. O autor da proposta justificava sua sugestão, os presentes debatiam prós e contras, além de eventuais modificações no texto inicial e o grupo então votava. As propostas que atingiram 2/3 de votos favoráveis em seus respectivos grupos foram aprovadas e levadas para a plenária final, onde todos participaram com votos igualitários. Na plenária, o quórum para aprovação também foi de 2/3 e a votação foi eletrônica. Como resultado final, o CJF aprovou 107 enunciados, divulgados no último dia 1º de setembro pelo Conselho[2].
A título de introdução, vale ainda destacar que, embora os enunciados aprovados na 1ª Jornada de Direito Processual Civil do CJF não possuam força vinculante, eles servem como guia ou orientação a ser seguida pelos aplicadores do Direito. Em relação aos enunciados das várias Jornadas de Direito Civil já ocorridas, eles são razoavelmente seguidos pelos juízes e tribunais brasileiros – mas, frise-se, não como se súmulas vinculantes fossem.
Neste artigo, comentaremos três enunciados aprovados referentes ao grupo Recursos e Precedentes Judiciais – do qual um dos coautores desta coluna participou[3], especificamente em relação a recursos para tribunais superiores.
Nosso primeiro destaque é para o enunciado 75, que tem a seguinte redação: “Cabem embargos declaratórios contra decisão que não admite recurso especial ou extraordinário, no tribunal de origem ou no tribunal superior, com a consequente interrupção do prazo recursal”.
Trata-se de tema com considerável relevância prática. Existem decisões apontando que, da decisão de inadmissão do recurso para tribunal superior, somente cabível o agravo – e não os declaratórios[4]. Contudo, é certo que a decisão de inadmissão pode ser objeto de contradição, omissão ou obscuridade. Assim, absolutamente justificável o uso dos declaratórios diante de decisão que não admite o recurso especial (REsp) ou o extraordinário (RE).
O enunciado deixa claro (i) o cabimento dos declaratórios e (ii) como consequência lógica (e bastante relevante), tem-se a interrupção do prazo para o uso do agravo em recurso especial ou recurso extraordinário.
Assim, aplicado o enunciado, as partes podem embargar de declaração sem receio de posterior não conhecimento do agravo ao argumento de intempestividade.
Contudo, ao advogado militante um alerta: resta verificar se realmente o STJ e o Supremo Tribunal Federal (STF) irão adotar esse entendimento constante do enunciado. Espera-se que sim, mas até que se defina o tema, recomendável cautela ao profissional, para que não haja risco no caso concreto. O enunciado, de modo algum, deve ser lido como vinculativo, mas apenas como mais um indicativo de como se interpretar o NCPC – como já alertado neste artigo.
Dois outros enunciados importantes aprovados na plenária final estão ligados aos artigos 1.032 e 1.033 do NCPC[5]. Tais dispositivos trazem interessante regra de mão-dupla – novidade do NCPC – segundo a qual o STF, ao considerar como reflexa a violação constitucional trazida em um recurso extraordinário, deverá encaminhar o recurso ao STJ, para ser julgado como recurso especial. O STJ, por seu turno, se entender que um recurso especial contraria a Constituição Federal, deverá encaminhá-lo ao STF, órgão competente para julgar violações constitucionais. Ou seja, tem-se a previsão de fungibilidade entre os recursos excepcionais.
O problema é que o legislador não conferiu o mesmo procedimento às duas hipóteses. No caso do art. 1.032, o STJ, antes de enviar o recurso ao Supremo, deve intimar o recorrente para complementar suas razões recursais[6]. No outro sentido, porém, a regra do art. 1.033 prevê o envio direto do recurso do STF ao STJ, sem que ao recorrente seja oportunizada chance de aditá-lo.
Os enunciados aprovados na Jornada suprimem duas omissões do legislador. Um deles determina que o relator do recurso, após possibilitar o aditamento pelo recorrente (art. 1.032), intimará o recorrido, para que complemente suas contrarrazões, podendo sustentar a inexistência de repercussão geral ou de ofensa à CF. A proposta vai ao encontro do princípio do contraditório, que fatalmente seria violado se só um dos litigantes tivesse a oportunidade de se manifestar sobre a decisão do STJ, não oportunizando ao adversário a chance de defender posição contrária. Ademais, pensar em sentido contrário ao aprovado na Jornada também violaria o art. 10 do NCPC, que veda as chamadas decisões-surpresa.
Trata-se do enunciado 79: “Na hipótese do art. 1.032 do CPC, cabe ao relator, após possibilitar que o recorrente adite o seu recurso para inclusão de preliminar sustentando a existência de repercussão geral, oportunizar ao recorrido que, igualmente, adite suas contrarrazões para sustentar a inexistência da repercussão”. [7]
O outro enunciado sobre o tema visa equiparar os procedimentos que, como visto, pela legislação são distintos. De acordo com o que foi debatido e aprovado, o Supremo, em vez de encaminhar diretamente ao STJ o recurso em que a ofensa constitucional seja considerada reflexa, também concederá prazo para que as partes – recorrente e recorrido – complementem suas razões e contrarrazões recursais.
O entendimento constou do enunciado 80, cuja redação é a seguinte[8]: “Quando o Supremo Tribunal Federal considerar como reflexa a ofensa à Constituição afirmada no recurso extraordinário, deverá, antes de remetê-lo ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial, conceder prazo de quinze dias para que as partes complementem suas razões e contrarrazões de recurso”.
O fato é que a distinção procedimental não encontra justificativa considerando o sistema e principiologia do NCPC.
Em primeiro lugar, porque um recurso extraordinário encaminhado ao STJ sem que o recorrente pudesse explicitar claramente a negativa de vigência ou a contrariedade a dispositivo infraconstitucional ou sem que ele realizasse o dissídio jurisprudencial com o efetivo cotejo analítico dos acórdãos paradigma e recorrido[9], não encontraria chances de êxito.
Além disso, a previsão de repercussão geral apenas para o recurso extraordinário não deve também justificar a diferença de tratamento, especialmente diante da provável e iminente aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 209/2012[10], que estatui a necessidade de comprovação da relevância da questão infraconstitucional como requisito de admissibilidade do recurso especial[11].
Esta foi a análise de três enunciados relativos a recursos – mas há muitos outros (foram 107 no total, como já dito), sendo que a próxima coluna trará o importante tema do momento da comprovação do feriado local.
TEXTO: Luiz Dellore e Ricardo Maffeis Martins
[1] Os grupos temáticos foram os seguintes: Parte Geral; Processo de Conhecimento; Tutelas de Urgência e Procedimentos Especiais; Recursos e Precedentes Judiciais; e Execução e Cumprimento de Sentença.
[3] Ricardo Maffeis participou do grupo de recursos, enquanto Luiz Dellore participou do grupo de processo de conhecimento.
[4] Nesse sentido, o STJ inicialmente decidiu que “manifestamente incabíveis os embargos de declaração (EDcl) opostos contra decisão de admissibilidade do recurso especial proferida pelo tribunal de origem” (AgRg no Ag 1.341.818, reproduzido na jurisprudência selecionada). Posteriormente, tendo em vista que há decisões de admissão absolutamente padronizadas, o próprio STJ mitigou sua jurisprudência, afirmando que em regra não cabem os declaratórios – porém, se a decisão for “tão genérica”, então excepcionalmente caberá esse recurso (EAREsp 275.615). A questão é abordada, com vagar, no Comentários ao CPC/2015, Execução e Recursos, Método, 2017 (GAJARDONI, Fernando et alii), em dois momentos: p. 1127/1128 e 1178..
[5] Art. 1.032. Se o relator, no Superior Tribunal de Justiça, entender que o recurso especial versa sobre questão constitucional, deverá conceder prazo de 15 (quinze) dias para que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional.
Art. 1.033. Se o Supremo Tribunal Federal considerar como reflexa a ofensa à Constituição afirmada no recurso extraordinário, por pressupor a revisão da interpretação de lei federal ou de tratado, remetê-lo-á ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial.
[6] Principalmente para que o recorrente indique a presença da repercussão geral do recurso, requisito de admissibilidade previsto no art. 102, § 3º, da Constituição Federal sem o qual o recurso extraordinário não será apreciado pelo STF.
[7] Esse enunciado foi proposto pelo Prof. Guilherme Pupe da Nóbrega.
[8] Esse enunciado foi proposto por Ricardo Maffeis, um dos coautores desta coluna.
[9] De acordo com o que dispõem os arts. 1.029, § 1º, do NCPC e 165 do Regimento Interno do STJ.
[10] Trâmite acelerado nos últimos meses, pois, embora a PEC tenha ficado esquecida por anos nos escaninhos da Câmara dos Deputados, em 2017 ela foi aprovada na Câmara e, na sequência, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, só restando a votação no Plenário naquela Casa.
[11] Confira-se o inteiro teor da PEC 209/92 em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=553947, e para saber mais a respeito dessa proposta, vide https://blog.grupogen.com.br/juridico/2017/03/27/repercussao-geral-para-o-recurso-especial/.