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PROCESSO CIVIL
Instituto da Preclusão
Daniel Amorim Assumpção Neves
23/02/2015
1. Os sujeitos processuais e o instituto da preclusão – 2. Tradicional classificação das espécies de preclusão: 2.1. Preclusão consumativa; 2.2. Preclusão lógica; 2.3. Preclusão temporal – 3. O juiz e as espécies de preclusão – 4. Distinção do instituto da preclusão e da coisa julgada.
1. Os sujeitos processuais e o instituto da preclusão
Embora se possa considerar recente a preocupação dos doutrinadores em definir e sistematizar o instituto da preclusão, o fenômeno é antigo. Remonta ao direito romano-canônico, em que já aparecia como forma de ameaça jurídica, com evidente caráter de pena: poena preclusi.[1]
Já no século XVIII os franceses tratavam de fenômeno semelhante ao da preclusão e alcunhavam-no de forclusion, sinônimo de caducidade, que correspondia alternadamente a elementos de direito substantivo e de direito processual.[2]
O mérito pela elaboração científica da sistematização do conceito de preclusão é atribuído a Giuseppe Chiovenda. Com base em estudos do processualista alemão, Oskar Bullow, Chiovenda foi o primeiro doutrinador a se preocupar em criar uma conceituação genérica ao instituto, partindo da análise de inúmeros casos singulares previstos pelo ordenamento jurídico italiano para descrever o fenômeno em sua totalidade.[3]
Não descuidamos das críticas formuladas à teoria de Chiovenda, provenientes tanto dos processualistas italianos como de brasileiros. Em sua terra natal, enfrentou forte resistência, em especial de D’Onofrio, que pretendia reduzir o conceito aos casos em que o efeito fosse meramente negativo, excluindo-se aqueles em que o efeito fosse positivo. Como afirma Celso Agrícola Barbi, “a essa limitação respondeu Chiovenda vantajosamente, mostrando não haver nenhum fundamento na restrição e que, pelo contrário, ela excluiria casos típicos de preclusão, como a perda da faculdade de impugnar uma sentença por esgotamento do prazo, perda da faculdade de negar os fatos após a verificação da ficta confessio.”[4]
Reconhecidas as críticas, é inegável que a tese defendida pelo mestre italiano encontrou amparo em meio aos estudiosos do direito, de forma que, para o presente estudo, que não é exatamente referente ao instituto da preclusão, mas da preclusão pro iudicato e da preclusão judicial, é suficiente e compatível o emprego dessa definição.
Apenas uma crítica merece, para os objetivos perseguidos, uma análise mais retida. Trata-se da crítica feita originalmente por Stefano Riccio, que em seus estudos apontava para a exclusão da figura do juiz da concepção clássica de preclusão formulada por Chiovenda. Na doutrina brasileira, crítica parecida foi feita por Celso Agrícola Barbi, que alega ser a definição de Chiovenda incompleta, já que limitada às faculdades das partes, quando o fenômeno também existe para o juiz sobre questões já decididas. O processualista mineiro parece propor um alargamento do conceito, para nele ser incluída a ideia de preclusão também para o juiz.
Na verdade, o próprio autor reconhece que, embora em sua origem tenha Chiovenda excluído as questões decididas do conceito de preclusão, seu próprio trabalho acaba por alargar a definição primígena, pois também com relação aos poderes do juiz, em casos estudados pelo autor italiano, estava presente o princípio da preclusão.
Seguindo as lições de Celso Agrícola Barbi, “o que o jurista examina no estudo “Cosa giudicata e competenza“, não é a perda da faculdade da parte de, em processo novo, suscitar a questão já decidida em processo anterior, mas sim o poder do juiz de resolver novamente a questão. Também quando dá uma série de exemplos de preclusão, inclui entre estas a impossibilidade do juiz de se pronunciar sobre o ponto de direito já fixado pela Cassação em Câmaras Reunidas”.[5]
Justamente essa enganosa ideia de que, pelo conceito chiovendiano de preclusão, o juiz estivesse impedido de sofrer seus efeitos, fez com que à preclusão para o juiz de questões decididas dentro do processo fosse indevidamente atribuído o nome de preclusão pro iudicato.
Tratando-se de preclusão das questões, situação prevista por Chiovenda em seus estudos sobre o fenômeno processual, não há necessidade, nem mesmo razão, para se afirmar que a preclusão para o juiz é uma preclusão sui generis. É preclusão da mesma forma que aquela imaginada para as faculdades das partes. É evidente, entretanto, que, por ser sujeito processual com atuação diversa das partes, os atos praticados pelo juiz no processo são diferenciados, mas não o suficiente para ser criada uma preclusão particular a ele.
No direito pátrio, a preclusão judicial vem expressa no art. 471 do Código de Processo Civil: “Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas á mesma lide (…)”. Nem se fale, como pretendem alguns doutrinadores em virtude da localização do artigo legal no Código, que tal dispositivo deva somente ser aplicado à sentença, já que o juiz decide inúmeras questões em momento anterior à sua prolação, sendo o dispositivo legal em comento também aplicável a essas todas essas decisões.[6]
Segundo Antonio Carlos Marcato, “o processo, para atingir a sua finalidade de atuação da vontade concreta da lei, deve ter um desenvolvimento ordenado, coerente e regular, assegurando a certeza das situações processuais e também a estabilidade das mesmas, sob pena de retrocessos e contramarchas desnecessárias e onerosas que colocariam em risco não só os interesses das partes em litígio mas, principalmente, a majestade da atividade jurisdicional”.[7]
Não há dúvida de que a preclusão é instrumento para evitar abusos e retrocessos e prestigiar a entrega de prestação jurisdicional de boa qualidade. A preclusão atua em prol do processo, da própria prestação jurisdicional, não havendo qualquer motivo para que o juiz não sofra seus efeitos, pelo menos na maioria das situações. Devemos lembrar que ao juiz, que personifica o Estado no exercício da função jurisdicional, também não deve ser concedida a livre atuação, com pendulares decisões que tumultuem o processo e tragam insegurança. Se às parte são traçadas regras impeditivas de condutas que causem tumulto e atraso à entrega da prestação jurisdicional, ainda com mais razão devem existir também regras ao juiz.
2. Tradicional classificação das espécies de preclusão
Tradicionalmente a preclusão é classificada em três espécies: a consumativa, a lógica e a temporal.
2.1. Preclusão consumativa
A preclusão consumativa se verifica sempre que realizado o ato processual. Dessa forma, somente haverá oportunidade para realização do ato uma vez no processo e, sendo esse consumado, não poderá o interessado realizá-lo novamente. Ainda que o réu tenha no procedimento ordinário um prazo de quinze dias para responder à inicial, se apresentar contestação no quinto dia, não poderá nos dez dias subsequentes voltar a apresentar argumentos defensivos, tendo em vista a preclusão consumativa.
Questão interessante se levanta com relação a ocorrência ou não da preclusividade consumativa na interposição de recurso em prazo inferior àquele previsto pela lei com o posterior recolhimento do preparo e sua comprovação dentro do prazo originalmente previsto ao recurso. A previsão de comprovação imediata do preparo juntamente com a interposição do recurso encontra-se no art. 511, caput, do Código de Processo Civil: “No ato de interposição do recurso, o recorrente comprovará, quando exigido pela legislação pertinente, o respectivo preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, sob pena de deserção”.
A redação atual do artigo de lei supra referido foi determinada pela Lei 9.756 de 17 de dezembro de 1998. Após a promulgação de referida lei, doutrinadores passaram a interpretação da norma, formando-se duas correntes doutrinárias, sendo a majoritária aquela que entendia ocorrer deserção em caso de recolhimento de preparo após o protocolo do recurso, ainda que supostamente dentro do prazo recursal.
O professor Cândido Rangel Dinamarco, entretanto, ao comentar o artigo de lei, chega a conclusão diversa a da maioria, para quem “se o preparo não tiver sido feito até então, admite-se que o seja até o último dia do prazo para recorrer, sob pena de preclusão, porque o ato jurídico recurso não se reputa perfeito sem o preparo”.[8]
A visão do estudioso embasava-se em orientação instrumentalista, deixando claro que o recorrente somente deveria segui-la se a mesma fosse albergada por nossos Tribunais, em especial pelo Superior Tribunal de Justiça. Conforme nos informa Luiz Orione Neto, entretanto, assim não se deu perante o Tribunal de superposição, onde a orientação pacífica é de que se não comprovado o recolhimento do preparo no ato de interposição do recurso, o mesmo deve ser decretado deserto.
O processualista cita em sua obra Recursos Cíveis, julgado de Resp. 105.669-RS, na Corte Especial do STJ, tendo como relator o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: “A nova redação do art. 511 do CPC é muito clara ao determinar que o recorrente comprovará no ato da interposição do recurso o respectivo preparo. Concretamente, o recurso preparado após a interposição, ainda que dentro do prazo recursal, deve ser considerado deserto, eis que assim impõe a parte final do mesmo artigo”.
Concordamos com tal entendimento, tendo em vista que nesse caso a interposição do recurso acarreta preclusão consumativa, não podendo mais a parte completar o recurso já interposto, pois já praticou o ato processual, e seu eventual vício não possibilita nova realização. Dizer-se que o preparo estaria sendo recolhido dentro do prazo não nos parece correto, já que o prazo de 15 dias previsto pelo art. 508 do CPC é o prazo máximo recursal, e se interposta a apelação antes de decorrido todo o prazo, os dias sobressalentes simplesmente deixam de ter qualquer importância para a contagem de tal prazo. O prazo da apelação, na verdade, é no máximo de 15 dias, exaurindo-se na exata data em que for protocolado o recurso, ainda que em tempo menor que o previsto em lei.[9]
Como anteriormente afirmado essa é a doutrina majoritária, comungando de tal opinião doutrinadores de peso, como José Carlos Barbosa Moreira, Nelson Nery Jr., Luiz Orione Neto, Nelson Luiz Pinto, Flávio Cheim Jorge e Manoel Caetano Ferreira Filho, esse último se rendendo a opinião da maioria, embora expresse de alguma maneira afeição pelo entendimento defendido por Dinamarco.
Os doutrinadores, inclusive, em sua maioria, apontam que a comprovação, por questão lógica, demanda que o preparo tenha sido efetivamente realizado, de forma que no momento de interposição do recurso demonstre-se que houve o preparo. Questão interessante que se coloca é a circunstância do recorrente ter recolhido tempestivamente o preparo, mas deixar de juntar a guia comprobatória juntamente com a apelação. Seria também nesse caso o recurso deserto?
Nos parece que a grande maioria da doutrina, seguindo a interpretação literal do art. 511, caput, afirma que o que se exige na interposição do recurso não é o preparo em si – que, aliás, já deve ter ocorrido – e sim sua comprovação. Assim José Carlos Barbosa Moreira: “Incumbe ao recorrente comprovar que o fez, juntando o respectivo comprovante à petição de recurso” (Comentários ao CPC, op. cit., p. 390) e Flávio Cheim Jorge (Apelação Cível, op. cit., p. 199): “Se o art. 511 prevê expressamente que o preparo deve ser comprovado com a interposição do recurso, é exatamente nesse momento que isso deve ocorrer”, dentre outros.
Nesse caso admite-se que o recurso somente estará “completamente regular” quando devidamente instruído com a guia comprobatória do preparo, sendo tal ato, e não meramente o recolhimento das custas judicial o exigido pela lei. A juntada posterior de guia devidamente quitada, ainda que dentro do prazo (antes da interposição do recurso), também estaria obstada pela preclusão consumativa.
É importante transcrever nesse momento as lições de Manoel Caetano Ferreira Filho sobre o assunto: “Pode ocorrer que, mesmo tendo efetuado o preparo tempestivamente, a parte esteja impossibilitada, por justa causa, de apresentar a respectiva guia no ato de interposição. Ainda que se considere que não basta fazer o preparo, sendo imprescindível a sua comprovação, a ocorrência de justo impedimento permite que a parte exiba a guia comprobatória do ato em momento posterior, desde que no prazo fixado pelo juiz”.[10]
Ainda na matéria recursal, é interessante a questão levantada sobre a eventual ocorrência de preclusão consumativa para a parte que mesmo tendo apelado da decisão, aproveita-se do prazo de resposta da apelação da parte contrária e ingressa com recurso adesivo. Seria permitida tal postura, ou aplicar-se-ia a preclusão consumativa para impedir a admissibilidade do recurso interposta em sua forma adesiva.
A primeira situação que podemos imaginar é uma demanda judicial com pedidos cumulados, havendo sucumbência recíproca, com o acolhimento de alguns pedidos e a improcedência de outros. Imaginemos por hipótese que o autor pretenda obter em Juízo danos morais, lucros cessantes e danos emergentes. Após a devida instrução, o juiz acolhe o pedido de dano moral e julga improcedente a pretensão no que diz respeito aos outros dois pedidos. O autor ingressa com apelação parcial, impugnando tão somente o capítulo da sentença referente aos danos emergentes. O réu, por sua vez, ingressa com a apelação para reformar a condenação em danos morais. O autor, como não havia esgotado a matéria passível de impugnação, no prazo de defesa da apelação do réu ingressa com recurso adesivo, pleiteando a reforma da decisão quanto aos lucros cessantes.
Tal situação não deve ser permitida em razão da nítida ocorrência de preclusão consumativa. Ao autor-apelante foi dada condição temporal para impugnação total da sentença e se assim não procedeu, fixou os limites de seu inconformismo, não podendo expressá-lo de forma diversa em outro momento processual. Ninguém é obrigado a impugnar totalmente a sentença, mas a impugnação apenas parcial acarreta logicamente uma aquiescência do recorrente com relação à parte da decisão, o impedindo de reabrir tal debate em momento posterior do processo.
Nesse sentido é absolutamente correto afirmar, com a melhor doutrina, que “tendo a parte autora interposto recurso principal, compete-lhe atacar todos os pontos da sentença que foram contrários aos seus préstimos, sob pena de ocorrência de preclusão consumativa. O ordenamento jurídico brasileiro não permite que a parte utilize de duas vias recursais em momento diversos para atacar o mesmo pronunciamento judicial. A escolha da apelação parcial implica necessariamente a impossibilidade de utilização da apelação adesiva”.[11]
O mesmo entendimento deve ser aplicado – e quem sabe até mesmo com maior razão – para as situações onde a apelação interposta sob forma principal, deixa de ser recebida por ausência de algum requisito de admissibilidade do recurso. A conclusão comumente obtida de que recurso não recebido/conhecido tem os mesmos efeitos processuais da não interposição do recurso, pode levar o operador menos atento a falsas conclusões, o que se evita por meio de análise da própria finalidade do recurso adesivo.
Não deve restar dúvida de que o recurso adesivo é a impugnação recursal da parte que não pretende, de fato, recorrer. Ainda que tenha se verificado uma sucumbência recíproca, com frustrações de expectativas para ambas as partes, uma delas – em geral pela pequena sucumbência – acaba por se satisfazer com a decisão judicial. Não obteve tudo que pretendia, mas ainda assim fica satisfeita com a decisão. Para essa parte, o panorama esperado é o trânsito em julgado se verificar o mais rápido possível para abrir caminho para a execução forçada. Fica, portanto, na expectativa da outra parte também não recorrer, permitindo assim o trânsito em julgado da decisão.
Ocorre, entretanto, que a partir do momento em que a parte contrária apela da sentença, o objetivo da agora apelada “vai por morro abaixo”, já que a indiscutibilidade e imutabilidade desejada somente virão após o julgamento da apelação interposta. Ciente do princípio da proibição da reformatio in pejus no direito brasileiro, e percebendo em razão dele que sua situação não poderá ser melhorada com o julgamento da apelação interposta pela parte contrária, a parte que não apelou de forma principal, se anima a ingressar com o recurso adesivo, de forma a esperar a decisão do Tribunal com alguma expectativa de melhora em sua situação. Sendo a espera inevitável, que pelo menos seja capaz, ainda que em tese, de resultar em benefício da parte recorrente adesiva.
Essa ausência de vontade em recorrer é importantíssima para justificar a previsão do art. 500 do CPC, bem como para justificar a ocorrência de preclusão a impedir o ingresso de recurso adesivo, quando a apelação principal por alguma razão não tenha sido recebida. Como bem aponta Flávio Cheim Jorge, “a interposição do recurso principal demonstra justamente que a intenção da parte não era interpor o apelo adesivo nem muito menos estava ela satisfeita com o resultado obtido, pois, ao contrário, somente manifestaria seu desconformismo após intimada da existência da apelação da parte contrária”.[12]
O não recebimento da apelação principal por ausência de algum requisito de admissibilidade, portanto, fecha as portas à parte no que tange ao ingresso de recurso adesivo. Num primeiro momento, pode-se concluir que esse impedimento é reflexo da ocorrência de preclusão consumativa, já que o ato processual (recurso) já haveria sido praticado. A conclusão é facilmente obtida quando se percebe que o recurso é um só, podendo ser interposto sob duas formas distintas.[13] É o mesmo que ocorre com o agravo, que tem as formas retida e de instrumento. Se a parte agrava de forma retida da decisão, a impossibilidade de ingresso de agravo de instrumento contra a mesma decisão é a preclusão consumativa, considerando-se que o ato processual (agravo) já foi praticado.
Alguma dúvida pode surgir no caso de não recebimento em razão de intempestividade da apelação processual. Pode-se dizer que nesse caso, o ingresso da apelação após transcorrido o prazo de 15 dias gera para a parte preclusão temporal, e não consumativa. Transcorrido o prazo legal sem a devida impugnação pela parte, nos parece que ocorra preclusão temporal, e não a consumativa. De qualquer forma, a questão exaure-se no âmbito acadêmico, já que pouco importa a espécie de preclusão verificada, e sim seu principal efeito, esse sim indiscutível: impedir o ingresso do recurso adesivo.
2.2. Preclusão lógica
Na preclusão lógica, o impedimento de realização de ato processual advém da realização de ato anterior incompatível logicamente com aquele que se pretende realizar. Assim, se requerida a purgação da mora numa ação de despejo, estará precluso o direito de o réu contestar a demanda e, se o derrotado aceitar a sentença, não poderá recorrer, tudo em respeito à preclusão lógica. Dar-se-ia o fenômeno previsto pelo art. 503 do Código de Processo Civil, que expressamente em seu parágrafo único aponta para a prática de “ato incompatível com a vontade de recorrer”.
Nesse caso se verifica a renúncia do direito de recorrer, o que impedirá o ingresso de recurso ainda não interposto, não se confundindo com a desistência do recurso. Segundo as lições do jovem processualista Ricardo Carvalho Aprigliano, “a diferença fundamental entre desistência e a renúncia consiste em que aquela é exercitada após a interposição da apelação, enquanto esta pressupõe justamente o contrário, que ainda não tenha sido interposto o recurso que se pretende renunciar.”[14]
O exemplo comumente dado pela doutrina é o pagamento voluntário pela parte derrotada com a simples publicação da sentença. O vencido em primeiro grau de forma deliberada procura o vencedor e cumpre o disposto na sentença, satisfazendo o direito objeto da demanda judicial. Esse ato demonstra de forma inequívoca a concordância do vencido com a decisão do juiz. Ainda que dentro do prazo de 15 dias, o ingresso de apelação impugnando tal decisão será barrado justamente pela satisfação já realizada de forma voluntária, haja vista que seria incompatível logicamente imaginar a aceitação e depois a insurgência contra a decisão.
Outra circunstância comumente lembrada pela doutrina para demonstrar a ocorrência dessa espécie de preclusão é a atitude defensiva a ser tomada pelo réu numa ação de despejo por falta de pagamento. Prevendo o art. 62, II, da Lei 8.245/91 (Lei de Locação) que o réu pode no prazo de contestação requerer a purgação da mora com o propósito de evitar a rescisão contratual, estaria logicamente preclusa a possibilidade desse mesmo réu apresentar contestação.
Acreditamos também que tal preclusão encontra-se no art. 61 da mesma lei, que concedeu ao réu em ações fundadas no art. 46, § 2.° e art. 47, incisos III e IV, a manifestação, no prazo de contestação, de concordância com a desocupação do imóvel. Nesse caso, também nos parece muito claro que não pode concomitantemente apresentar contestação, em nítida presença da preclusão lógica.
E nem se fale em ofensa ao princípio da eventualidade, que exigiria do réu o esgotamento das matérias defensivas na contestação, ainda que incompatíveis entre si, sob pena de preclusão. No caso dos artigos acima referidos, fica bem claro que é concedido ao réu uma opção entre a defesa das alegações contidas na inicial (contestação) ou a confissão do débito e a busca de espécie de “perdão judicial” por meio de seu pagamento. A purgação da mora não é matéria de defesa, e sim espécie de resposta a ser dada pelo réu nas situações descritas acima.
Por outro lado é importante ressaltar que o princípio da eventualidade não é absoluto, sendo exigido da parte uma postura que, ainda que sendo ostensiva na defesa de seu direito, não resvale para o abuso e má-fé. Nesse sentido já se manifestou Cândido Rangel Dinamarco ao afirmar que “não é absoluta a liberdade inerente à eventualidade da defesa, porque as grandes incoerências entre fundamentos cumulados podem configurar mentiras ao menos em um deles e a mentira é ato de deslealdade processual incluído entre as hipóteses punidas a título de litigância de má-fé (art. 17, inc. II). As sanções à litigância de má-fé constituem limites à eventualidade da defesa”.[15]
Nos parece que o art. 117, caput, CPC, ao obstar a suscitação de conflito de competência à parte que já ofereceu exceção de incompetência, é clara mostra da verificação da preclusão lógica. Um ato anteriormente praticado – ingresso de exceção de incompetência – obsta a prática de outro futuro – suscitação de conflito de competência.
Grande parte da doutrina entende que a interpretação a ser dada ao dispositivo legal é de que a proibição prevista se refere tão somente a simultânea alegação. A única razão possível para tal dispositivo seria a preocupação do legislador em evitar a existência simultânea de dois incidentes diferentes com o mesmo objetivo.[16] De qualquer forma, ainda que se pretenda limitar o alcance da norma a casos de simultaneidade, não nos resta dúvida de que o impedimento – nesse caso temporário até o julgamento da exceção, decorre de preclusão lógica.
Antonio Dall’Agnol assim já havia percebido, ao afirmar que “Nelson e Rosa Maria Nery pretendem que ocorra aí o fenômeno da preclusão consumativa, no entanto, se alguma há, seria a lógica, porquanto a incompatibilidade é entre o ato praticado e outro, que se quereria praticar também”.[17]
Ocorreria ainda em tese preclusão lógica na postura que o juiz deve adotar em razão de nova redação conferida ao art. 331 do CPC. Ao prever em seu parágrafo terceiro que a audiência preliminar não se realizará quando “as circunstâncias da causa evidenciarem ser improvável” a obtenção de conciliação, nos parece que a melhor postura a ser adotada pelo juiz é a intimação das partes questionando da possibilidade do acordo.
Como já tivemos oportunidade de afirmar, “tal questionamento se justifica e ao nosso ver é imprescindível se o juiz pretender não designar a audiência sob o argumento de que há circunstâncias que apontam para a impossibilidade de transação. É certo que nesse caso bastaria a uma das partes informar que não tem interesse de conciliar, já que quando um não quer dois não fazem”.[18]
Imaginemos que após a intimação uma das partes expressamente aponta para a impossibilidade de transação, mas ainda assim o juiz designa a audiência preliminar. Teoricamente, a parte que havia expressamente se colocado contra a realização da audiência por não pretender conciliar, estaria impedida de transacionar por incompatibilidade lógica com o ato anteriormente praticado.
Nesse caso específico, entretanto, deve ser aplicado o art. 125, IV, do CPC, que permite ao juiz a tentativa de conciliação a qualquer momento do processo. Razões inclusive lógicas impediriam a ocorrência de qualquer espécie de preclusão nesse caso, não sendo crível imaginar a impossibilidade da parte conciliar somente por ter anteriormente expressado seu desejo contrário a qualquer espécie de acordo. Aliás, essa é a razão motivadora da possibilidade de acordo ser celebrado na audiência de instrução, ainda que na audiência preliminar (ou de conciliação no sumário e sumaríssimo) as partes tenham expressamente rechaçado qualquer possibilidade de transação.
Situação interessante se coloca quando intimadas as partes a se manifestarem sobre as provas que pretendem produzir (na difundida prática forense de em qualquer situação – e não só na revelia quando o juiz não considera os fatos alegados pelo autor como verdadeiros – intimar as partes para especificarem provas) uma delas informasse nada mais ter a provar e requerer o julgamento antecipado da lide. Teoricamente, sendo requerida a produção de prova pela parte contrária, como, por exemplo, oitiva de prova testemunhal, não poderia a parte que pretendia o julgamento antecipado arrolar testemunhas.
A justificativa para tal conclusão é a de que se pretendia o julgamento antecipado da lide, acreditava ser desnecessária a fase instrutória, sendo ilógico requerer em momento posterior a ouvida de testemunha. Ocorre, entretanto, que na prática forense tal preclusão lógica não encontra grande aplicação, considerando-se que uma vez designada a audiência de instrução é franqueado a ambas as partes a indicação de testemunhas, inclusive aquela que supostamente nada mais tinha a provar.
Esse é um reflexo da amenização que o princípio da preclusão sofre no campo probatório, como restará ainda mais evidenciado no tópico seguinte, quando tratarmos da preclusão temporal.
2.3. Preclusão temporal
Diz-se preclusão temporal quando um ato não puder ser praticado em virtude de ter decorrido o prazo previsto para sua prática sem a manifestação da parte. Ao deixar a parte interessada de realizar o ato dentro do prazo previsto, ele não mais poderá ser realizado, já que extemporâneo. Tendo o réu quinze dias para contestar, e as partes cinco dias para falar nos autos, por exemplo, não respeitado o lapso temporal traçado pela lei, estarão impedidos de praticar o ato.
É importante frisar que essa espécie de preclusão vem sendo considerada pelos
Tribunais como a mais flexível dentre todas, em especial na fase probatória.[19] Os prazos dos atos processuais, apesar de expressamente previstos em lei, vêm sendo dilatados em casos concretos, em evidente desrespeito a nítida verificação de preclusão temporal.
Como havíamos mencionado, percebe-se mais nitidamente tal fenômeno na fase probatória, sob o duvidoso argumento que o direito a prova deve ser preservado em detrimento da preclusão, que como vimos, tem também função nobre dentro do processo, que é justamente organizá-lo de tal maneira que chegue ao final sem indevidos e indesejados retrocessos e idas e vindas.
O art. 283 do Código de Processo Civil estabelece que a parte deva produzir a prova documental indispensável a propositura da peça inicial. Ocorre, entretanto, que tal previsão vem sendo sistematicamente desrespeitada por magistrados de primeiro grau, que ao invés de indeferir de plano a petição inicial por evidente afronta a tal dispositivo, simplesmente o desconsideram, permitindo a produção posterior de tal prova.
Um caso típico verificado em nossa experiência profissional é aquele da parte que move demanda judicial visando a revisão de cláusulas contratuais – em alguns casos até mesmo de rescisão contratual – mas deixa de juntar à peça inicial o contrato que pretende revisar ou rescindir. Ora, se o contrato que se impugna não for indispensável à propositura da demanda, nos parece restar tão somente a procuração como documento indispensável, o que não parece ser o mais consentâneo com o mínimo de concentração de atos que um processo rápido e organizado exige.
E nem serve a justificativa muitas vezes dada de que a via do contrato jamais teria sido entregue ao autor, já que nesse caso, poderia perfeitamente ingressar com ação cautelar preparatória de exibição de documento, a fim de obter cópia do contrato e assim poder instruir minimamente sua peça inicial. Tal postura nos parece beneficiar o próprio autor, que de posse do contrato, poderia fazer pedidos pontuais, e não pedidos genéricos como tradicionalmente ocorre, em evidente desrespeito ao art. 286 do estatuto processual, o que inclusive vem gerado alguns indeferimentos da peça inicial.[20]
Também no que se refere à produção da prova pericial percebemos um certo desrespeito ao princípio da preclusão temporal, em especial na aplicação do dispositivo que determina o prazo de 5 dias para as partes indicarem assistentes técnicos e peritos.(art. 421, I e II do CPC). Claro que por expressa menção do art. 425, poderão as partes apresentar durante a diligência, quesitos suplementares.[21]
Sendo o prazo de cinco dias previsto pelo art. 421, I e II, do Código de Processo Civil, haveria preclusão temporal quando não apresentados os quesitos e indicado o assistente técnico dentro desse prazo? Percebe-se em alguns julgados a possibilidade da parte, mesmo transcorrido o prazo legal, praticar o ato acima descrito, desde que não iniciada a prova pericial. Estar-se-ia diante de uma preclusão temporal não prevista pelo prazo, mas sim pela fase de desenvolvimento do processo.
A solução que aponta para a reabertura de prazo se ocorrer a “justa causa” prevista no art. 183 do CPC é pacífica, mas em nada atenua a questão formulada, já que tal previsão legal tem aplicação para qualquer prazo previsto pelo estatuto processual.[22] A questão persiste, portanto, quando não exista justa causa para o não cumprimento do ato dentro do prazo fixado pela lei.
Conforme informa Theotonio Negrão, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pacificou-se no sentido de não considerar preclusivo tão prazo, permitindo a apresentação de quesitos e indicação de assistente técnico mesmo após transcorridos os cinco dias, mas sempre antes do início dos trabalhos periciais. Tal interpretação se harmonizaria com os princípios do contraditório e de igualdade de tratamento às partes.[23]
Ainda que se assim se entenda, seria de inegável benefício que tal prazo fosse então expressamente retirado de nosso ordenamento jurídico, estabelecendo-se como data fatal o início dos trabalhos periciais. Seria a consagração da preclusão por fase do processo, e com a nova previsão acreditamos que uma das partes não necessitaria praticar o ato em tempo exíguo enquanto a outra, ancorada em entendimento jurisprudencial, o faz em tempo bem mais dilatado. A proposta de lege ferenda, portanto, viria de encontro com o princípio da isonomia entre as partes.
3. O juiz e as espécies de preclusão
Essa breve incursão ao instituto da preclusão, e principalmente às suas espécies, servirão de auxílio para aferição de quais espécies de preclusão podem em tese existir no que se relaciona aos poderes do juiz e às questões que ele decide no processo.
Cumpre esclarecer primeiramente que não se aplica à figura do juiz a preclusão temporal. Tratando-se de preclusão relacionada ao lapso temporal para a realização dos atos, torna-se imperiosa uma análise das espécies de prazos existentes para as partes e para o juiz, partindo-se de uma classificação subjetiva dos prazos processuais.
No caso das partes, os prazos são classificados como próprios, significando que o desrespeito a eles acarreta uma consequência processual específica. No que se refere ao juiz, os prazos são impróprios, pois, uma vez descumpridos, nenhum efeito processual se verificará, quando muito, disciplinar.[24]Não havendo consequência processual dessa omissão, não se pode falar em preclusão temporal para o juiz, pois mesmo após transcorrido o prazo para a realização ao ato, será totalmente lícita a sua realização.[25]
Nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco, “é natural que sejam impróprios os prazos fixados para o juiz porque ele não defende interesses pessoais no processo, mas cumpre deveres. Seria contrário à ética e ao senso-comum a definitiva dispensa de cumprimento de um dever, em razão do seu não-cumprimento no prazo. Para alguns, talvez isso fosse até um prêmio… O juiz que excede prazos sem motivo justo é um mau pagador das promessas constitucionais de tutela jurisdicional e deve suportar sanções administrativas ou mesmo pecuniárias, mas inexiste a sanção processual das preclusões.”[26]
Afastada a preclusão temporal dos atos do juiz, resta analisar a preclusão lógica e a consumativa. Em nosso entendimento é possível a verificação de ambas espécies de preclusão, embora se deva admitir que o maior interesse residirá no que tange a preclusão consumativa.
Não nos parece correta a visão de que se o juiz pratica um ato, a única forma de realizar outro em sentido contrário ao previamente realizado consiste em revogar o anterior – o que lhe será obstado – no mais das vezes, não pela preclusão lógica, mas pela consumativa. Nem sempre, como pretendemos comprovar, uma vez praticado o ato, a impossibilidade de novo pronunciamento em sentido contrário advém da existência prévia de ato consumado ou, em outras palavras, de preclusão consumativa.[27]
Numa breve análise do Código de Processo Civil, que em nenhum grau se propõe ser exaustiva, percebemos nitidamente a ocorrência de tal espécie de preclusão. A descrição de alguns artigos do estatuto processual se dará em ordem cronológica.
O art. 46, par. único, CPC, prevê a possibilidade do juiz limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes sempre que perceber que o grande número de sujeitos num dos polos da demanda possa comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa. Trata-se de questão de ordem pública, concernente a qualidade da entrega da prestação jurisdicional, de forma que inegavelmente o juiz assim poderá proceder de ofício, sem qualquer requerimento das partes.[28] Tal limitação, entretanto, ainda que deferida de ofício, somente se justifica se presente ao menos um dos dois obstáculos previsto pelo artigo legal.
Imaginemos uma demanda onde o juiz, a par do excessivo número de litigantes no polo ativo, determina a citação do réu, que vem aos autos e apresenta defesa. O procedimento tem seu regular desenvolvimento, inclusive com a produção de provas. Faltando tão somente a sentença do juiz, não pode agora pretender limitar o número de litigantes, desmembrando a demanda em várias outras. Ora, se a limitação existe para impedir a rápida solução – mas nada disso houve e nesse momento também não haverá – ou impedir dificuldade na defesa – já apresentada – logicamente não poderá o magistrado desmembrar o processo originário.
Estaríamos diante de uma preclusão lógica por fase do processo, já que os atos praticados anteriormente pelo juiz criaram um desenvolvimento tal do procedimento que, naquele momento processual, é logicamente incompatível com todos esses atos o reconhecimento de número excessivo de litigantes com o consequente desmembramento. Seria, certamente, exceção a regra geral de que a matéria de ordem pública não precluiu para o juiz.
O art. 218, § 2.°, CPC, estabelece que quando o juiz reconhece a impossibilidade do réu em receber a citação, dará ao citando um curador. Segundo entende a melhor doutrina, uma vez nomeado o curador, a citação se dará em seu nome, verificando-se caso de substituição processual. Ora, se o juiz deu o réu como demente ou impossibilitado de receber a citação, logicamente deverá proceder a citação na pessoa do curador, e não mais do réu. O impedimento para que o juiz mande citar o réu, ao invés do curador, decorre de preclusão lógica operada quando o juiz considerou o réu como demente ou impedido de receber a citação.
Sempre que o juiz se depare com a revelia do réu (que é simplesmente um estado de fato: ausência de contestação), pode não dar como verdadeiros os fatos alegados pelo autor, já que nesse caso a presunção de veracidade é meramente relativa. Segundo dispõe o art. 324, CPC, sempre que a situação descrita se verificar, o juiz mandará o autor especificar provas com as quais pretende comprovar suas alegações. Não havendo nenhuma manifestação do autor no sentido de produzir provas, cria-se para o juiz um impedimento de proferir sentença de procedência.
Seria contrário às mais basilares regras de lógica se o juiz, não convencido dos fatos alegados pelo autor, sem nenhuma prova produzida posteriormente, desses tais fatos como verdadeiros e julgasse a demanda de forma procedente. Em nosso ver, cria-se nessa situação uma preclusão lógica ao juiz de assim decidir.[29]
Existe previsão expressa no art. 523, § 2.°, CPC, que o juiz pode, uma vez interposto o recurso de agravo, se retratar de sua decisão. Embora a norma legal trate tão somente de forma expressa do agravo retido, não resta qualquer dúvida que o juízo de retratação existe também no agravo interposto sob a forma de instrumento. O texto legal, entretanto, não fixa um prazo determinado para que o juiz se retrate.
Havendo norma expressa a admitir a retratação, é incorreto afirmar que a decisão interlocutória do juiz não pode ser modificada ou revogada pelo próprio juiz quando interposto o recurso de agravo. Não se pode, portanto, afirmar que por já ter se pronunciado num sentido, lhe seria vetado mudar de opinião. A inaplicabilidade da preclusão consumativa decorre de expressa determinação legal. O que não de pode negar, entretanto, é a circunstância de tal impedimento surgir em razão de atos praticados pelo juiz, em nítida verificação de preclusão lógica.
Ocorreu profunda modificação na estrutura recursal com a nova redação dada pela Lei 9.756/98 ao art. 557, CPC, que passou a admitir a decisão monocrática do relator em grau recursal para dar provimento ou negar provimento e negar seguimento a recurso. Acaba a obrigatoriedade até então existente na fase recursal de decisão colegiada, podendo o relator, dentro das hipóteses previstas no artigo supra citado, decidir isoladamente o destino do recurso.
Certamente não é esse o momento adequado para tecer comentários sobre tão importante modificação, nos restando analisar tão somente o momento em que esse julgamento pode se dar de forma monocrática. A lei nada diz a esse respeito, o que certamente deixa margem a dúvidas e a determinadas situações de incerteza.
Temos para nós que a possibilidade conferida ao relator para o julgamento monocrático em grau recursal vai até o envio dos autos ao revisor nos julgamentos de apelação e embargos infringentes (art. 551, § 1.°) ou então nos casos onde não há a figura do revisor – recursos interpostos nas causas de procedimento sumário, despejo e indeferimento da peça inicial (art. 551, § 3.°, CPC) – com a remessa ao presidente para designação de data para julgamento (art. 552, CPC).
Esse ato praticado pelo relator estabelece o limite da possibilidade conferida pela lei para o julgamento monocrático. Até esse momento, nos parece possível a aplicação do art. 557, já que o órgão colegiado ainda não foi formado visando o julgamento do recurso. Ao abrir vista ao revisor ou pedir data de julgamento ao presidente do Tribunal, nasce uma incompatibilidade lógica com um julgamento monocrático.
Reconhecendo tal impedimento – em nosso entender nítida manifestação de preclusão lógica – as lições de José Carlos Barbosa Moreira: “A ocasião apropriada para que o relator profira a decisão de que se cogita é a que se segue à conclusão dos autos, para exame do recurso. Não deve o relator, ao menos em princípio, deixar para momento posterior a negativa de seguimento. Se já lançou o relatório para encaminhamento dos autos ao revisor, ou já pediu dia para julgamento, sua competência exauriu-se; não se lhe permite voltar atrás e aplicar o art. 557”.[30]
Trata-se de preclusão lógica e não temporal, em razão da inexistência de previsão legal do prazo que o relator teria para fazer seu relatório e enviar os autos ao revisor ou pedir dia para julgamento ao presidente do Tribunal. Não é, portanto, em razão de transcurso de tempo que o relator não mais pode decidir monocraticamente, e sim em virtude da prática de um ato que tem como condão formar o colégio para julgamento recursal, o que é, obviamente, incompatível com um julgamento monocrático.
A Lei 10.444/02 incluiu no art. 604, CPC, um parágrafo segundo com a seguinte redação: “Poderá o juiz, antes de determinar a citação, valer-se do contador do juízo quando a memória apresentada pelo credor aparentemente exceder os limites da decisão exequenda e, ainda, nos casos de assistência judiciária. Se o credor não concordar com esse demonstrativo, far-se-á a execução pelo valor originariamente pretendido, mas a penhora terá por base o valor encontrado”.
Tal dispositivo em nenhum momento aponta para a existência de qualquer decisão do juiz sobre o real valor do débito, já que não se deseja voltar ao sistema de cálculos do contador, quando a decisão homologatória do juiz era impugnada e o processo de execução tinha seu início atrasado.[31] A única decisão do juiz é enviar os autos ao contador, não se manifestando nessa fase nem com relação ao valor atribuído pelo exequente na peça inicial e nem com relação ao valor obtido pelo contador judicial.
Em nosso entendimento, a partir do momento que o juiz envia os autos ao contador judicial, resta determinado que se existir diferença entre esse cálculo e aquele elaborado pelo exequente, a penhora necessariamente será no valor obtido pelo contador judicial. Não nos parece lógico que com a vinda dos cálculos do contador judicial e a não concordância do credor com esse valor, possa o juiz determinar a penhora em qualquer outro valor que não o obtido pelo auxiliar judicial. Ao determinar a remessa dos autos ao contador, o juiz praticou ato que é incompatível logicamente com ato que determina a penhora pelo valor indicado pelo credor e exibido no demonstrativo de cálculo anexo à peça inicial.
Nos parece, portanto, que a impossibilidade de deixar de lado o cálculo do contador judicial quando foi determinada a remessa dos autos para tal cálculo pelo próprio juiz, é demonstração da ocorrência de preclusão lógica judicial. É claro que se não se convencer dos cálculos apresentados pelo contador, porque também errados, pode determinar nova remessa para elaboração de novos cálculos, o que não significa dizer que poderá simplesmente margear tais cálculos e utilizar os cálculos do exequente para fins de penhora.[32]
No que se refere à preclusão consumativa, vem a calha o art. 162 do Código de Processo Civil, que enumera os atos do juiz dentro do processo, dividindo-os entre despachos, decisões interlocutórias e sentença. Referido dispositivo legal vem, com o passar dos tempos, recebendo inúmeras críticas, sejam essas direcionadas ao caráter tautológico empregado na definição desses atos,[33] seja no caráter incompleto de sua definição.
É cediço em doutrina que a enumeração dos atos judiciais levada a cabo pelo art. 162, CPC não abrange inúmeros atos realizados pelo juiz no trâmite processual que se distinguem de sentença, despacho, ou decisão interlocutória. Quando, por exemplo, o juiz exorta as partes e o Ministério Público a discutirem a causa com elevação e urbanidade (art. 446, III), quando inquire uma testemunha (art. 452, III), ou ainda quando inspeciona pessoas, coisas ou lugares (art. 440), estará praticando atos descobertos pela singela enumeração do art. 162, CPC.[34]
Concordamos aqui com a opinião de Cândido Rangel Dinamarco, quando assevera que o art. 162, CPC enumera de fato os pronunciamentos do juiz, e não seus atos.[35] Se tivesse o legislador utilizado o termo “pronunciamentos” em vez de “atos”, teria conseguido maior precisão na definição que buscou com o dispositivo legal em tela.
De qualquer forma, e para os fins traçados no presente estudo, não haverá qualquer empecilho para a utilização da classificação prevista pelo artigo legal supracitado, já que é exatamente com relação aos pronunciamentos do juiz que a análise da preclusão judicial interessa. Em outras palavras, interessa saber, de antemão e abstratamente, sobre que espécies de pronunciamento do juiz incide a preclusão judicial consumativa.[36]
A sentença foi definida pelo legislador como o ato que põe fim o processo, incluindo-se nessa conceituação tanto as sentenças que julgam o mérito da demanda (definitivas) como aquelas que apenas encerram o processo, sem manifestação sobre o mérito (terminativas). Melhor teria andado o legislador se tivesse conceituado a sentença como ato que encerra o procedimento em primeiro grau de jurisdição, porque se recorrida, o processo não se encerra.[37]
Ainda que passível de críticas, a conceituação de sentença não deixa dúvidas de que, uma vez proferida, exaurida estará a função jurisdicional do juiz que a prolatou. Sendo a preclusão judicial o impedimento ao juiz de decidir de forma contrária a um pronunciamento anterior, parece-nos evidente que esse esgotamento de função é justamente reflexo da ocorrência de tal fenômeno.
A regra geral, portanto, no tocante à sentença, é a da ocorrência da preclusão judicial em função do esgotamento da função jurisdicional do juiz de primeiro grau. Segundo o art. 463, CPC, “o juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional ao publicar a sentença”.
Como toda regra, também essa tem suas exceções. No mesmo dispositivo legal, temos a previsão das duas primeiras exceções: correção de inexatidão material ou erro de cálculo (I), e por meio de embargos declaratórios (II). Também no caso de indeferimento de petição inicial, desde que o juiz se convença dos argumentos da apelação, poderá dar seguimento ao processo com a citação do réu, retratando-se de sua sentença. (art. 296).
A decisão interlocutória vem definida como “o ato pelo qual o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente” (art. 162, CPC). A expressão “no curso do processo” deve ser entendida como “durante o lapso temporal de existência do processo”, aí excluso o ato que põe fim a ele; no caso, a sentença. Por vezes, a solução de questão incidente leva à extinção do processo e não se trata tal pronunciamento, justamente pelo efeito atingido, de decisão interlocutória, mas de sentença.[38]
Dessa forma, mais correto é conceituar a decisão interlocutória como toda decisão que o juiz toma durante o processo, mas que não tem a característica de encerrá-lo (ainda que somente em primeiro grau de jurisdição). As decisões interlocutórias são impugnáveis por meio do recurso de agravo (sob forma retida ou instrumento), conforme prescreve o art. 522 do Código de Processo Civil. Ainda segundo esse diploma legal, conforme afirmamos, o art. 471 impede que o juiz analise novamente questões já decididas no processo.
Por meio de uma interpretação dos referidos dispositivos legais, uma vez não interposto o recurso de agravo, a decisão interlocutória não poderia ser objeto de modificação. Ocorre, portanto, a preclusão para todos os sujeitos processuais envolvidos, inclusive -e principalmente – para o juiz (preclusão judicial). Mais uma vez, essa é somente a regra geral que sofre, entretanto, ao menos no que diz respeito ao juiz, inúmeras restrições.
É importante deixar claro que estamos tratando do processo na Justiça Comum, já que no Juizado Especial, o rito sumaríssimo previsto pela Lei 9.099/95 ao não prever o recurso de agravo das decisões interlocutórias, em evidente aplicação do princípio da irrecorribilidade das interlocutórias e concentração dos atos processuais, permite que a parte levante tal matéria em seu recurso inominado, sem poder se falar em preclusão. Registre-se, ainda, que a prática forense vem demonstrando que a par da previsão limitada de recursos em Juizados Especiais (há previsão expressa somente de embargos de declaração e recurso contra a sentença), em alguns casos aplica-se por analogia o Código de Processo Civil, permitindo-se o ingresso de agravo de instrumento, como nos casos de impugnação da decisão que trata de tutela de urgência ou da decisão que não recebe o recurso.
São justamente as decisões interlocutórias que causam maior polêmica quanto à sua imutabilidade pelo próprio juiz que a proferiu. Partindo-se da regra geral que impede a revisão do ato, veremos que nossa melhor doutrina não encara o fenômeno de forma absoluta e encontra essenciais exceções ao princípio geral.
Por fim cumpre analisar os despachos. O art. 162, CPC preferiu não conceituar o despacho e atribuiu a todos os atos (pronunciamentos) do juiz que não sejam nem sentença, nem decisão interlocutória, a natureza de despacho de mero expediente.[39] O que vai diferenciar o despacho dos outros pronunciamentos do juiz é justamente o caráter decisório, ausente no primeiro e presente nos segundos.[40]
Cabe ao juiz impulsionar o processo sempre adiante, na busca pela entrega pronta e eficaz da prestação jurisdicional. Embora o princípio da inércia da jurisdição impeça o juiz de instaurar o processo na esfera cível, uma vez movimentada a máquina jurisdicional pelo particular, caberá ao juiz dar andamento ao processo. Tal função é reflexo natural do princípio do impulso oficial.
No cumprimento dessa missão, o juiz profere uma série de pronunciamentos sem qualquer carga decisória, referente tão-somente à direção e impulso do processo. Em virtude de nada decidirem, nem ao menos são atacáveis por meio de recurso, conforme prescreve o art. 504 do Código de Processo Civil.
Por nada decidirem, e por não serem impugnáveis por meio de recurso, por certo com relação aos despachos de mero expediente não se pode nem ao menos cogitar na ocorrência de preclusão judicial consumativa. Referindo-se somente ao andamento do processo, e desprovidos de qualquer carga decisória, um pronunciamento posterior em sentido contrário estará sempre franqueada ao juiz, em respeito ao princípio do impulso oficial.
4. Distinção do instituto da preclusão e da coisa julgada
Entre os méritos que podem ser atribuídos ao gênio de Chiovenda na sistematização do instituto da preclusão, podemos ressaltar a preocupação em traçar contornos nítidos ao instituto, para assim ser possível sua diferenciação com outros existentes, tanto no campo do direito processual como no campo do direito material. Após os estudos do processualista italiano, foi mais fácil a percepção das diferenças do instituto da preclusão de institutos como a prescrição, nulidade, perempção e decadência[41] além, é claro, da coisa julgada.
Percebe-se nas lições de Chiovenda a sua preocupação em diferenciar da preclusão principalmente a coisa julgada, assunto que em muito nos interessa, em especial no que toca ao ponto principal de diferença entre esses dois institutos: a amplitude de seus efeitos.
A doutrina nacional admite duas espécies de coisa julgada: a material e a formal. A coisa julgada material seria exclusividade das sentenças definitivas, que julgam o mérito da demanda. Tais sentenças encontram-se expressamente descritas pelo art. 269 do Código de Processo Civil. Seguindo as lições de Enrico Tulio Liebman, a coisa julgada material é a imutabilidade dos efeitos substanciais da sentença de mérito.[42]
Já a coisa julgada formal é fenômeno tanto da sentença de mérito como da sentença terminativa. Também se relaciona à imutabilidade da sentença, mas somente dentro daquela mesma relação jurídica processual. Uma vez transcorridos os prazos para recursos, ou esgotados os meios de impugnação da decisão judicial, a sentença não mais pode ser atacada nem discutida naquele processo, verificando-se, assim, a ocorrência da coisa julgada formal.[43]
Tratando-se a coisa julgada da imutabilidade, conforme verificamos, é imprescindível para o objetivo que se busca neste estudo o plano de atuação desse instituto. Enquanto a coisa julgada material tem efeitos exteriores ao processo, a coisa julgada formal opera-se exclusivamente no interior do processo em que foi proferida a sentença. Essa diferença é substancial para que possamos, em momento posterior, demonstrar a impropriedade do uso da expressão preclusão pro iudicato para fenômeno com as mesmas características da coisa julgada material.
Tal fato se verifica em virtude da preclusão também ser, a exemplo da coisa julgada formal, fenômeno endoprocessual, gerando seus efeitos tão-somente nos processos em que se derem.[44] A similitude é tamanha que costuma chamar-se a coisa julgada formal de “preclusão máxima”.[45] Há autores, inclusive, que dispensam o conceito de coisa julgada formal, englobando o fenômeno no conceito de preclusão.
Antonio Carlos Marcato concordou com as lições de Celso Agrícola Barbi: “já que a coisa julgada formal e preclusão (temporal) são fenômenos que, ao término do processo, apresentam os mesmos efeitos, têm a mesma finalidade e alcance, ou seja, impedir o reexame, no processo onde foi proferida, da sentença não mais sujeita a recursos”.[46]
Humberto Theodoro Júnior também concorda com esse entendimento, ao manifestar sua opinião de que “a coisa julgada formal é, com efeito, apenas e tão-somente um último elo da cadeia das sucessivas preclusões que encaminham a relação processual para a coisa julgada material, esta, sim, um fenômeno que ultrapassa a preclusão e se manifesta fora do processo em que a sentença foi proferida.”[47]
Ainda que se admita ser esse pensamento sedutor, não nos parece que a sugestão dos nobres processualistas deva ser acolhida. E nossa discordância resulta justamente de uma análise ambos os institutos e as matérias de ordem pública, que segunda expressa disposição legal não são suscetíveis de preclusão. Dessa forma, pode o juiz, mesmo já tendo se pronunciado a respeito dessa matéria e mesmo sem qualquer requerimento das partes, conhecê-las novamente, modificando e/ou revogando sua decisão.
No caso do processo chegar a seu final por meio de sentença terminativa, essas matérias, embora não tenho sofrido o efeito da preclusão, certamente não mais poderão ser rediscutidas, de forma a ser claramente outro instituto que impede a apreciação por parte do juiz. Esse instituto é justamente a coisa julgada formal, que impede a discussão de qualquer matéria – inclusive as que não são sujeitas a preclusão – dentro daquela relação jurídica processual, que inclusive chegou ao seu fim em razão da sentença.[48]
Embora o assunto tenha inegável interesse, em especial para fins acadêmicos, o que vai mais nos interessar é a conclusão unânime de que tanto a coisa julgada formal como a preclusão produzem efeitos somente dentro do processo em que a sentença ou a questão foi decidida, enquanto a coisa julgada material produz efeitos fora daquele processo em que se verificou. Fica evidenciada a total incongruência de se aplicar a fenômeno que gere efeitos fora do processo em que foi produzido o nome de preclusão, como pretendem os defensores da teoria da preclusão pro iudicato.[49]