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Revista Forense
CLÁSSICOS FORENSE
PROCESSO CIVIL
REVISTA FORENSE
Dos embargos remetidos na execução de sentença, de Celso Agrícola Barri

Revista Forense
14/04/2025
SUMÁRIO: Noção de embargos remetidos no direito anterior. Omissão do Cód. de Proc. Civil. Eliminação dos embargos infringentes na execução. Art. 1.010 do Cód. de Proc. Civil. A matéria da ação rescisória e sua inoponibilidade nos embargos à execução. A incompetência “ratione materiae” e a interpretação do art. 182, § 1º, do Cód. de Processo Civil. Julgamento dos embargos do executado fundados no art. 1.010, I, do Cód. de Proc. Civil. Conclusão.
Noção de embargos remetidos no direito anterior
1. No antigo direito brasileiro, era pacífico que se, na execução de sentença, o executado apresentava embargos de nulidade ou infringentes, visando a destruir a decisão exeqüenda, e esta havia sido proferida ou confirmada por Tribunal superior, a êste deviam ser remetidos os autos, para julgamento, pois não se admitia que o juiz pudesse decidir acêrca da validade de sentença proferida por instância superior.1 Dessa “remessa” dos autos dos embargos do executado ao Tribunal, surgiu o nome de “embargos remetidos”.
Não havia, pois, no caso, nenhum recurso em sentido técnico: eram os mesmos embargos do executado, com a circunstância de serem remetidos ao Tribunal para julgamento. O Cód. de Processo Civil de Minas Gerais frisava mesmo, no art. 1.407, que não havia, no caso, despacho de recebimento ou rejeição in limine.
Omissão do Cód. de Proc. Civil
2. Havendo o atual Cód. de Processo Civil silenciado a respeito, pois não se encontra em seu texto nenhuma referência à remessa de embargos do executado aos Tribunais superiores para julgamento originário, divergem a doutrina e a jurisprudência sôbre se no direito vigente existem ou não os embargos remetidos. Podemos, a propósito, distinguir três correntes de opinião: a primeira, negando a sobrevivência do instituto; a segunda, sustentando irrestritamente que aquêles embargos ainda existem no nosso direito; a terceira, admitindo-os apenas em um caso.
A primeira corrente, que nega a existência atual dêsses embargos, é representada principalmente pelos ministros FILADELFO AZEVEDO e OROZIMBO NONATO, e pelo Prof. E. TULLIO LIEBMAN. O ministro OROZIMBO NONATO funda-se principalmente na omissão do Código de Proc. Civil, o qual, no seu entender, regula inteiramente a matéria processual, ressalvadas apenas as exceções nele mencionadas, entre as quais não se incluem os embargos remetidos.2 O ministro FILADELFO AZEVEDO argumenta da mesma forma e acrescenta que o juiz da execução deve julgar sem restrições tôda a matéria admissível nos embargos do executado, independentemente da hierarquia do Tribunal que tenha proferido a sentença; e, como de sua decisão há recurso, a questão virá afinal a ser apreciada pela instância superior.3 O professor E. TULLIO LIEBMAN parte do princípio segundo o qual todos os defeitos do processo e da sentença são, em regra, sanados pela coisa julgada; as exceções existentes são determinadas na lei – Cód. de Proc. Civil, art. 798 – e sòmente podem ser atacadas em ação rescisória; apenas no caso da falta ou nulidade da citação inicial, quando o processo tiver corrido à revelia, a nulidade da sentença é argüível em defesa na execução, nos têrmos do art. 1.010, item I, do Cód. de Proc. Civil, e, sendo o processo e a sentença “juridicamente inexistentes”, pode a nulidade ser declarada por qualquer juiz, mesmo o inferior.4
A segunda corrente manifesta-se pela sobrevivência dos embargos remetidos,
arrimando-se o ministro CASTRO NUNES ao art. 7º do dec.-lei nº 6, de 16-10-937, que, como lei especial, não teria sido revogado pelo Cód. de Proc. Civil; argumenta ainda com o art. 220 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, que se refere expressamente a êsses embargos; finalmente, afirma ser impossível desconhecer-se a existência do instituto, porque isto implicaria em subverter a hierarquia do Poder Judiciário, uma vez que o juiz inferior iria apreciar embargos capazes de destruir sentença proferida em instância superior à sua.5
A terceira Corrente sustenta que ainda existem os embargos remetidos, mas apenas na hipótese do art. 1.010, item I, do Cód. de Proc. Civil, isto é, quando nos embargos o executado argüir a falta ou nulidade da citação inicial e o processo tiver corrido à revelia, se a decisão foi de instância superior à do juiz da execução. Nesse sentido é a opinião de LOPES DA COSTA6 e OSVALDO PINTO DO AMARAL.7
Eliminação dos embargos infringentes na execução
3. Antes de entrar na apreciação dos argumentos das diversas correntes é necessário frisar que o problema da existência ou não dos embargos remetidos liga-se indissoluvelmente ao da matéria que pode ser alegada pelo executado em seus embargos: se se admitir que êle possa, nessa fase do processo, argüir matéria cujo conhecimento caiba, originàriamente, ao Tribunal superior, dificilmente se evitará o reconhecimento da sobrevivência dos embargos remetidos, apesar do silêncio do Código.
4. Somos, assim, obrigados a uma ligeira incursão nos domínios da matéria que pode ser alegada nos embargos do executado, como base absolutamente indispensável a êste trabalho. E nessa pesquisa encontramos apreciável divergência, de opiniões, com profunda repercussão em vários institutos processuais, inclusive no que ora tentamos esclarecer. Em um ponto, há pràticamente unanimidade: o Código vigente, reforçando grandemente o valor da coisa julgada, para evitar a eternização das demandas, alterou substancialmente o direito anterior, ao não permitir que o executado se utilize mais dos antigos embargos infringentes, nos quais se alegava matéria atinente à relação de direito substantivo, quanto à sua origem ou quanto à extinção da obrigação, anteriormente à sentença exeqüenda, por pagamento, novação, prescrição etc., pois êsses argumentos devem ser usados atualmente na fase de cognição e não mais na de execução.8
Art. 1.010 do Cód. de Proc. Civil
5. A divergência surge quanto à interpretação do art. 1.010 do Cód. de Processo Civil, que dispõe:
“Sòmente se suspenderá o curso da execução quando nos embargos se alegar um dos seguintes fatos:
I. Falta, ou nulidade, da citação inicial, se a ação houver corrido à revelia do embargante.
II. Pagamento, novação, compensação com execução aparelhada, concordata judicial, transação e prescrição superveniente à sentença exeqüenda.
III. Excesso de execução, ou sua nulidade até a penhora”.
Entende a maioria que a matéria dos embargos do executado não se restringe à enumerada nesse artigo, mas que, tôda aquela que nele não se contiver deverá ser autuada em apartado, sem suspender o andamento da execução.9
Aponta-se, freqüentemente, o desembargador AMÍLCAR DE CASTRO como divergente dessa orientação, porque, realmente, afirma que o executado só pode argüir a matéria daquele artigo, e sempre com suspensão da causa, não admitindo outras defesas que não aquelas. Essa divergência, porém, é mais aparente que real, pois o renomado processualista, ao interpretar os itens daquele artigo, o faz dê forma ampla, colocando em seu âmbito até mesmo matéria que alguns defensores da corrente contrária deixam fora do campo de defesa na fase da execução. Assim é que, no item III do mencionado artigo, abriga as nulidades que dão margem à ação rescisória, e que PONTES DE MIRANDA e LIEBMAN não admitem como alegáveis em embargos do executado.10
Por outro lado, LUÍS EULÁLIO BUENO VIDIGAL só admite como. matéria de defesa na execução a constante do artigo 1.010, sem, contudo, analisar o alcance de suas disposições.11
A exposição ora feita permite fixar um ponto de capital importância para a pesquisa que tentamos fazer: é que o Cód. de Proc. Civil vigente, segundo a quase totalidade dos comentadores e Tribunais, valorizou grandemente a res judicata, ao restringir a matéria de defesa do executado, a ponto de repelir os antigos embargos infringentes, que se fundavam em fatos extintivos das obrigações, verificados anteriormente à sentença exeqüenda.
Permanece, todavia, a divergência quanto às outras matérias que possam ser alegadas pelo executado, após essa enorme amputação feita no sistema do direito anterior. O contraste entre a opinião do Prof. AMÍLCAR DE CASTRO e os demais comentadores, como já mostramos, é mais aparente que real, pelo menos no aspecto em que tem sido comumente apresentado. Resta então a divergência entre LUÍS EULÁLIO BUENO VIDIGAL e aquela corrente, e que, à primeira vista, parece radical. Mas, se consultarmos todos os autores acima citados e que afirmam que a defesa do executado não é limitada à matéria do art. 1.010, veremos que todos êles se restringem a afirmar o princípio, sem aduzir qualquer exemplo. Compulsando os repertórios de jurisprudência – elemento de inestimável valia para apreciar o direito vivo, atuante, desprendido dos textos legais – também não encontramos julgados ventilando matéria incabível nos limites do art. 1.010.
Tudo isto nos leva à conclusão de que a divergência apontada é mais aparente que real. E essa observação, induzida da consulta aos textos doutrinários e decisões judiciais, nos conduz ao exame mais detido do art. 1.010, com o mesmo resultado. Em verdade, a matéria enumerada nesse artigo pode ser classificada, tendo em vista o momento em que se deram os fatos a serem alegados na defesa, tomada, como ponto de referência a sentença, pela, forma seguinte:
a) fatos anteriores à sentença: são apenas os referidos no item I do artigo, isto é, a falta ou nulidade da citação inicial, se a ação houver corrido à revelia;
b) fatos posteriores à sentença: 1) são todos os que cabem no inciso II do artigo, isto é, pagamento, novação, compensação com execução aparelhada, concordata judicial, transação e prescrição “supervenientes à sentença”, segundo a expressão legal. Nenhum dêles tende a demonstrar êrro ou nulidade da sentença; pelo contrário, pressupõem a validade desta, mas procuram tirar-lhe os efeitos executórios, pela ocorrência de fato posterior; e tanto não é atingida a validade da sentença que, mesmo julgada procedente a defesa, permanece a fôrça de coisa julgada da decisão exeqüenda. Exemplifiquemos: A reivindica de B o objeto X e vence a demanda; ao executar a sentença para obter a entrega do objeto, B embarga, alegando que, após a sentença, já entregara X ao exeqüente (pagamento); provado isto, o juiz acolhe a defesa e dá fim à execução, condenando A nas custas. Se mais tarde surge nova demanda entre A e B acêrca do objeto X, A poderá impedir nova discussão sôbre a propriedade do objeto, porque a sentença na reivindicatória fêz coisa julgada a respeito, e o acolhimento da defesa de B na execução não afetou a validade da sentença; 2) são os referidos nº inc. III do art. 1.010, isto é, “excesso de execução, ou sua nulidade até a penhora”, fatos, portanto, relativos à observância das normas do processo de execução, sem nenhuma referência à validade do processo de que se originou a sentença exeqüenda; assim, se acolhida alguma defesa fundada nesse inc. III, o resultado será a anulação do processo de execução, que terá de recomeçar do ponto a partir do qual foi anulado, e não a anulação da sentença. Evidentemente, como a execução tem como pressuposto a existência de uma sentença formalmente válida e exeqüível, caberão aqui as defesas tão de gôsto da imaginação dos antigos praxistas, como as que alegam que a sentença não foi publicada, que não consta de documento escrito e outras parecidas; pois é claro que a sentença não publicada ainda não existe no mundo jurídico; a sentença verbal, não constante de escrito, nunca nos consta que tivesse ingressado em qualquer juízo como instrumento de execução.
Resumindo as observações que temos feito, veremos que o art. 1.010, nos incs. II e III, prevê tôdas as hipóteses de defesa por fatos extintivos da obrigação, acontecidos após a sentença, e os casos de nulidade do processo de execução; o item I prevê a declaração da nulidade da sentença (e não apenas da execução); a doutrina e a jurisprudência dominantes não admitem a destruição da sentença exeqüenda por fatos extintivos da obrigação acontecidos antes da decisão.
A matéria da ação rescisória e sua inoponibilidade nos embargos à execução
6. A colocação do problema nesses têrmos mostra que a diversidade de opinião entre os autores é menor do que se nos afigura à primeira vista, pelo menos no que interessa à questão dos embargos remetidos. Isto, porém, não implica em afirmar que não existe divergência. E o prosseguimento da investigação demonstrará que a divergência se encontra justamente entre autores que aparentemente estão dentro da mesma corrente. E, quando em correntes apontadas como opostas, seu desacôrdo não está nos motivos comumente apontados.
O Prof. AMÍLCAR DE CASTRO, de quem se diz interpretar restritivamente o art. 1.010, contraria êsse julgamento ao admitir que o executado alegue em sua defesa qualquer dos motivos que, nos têrmos do art. 798 do Cód. de Proc. Civil, ensejam a ação rescisória; e, como lhes dá guarida no inc. III do art. 1.010, evidentemente considera essa defesa como a ser processada nos autos da execução, e com suspensão do andamento desta.12
LUÍS EULÁLIO BUENO VIDIGAL, que, aparentemente, adota, a chamada interpretação restritiva daquele autor, afirma, no entanto, que os casos que ensejam a ação rescisória não podem servir de matéria aos embargos do executado.13 JOÃO BONUMÁ, ao enumerar as hipóteses de embargos do executado, não inclui a matéria da ação rescisória.14 PONTES DE MIRANDA, expressamente, exclui dos embargos do executado a matéria da ação rescisória.15 No mesmo sentido, LIEBMAN.16
7. Convém, nesta fase, precisar melhor um princípio essencial referente aos embargos remetidos, já enunciado em forma mais geral: é que a existência dêsses embargos é dependente de se admitir que o executado possa, em seus embargos, alegar matéria para conhecimento da qual a competência seja originàriamente de Tribunal Superior. E, com as limitações que já enunciamos como tendo sido feitas no campo de defesa do executado, inclusive com a proibição dos embargos infringentes, a questão fica restringida apenas às hipóteses de alegação de “nulidade” ou “anulabilidade” da sentença. Ou, em têrmos mais concisos: pode o executado, em seus embargos, alegar a nulidade ou anulabilidade da sentença passada em julgado? Em caso afirmativo, a quem cabe conhecer dêsses embargos?
A incompetência “ratione materiae” e a interpretação do art. 182, § 1º, do Cód. de Processo Civil
8. O Cód. de Proc. Civil, no já referido item I do art. 1.010, expressamente o admite, quando tenha havido falta ou nulidade da citação inicial, se o processo correu à revelia; a êste ponto voltaremos mais tarde. E no art. 798 dispõe que é “nula” a sentença proferida por juiz peitado, impedido ou incompetente ratione materiae, quando proferida com ofensa à coisa julgada, contra literal disposição de lei ou quando fundada em prova falsa, admitindo, em todos êsses casos, a propositura da ação rescisória, que deve ser iniciada dentro de cinco anos, nos têrmos do art. 178, § 10, item VIII.
O princípio da imutabilidade da coisa julgada sofre, assim, algumas exceções, derivadas da grande relevância de certas falhas processuais especificadas naqueles artigos. Dado seu caráter excepcional, em nenhuma outra passagem o Código se refere a nulidades a que atribua a fôrça de destruir a res judicata, devendo-se, assim, dar interpretação restrita às disposições legais. Mas, passando aos casos que ensejam a ação rescisória, veremos que a expressão usada pelo Código – “será nula a sentença” – contém evidente êrro, pois trata-se de “anulabilidade” e não de “nulidade”. Em excelente resumo da história das nulidades desde o direito romano, mostra LIEBMAN que, apesar da disposição
do Liv. III, tít. 75, das “Ordenações”, que dizia que a sentença viciada de grave nulidade era “per direito nenhuma”, que “nunca em tempo algum passa em cousa julgada”, a realidade era a exigência da querella nullitatis para pronunciar a nulidade, estando essa querela sujeita à prescrição trintenária; mostra, ainda, com apoio em PEREIRA E SOUSA, PIMENTA BUENO, art. 681 do regul. n° 737 e outras disposições legais, que, no fundo, o que existia era a “anulabilidade” e não a “nulidade” da sentença viciada; demonstra, finalmente, que a evolução do instituto consumou-se quando o Cód. Civil reduziu a cinco anos o prazo de prescrição.17
Essa norma do Cód. Civil é, sem dúvida, elemento valioso para determinar a natureza do vicio da sentença, pois, se decorridos os cinco anos a rescisória não fôr proposta e a sentença ficar inatacável, não se pode fugir à conclusão de que a hipótese é de anulabilidade e não de nulidade; mesmo porque se fôsse nulidade, o simples decurso do tempo não poderia convalidar a decisão.
A realidade, portanto, é que, como afirma ODILON DE ANDRADE,18 o decurso dos cinco anos torna a sentença inatacável, apesar de conter qualquer dos vícios do art. 798, pois trata-se de anulabilidade e não nulidade, como incorretamente consta do Código.19
Isto pôsto, afigura-se mais acertada a opinião que impede a alegação dos vícios do art. 798 em embargos à execução, pelo seguinte:
a) a orientação do Código é restringir o campo de debate na fase de execução, para que o autor tenha efetiva satisfação do seu direito, o que só se dá com a execução do julgado e não apenas com a sentença condenatória, que é meio para aquêle fim; essa orientação é comprovada pela falta de disposição expressa admitindo aquela defesa, ao contrário do direito anterior, que explicitamente a permitia;20
b) ao enumerar os vícios da sentença argüíveis na execução, o Código, no item I do art. 1.010, apenas aludiu a um caso – o mais grave de todos – o que demonstra a intenção de excluir a alegação de vícios que já têm seu remédio adequado na ação rescisória; e isto leva a crer que o caso do citado item I é de nulidade, suscitável a qualquer tempo, tanto assim que o legislador nem julgou necessário inclui-lo entre os casos de ação rescisória, que são os de anulabilidade;
c) a competência para julgar a ação rescisória é dos Tribunais superiores; logo, se o Código quisesse admitir o debate de sua matéria na execução, teria consignado a remessa dos embargos à instância superior, porque o fato de a argüição do vício ser feita na execução, e não na ação rescisória, não basta para alterar a competência expressamente fixada na lei;
d) finalmente, admitir na execução o debate sôbre matéria da ação rescisória seria tornar imprescritível a argüição para a qual o Cód. Civil marca o prazo de cinco anos.
9. Colocada nestes têrmos a questão, resta a hipótese do art. 182, § 1º, do Código de Proc. Civil, que dispõe:
“A incompetência ratione materiae poderá ser alegada em qualquer tempo ou instância; quando, porém, o interessado não a alegar antes do despacho saneador, pagará em dôbro as custas acrescidas”.
A possibilidade ali referida de aquela modalidade de incompetência ser alegada em “qualquer tempo ou instância“, leva, de início, à conclusão de que o poderá ser na “instância da execução”. Isto abriria uma funda. brecha nas afirmações anteriores, porque a rescisão de sentença proferida por juiz incompetente ratione materiae é uma das hipóteses em que, segundo o art. 798, item I, alínea a, se pode propor ação rescisória. E confirmaria esta impressão inicial a circunstância da quase unanimidade dos nossos processualistas afirmarem que a execução é instância autônoma, que não se confunde com a instância da ação, opinião esta com a qual, aliás, estamos do acôrdo.21
é necessário, porém, recordar que instância tem duplo sentido em nosso direito; sob certo aspecto significa “grau de jurisdição”, em que encontramos primeira instância e segunda instância; sob outro aspecto, significa “curso legal da causa até final”, em que encontramos “instância da ação” e “instância da execução”.
Para interpretar adequadamente o artigo 182, parág. único, é necessário verificar o sentido que a palavra “instância” tem na linguagem do Código. O primeiro artigo que nos oferece apreciável subsídio é o 196, que dispõe que a instância começará pela citação inicial válida e terminará pela execução de sentença. Deixando de lado o maior ou menor desacêrto dessa definição legal, o que interessa no momento é que, firmando êsse princípio, o Código excluiu a possibilidade de se falar em uma instância da execução diversa da ação. Logo, quando o parág. único do art. 182 fala, em “qualquer instância”, evidentemente não está se referindo à instância da execução, pois esta não é distinta na sistemática do Código.
A correta interpretação dêsse parágrafo está, portanto, em tomar a expressão “em qualquer instância” como se referindo à primeira ou segunda instância, isto é, ao diverso grau de jurisdição. Tanto isto é verdadeiro que o art. 831 fala em “superior instância”, o art. 832 alude ao preparo do feito “em segunda instância”, e o tít. VIII do Liv. VII trata “Da Ordem do Processo na Superior Instância”: em nenhuma passagem o Código se refere a “instância,” senão como grau de jurisdição, mantendo, assim, coerência com o postulado do art. 196. Podemos discordar – e discordamos – da doutrina, dêste último artigo; mas, ao rastrear o sentido de uma expressão usada com significado definido no Código, teremos de lhe dar sempre o sentido que lhe atribuiu o legislador nas várias oportunidades em que empregou o vocábulo. E nesse ponto o Código é incensurável, pois só consignou distinção em matéria de instância quanto ao “grau de jurisdição”.
Conseqüentemente, a interpretação sistemática do art. 182, § 1°, leva a concluir que a incompetência ratione materiae pode ser alegada em qualquer instância, no sentido de ser argüível na primeira instância ou em instância superior. Mesmo porque êsse vício não é mais grave que os demais referidos no art. 798 – onde êle está tratamento especial. Sua experiência ocasiona bem incluído – de forma a merecer “anulabilidade” e não “nulidade” da sentença, a qual, passada em julgado, terá validade até ser destruída em ação rescisória.22
Julgamento dos embargos do executado fundados no art. 1.010, I, do Cód. de Proc. Civil
10. A esta altura do trabalho, podemos dar como assentado que, no Código vigente, a sentença formalmente válida só pode ser atacada na fase de execução nos casos do art. 1.010, item I, isto é, pela falta ou nulidade da citação inicial, se o processo correu à revelia do embargante.
Fixados êstes limites, a sobrevivência ou não dos embargos remetidos fica vinculada à questão da competência para julgar aquela defesa: Não há falha mais grave do que a condenação de uma pessoa sem sua audiência. Tão arraigado é êsse princípio na consciência humana, que não há necessidade de sua fixação em texto legal para ser universalmente observado. Faltando a citação inicial a instância não começa (art. 196 do Cód. de Processo Civil), não se forma a relação processual; os atos que se seguirem não têm existência jurídica: existem no mundo dos fatos, mas não no mundo do direito. E a nulidade da citação inicial equivale à sua falta. Nesse. caso são juridicamente inexistentes o processo e a sentença nêle proferida.
A rigor, seria desnecessário chie o Código admitisse expressamente a argüição dêsse vício nos embargos à execução, pois a declaração da inexistência ou nulidade dessa sentença pode ser pedida em qualquer tempo; usando a linguagem dos antigos praxistas, pode-se afirmar que a sentença com êsse vício “nunca passa em julgado”, é “per direito nenhuma”. Mas, fazendo-o, o Código reafirmou sua orientação de restringir grandemente a matéria de defesa na execução: só abriu exceção para êsse caso que, a bem dizer, nem precisava de disposição legal.
A argüição do art. 1.010, item I, não visa, portanto, a rescindir, anular a sentença exeqüenda, porque esta não é anulável apenas. Ela é inexistente, ou nula. A competência dos Tribunais superiores é para a rescisão de seus acórdãos. Mas, no caso, há é declaração de inexistência ou nulidade. E o silêncio do Código acêrca da remessa dêsses embargos à instância superior deve ser entendido como fixando, acertadamente, a competência do juiz da execução para julgar êsses casos de simples nulidade ou inexistência.23
11. O exame até agora feito permite-nos concluir, que, na sistemática do Código de Proc. Civil, a sentença formalmente válida:
a) não pode ser atacada, na fase da execução, por embargos infringentes ou por qualquer dos vícios que a tornam anulável e que ensejam a ação rescisória;
b) sòmente pode ser atacada, na fase da execução, por falta, ou nulidade, da citação inicial, quando o processo houver corrido à revelia do embargante. E, nesse caso, ao juiz da execução compete conhecer da argüida nulidade.
Não mais existem, pois, os embargos remetidos na execução de sentença no Código vigente.
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Notas:
1 Regul. nº 737, art. 583. Consolidação de RIBAS, art. 1.350, § 2º Cód. de Proc. Civil de Minas Gerais, art. 1.407, Cód. de Proc. Civil de São Paulo, art. 1.065.
2 Voto proferido em 14-6-1943, in “REVISTA FORENSE”, vol. 97, pág. 65. No mesmo sentido, PONTES DE MIRANDA, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. VI, pág. 396.
3 Voto proferido no acórdão citado na nota anterior.
4 “Processo de Execução”, ns. 90 e 91; parecer in “REVISTA FORENSE”, vol. 101, página 293. Entre as decisões que não admitem a existência atual dos embargos remetidos, vejam-se: Supremo Tribunal Federal, em 14-6-943, in “REVISTA FORENSE”, vol. 97, pág. 62; idem, 1ª Turma, em 24-1-944, in “REVISTA FORENSE”, vol. 99, pág. 669; idem, em Sessão Plenária, em 3-10-945, in “REVISTA FORENSE”, vol. 106, página 64; idem, idem, em 3-7-946, in “REVISTA FORENSE”, vol. 112, pág. 59; ac. do Tribunal de Justiça de São Paulo, em 29-4-947, in “REVISTA FORENSE”, vol. 112, pág. 461, e “Rev. dos Tribunais”, vol. 188, pág. 339.
5 “Teoria e Prática do Poder Judiciário”, pág. 263, Rio, 1943. Voto em 18-11-943, in “REVISTA FORENSE”, vol. 99, pág. 658. No mesmo sentido, veja-se acórdão do Supremo Tribunal Federal, 1ª Turma, em 24-5-943, in “REVISTA FORENSE”, vol. 98, pág. 363.
6 Voto em 6-9-948, in “REVISTA FORENSE”, vol. 126, pág. 164.
7 “Código de Processo Civil”, vol. V, páginas 354 e 355. No mesmo sentido: acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em 19 de abril de 1944, in “REVISTA FORENSE”, vol. 99, pág. 467.
8 AMÍLCAR DE CASTRO, “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. X, nº 427; JOÃO BONUMÁ, Direito Processual Civil, vol. III, nº 460; GABRIEL DE RESENDE FILHO, “Curso de Direito Processual Civil”, vol. III, São Paulo, 1953, nº 1.143; LOPES DA COSTA, voto in “REVISTA FORENSE”, vol. 126, pág. 164. A única opinião divergente é CARVALHO SANTOS, “Código de Processo Civil Interpretado”, vol. X, página 283.
9 GABRIEL DE RESENDE FILHO, ob. cit., vol. III, nº 1.142; LIEBMAN, ob. cit., nº 92; CARVALHO SANTOS, ob. cit., pág. 282; OSVALDO PINTO DO AMARAL, ob. cit., vol. V, páginas 354 e 355. Acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, em 8-12-945, in “REVISTA FORENSE”, vol. 90, pág. 163; idem s. d. in REVISTA FORENSE”, vol. 99, pág. 102.
10 AMÍLCAR DE CASTRO, ob. cit., vol. X, ns. 425 e 464; PONTES DE MIRANDA, ob. cit., vol. VI, págs. 406-407; LIEBMAN, ob. cit., números 90 e 92; parecer, in “REVISTA FORENSE”, vol. 101, pág. 293.
11 “Da ação rescisória dos julgados”, nº 26, Tribunal de Justiça de São Paulo, acórdão de 13-2-947, in “REVISTA FORENSE”, vol. 112, página 165; idem em 14-4-953, in “REVISTA FORENSE”, vol. 151, pág. 300.
12 Ob. cit., vol. X, nº 464.
13 Ob. cit., ns. 25 e 26.
14 Ob. cit., vol. III, ns. 460 e segs.
15 Ob. cit., vol. VI, págs. 406-407.
16 Parecer, in “REVISTA FORENSE”, volume 101, pág. 293.
17 Nota 4 à pág. 277 do vol. III das “Instituições do Direito Processual Civil”, de CHIOVENDA; traz aí em seu apoio a opinião de PAULO DE LACERDA, PONTES DE MIRANDA, CARVALHO SANTOS e JORGE AMERICANO.
18 “Comentários ao Cód. de Processo Civil” vol. IX, nº 59. Parece-nos, assim, não assistir razão ao eminente Prof. ALFREDO BUZAID, quando afirma que a sentença que viola-a coisa julgada pode ser anulada mesmo após o decurso do prazo de cinco anos; a asserção dêsse ilustre processualista esbarra com um obstáculo intransponível, que é o artigo do Cód. Civil fixador do prazo de prescrição – ou decadência – da ação rescisória, e do qual não se pode fazer tabula rasa. Veja-se seu parecer, in REVISTA FORENSE”, vol. 165, págs. 63 e segs.
19 LOPES DA COSTA, “Direito Processual Civil”, vol. III, nº 184; LUÍS EULÁLIO BUENO VIDIGAL, ob. cit., ns. 15 e segs.; ÁVIO BRASIL, “Da Rescisória dos Julgados”, 2ª ed., pág. 67.
20 Regul. nº 737, de 1850, art. 681, § 3º; Cód. de Proc. Civil de São Paulo, art. 1.056, item I; Cód. de Proc. Civil de Minas Gerais, artigo 1.400, inc. I; Cód. de Proc. Civil do Distrito Federal, art. 303, item III, combinado com o art. 302.
21 LOPES DA COSTA, ob. cit., vol. IV, número 127; JOÃO MENDES, “Direito Judiciário Brasileiro, tít. VII, cap. V. MORAIS DE CARVALHO, “Praxe Forense”, § 198; LIEBMAN, ob. cit., nº 19; CARVALHO SANTOS, ob. cit., vol. X, pág. 5; MACHADO GUIMARÃES, “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. IV, pág. 30; AMÍLCAR DE CASTRO, ob. cit., vol. X, ns. 155 e 419.
22 LIEBMAN, parecer cit.; OROZIMBO NONATO, voto in “REVISTA FORENSE”, vol. 118, pág. 102, com apoio em LACOSTE.
23 LIEBMAN, ob. cit., nº 90; parecer cit. in “REVISTA FORENSE”, vol. 101, pág. 293; FILADELFO AZEVEDO, voto in “REVISTA FORENSE”, vol. 97, pág. 65; PONTES DE MIRANDA, ob. cit., vol. VI, pág. 396.
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