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Ainda existe ação de interdição no CPC/2015?
02/04/2018
Ainda que excepcionalmente possa se valer de institutos assistenciais e protetivos como o da curatela e o da tomada de decisão apoiada, doravante o deficiente é considerado pessoa capaz, podendo celebrar contratos (art. 104, I, do CC), casar (art. 1517 do CC), propor ação nos Juizados Especiais (art. 8.º da Lei n.º 9.099/1995) etc.
Tanto que, além da exclusão dos deficientes do rol de pessoas absolutamente incapazes (art. 3.º do CC, com redação dada pela Lei n.º 13.146/2015), o art. 84 da referida lei é categórico: “A pessoa com deficiência tem assegurado o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas”.
Diante da consideração do deficiente como pessoa capaz, discute-se na doutrina (no foro a discussão só agora se inicia) se ainda sobrevivem no CPC/2015 as disposições que disciplinam a ação de interdição (art. 747 e ss. do CPC).
A interdição tem por finalidade vedar o exercício dos atos da vida civil pela pessoa com deficiência mental ou intelectual, impondo-se a mediação de seu curador. Como a pessoa com deficiência não é mais considerada absolutamente incapaz – tanto quanto aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; pelos ébrios habituais e os viciados em tóxico; e pelos pródigos (art. 1.767 do CC, com redação pela Lei n.º 13.146/2015) –, tem-se que, doravante, inexiste no País a figura da interdição e, por consequência, ação para este fim[1]. Inclusive pela carga pejorativa por detrás da expressão “interdito”.
Tanto que a Lei n.º 13.146/2015 não emprega a expressão “interdição” nenhuma vez. E o CC, nos dispositivos que sobejaram após o tsunamilegislativo que se abateu sobre a disciplina da curatela (CPC/2015 e Estatuto do Deficiente), apenas emprega o termo “interdição” em dois dispositivos de menor importância olvidados nas reformas (arts. 1.775 e 1.782).
Conforme já vaticinamos outrora[2], a afirmação de que não existe mais interdição deve ser, todavia, compreendida nos seus devidos termos.
Não se declara mais que quaisquer das pessoas referidas no art. 1.767 do CC seja inapta para todos os atos da vida civil (tanto quanto já ocorria com o pródigo – art. 1.782 do CC), nomeando curador para geri-la por inteiro. Os relativamente incapazes, especialmente o deficiente, poderão excepcionalmente precisar de apoio para a tomada de decisões para assuntos de natureza negocial e patrimonial, a lhe ser prestado por pessoas eleitas pelo Judiciário (curador) ou pelo próprio deficiente.
Por isso, o procedimento especial previsto no art. 747 e ss. do CPC/2015 – ainda que se valendo de título ultrapassado e prejudicado (interdição) –, não é despiciendo. Continua necessário e hígido, não mais, evidentemente, para a decretação da interdição (incapacidade absoluta). Servirá para o reconhecimento da incapacidade relativa para certos atos e maneira de exercê-los (art. 3.º, do CC, com redação pela Lei n.º 13.146/2015), bem como para a nomeação de curador com poderes restritos, exclusivamente, para os atos de natureza patrimonial e negocial. O art. 85 e §§ da Lei n.º 13.146/2015 é bastante claro a este respeito: “A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial”, não alcançando “o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto”.
A depender do grau de incapacidade da pessoa com deficiência, dois são os meios para que ela possa receber, extraordinariamente (art. 85, § 2º, da Lei 13.146/2015), assistência na gestão de seus negócios e patrimônio, rememorando que o deficiente é tido como pessoa capaz de tomar suas próprias decisões.
Nos casos de deficiência mais acentuada, será utilizado o instituto da curatela, obedecendo a nomeação do curador ao procedimento previsto nos arts. 747 a 763 do CPC/2015 (regente da não mais existente interdição), e ao disposto nos arts. 1.767 e 1.783 do CC.
Já sendo a incapacidade de menor grau, o deficiente se valerá do instituto da tomada de decisão apoiada (art. 1.783-A do CC, com redação dada pela Lei n.º 13.146/2015). Por ser dotada de grau de discernimento que permita a indicação dos seus apoiadores, o deficiente, até então sujeito à interdição e curatela geral, poderá se valer deste instituto menos invasivo em sua esfera existencial, no qual elegerá pelo menos duas pessoas idôneas, com as quais mantenha vínculos e que gozem de sua confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os elementos e informaço?es necessários para que possa exercer sua capacidade. Acredita-se que o procedimento para o requerimento da tomada de decisão apoiada seguirá o disposto nos arts. 720 a 724 do CPC/2015, à míngua de previsão especial, fazendo-se as devidas adaptações procedimentais necessárias para a tutela desta nova situação de direito material.[3]
Em resumo, pese a inexistência de ação de interdição propriamente dita após a vigência da Lei 13.146/2015 (opção que, para alguns, é bastante criticável[4]), os dispositivos do CPC/2015 (arts. 747/763) continuam úteis para a tutela do procedimento para nomeação de curador ou de apoiadores ao deficiente.
[1] LÔBO. Paulo. Com avanço legal pessoas com deficiência mental não são mais incapazes. Conjur, 16 ago. 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-ago-16/processo-familiar-avancos-pessoas-deficiencia-mental-nao-sao-incapazes>
[2] GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC/2015 (em co-autoria com Luiz Dellore, Andre Roque e Zulmar Duarte). São Paulo: Método, 2016, p. 1291.
[3] A respeito cf. GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC/2015 (em co-autoria com Luiz Dellore, Andre Roque e Zulmar Duarte). São Paulo: Método, 2016, p.1293 e ss.
[4] SIMÃO, José. Estatuto da Pessoa com Deficiência causa perplexidade (partes 1 e 2). Conjur. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-ago-06/jose-simao-estatuto-pessoa-deficiencia-causa-perplexidade e https://www.conjur.com.br/2015-ago-07/jose-simao-estatuto-pessoa-deficiencia-traz-mudancas.