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NOVO CPC

PROCESSO CIVIL

Do velho para o novo: as regras de travessia no novo CPC

ART. 530

CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

COOPERAÇÃO

CPC

DEFESA

IMPUGNAÇÃO

INTIMAÇÃO

NCPC

NOVO CPC

PRAZO

PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM

VACATIO LEGIS

Elpídio Donizetti

Elpídio Donizetti

16/12/2015

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Advogar é difícil e perigoso. Preclusões, censura de todo lado e até ações de indenizações são pedras que encontramos pelo caminho.  O novo Código embrulha tudo. Juízes, advogados e professores. O dia 18 de março de 2016 já bate às nossas portas. Valha-nos Deus, que muito ajuda quem madruga, mas tem uma birra danada com os preguiçosos. É a vida, que esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e agora muito desinquieta.   Precisamos todos rejuvenescer. O que o momento exige de nós, juristas e operadores do direito, é coragem, humildade e determinação para reaprender o processo civil (valeu Guimarães Rosa). Para cursos, consulte www.portalied.com.br. Para uma palhinha, acompanhe-me no FB e no Periscope.   

As normas processuais, assim como todas as normas jurídicas em geral, também estão limitadas no tempo. Isso quer dizer que, na hipótese de sucessão de leis processuais, deve-se recorrer ao direito intertemporal para estabelecer qual das leis – se a lei posterior ou se a lei anterior – irá regular a situação concreta.

No processo civil o surgimento de lei nova não encontra problema em relação aos processos já encerrados, pois a regra é que a norma processual não retroage (art. 14 do NCPC). Também não se vislumbra qualquer complicação para os processos a serem iniciados, já que a norma processual civil terá aplicação imediata, respeitando-se, é claro, a sua vacatio legis.

A questão coloca-se, então, no tocante aos processos ainda em trâmite, ou seja, naqueles não acobertados pela coisa julgada. O mesmo art. 14, após declarar a irretroatividade da lei processual, estabelece que ela será aplicável imediatamente aos processos em curso, “respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada”. Aqui vigora o princípio do tempus regit actum, não tendo a lei nova aptidão para atingir os atos processuais já praticados.

À modulação no que tange à aplicação da lei, aplica-se a teoria do isolamento dos atos processuais. Praticado o ato segundo a lei vigente no momento da sua prática, sobre ele recai a garantia inerente ao ato jurídico perfeito, o qual, inclusive, implica direito processualmente adquirido. Exemplo, se apresentou contestação segunda a lei vigente hoje, não poderá amanhã, ao fundamento de mudança da lei, decretar a revelia do réu, ao argumento de que não observou a regra prescrita na lei nova.

No entanto, é preciso estabelecer a diferença entre um ato já praticado, que não pode ser atingido pela norma jurídica posterior, e um ato que ainda não foi praticado, mas que, por ocasião da entrada em vigor da lei nova, já estava em curso o prazo para a sua prática. A dificuldade na aplicação da lei nova ocorre nesses lapsos de transição entre uma e outra lei. Limitado pelo espaço que me é concedido, não tenho a pretensão de esgotar o tema. Apenas de dar uma noção ao nosso leitor de como se opera essa transição.

O processo, do ponto de vista extrínseco, é constituído por uma sequência de atos processuais. Ajuizada a ação, por meio do protocolo da petição inicial, todos os atos das partes pressupõem comunicação – citação ou intimação. O réu é citado para apresentar contestação, querendo. Da contestação o autor é intimado, para exercer a faculdade de formular a sua réplica e assim por diante. A rigor, a lei que deveria reger o ato a ser praticado é a lei do momento da comunicação para a prática desse novo ato do processo. Esse é o sentido da expressão tempus regit actum. Exemplifica-se. As partes foram intimadas do julgamento da apelação no dia 15/3/2016, ainda, portanto, na vigência do Código de 73[1]. Como o acórdão reformou a sentença de mérito por maioria, de acordo com o art. 530 do CPC/73 são cabíveis embargos infringentes. A intimação abre à parte o direito, o poder, a potestade – mas se diz faculdade, viu? –  de praticar o ato subsequente, no caso a interposição de embargos infringentes, sob pena de operar o trânsito em julgado – este, no caso, o ônus da não interposição do recurso. Com a intimação ocorreu na vigência do Código de 73, a faculdade é para se praticar o ato segundo a lei deste momento, ou seja, da intimação. A intimação, no caso, é o marco, o divisor de águas. Pouco importa que o prazo tenha transcorrido quase que integralmente na vigência da lei nova. Se a intimação se deu na vigência da lei velha será ela que vai regular integralmente a prática do novo ato do processo – o que inclui o cabimento, a forma e o modo de contagem do prazo.

Pode ocorrer de o ato – a sentença, por exemplo – ser proferida na vigência da lei velha, mas a intimação somente ser levada a efeito na vigência da lei nova. Aqui, mais uma vez, repete-se o que já foi dito. É a intimação que marca o início temporal para o exercício da faculdade de praticar o ato subsequente segundo a lei desse tempo (da intimação). Nesse caso, o ato deve seguir a lei nova e ser praticado no prazo estabelecido nessa lei.

O marco da intimação para determinar se aplica uma ou outra regra torna a travessia mais precisa e segura. No entanto, doutrina e jurisprudência, levando-se em conta a instrumentalidade das formas e o dever de “cooperação” que deve presidir as relações entre o juiz e as partes, têm sido mais benevolentes com relação às formas e aos prazos, o que acarreta mais insegurança com relação ao direito intertemporal. E isso torna a travessia mais complexa e perigosa.

Segundo essa benevolente linha interpretativa, caso a lei nova tenha ampliado o prazo para a prática de um ato processual – é o que ocorrerá na vigência do CPC/2015, em razão de a contagem de prazos se dar somente em dias úteis –, ainda que a parte tenha sido intimada na vigência da lei velha, deverá prevalecer a norma que conceder maior prazo. A justificativa é que as partes não podem ser prejudicadas com a exigência da prática do ato no menor prazo, uma vez que a lei nova estabeleceu prazo maior; em outras palavras, as partes adquiriram a faculdade de  praticá-lo no prazo maior.  Exemplificando. O novo Código, que entrará em vigor no dia 18/3/2016, uniformizou e ampliou os prazos recursais[2], uma vez que os prazos serão computados somente em dias úteis.  Pergunta-se: se a parte foi intimada da sentença no dia 15/3/2016, portanto na vigência do código revogado, qual será o prazo para recorrer? Quinze dias corridos ou contados em dias úteis?

Na hipótese de ampliação do prazo processual, como não há prejuízo para os litigantes, deve ser observado o prazo estabelecido na lei nova (vigente no momento da prática do ato), desde que ele ainda esteja em curso. É a Nesse ponto vale lembrar a lição de Pontes de Miranda, que justifica a aplicação do novo prazo (maior) por entender que não existe violação quando se estende, no tempo, a eficácia de um direito[3]. O direito de praticar o ato subsequente começou a ter eficácia com a intimação, mas a abalizada doutrina ponteana, autoriza a praticar o ato no maior prazo (quinze dias úteis), ainda que a intimação tenha se dado na vigência da lei antiga e esta estabeleça prazo mais exíguo (quinze dias corridos). Essa possibilidade de praticar o ato no maior prazo ou segundo uma ou outra forma, somente é conferida no período de transição, isto é, o prazo se iniciou na vigência da lei revogada e se estendeu até ao início da vigência da lei nova. Se o prazo se inicia e expira na vigência da lei revogada, segundo as regras dela (da lei revogada) deve-se praticar o ato. O mesmo se passa quando o prazo se inicia já na vigência da lei nova, hipótese em que o ato deva ser integralmente praticado segundo as regras em vigor. A lei não socorre aos que dormem e pune, com preclusão, aqueles que por desídia ou deficiência técnica perdem o prazo.

A mesma orientação ministrada quanto aos prazos vale para a forma dos atos processuais. Exemplo. A lei vigente no marco inicial do prazo para a contestação regulará a prática desse ato. Se o início do prazo foi marcado na vigência da lei revogada, a rigor, o réu, se for o caso, teria que apresentar exceção de incompetência, impugnar em apartado o valor da causa e os benefícios da assistência judiciária e apresentar a reconvenção em peça distinta. Ao revés, se o marco temporal do prazo ocorreu na vigência da nova lei (veja art. 335 do NCPC), não só o prazo como a forma de apresentação da resposta deve obedecer a essa regra, o que equivale dizer, que a contestação poderá conter as exceções (defesas) e impugnações mencionadas, bem como a reconvenção. Mas a jurisprudência é um pouco mais maleável e, em certos aspectos, até condescendente com os esquecidos. Mas não se iludam, meus caros leitores. A linha dos julgados que abaixo se transcrevem não se coaduna com a conduta dos severos julgadores que estão sempre prontos a negar seguimento, a reconhecer uma preclusão. O julgado que permite opor embargos à execução em vez de impugnação ao cumprimento da sentença, embora o marco para a prática do ato de impugnação já tivesse ocorrido na vigência da lei nova mais se assemelha à conduta daquelas mãezonas que estão sempre prontas a relevar as peraltices do filho.

Vamos aos julgados, que, não obstante refiram-se ao CPC/73, servirão para ajudar na custosa travessia – também os juízes terão que colaborar no remo – de um para outro Código.

“Direito Processual Civil. Recebimento de embargos do devedor como impugnação ao cumprimento de sentença. Em execuções de sentença iniciadas antes da vigência da Lei 11.232/2005, que instituiu a fase de cumprimento de sentença e estabeleceu a “impugnação” como meio de defesa do executado, os embargos do devedor opostos após o início da vigência da referida lei devem ser recebidos como impugnação ao cumprimento de sentença na hipótese em que o juiz, com o advento do novo diploma, não tenha convertido expressamente o procedimento, alertando as partes de que a execução de sentença passou a ser cumprimento de sentença. De fato, no direito brasileiro, não se reconhece a existência de direito adquirido à aplicação das regras de determinado procedimento. Por isso, a lei se aplica imediatamente ao processo em curso. Vale a regra do tempus regit actum e, nesse sentido, seria impreciso afirmar que a execução da sentença, uma vez iniciada, é imune a mudanças procedimentais. Ocorre que a aplicação cega da regra geral de direito intertemporal poderia ter consequências verdadeiramente desastrosas e, diante disso, temperamentos são necessários. Observe-se que o processo civil muito comumente vem sendo distorcido de forma a prestar enorme desserviço ao estado democrático de direito, deixando de ser instrumento da justiça para se tornar terreno incerto, repleto de arapucas e percalços, em que só se aventuram aqueles que não têm mais nada a perder. Todavia, o direito processual não pode ser utilizado como elemento surpresa, a cercear injusta e despropositadamente uma solução de mérito. A razoabilidade deve ser aliada do Poder Judiciário nessa tarefa, de forma que se alcance efetiva distribuição de justiça. Não se deve, portanto, impor surpresas processuais, pois essas só prejudicam a parte que tem razão no mérito da disputa. O processo civil dos óbices e das armadilhas é o processo civil dos rábulas. Mesmo os advogados mais competentes e estudiosos estão sujeitos ao esquecimento, ao lapso, e não se pode exigir que todos tenham conhecimento das mais recônditas nuances criadas pela jurisprudência. O direito das partes não pode depender de tão pouco. Nas questões controvertidas, convém que se adote, sempre que possível, a opção que aumente a viabilidade do processo e as chances de julgamento do mérito da lide. Nesse contexto, transpondo o quanto exposto até aqui para a hipótese em discussão – na qual é patente a existência de dúvida em relação ao procedimento cabível –, conclui-se, em respeito ao princípio da segurança jurídica, serem os embargos do devedor cabíveis caso inexista a expressa conversão do procedimento”. (STJ, REsp nº. 1.185.390/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/08/2013).

“Direito Processual Civil. Juros de Mora devidos pela Fazenda Pública. […]. As normas disciplinadoras de juros possuem natureza eminentemente processual, devendo ser aplicáveis aos processos em curso à luz do princípio tempus regit actum”. Precedentes citados do STF: AI 842.063-RS, DJe 2/9/2011; do STJ: REsp 1.205.946-SP, DJe 2/2/2012. (STJ, Ag nº. 1.227.604/RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 02/10/2012).

“Direito Intertemporal. Embargos. Execução. Art. 738 do CPC. A Turma deu provimento ao recurso especial para afastar a intempestividade dos embargos à execução oferecidos pelo ora recorrente, tendo em vista a aplicação da teoria do isolamento dos atos processuais. In casu, a execução do contrato de locação e a citação do executado foram promovidas antes da vigência da Lei nº. 11.382/2006, que alterou o art. 738 do CPC, sem que o devedor tivesse sido intimado da penhora. Esse dispositivo previa que os embargos seriam apresentados no prazo de 10 dias, contados da juntada aos autos da prova da intimação da penhora; com a novel legislação, passou a prever que eles seriam ofertados no prazo de 15 dias, contados da data da juntada aos autos do mandado de citação. Contudo, após a entrada em vigor da mencionada lei, o magistrado não intimou o executado para oferecer os embargos, ordenando, desde logo, que a penhora fosse realizada. Nesse contexto, consignou a Min. Relatora que, sendo o mandado de penhora o ato processual que mais se assemelha à intimação prevista na redação anterior do art. 738 do CPC, sua juntada aos autos (devidamente cumprido) deve ser considerada o termo a quo para opor os embargos à execução, observado o prazo de 15 dias trazido pelo novo diploma legal. Precedentes citados: REsp 1.107.662-SP, DJe 2/12/2010, e REsp 1.043.016-SP, DJe 23/6/2008”. (STJ, REsp nº. 1.124.979/RO, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 03/05/2005).

Meu caro colega advogado, se posso dar um conselho gratuito, opte sempre pela opção mais penosa e rápida. Leve sempre em conta a lei vigente no momento do marco inicial da contagem do prazo. Se o seu cliente foi citado (e o mandado foi juntado aos autos) um dia antes da entrada em vigor do novo Código, opte pelo prazo contínuo de quinze dias para recorrer e adote as fórmulas mais complexas – impugnação e reconvenção em separado. Nem mesmo o mais severo pai – ops! julgador – deixará de reconhecer o seu esforço e, em homenagem à instrumentalidade das formas,  admitirá o ato praticado, ainda que ostente diverso entendimento.  Esteja certo que pelo caminho encontrará mais chibata para lhe cortar o lombo do que mãos para acariciar a sua cabeleira.

Que tenhamos todos uma boa sorte na travessia.


[1] Seguindo a regra do art. 1.045, o CPC/2015 entrará em vigor no dia 18/3/2016.
[2] Exceto os embargos de declaração, cujo prazo é de cinco dias, todos os demais prazos são de quinze dias.
[3] PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil.Rio de Janeiro: Forense, 1978. T. XVII, p. 40-46.

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