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Histórias de Advogado: “a Senhora”

Gediel Claudino de Araujo Junior

Gediel Claudino de Araujo Junior

02/12/2015

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Sempre atuei com muita disposição em casos de rescisão de contrato de compra e venda cumulado com reintegração de posse, isso porque me sinto indignado com a armadilha que certas empresas montam para o consumidor, principalmente aqueles de baixa renda. Quando do lançamento do loteamento, as empresas procuram atrair os consumidores oferecendo prestações iniciais pequenas e embutindo no contrato cláusulas de aumentos sucessivos (reajustes).

Seduzido pelo valor inicial da prestação, o cidadão compra o lote e imediatamente constrói uma pequena residência para onde se muda com sua família; normalmente não tem problema de pagamento no primeiro e no segundo ano, mas em algum momento depois do segundo ano, ou mesmo durante o segundo ano, as prestações sofrem reajustes bem maiores (cláusula de adequação do contrato), que chegam até a dobrar o valor mensal da prestação. O comprador, então, se vê impossibilitado de pagar e acaba perdendo a casa e tudo que investiu.

A história que quero contar envolve uma “senhora” que se encontrava exatamente nesta situação; ela tinha comprado um lote e nele construído a sua residência; durante aproximadamente quatro anos conseguiu pagar a prestação, mesmo como sacrifício pessoal, mas em certo momento se viu vencida. As prestações se acumularam e a senhora foi convocada pela empresa para uma negociação; sem assistência jurídica, ela vez novação da dívida; os juros e multas se tornaram “principal”; ou seja, depois de anos pagamento pontualmente a prestação, ela voltou ao início; na verdade, pior do que isso, depois de tantos pagamentos ela acabou com uma dívida maior do que a inicial.

O valor da parcela foi reduzido e aquela senhora conseguiu pagar regularmente as prestações por alguns anos, quando então, mais uma vez, se viu inadimplente. A empresa a convocou para um novo acordo, mas desta vez isso não foi possível porque a dívida estava ainda maior do que na primeira vez e a senhora, recém-aposentada, não tinha nenhuma condição de pagar a prestação proposta.

A empresa ajuizou “ação de rescisão de contrato cumulada com reintegração de posse”; citada, aquela senhora acabou na minha sala.

Chorando, ela me disse que a sua “casinha” era tudo que tinha; que não podia perdê-la, que o valor pedido na negociação não tinha como pagar, visto que agora estava aposentada e doente.

Com muita calma e paciência lhe expliquei que como ela não quitou o contrato, a empresa tinha o direito de requerer a rescisão do contrato e a reintegração do bem, mas que eu faria o possível para que ela recebesse de volta parte do dinheiro pago, assim como uma indenização pelas benfeitorias feitas no imóvel.

Depois de vasculhar o processo, apresentei contestação com várias preliminares.

A audiência de conciliação foi muito tensa. O advogado da empresa propôs novo parcelamento com cláusula de despejo imediato no caso de nova inadimplência (com indenização parcial, sem direito de retenção); aconselhei firmemente a minha cliente a não aceitar o acordo, mostrando a ela que a intenção da autora era diminuir a sua indenização e facilitar a desocupação do imóvel (cláusula de despejo imediato); mostrei ainda que ela não conseguiria, novamente, quitar as prestações e que, então, tudo estaria perdido.

Apesar dos meus conselhos, ela queria aceitar, principalmente depois que o juiz interviu em favor da empresa, argumentando que não era justo que ela ficasse com o bem sem quitar o débito; neste momento, bati com a mão espalmada na mesa e falei em voz alta que injusto era o contrato firmado entre as partes, que previa aumentos abusivos; que vergonha era minha cliente já ter pagado quase o dobro do valor original do terreno e ainda estar devendo outro tanto.

Depois da minha manifestação, o clima azedou de vez e o juiz, dando por encerrada a audiência, declarou em alto e bom som que eu seria o responsável por minha cliente perder a casa.

Pouco depois, veio a sentença; o juiz julgou procedente a ação, rescindindo o contrato, determinando a devolução de 60% do valor pago, indenização por benfeitorias sem direito de retenção.

Apelei e consegui aumentar a porcentagem da devolução de 60% para 70%, com correção e juros a partir do pagamento; o tribunal ainda garantiu a minha cliente o direito de ficar no imóvel até ser cabalmente indenizada (devolução de 70% do valor pago + indenização pelas benfeitorias).

Com o retorno dos autos, iniciou-se a fase da liquidação da sentença; primeiro, a empresa apresentou, a mando do juiz (outro juiz, o primeiro tinha se removido), planilha com todos os pagamentos feitos pela senhora; depois, os autos foram para o contador que apurou um valor total a ser devolvido; segundo, o juiz indicou um perito para fazer a avaliação das benfeitorias feitas no imóvel; após tramites legais, o perito apresentou laudo avaliando as benfeitorias.

A empresa esperneou muito com a avalição do perito; impugnou, chiou, mas não teve jeito, a indenização total levou em considerando o valor indicado pelo contador, parcelas pagas, assim como a avalição das benfeitorias indicada pelo perito.

Determinou-se, então, a intimação da empresa para efetuar o pagamento do valor apurado; o valor ficou tão alto que ao receber a intimação, o advogado da empresa me ligou e propôs um acordo.

Adivinhem: ele propôs dar quitação do contrato; isso mesmo, simplesmente passar a escritura do imóvel para minha cliente.

O acordo foi feito no meu escritório.

Hoje, “a senhora” é proprietária legal e formal da sua casa (com escritura definitiva registrada).


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