GENJURÍDICO
Das cautelares satisfativas ao procedimento comum a antecipação de garantia do executivo fiscal

32

Ínicio

>

Clássicos Forense

>

Processo Civil

>

Revista Forense

>

Tributário

CLÁSSICOS FORENSE

PROCESSO CIVIL

REVISTA FORENSE

TRIBUTÁRIO

Das cautelares satisfativas ao procedimento comum: a antecipação de garantia do executivo fiscal

CAUTELAR SATISFATIVA

REGULARIDADE FISCAL

REVISTA FORENSE 434

Revista Forense

Revista Forense

03/08/2023

RESUMO: Sabe-se que a tendência publicística que tem marcado o processo contemporâneo às vezes leva à invasão, por aqueles que exercem a jurisdição, de esferas que cabem exclusivamente às partes. A partir da análise de um litígio recorrente em matéria tributária, este artigo buscar demonstrar que as imposições feitas, sob o pretexto de indicar o procedimento adequado, acabam por interferir no próprio objeto litigioso. Observam-se resquícios de um processo autoritário, que colidem frontalmente com o princípio da demanda e com a liberdade do jurisdicionado.

PALAVRAS-CHAVE:Regularidade fiscal; Procedimento; Cautelar satisfativa; Princípio da demanda; Liberdade.

ABSTRACT: It is widely known that contemporary civil procedure is carved with a publicist view, which sometimes leads judges to break into spheres that should be limited to the parties. Departing from a commonplace case in tax litigation, this essay intends to demonstrate how certain impositions, though said to be adapting procedures, actually interfere with the object of the dispute itself. We find remnants of an authoritarian civil procedure, which collide directly with prerogatives of the parties and with the idea of liberty.

KEYWORDS: Fiscal regularity; Procedure; Provisional measures; First complaint; Liberty.

SUMÁRIO: 1. A QUESTÃO EM REDISCUSSÃO – 2. RETOMANDO OS CONTORNOS FÁTICOS E JURÍDICOS QUE LEVARAM À FIXAÇÃO DA TESE NO RESP 1.123.669/RS – 3. ESCLARECIMENTO NECESSÁRIO: A “AÇÃO CAUTELAR INOMINADA” QUE CAUTELAR NÃO ERA – 4. A ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA E A LIBERDADE DO JURISDICIONADO NA FIXAÇÃO DO OBJETO LITIGIOSO – 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1. A QUESTÃO EM REDISCUSSÃO

Os contribuintes submetidos à jurisdição do Tribunal de Justiça de São Paulo vêm sendo obrigados a revisitar um velho dilema que acreditavam estar solucionado: a possibilidade de se valer de um procedimento judicial exclusivamente com o intuito de oferecer garantia de um débito fiscal cuja discussão se encerrou na esfera administrativa e, assim, pleitear que lhes seja assegurada regularidade fiscal até o ajuizamento da respectiva execução fiscal.

A retomada da questão se deve ao fato de que algumas Câmaras do Tribunal de Justiça vêm se manifestando no sentido de que a pretensão referida acima seria incompatível com o Código de Processo Civil vigente. Isso porque o pedido era formulado por meio do que se convencionou chamar ação cautelar satisfativa na vigência do CPC/1973. Desse modo, considerando que inexiste processo cautelar autônomo no CPC/2015, o pleito estaria vedado. O único procedimento cabível no CPC/2015 seria o pedido de tutela cautelar antecedente, com o subsequente aditamento da inicial e conversão em ação anulatória de débito fiscal.

Para ilustrar a questão, transcrevemos o trecho de um dos acórdãos1:

É caso de se negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença terminativa por ausência de interesse processual.

Isso porque inexiste, na atual sistemática processual civil, possibilidade de ação cautelar de natureza satisfativa. (…)

Se a recorrente pretende, como afirma expressamente, discutir judicialmente o débito em questão, como cediço, desnecessário aguardar o ajuizamento do executivo fiscal para então, em sede de embargos, discuti-lo, bastando que ajuíze ação própria para tal mister, ocasião em que poderá requerer a tutela provisória para suspensão do débito com a necessária garantia, cuja viabilidade será lá aferida.

Não se desconhece a necessidade da apelante em apresentar certidões sobre a regularidade fiscal para o desenvolvimento de suas atividades, tampouco se olvida o invocado precedente do S.T.J. (REsp 1.123.669), julgado sob a sistemática do artigo 543-C do antigo diploma processual e que autorizava, segundo o regramento então vigente, demandas cautelares assemelhadas à presente, de caráter satisfativo.

Todavia, referido precedente, d.m.v.do entendimento em sentido contrário, não tem mais aplicabilidade em razão da vigência do novel Código de Processo Civil, no qual não há mais previsão de medida desse jaez.

Na nova sistemática, prescrita no Livro V, da Parte Especial, que trata da tutela provisória e para garantir o próprio processo, há a obrigatoriedade de emenda à inicial para formulação do pedido principal.

Destarte, as tutelas requeridas em caráter antecedente não se prestam a garantir futuro e incerto processo a ser eventualmente ajuizado pela parte adversa, mas sim aquele próprio processo, que, após apreciação do pedido antecipado, deve ser formulado o pedido principal que seguirá o rito comum até apreciação da tutela principal requerida, em conformidade com a disposição legal vigente2.

Neste artigo, demonstraremos que o entendimento firmado no REsp 1.123.669/RS (recurso repetitivo) não está superado, e que, a bem da verdade, o que se chamava de cautelar satisfativa para antecipação de garantia e tutela do direito à regularidade fiscal nunca constituiu em verdadeiro procedimento cautelar. A pretensão se amolda muito mais claramente ao procedimento comum (ou ao extinto procedimento ordinário). Por fim, ver-se-á que obrigar o contribuinte a pleitear a anulação do débito, impedindo-o de formular pedido atinente apenas à expedição de certidão negativa de débitos, afronta princípios basilares do direito processual civil e a própria liberdade do jurisdicionado.

2. RETOMANDO OS CONTORNOS FÁTICOS E JURÍDICOS QUE LEVARAM À FIXAÇÃO DA TESE NO RESP 1.123.669/RS

O dilema ora abordado é de longa data e sempre afligiu os contribuintes. Como se sabe, ter denegado o pedido de certidão de regularidade fiscal ou ter seu nome incluído nos cadastros de inadimples (Cadin) é situação que gera prejuízo concreto para qualquer pessoa jurídica, que fica impedida, por exemplo, de participar de licitações, de receber pagamentos por parte de órgãos públicos, de contrair empréstimos junto a bancos, entre outras consequências.

Por isso mesmo, é preocupação constante de qualquer contribuinte zelar por sua regularidade fiscal, especialmente por manter suas certidões negativas de débitos (CND) ou suas certidões positivas com efeitos de negativa (CPD-EN) sempre válidas.

O que ocorre é que, uma vez encerrada a discussão em torno de determinado débito fiscal na esfera administrativa, cessa-se a causa de suspensão da sua exigibilidade, que era exatamente a pendência do processo administrativo (art. 151, III, do CTN). Isso significa que o débito passa a ser exigível, constituindo, portanto, óbice à regularidade fiscal do contribuinte.

Uma das formas mais simples e objetivas de eliminar o óbice é oferecer garantia suficiente para cobrir integralmente o débito. Isso, porque a existência de garantia ou penhora autoriza a emissão de certidão positiva com efeitos de negativa, a teor do que dispõe o art. 206 do CTN.

Entre as garantias mais comuns estão a carta de fiança e o seguro garantia, expressamente previstas na Lei de Execuções Fiscais (art. 9º da Lei 6.830/1980). Entretanto, o Fisco dispõe do prazo prescricional de 5 (cinco) anos (art. 174 do CTN) para promover a respectiva execução fiscal, de modo que, no interregno entre o encerramento da esfera administrativa e a propositura do feito executivo, o contribuinte não pode oferecer garantia senão em procedimento judicial iniciado por ele próprio.

É louvável que alguns entes federados tenham instaurado procedimentos administrativos que permitem ao contribuinte oferecer garantia pertinente a um débito antes mesmo de ajuizada a execução fiscal. A alternativa é positiva tanto em termos de praticidade quanto em razão da redução de custos para ambas as partes. Ademais, torna desnecessário que se acione o assoberbado Poder Judiciário para solução do problema.

Ocorre que esta não é a realidade da maioria dos fiscos. Por isso mesmo firmou-se, no Superior Tribunal de Justiça, por meio do REsp 1.123.669/RS, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC/1973, o entendimento de que “o contribuinte pode, após o vencimento da sua obrigação e antes da execução, garantir o juízo de forma antecipada, para o fim de obter certidão positiva com efeito de negativa”. Naquela oportunidade, deixou-se claro que o contribuinte não poderia ter seus direitos lesados pela demora do Fisco, conforme se extrai do voto do Min. Luiz Fux:

Deveras, não pode ser imputado ao contribuinte solvente, isto é, aquele em condições de oferecer bens suficientes à garantia da dívida, prejuízo pela demora do Fisco em ajuizar a execução fiscal para a cobrança do débito tributário. Raciocínio inverso implicaria em que o contribuinte que contra si tenha ajuizada ação de execução fiscal ostenta condição mais favorável do que aquele contra o qual o Fisco ainda não se voltou judicialmente3.

Depois de firmado este entendimento, tornou-se comum que os Procuradores da Fazenda até mesmo deixassem de contestar as ações ajuizadas para fins de antecipação de garantia de débitos ainda não executados, reservando suas objeções para os casos em que a garantia se mostrava insuficiente ou não preenchia os requisitos legais.

A questão a ser enfrentada agora diz respeito exatamente à possibilidade de se ajuizar uma demanda autônoma, oferecendo garantia do débito e formulando pedido restrito à regularidade fiscal, tendo em vista que não há mais processo cautelar autônomo na lei processual vigente.

3. ESCLARECIMENTO NECESSÁRIO: A “AÇÃO CAUTELAR INOMINADA” QUE CAUTELAR NÃO ERA

Na vigência do CPC/1973, adotou-se a praxe de se denominar “ação cautelar inominada” a demanda ajuizada com o propósito de oferecer garantia de débitos e pleitear certidões de regularidade fiscal, nos termos já descritos anteriormente. Ocorre que, se bem analisadas as coisas, nunca se tratou de processo cautelar.

Sabe-se que o Código anterior previa expressamente que o processo cautelar era sempre dependente de um processo principal (art. 796 do CPC/19734). Tanto que, efetivada a medida cautelar, caberia à parte ajuizar a ação principal, sob pena de cessarem os efeitos da medida cautelar (arts. 806 c/c 808, I, do CPC/19735). A acessoriedade do processo cautelar decorre do fato de que a sua “finalidade é assegurar a finalidade do processo de conhecimento ou do processo de execução”6.

Noutros termos, as medidas cautelares atuam sobre o direito material apenas de forma indireta, pois constituem mecanismo puramente processual, voltado a assegurar a eficácia da tutela final. O exame dos requisitos autorizadores da concessão da tutela – fumus boni iuris e periculum in mora – depende de dados fornecidos pela relação jurídica substancial, mas com esta não se confunde7.

Nada obstante, quando o contribuinte propõe uma demanda pedindo que seja ordenada à Administração Pública que lhe expeça certidão de regularidade fiscal não pretende assegurar a finalidade de processo futuro algum, mas obter tutela definitiva do seu direito ameaçado ou lesado. A relação jurídica substancial em exame consiste no seu direito ou não à regularidade fiscal nas circunstâncias deduzidas no processo. Esse é o mérito a ser apreciado pelo juízo.

Não se deve cogitar que o objetivo seria resguardar a futura execução fiscal, sob pena de se desvirtuar totalmente o processo. Embora a apresentação de garantia nessa demanda autônoma acabe por representar verdadeira antecipação de penhora do feito executivo a ser ajuizado, não faz sentido nenhum dizer que o contribuinte vem a juízo e propõe demanda com o intento de assegurar a finalidade de processo executivo a ser movido pela Fazenda Pública. Nem mesmo teria legitimidade para tal.

A garantia é oferecida unicamente para preencher os requisitos materiais do art. 206 do CTN, que autoriza a emissão de certidão positiva com efeitos de negativa na hipótese de haver cobrança em curso “em que tenha sido efetivada a penhora”. Eventual benefício da Fazenda Pública – em razão da antecipação da penhora – é apenas um reflexo do atendimento aos requisitos legais para se viabilizar a tutela jurisdicional da regularidade fiscal.

Destarte, o que o contribuinte faz é oferecer garantia, demonstrando estarem preenchidos os requisitos do art. 206 do CTN e, assim, pede ao Poder Judiciário que intervenha de modo a tutelar seu direito à regularidade fiscal. Isso, porque, como já dito, no interregno entre o encerramento da esfera administrativa e o ajuizamento da execução fiscal o contribuinte invariavelmente fica impedido de obter tais certidões diretamente perante as repartições fiscais, socorrendo-se da tutela jurisdicional.

O pedido formulado nesse tipo de demanda objetiva claramente ver efetivado o direito material à regularidade fiscal (bem da vida almejado) e não há nenhuma pretensão de se assegurar processo futuro. Não há que se cogitar de tutela final outra que não seja o gozo da própria regularidade fiscal. Inclusive, a decisão proferida deveria estar apta a produzir coisa julgada material. Diz-se “deveria” porque a praxe de se nomear tais demandas de “ação cautelar” acabou por deturpar também a coisa julgada, em razão da firme jurisprudência no sentido de que as sentenças proferidas em processo cautelar não se revestem de coisa julgada material8.

Há de se admitir que as circunstâncias fáticas e jurídicas aqui analisadas podem se alterar num curto período de tempo, pois o que se pleiteia é que seja aceita a garantia no bojo daquela demanda e que seja determinada a expedição de certidão positiva com efeitos de negativa, tendo em vista que é impossível ao contribuinte garantir execução fiscal ainda não ajuizada. Uma vez iniciado o procedimento executivo9, caberá ao contribuinte promover o traslado da garantia ou oferecer outra garantia idônea sob pena de não preencher os requisitos para emissão da certidão de regularidade fiscal. Isso significa que os efeitos da sentença ficarão limitados no tempo, pois terá desaparecido o objeto da decisão que assegurava a regularidade fiscal ao contribuinte até o ajuizamento da execução fiscal10.

O fato de a situação jurídica a ser protegida poder se alterar brevemente não torna a pretensão do contribuinte menos legítima. Também não a leva a ser classificada como pretensão de cunho cautelar. A sistemática criada pelo próprio fisco, alterando o status do débito para exigível antes de ajuizar a respectiva execução fiscal e sem que haja qualquer outro procedimento para que o contribuinte ofereça garantia, acaba por impedi-lo de se manter regular com suas obrigações fiscais, implicando lesão ao direito de desenvolver regularmente suas atividades. É exatamente nesse período, diante dessas circunstâncias fáticas e jurídicas, que o contribuinte depende da tutela jurisdicional para gozar do bem da vida (a regularidade fiscal).

O ponto é que o que se chamava de ação cautelar para antecipação de garantia, na verdade, cautelar não era – pelo menos não à luz do Livro de Processo Cautelar do CPC/1973 (art. 796 e s.). Tratava-se de nada mais que medidas urgentes tendo em vista a situação fática concreta, medidas estas que não dependiam do rito do processo cautelar para serem processadas. Embora tenha sido adotada a praxe de que tais demandas fossem formuladas via demanda nomeada cautelar, nenhum impedimento havia para que se valesse do então denominado procedimento ordinário.

Tanto é assim que a jurisprudência se firmou no sentido de ser desnecessário o ajuizamento de ação principal na hipótese das supostas ações cautelares que visavam antecipar garantia e, por conseguinte, pleitear regularidade fiscal11. Afinal, não se estava a garantir o resultado útil de processo futuro, mas tutelando direito imediato do contribuinte, consistente no gozo da regularidade fiscal.

Passou-se, assim, a se falar em cautelar satisfativa, que nada mais é que uma demanda em que o pedido de tutela de urgência acaba se confundindo com o pedido final12. Nada obstante, ausente a acessoriedade, isto é, o objetivo de se resguardar o resultado de demanda futura, não se está diante de verdadeira demanda cautelar.

Portanto, veja-se bem: ainda na vigência do CPC/1973, assentou-se o entendimento de que (i) o contribuinte poderia vir a juízo com o objetivo de antecipar a garantia de futura execução fiscal, pleiteando que lhe fosse assegurada sua regularidade fiscal, e que (ii) essa demanda seria autônoma e satisfativa.

Isso quer dizer que sempre se admitiu uma demanda autônoma, independente e satisfativa para fins de se pedir tutela da regularidade fiscal.

O velho problema agora assume novos traços, mas a solução ainda reside nos basilares princípios do direito processual civil.

4. A ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA E A LIBERDADE DO JURISDICIONADO NA FIXAÇÃO DO OBJETO LITIGIOSO

Na espécie de demanda aqui analisada, a causa de pedir13 consubstancia-se no fato de a Administração Pública se recusar a emitir certidão positiva com efeitos de negativa (CPD-EN) em favor do contribuinte (e, não raro, incluir seu nome no cadastro de inadimplentes), nas circunstâncias já narradas. Para pleitear a tutela do seu direito à regularidade fiscal, aponta, entre outros fundamentos, o que dispõe o art. 206 do CTN14.

Nesse contexto, pede-se que, mediante o oferecimento de garantia integral e idônea, seja determinada à Administração Pública que emita as certidões de regularidade fiscal e que exclua o nome do contribuinte do cadastro de inadimplentes, permitindo-se, assim, o desenvolvimento regular de suas atividades econômicas.

A tutela a ser concedida possui natureza condenatória15, haja vista que a crise de direito material a que se dirige é uma crise de inadimplemento (o Poder Público se recusa a fornecer a certidão de regularidade fiscal pretendida pelo contribuinte). Vale registrar, entretanto, que parcela da doutrina entende que a tutela seria de natureza executiva lato sensu, por se tratar de uma ordem dirigida ao fisco, exequível no próprio processo em que proferida, independentemente de posterior procedimento de cumprimento de sentença16.

Assim, tem-se delineados os pedidos e as causas de pedir que constituem demandas deste jaez. Como já dito, o Tribunal de Justiça de São Paulo vem extinguindo esses feitos sem resolução de mérito sob os fundamentos de que a via processual eleita (o procedimento comum) é inadequada e que inexiste processo cautelar autônomo no Código de Processo Civil. Diz-se, ainda, que o contribuinte até poderia se valer do procedimento de tutela cautelar antecedente (art. 305 do CPC) desde que, em seguida, formulasse o pedido principal de anulação do débito.

Essa perspectiva significa tratar o pedido de regularidade fiscal como necessariamente acessório ao pedido de anulação do débito, quando, na verdade, são completamente autônomos e independentes.

Embora se esteja diante de um novo diploma processual, o cabimento de ação de procedimento comum para se formular tal pretensão encontra respaldo em garantias e princípios fundamentais do direito processual civil, quais sejam (i) a garantia de inafastabilidade do controle jurisdicional, que possibilita a qualquer jurisdicionado o acesso ao Poder Judiciário em situação de ameaça ou lesão a direito (art. 5º, XXXV, CF/1988; art. 3º, CPC/2015) e (ii) a garantia de liberdade que, no âmbito processual, materialize-se no princípio da demanda, no princípio dispositivo e no princípio da congruência, para estabelecer que cabe à parte dar início ao processo e deduzir a causa de pedir e os pedidos à sua conveniência, devendo o juiz decidir nos limites da demanda e nos termos do direito vigente.

Como já narrado, os contribuintes diariamente se deparam com a situação de estarem impossibilitados de emitir certidão de regularidade fiscal em razão da existência de débitos exigíveis, mas ainda não executados. Ocorre que a maioria dos entes federados não disponibiliza qualquer procedimento para que os contribuintes de boa-fé possam oferecer garantias dos débitos cuja discussão se encerrou na esfera administrativa e, assim, evitar os citados percalços.

Nesse contexto, indaga-se: há lesão ou ameaça a direito que justifique requerer tutela jurisdicional? A resposta é definitivamente afirmativa.

No hiato existente entre o encerramento da esfera administrativa e o ajuizamento da execução fiscal – destacando-se que a Fazenda dispõe de 5 (cinco) anos para tal –, o contribuinte se vê impedido de garantir o débito e, consequentemente, lhe é denegada a emissão de certidão de regularidade fiscal, o que acaba por impedir o regular desenvolvimento de suas atividades. A situação criada pelo próprio ente estatal resulta em clara lesão de direito.

É cediço que o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal e o art. 3º do CPC/2015 dispõem que não se excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Trata-se do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional. E é mediante o sistema processual que o Estado exercerá sua função pacificadora, escopo magno da jurisdição17.

É importante frisar que as possibilidades de ação e defesa não são suscetíveis de enquadramento em categorias estanques, de modo a estarem exaustivamente previstas em lei. Justificada a atuação do sistema judiciário, este estará aberto a pretensões de toda ordem, com ou sem tipificação legal18.

Nada obstante, para ter seu direito tutelado, é indispensável que o autor demonstre uma pretensão idônea a ser objeto da tutela jurisdicional. Embora o CPC/2015 não utilize a expressão “condições da ação”, continua a dispor que “para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade” (art. 17). Sendo certo que não exsurgem maiores problemas acerca da legitimidade no que tange à situação sob análise, cumpre-nos tecer algumas considerações sobre o interesse processual.

Humberto Theodoro Jr.19 explica que o interesse processual se localiza especificamente na “necessidade do processo como remédio apto à aplicação do direito objetivo ao caso concreto”. Na mesma linha, Barbosa Moreira20 resumiu o interesse de agir no binômio necessidade e utilidade da tutela jurisdicional, ao exigir que esta seja o único meio para se atender à pretensão da parte e também que seja apta a gerar efeitos práticos.

A necessidade do processo no caso descrito é inegável haja vista que, conforme já exposto, enquanto não ajuizada a execução fiscal, não resta outra alternativa ao contribuinte para obtenção de sua regularidade fiscal. A utilidade do provimento jurisdicional também é clara, pois é a partir da decisão que poderá obter certidão de regularidade fiscal e dar continuidade às suas atividades.

É certo, ainda, que parcela da doutrina considera que a ausência de interesse de agir pode decorrer de inadequação da via eleita. Isto é, diz-se que não há interesse quando se pede medida jurisdicional que não esteja adequada segundo a lei21. Outros defendem que a adoção de procedimento equivocado estaria em âmbito diverso, atinente aos pressupostos processuais22.

Independentemente de se situar no âmbito do interesse de agir ou dos pressupostos processuais – sendo certo que esta discussão ultrapassa o âmbito deste estudo –, cumpre analisar o critério de adequação da via processual eleita pelo contribuinte para formular a pretensão aqui examinada.

Está-se a tratar, repita-se, da hipótese em que o contribuinte ajuíza ação de procedimento comum para pleitear que determinado débito não seja óbice à sua regularidade fiscal. Pede-se, especialmente, que seja determinada a expedição de certidão positiva com efeitos de negativa, nos termos do art. 206 do CTN.Não havendo no ordenamento vigente previsão de procedimento especial para se deduzir tal pretensão, cabe à parte valer-se do procedimento comum, conforme preceitua o art. 318 do CPC/2015.

Não há qualquer dúvida de que a pretensão do contribuinte à obtenção de tutela jurisdicional para fins de garantir sua regularidade fiscal é plenamente legítima. Pelo aspecto material, encontra respaldo no já citado art. 206 do CTN. Já a questão processual se resolve no art. 318, que prevê a aplicação subsidiária do procedimento comum a todas as causas.

O equívoco do entendimento que vem crescendo no Tribunal de Justiça de São Paulo, com as devidas vênias, está em entender que somente o procedimento cautelar antecedente, seguido do aditamento para conversão em ação anulatória de débito fiscal seria adequado à pretensão do contribuinte. Ora, se mantida essa orientação, o Poder Judiciário estará obrigando a parte a pleitear algo que não pretende obter no momento – a anulação do débito.

A questão fulcral aqui é que processo civil brasileiro está pautado no princípio da demandae noprincípio dispositivo, que nada mais são que desdobramentos da liberdade do jurisdicionado. Conforme explica a doutrina, “o direito de ação constitui também uma projeção do princípio da liberdade, na medida em que a decisão de propor ou não uma ação em juízo e delimitar o mérito da controvérsia constituem faculdades reservadas ao juízo de conveniência e oportunidade da parte interessada”23.

Não se pretende aqui invocar a já superada concepção privatística do processo, resumida pelo brocado iudex iudicare debet secundum allegata parium, pois a cognição do juiz não está adstrita ao que é alegado pelas partes. Entretanto, isso não quer dizer que a atividade jurisdicional possa ser exercida de forma ilimitada. José Rogério Cruz e Tucci defendem veementemente que deve ser combatida qualquer tentativa de romper o paradigma de inércia da jurisdição24.

Em suma, o juiz poderá exercer livremente sua cognição, nos limites do pedido e da causa de pedir deduzidos nos autos25.

Os sistemas processais modernos não adotam puramente nem o princípio inquisitivo (que atribui ao juiz a instauração e o desenvolvimento do processo) nem o princípio dispositivo (que atribui às partes toda a iniciativa, seja à instauração ou ao impulso do processo). As legislações processuais adotam preceitos mistos26. Nada obstante, ainda que à luz do processo civil moderno o juiz esteja dotado de poderes para conhecer de ofício questões de fato e de direito que não tenham sido alegadas pelas partes, no processo liberal, cabe exclusivamente à parte decidir se deseja demandar em juízo e, caso positivo, poderá delimitar livremente o pedido e a causa de pedir27.

Daí se extrai também a regra da congruência ou da adstrição, que veda ao juiz conhecer de alegações a cujo respeito se exige iniciativa das partes e determina, ainda, que a tutela jurisdicional seja outorgada nos limites do pedido (arts. 141 e 492 do CPC/2015). Isso quer dizer que, a despeito dos poderes de que é dotado o juiz, quando se está a tratar da instauração da relação processual e da definição do objeto do processo, prevalece o princípio dispositivo28.

É claro que a liberdade do jurisdicionado há de ser exercida nos termos da lei processual. Por exemplo, se pretende o locador reaver determinado imóvel em razão do descumprimento do contrato de locação, não poderá postular tal pretensão por meio de procedimento diverso da ação de despejo (art. 5º da Lei 8.245/1991). Por outro lado, nada lhe impede de ajuizar ação de procedimento comum para questionar termos do contrato de locação sem pleitear o despejo.

Na situação fática aqui discutida, a crise de direito material existente diz respeito, naquele momento, exclusivamente à recusa do Estado em emitir certidão de regularidade fiscal em nome do contribuinte em razão de determinado débito ainda não executado.

É verdade que o contribuinte poderia ajuizar ação anulatória do débito fiscal e apresentar garantia no seu bojo.

Sim. Poderia!

Todavia, decide fazê-lo ou não a seu juízo de conveniência e oportunidade, exclusivamente.

Veja-se bem. O contribuinte pode entender conveniente ou não iniciar a discussão meritória em torno da anulação de um débito fiscal em exigência por diversos motivos: pode não desejar impugnar a cobrança e está angariando recursos para quitar a dívida; por esse mesmo motivo, decide não contratar advogados para a discussão meritória que entende injustificada; evita também o risco de condenação em honorários sucumbenciais elevados; pode estar ainda levantando prova documental necessária à sua defesa etc.

Ou seja, há uma miríade de razões relacionadas à decisão do contribuinte nas quais não cabe ao Poder Judiciário adentrar. Entretanto, o mais comum dos motivos recai novamente na matéria processual.

Ao antecipar a discussão meritória por meio de ação anulatória, oferecendo garantia, o contribuinte vê resguardada a sua regularidade fiscal, mas não impede o ajuizamento da execução fiscal. Isso porque, em se tratando de garantias, apenas o depósito integral se revela garantia apta a suspender a exigibilidade do débito, conforme consolidada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Desse modo, no curso da ação anulatória, sobrevirá execução fiscal. Em regra, a garantia, inicialmente oferecida na ação anulatória, é trasladada para o feito executivo. Abre-se, assim, o prazo para oposição de embargos à execução fiscal, cabendo ao contribuinte escolher o problema que agora deseja enfrentar: (i) deixar o prazo transcorrer in albis e correr o risco de que a execução prossiga definitivamente, pois nem sempre o juízo da execução e a Fazenda reconhecem que a ação anulatória faz as vezes dos embargos à execução fiscal ou (ii) opor os embargos à execução e se deparar com os óbices da litispendência entre estes e a ação anulatória29.

Por razões meramente jurídicas, portanto, o desejável é que se aguarde o curso normal das coisas e que a defesa seja apresentada pela via dos embargos à execução fiscal, em momento oportuno. Até lá, é dado ao contribuinte se valer de outro procedimento apenas com o intuito de ver tutelada sua regularidade fiscal.

A questão crucial é que se o contribuinte exerceu apenas a pretensão à regularidade fiscal, em forma e condições legítimas, o Poder Judiciário não pode se furtar à prestação da tutela jurisdicional, sob o pretexto de que deveria ter sido ajuizada ação anulatória. Obrigar o contribuinte a formular pretensão que não lhe convém no momento afronta não apenas princípios do direito processual civil, mas o seu próprio direito de liberdade.

Na cirúrgica conclusão de José Rogério Cruz e Tucci, não cabe ao juiz transportar para o processo interesses estranhos à relação jurídica deduzida em juízo, sob pena de se tornar, indevidamente, não apenas protagonista da direção do processo, mas, também, da própria sorte do objeto litigioso30.

Nesse contexto, conclui-se que o entendimento do e. STJ, firmado no supracitado recurso repetitivo (REsp 1.123.669/RS), não está superado. Sempre se autorizou o ajuizamento de ação autônoma para fins de se resguardar a regularidade fiscal do contribuinte. Se no CPC/1973 já se concluía ser despiciendo seguir o procedimento cautelar (e ajuizar ação principal), isso permanece verdadeiro no CPC/2015. Não há que se cogitar de obrigar o contribuinte a se valer do procedimento de tutela cautelar antecedente, acompanhado do ajuizamento de ação anulatória.

A bem da verdade, corrige-se o que antes se chamava de cautelar satisfativa – mas cautelar não era –, e passa-se a valer do procedimento comum, objetivando-se nada mais que a aplicação do direito material à situação fática exposta nos autos. A crise de direito material limita-se à negativa de certidão de regularidade fiscal e é apenas esta que precisa ser resolvida. Para tanto, o procedimento comum mostra-se útil, adequado e necessário.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tema aqui abordado é relevante não apenas porque se trata de uma situação corriqueira e, portanto, enfrentada continuamente por milhares de contribuintes, mas especialmente porque revela traços de um processo civil autoritário, em que o Poder Judiciário tenta impor ao jurisdicionado o caminho a ser trilhado. A situação seria menos grave se a imposição se limitasse a escolhas processuais, mas o que se viu é que o Poder Judiciário, por vezes, até mesmo determina os contornos do pedido. Esquece-se de que a demanda é iniciada e delimitada exclusivamente pelas partes.

A evolução da ciência processual de modo a assumir caráter mais publicístico, observando-se os diversos escopos do processo, os quais, verdadeiramente, vão muito além dos interesses particulares das partes diretamente envolvidas, não deve resultar em extremos. A jurisdição deve assumir a condução do processo, mas nunca a definição do objeto litigioso.

A concepção norteadora, mais uma vez, está na instrumentalidade. O processo é apenas meio para se viabilizar o acesso ao bem da vida. Isso significa que é o processo que deve se adequar de modo a possibilitar a tutela dos direitos múltiplos e cambiantes da contemporaneidade, mas jamais impor ou limitar os pedidos de tutela, de modo que estes se adequem às categorias processuais existentes na lei.

Sobre o autor

Michel Hernane Noronha Pires – Mestrando em Direito Processual Civil na PUC-SP; Professor dos cursos de pós-graduação da PUC-MG; Advogado. – michel@maneira.adv.br


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALVIM, Teresa Arruda. Embargos de declaração: como se motiva uma decisão judicial? 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018.

BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, v. V.

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2014.

CRUZ & TUCCI, José Rogério. Contra o Processo Autoritário. Revista de Processo, v. 242, p. 49-67, abr. 2015.

DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria geral do novo processo civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2018.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2017. v. II.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: teoria do processo civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. v. 1.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. v. 2.

MACÊDO, Lucas Buril de. Influência do Sistema Brasileiro de Precedentes no Interesse Recursal. In: NERY-JUNIOR, Nelson; ALVIM, Teresa Arruda. Aspectos polêmicos dos recursos cíveis e assuntos afins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. v. 13.

NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

SICA, Heitor Vitor Mendonça. O direito de defesa no processo civil brasileiro: um estudo sobre a posição do réu. São Paulo: Atlas, 2011.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015. v. I.


NOTAS

1 No mesmo sentido, citem-se os seguintes acórdãos: TJSP, Apelação 1015098-15.2019.8.26.0625, 13ª Câmara de Direito Público, j. 07.06.2021; TJSP, Apelação 2054077-95.2018.8.26.0000, 12ª Câmara de Direito Público, j. 18.06.2018; TJSP, Apelação 1009430-33.2019.8.26.0053, 2ª Câmara de Direito Público, j. 28.05.2019.

2 TJSP, Apelação 1010326-13.2018.8.26.0053, 13ª Câmara de Direito Público, 20.02.2019.

3 STJ, REsp 1.123.669/RS, 1ª Seção, Rel. Min. Luiz Fux, j. 09.12.2009, DJe 1º.02.2010.

4 “Art. 796. O procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre dependente.”

5 “Art. 806. Cabe à parte propor a ação, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data da efetivação da medida cautelar, quando esta for concedida em procedimento preparatório.”

“Art. 808. Cessa a eficácia da medida cautelar:

I – se a parte não intentar a ação no prazo estabelecido no art. 806;”

6 NERY, Nelson Nery. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 1156.

7 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 160-161.

8 “Nos termos da jurisprudência desta Corte, a sentença proferida no processo cautelar, porquanto não definitiva de litígio, em virtude da sua natureza acessória e provisória, não se reveste da imutabilidade característica da coisa julgada material. Precedentes” (AgInt no AREsp 1350926/MG, 3ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. 16.03.2020, DJe 19.03.2020).

A jurisprudência nesse sentido decorre de uma interpretação do art. 810 do CPC/1973, que assim dispunha: “Art. 810. O indeferimento da medida não obsta a que a parte intente a ação, nem influi no julgamento desta, salvo se o juiz, no procedimento cautelar, acolher a alegação de decadência ou de prescrição do direito do autor”.

9 No entendimento pacífico do STJ, apenas o depósito integral e em dinheiro suspende a exigibilidade do crédito tributário (Súmula 112). Isso quer dizer que, diante do oferecimento de qualquer outra garantia, a Fazenda Pública não ficará obstada de ajuizar a respectiva execução fiscal e prosseguir com a cobrança do débito.

10 Ao tratar dos supostos limites temporais da coisa julgada, Humberto Theodoro Júnior esclarece: “Na verdade, contudo, não é o efeito da sentença que é temporário, nem muito menos é a res iudicata que se extingue ao final de determinado momento. É o objeto do julgado que desparece e, por isso, o comando sentencial deixa de atuar, não por ter extinguido sua força, mas por não ter mais sobre o que incidir. Entretanto, o acertamento do feito, em face da situação fático-jurídica apurada no tempo a sentença, continuará imutável e indiscutível, para sempre. Se algum novo julgamento vier a acontecer entre as partes, já não será sobre o mesmo objeto, visto que a relação jurídica litigiosa estará envolvendo elementos novos que não foram apreciados na sentença anterior. Operará para o futuro, então para o passado, este, sim, vinculado à coisa julgada” (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015, v I, p. 1136).

11 “2. Consoante precedentes desta Corte, é satisfativa a medida cautelar proposta pelo contribuinte que visa o oferecimento de caução para emissão de certidão positiva com efeito de negativa, visto que a caução dada em garantia seria adequadamente convolada no porvir em penhora, de modo que a natureza satisfativa torna desnecessária a postulação da ação principal. (STJ, AgRg no REsp 1.485.356/ES, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, j. 04.12.2014, DJe 12.12.2014).

12 Demandas em que o pedido final de confunde com o que se pleiteia em sede de urgência são absolutamente comuns no direito pátrio. Tanto é assim que o CPC/2015 passou a prever a possibilidade de estabilização da tutela antecipada (art. 304), tornando despiciendo que o processo continue a tramitar. É que muitas vezes o demandante se satisfaz com a medida urgente concedida, não havendo qualquer interesse em dar continuidade ao procedimento, apenas para que seja proferida sentença confirmando a tutela já concedida anteriormente. Note-se que o Código acertadamente fala em estabilização da tutela antecipada (tida como aquela que possibilita o gozo do próprio bem da vida almejado) e não de estabilização de tutela cautelar (que tem como objetivo assegurar a utilidade de demanda futura). Isto é, tais medidas acabam por permitir a efetivação direta do direito material almejado, o que se afina com o procedimento comum, não com o processo cautelar.

13 No direito processual brasileiro, para fins de identificação da causa de pedir, são os fatos que assumem real importância: “Embora a lei se refira à causa de pedir como ‘os fatos e os fundamentos do pedido’ (CPC, art. 319, inc. III), é mínima a relevância dos fundamentos jurídicos como fator de identificação das demandas. Pela perspectiva da causa de pedir, é nos fatos alegados que reside o grande poder de identificação. É essa narrativa que vincula o juiz, não podendo ele decidir com apoio em fatos não narrados – e tal é o conteúdo da teoria da substanciação, de prevalente aceitação na doutrina brasileira” (DINAMARCO, Cândido Rangel; LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Teoria geral do novo processo civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 173).

14 “Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.”

15 A sentença condenatória “é dotada de comando dirigido ao réu, impondo-lhe o comportamento previsto no direito material” (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 536).

16 José Roberto dos Santos Bedaque defende que a classificação ternária é suficiente para distinguir as espécies de tutela jurisdicional, dividindo-as em declaratória, constitutiva e condenatória (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 531-545). Ressaltando a utilidade e necessidade da distinção entre a tutela condenatória e as tutelas mandamentais e executivas lato sensu e defendendo, portanto, a classificação quinária, veja-se: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, v. 2. p. 473-480; ALVIM, Teresa Arruda. Embargos de declaração: como se motiva uma decisão judicial? 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 95-108.

17 CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 42-43.

18 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2017, v. II, p. 381-382.

19 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015, v. I, p. 160.

20 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, v. V, p. 298.

21 Para uma análise do interesse-adequação, veja-se: DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2017, v. II, p. 353-356.

22 Para uma análise acerca da adequação como elemento do interesse de agir ou como pressuposto processual, ver: MACÊDO, Lucas Buril de. Influência do Sistema Brasileiro de Precedentes no Interesse Recursal. In: NERY-JUNIOR, Nelson; ALVIM, Teresa Arruda. Aspectos polêmicos dos recursos cíveis e assuntos afins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, v. 13, p. 347-348.

23 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil: teoria do processo civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, v. 1, p. 276.

24 “A moderna concepção publicística do processo não implica dilatação do poder estatal, mediante o exercício ilimitado da atividade jurisdicional, mas, sim, pressupõe a existência de um juiz, independe e imparcial, na direção dos atos processuais, seguindo normas legais predispostas, tendentes a tutelar direitos que reclama proteção, submetidos à cognição do Poder Judiciário por exclusiva iniciativa dos respectivos titulares ou de quem é legitimado a agir em nome próprio defendendo interesses alheios. Viceja destarte a instrumentalidade do processo como vetor institucionalizado em prol da efetivação do direito material” (CRUZ & TUCCI, José Rogério. Contra o Processo Autoritário. Revista de Processo, v. 242, p. 49-67, abr./2015).

25 SICA, Heitor Vitor Mendonça. O direito de defesa no processo civil brasileiro: um estudo sobre a posição do réu. São Paulo: Atlas, 2011, p. 153.

26 “Se o interesse em conflito é das partes, podem elas renunciar à tutela, como podem renunciar a qualquer direito patrimonial privado. Daí a liberdade de procurar ou não a prestação jurisdicional, bem como de exercitar ou não as defesas e faculdades que a relação processual lhes enseja. Contudo, uma vez deduzida a pretensão em juízo, já existe outro interesse que passa a ser de natureza pública e que consiste na preocupação da justa composição do litígio, segundo o direito material vigente, dentro do menor tempo possível” THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015, v. I, p. 71.

27 Ibidem, p. 154.

28 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2015, v. I, p. 73.

29 O STJ possui ampla jurisprudência no sentido de que há litispendência entre ação anulatória de débito fiscal e embargos à execução fiscal quando ocorrer identidade de partes, de pedido e de causa de pedir.

Nesse sentido, veja-se: AgInt no AgInt no AREsp 1.041.483/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 15.12.2017; EDcl no AREsp 548.006/SC, 1ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 08/05/2019.

30 CRUZ & TUCCI, José Rogério. Contra o processo autoritário. RePro, v. 242, p. 49-67, abr./2015.

I) Normas técnicas para apresentação do trabalho:

  1. Os originais devem ser digitados em Word (Windows). A fonte deverá ser Times New Roman, corpo 12, espaço 1,5 cm entre linhas, em formato A4, com margens de 2,0 cm;
  2. Os trabalhos podem ser submetidos em português, inglês, francês, italiano e espanhol;
  3. Devem apresentar o título, o resumo e as palavras-chave, obrigatoriamente em português (ou inglês, francês, italiano e espanhol) e inglês, com o objetivo de permitir a divulgação dos trabalhos em indexadores e base de dados estrangeiros;
  4. A folha de rosto do arquivo deve conter o título do trabalho (em português – ou inglês, francês, italiano e espanhol) e os dados do(s) autor(es): nome completo, formação acadêmica, vínculo institucional, telefone e endereço eletrônico;
  5. O(s) nome(s) do(s) autor(es) e sua qualificação devem estar no arquivo do texto, abaixo do título;
  6. As notas de rodapé devem ser colocadas no corpo do texto.

II) Normas Editoriais

Todas as colaborações devem ser enviadas, exclusivamente por meio eletrônico, para o endereço: revista.forense@grupogen.com.br

Os artigos devem ser inéditos (os artigos submetidos não podem ter sido publicados em nenhum outro lugar). Não devem ser submetidos, simultaneamente, a mais do que uma publicação.

Devem ser originais (qualquer trabalho ou palavras provenientes de outros autores ou fontes devem ter sido devidamente acreditados e referenciados).

Serão aceitos artigos em português, inglês, francês, italiano e espanhol.

Os textos serão avaliados previamente pela Comissão Editorial da Revista Forense, que verificará a compatibilidade do conteúdo com a proposta da publicação, bem como a adequação quanto às normas técnicas para a formatação do trabalho. Os artigos que não estiverem de acordo com o regulamento serão devolvidos, com possibilidade de reapresentação nas próximas edições.

Os artigos aprovados na primeira etapa serão apreciados pelos membros da Equipe Editorial da Revista Forense, com sistema de avaliação Double Blind Peer Review, preservando a identidade de autores e avaliadores e garantindo a impessoalidade e o rigor científico necessários para a avaliação de um artigo.

Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:

  1. adequação à linha editorial;
  2. contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
  3. qualidade da abordagem;
  4. qualidade do texto;
  5. qualidade da pesquisa;
  6. consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
  7. caráter inovador do artigo científico apresentado.

Observações gerais:

  1. A Revista Forense se reserva o direito de efetuar, nos originais, alterações de ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores.
  2. Os autores assumem a responsabilidade das informações e dos dados apresentados nos manuscritos.
  3. As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva responsabilidade.
  4. Uma vez aprovados os artigos, a Revista Forense fica autorizada a proceder à publicação. Para tanto, os autores cedem, a título gratuito e em caráter definitivo, os direitos autorais patrimoniais decorrentes da publicação.
  5. Em caso de negativa de publicação, a Revista Forense enviará uma carta aos autores, explicando os motivos da rejeição.
  6. A Comissão Editorial da Revista Forense não se compromete a devolver as colaborações recebidas.

III) Política de Privacidade

Os nomes e endereços informados nesta revista serão usados exclusivamente para os serviços prestados por esta publicação, não sendo disponibilizados para outras finalidades ou a terceiros.


LEIA TAMBÉM:

Assine nossa Newsletter

Li e aceito a Política de privacidade

GENJURÍDICO

De maneira independente, os autores e colaboradores do GEN Jurídico, renomados juristas e doutrinadores nacionais, se posicionam diante de questões relevantes do cotidiano e universo jurídico.

Áreas de Interesse

ÁREAS DE INTERESSE

Administrativo

Agronegócio

Ambiental

Biodireito

Civil

Constitucional

Consumidor

Direito Comparado

Direito Digital

Direitos Humanos e Fundamentais

ECA

Eleitoral

Empreendedorismo Jurídico

Empresarial

Ética

Filosofia do Direito

Financeiro e Econômico

História do Direito

Imobiliário

Internacional

Mediação e Arbitragem

Notarial e Registral

Penal

Português Jurídico

Previdenciário

Processo Civil

Segurança e Saúde no Trabalho

Trabalho

Tributário

SAIBA MAIS

    SAIBA MAIS
  • Autores
  • Contato
  • Quem Somos
  • Regulamento Geral
    • SIGA