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Reclamação e competência: o esquecido inciso I do artigo 988 do CPC
26/02/2018
A reclamação é instrumento relacionado à autoridade de determinado órgão julgador, especialmente, de Tribunal. Grade parte de sua razão de ser está na necessidade de reafirmação ou da autoridade de uma determinada decisão, ou dos precedentes dela formados. Falamos ou do comando de determinado ato decisório, que pode estar sendo descumprido por outro órgão judicial (autoridade da decisão) ou do precedente, norma jurídica abstrata, extraída a partir do julgamento de determinado caso, pelo Tribunal, e o qual pode ter efeitos vinculantes (CPC, art. 927).
Exatamente isso que determinam 3 dos 4 incisos do artigo 988 do Código de Processo Civil. Serve a reclamação para (…) II – garantir a autoridade das decisões do tribunal; III – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; IV – garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência.
O inciso I, no entanto, é diferente. Não se preocupa com a autoridade de decisão ou com precedente formado, mas com a potencial autoridade de decisão futura, especificamente a ser produzida naquele caso concreto. Daí ser também admitida a reclamação com a finalidade de “preservar a competência do tribunal”.
Falando de “tribunal”, a primeira ideia que vem à cabeça diz respeito à competência recursal. Matéria devolvida ao conhecimento de órgão colegiado, por decorrência da interposição de recurso, não pode ser decidida por órgão de hierarquia inferior. Ocorre nessa hipótese a chamada preclusão hierárquica, tornando a reclamação admissível.
Um bom exemplo se dá em sede de agravo de instrumento. Uma vez deferida tutela de urgência e interposto recurso de agravo, pode o juiz exercer seu juízo de retratação, e revogar a decisão proferida (CPC, art. 1.018, § 1º). Ocorre que, negada a reconsideração e ultrapassada essa fase processual, a matéria devolvida no agravo passa a ser exclusivamente de competência do tribunal. Desse modo, inexistindo fato ou fundamento novo para justificar nova decisão, não pode mais o juízo de primeiro grau revogar a medida, sob pena de usurpar a competência da corte e tornar admissível a reclamação.
Outro exemplo, ainda no âmbito dos recursos, agora quanto à sua admissibilidade, justifica a reclamação. Pelo sistema vigente, o juízo de primeiro grau não tem competência para exercer a admissibilidade do recurso de apelação, a qual cabe exclusivamente ao tribunal. Se determinado juiz o fizer, estará usurpando a competência exclusiva do tribunal, justificando a admissibilidade da reclamação. O cabimento da reclamação se mostra fundamental, especialmente diante da circunstância de o artigo 1.015 do CPC não autorizar a interposição de agravo de instrumento em tal hipótese.
Além do âmbito dos recursos, podemos cogitar a admissibilidade da reclamação nas hipóteses de causas de competência originária dos tribunais. Pense-se em mandado de segurança contra autoridade coatora que justificaria competência de tribunal (ex. governador ou presidente do TJ), mas que interposto perante juízo de piso, onde obtida inclusive medida liminar. A reclamação será admissível para preservar a competência do tribunal, sem prejuízo da interposição de agravo de instrumento e da discussão quanto ao mérito da medida.
A reclamação, portanto, não é, nem pode ser considerada, instrumento de trabalho exclusivo dos precedentes. Além de cuidar de problemas exclusivos da autoridade da decisão de um caso concreto, incapaz de influenciar juridicamente outros, também se presta a impedir que determinados órgãos jurisdicionais conheçam de pedidos ou questões cuja competência já foi estabelecida em favor de determinado tribunal. Vale enfatizar esse ponto, e buscar maior efetividade no instrumento que, ao menos no que tange ao inciso I do artigo 988 do CPC, não tem recebido a merecida atenção de nossos juristas e práticos do judiciário.