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CLÁSSICOS FORENSE
PROCESSO CIVIL
REVISTA FORENSE
A assistência no regime do Código de Processo Civil, de A. LOPES DA COSTA
Revista Forense
05/12/2023
SUMÁRIO: O estado da questão. Art. 93 do Cód. de Proc. Civil. A assistência na legislação anterior às codificações estaduais. A assistência nos Códigos estaduais de processo civil. A assistência no Cód. de Proc. Civil unitário. A assistência qualificada. A assistência simples. A parificação das duas assistências no Código nacional. O tratamento das duas espécies como assistência simples. O tratamento das duas espécies como assistência autônoma. A posição processual do assistente simples. A exegese dos artigos 89 e 90 do Cód. de Proc. Civil. Conclusões.
I. O ESTADO DA QUESTÃO
A assistência está no Cód. de Processo Civil regulada num só texto – o do artigo 93:
“Quando a sentença houver de influir na relação jurídica entre qualquer das partes e terceiro, êste poderá intervir no processo como assistente, equiparado ao litisconsorte”.
Como se vê, ali não se distinguem as duas conhecidas espécies de assistência – a assistência simples ou subordinada e a assistência qualificada, autônoma ou litisconsorcial.
A lei só conhece uma figura de assistência, caracterizada pela conotação enumerada: uma relação jurídica entre o terceiro e uma das partes; a influência que sôbre essa relação tenha a sentença a proferir na causa.
Sem embargo dêsse aspecto, simples à primeira vista, o art. 93 abre margem a várias dúvidas: a) aboliu a assistência simples? b) conservou ambas as espécies, apenas mandando tratá-las da mesma maneira?
Sôbre elas justamente agora, em sua tese de concurso à cadeira de Direito Judiciário Civil, na Faculdade da Universidade do Brasil, chama atenção GUILHERME ESTELITA (“Do litisconsórcio no direito brasileiro”, 1955, pág. 225).
Pela eliminação da assistência simples, manifestam-se PEDRO BATISTA MARTINS (“Comentários ao Código de Processo Civil”, ed. “REVISTA FORENSE”, vol. I, ns. 238 e 240; GABRIEL DE RESENDE FILHO, “Curso de Processo Civil”, volume I, nº 345; ENRICO LIEBMAN, nota I à pág. 327 do vol. II das “Instituições de Processo Civil” de CHIOVENDA, trad. MENEGALE; CARVALHO SANTOS, “Código de Processo Civil Interpretado”, volume I, nota 2 ao art. 93).
Já DE PLÁCIDO E SILVA escreve que “a figura é a mesma já discutida na legislação anterior” (“Comentários ao Código de Processo Civil”, nota 221 ao art. 293).
II. A ASSISTÊNCIA NA LEGISLAÇÃO ANTERIOR ÀS CODIFICAÇÕES ESTADUAIS
Sôbre a assistência dispunha a Ordenação Filipina do Livro III, Título XX, § 32:
“E vindo alguma parte assistir ao autor ou ao réu, será obrigada a tomar o efeito nos têrmos em que estiver, sem ser ouvido acêrca do que já foi processado, pôsto que o pretenda ser per via de restituição ou per outro qualquer modo. E se a assistência fôr depois de ser dada sentença na mor alçada, poderá o assistente, per via de restituição ou por outro modo jurídico alegar contra a dita sentença o que lhe parecer acêrca do prejuízo, que ela lhe faz, sem o principal contra quem se deu a sentença ser ouvido como parte, nem se tratar de seu interêsse”.
A Ordenação não dava, como se vê, os requisitos que devessem legitimar o direito à intervenção em primeira instância. Nem exemplificava. Referia, porém, a apelação do terceiro prejudicado, que é intervenção na instância do recurso, e de que tratou a Ordenação do Livro III, Título LXXXI, condicionando-a à existência de um prejuízo que da decisão adviesse ao terceiro e exemplificando com os casos da ação de nulidade do testamento, com a apelação do legatário (proêmio), da apelação do fiador contra a sentença desfavorável ao devedor (§ 1), da apelação do fiador do vendedor contra a sentença que trouxesse a evicção do comprador (§ 2), acrescentando: “quaisquer outros (casos) semelhantes”.
A construção, defeituosa, era de certo modo semelhante à do direito francês. O Code de Procédure só trata da assistência quando da intervenção no recurso de apelação, que o art. 466 restringia ao caso em que o terceiro tivesse direito à tierce opposition e que a lei de 23 de maio de 1942 estendeu, permitindo-a ao terceiro que na apelação tivesse interêsse (MOREL, “Traité élémentaire de procédure civile”, nº 365).
Foi a jurisprudência que admitiu a assistência em primeira instância, por argumento a fortiori (MOREL, ob. cit.). Melhor é prevenir que remediar.
Era nos exemplos da citada Ordenação para a apelação do terceiro prejudicado que os autores procuravam os casos de assistência em primeira instância (PEREIRA E SOUSA, “Primeiras Linhas”, nota 173; ALMEIDA E SOUSA, “Segundas Linhas”, nota 173; JOÃO MONTEIRO, “Curso”, vol. III, 407, nota 3).
O reg. nº 737, de 1850 (art. 124), condicionou o direito de intervenção do assistente a um “interêsse” na causa, exemplificando com os casos do fiador, do sócio, do condômino, do vendedor da coisa demandada.
Êsse “interêsse” correspondia ao “prejuízo” de que falava a Ordenação citada. Era a possibilidade do terceiro sofrer prejuízo oriundo da sentença desfavorável ao assistido.
E devia ser jurídico, como o evidenciam os exemplos das Ordenações Filipinas e do citado artigo do reg. nº 737.
O art. 123 dêsse regulamento definia o assistente como “aquêle que intervém no processo, para defender o seu direito juntamente com o do autor ou do réu”.
Era a definição de MELO FREIRE:
“Adsistens, qui et suam, et alienam causam defendit, is dicitur, qui judicio adcedit actoris, vel rei adjuvandi gratia” (“Institutiones juris civilis lusitani”, IV-VIII, § IV).
Como PEREIRA E SOUSA (“Primeiras linhas”, § 21), AURELIANO DE GUSMÃO a censura. Não é o direito do assistente objeto da ação, mas o direito do assistido. O assistente tem apenas interêsse no reconhecimento do direito da parte a quem assiste (“Processo Civil e Comercial”, I, 509).
É daquelas questões em que é necessário um distingo. Basta subentender um advérbio para que a dúvida se resolva.
O assistente defende um direito próprio indiretamente, desde que defendendo diretamente o direito do assistido alcança resguardar-se de um prejuízo.
Na intervenção, por exemplo, do fiador na ação de cobrança contra o devedor, o que está em causa, a res in iudicio deducta, é a dívida, a obrigação principal, não a responsabilidade do garante.
Mas se a decisão fôr desfavorável ao autor, terá desaparecido a dívida e, com ela, por ser seu acessório, a fiança.
É principalmente essa defesa indireta que explica a finalidade da assistência.
“Está menos na direção do processo, em auxílio da parte principal, que evitar a uma relação jurídica do assistente prejudiciais conseqüências de ser vencida a parte assistida” (ROSENBERG, “Lehrbuch”, § 46).
No exemplo da fiança, não é a responsabilidade do fiador que está como objeto da ação. A sentença nada pode decidir sôbre a fiança.
O que o fiador, assistente, é obrigado a aceitar, não mais podendo discuti-la, é a existência da obrigação principal, afirmada pela sentença.
Nem a lei nem a doutrina distinguiam as duas espécies de assistência: subordinada e autônoma. Tal como ainda hoje no direito francês (MOREL, ob. cit., nº 367) e no espanhol (PRIETO CASTRO, “Derecho Procesal Civil”, nº 173).
A omissão da lei em definir os poderes do assistente abria margem a construções divergentes. Os tribunais subordinavam a atuação do assistente à presença do assistido em ambas as instâncias, não admitindo a assistência ao revel, nem o recurso do assistente, tal como no processo francês (MOREL, ob. cit., nº 569) e no espanhol (PRIETO CASTRO, “Derecho Procesal Civil”, nº 173).
O assistente assumia assim uma figura semelhante ao Beistand do processo alemão (Ordenança, § 90) (pessoa que auxilia a parte presente à audiência de discussão oral da causa), tal como em nosso processo penal o defensor no julgamento pelo júri (Cód. de Proc. Penal, art. 449).
Alguns porém, como AURELIANO DE GUSMÃO (vol. cit., 509) e FRAGA (“Instituições do Processo Civil”, vol. II, 315), não vinculavam tão estreitamente à atividade do assistido a liberdade do assistente.
Ainda assim, entretanto, a opinião comum era que o assistente nada podia contra a vontade do assistido. Este é que era a parte no processo, mantendo pois o seu poder de disposição, quer quanto ao processo, do qual quando quisesse, observadas as regras gerais, poderia desistir, quer quanto à relação material ajuizada, podendo transigir, submeter-se ao pedido, renunciar ao direito.
Com a terminação anômala do processo, cessava assim, ipso facto, a intervenção do terceiro.
“O interêsse do assistente” – escrevia JOÃO MONTEIRO – “não pode ter intensidade jurídica bastante que modifique em coisa alguma o direito dos litigantes, de modo que êstes podem livremente confessar ou desistir ou praticar qualquer ato que aliás não convenha ao assistente. Em qualquer dêsses casos cessa a intervenção” (“Curso”, vol. III, § 310).
Repetia a lição PEREIRA E SOUSA, e, por sua vez, referia SILVA, “nem pode ter (o assistente) mais direito na causa que aquêle a quem assiste” (“Primeiras linhas”, nota 173), contra a qual já se rebelava o senso prático de LOBÃO, acenando para a intervenção ne fiat collusio; a evitar a mancomunação entre autor e réu para prejudicar o terceiro interveniente (“Segundas linhas”, nota 173), justamente o caso que parece ter dado origem no direito romano à intervenção do terceiro como assistente (SEGNI, “L’intervento adesivo”, nº 7).
O marido, por exemplo, para prejudicar a meação da mulher, simula uma dívida e deixa-se acionar. A mulher intervém para pugnar pela improcedência da ação. Aparentemente apenas estará ela auxiliando o marido a vencer, mas na realidade estará criando um obstáculo à realização da vontade do cônjuge, que não pretende ganhar, mas perder a demanda.
Não é uma intervenção ad adjuvandum, mas ad impediendum.
Isso vem mais uma vez mostrar que a causa final da intervenção do assistente não é a defesa do assistido, mas a do próprio interêsse. Aquela é apenas causa instrumental.
III. A ASSISTÊNCIA NOS CÓDIGOS ESTADUAIS DE PROCESSO CIVIL
A grande maioria dos Códigos estaduais de processo civil foi decalcada, embora com algumas modificações secundárias, sôbre o reg. n° 737, de 1850.
Em matéria de assistência, o único que se destaca é o da Bahia, resultante do anteprojeto de um emérito jurista EDUARDO ESPÍNOLA.
Nêle, pela primeira vez, aparece em nossa legislação a diferença entre a assistência simples ou subordinada e a assistência qualificada ou autônoma.
A primeira foi definida no art. 17:
“Quem tenha interêsse jurídico em que a decisão de uma causa pendente entre outras pessoas seja favorável a uma das partes, pode intervir no processo, em auxílio dela, como assistente”.
A outra, no art. 22:
“Se pela natureza da relação jurídica controvertida ou por disposição de lei, a sentença proferida na causa é diretamente eficaz para a relação jurídica entre o assistente e o adversário da parte assistida, a posição daquele no processo é a de um litisconsorte”.
Suas fontes foram os Códigos alemão e austríaco. O § 66 do alemão (assistência simples)
“Quem tem interêsse jurídico em que, numa causa pendente entre outras pessoas, vença uma das partes, pode a ela aderir, para auxiliá-la”.
O § 17 do austríaco (assistência simples):
“Quem tem interêsse jurídico em que numa causa pendente entre outras pessoas vença uma delas pode a ela aderir (intervenção adesiva)”.
O § 69 do alemão (assistência qualificada):
“Tôda vez que, segundo os preceitos do direito civil, a coisa julgada na sentença proferida no processo principal tenha eficácia sôbre uma relação jurídica entre o interveniente adesivo e o adversário, deve aquêle, no sentido do § 61, ser considerado como litisconsorte”.
O § 61 dispõe:
“Se o direito civil ou êste Código não dispuser o contrário, os litisconsortes, em face do adversário, são considerados litigantes isolados, de modo que os atos de cada um nem aproveitam nem prejudicam os demais”.
O § 20 do austríaco (assistência qualificada):
“Quando num processo a sentença por fôrça da natureza da relação jurídica litigiosa ou por fôrça de lei também sôbre a relação jurídica entre o interveniente e adversário da parte principal tiver eficácia jurídica, aquêle assumirá a posição de litisconsorte (§ 14)”.
E o § 14 a que o texto se refere:
“Se a fôrça da sentença a proferir, vincula, por fôrça da natureza da relação jurídica ajuizada ou por fôrça de dispositivo legal, o conjunto dos litisconsortes, êstes figuram como parte única. O valor do ato processual praticado por um dêles aproveita ao revel”.
IV. A ASSISTÊNCIA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL UNITÁRIO
O art. 106 do projeto preliminar dispunha:
O assistente não poderá ser condenado, nem absolvido, não ficando em caso algum inibido de formular o seu pedido, diretamente, em ação própria.
“Parág. único. Se, porém, pela natureza da relação jurídica controvertida ou por disposição de lei, a sentença tiver de influir na relação jurídica existente entre o assistente e a parte contrária à assistida, o assistente será considerado litisconsorte, regulando-se neste caso a sua posição no processo pelos arts. 86 a 91”.
Informa BATISTA MARTINS que deu causa à supressão da assistência simples uma sugestão oferecida por J. A. CARVALHO E MELO. “Eu suprimiria o princípio dêste art. 106, porque sòmente se refere “à situação do assistente, pròpriamente dito, isto é, daquele que apenas acompanha, sem liberdade de ação, os movimentos do assistido. Aí está mais um argumento que reforça de muito a minha opinião, que é pelo desaparecimento, no processo, dessa figura, que nada exprime. Basta ter em vista que êle poderá formular diretamente, em ação própria, o seu pedido, depois de haver desempenhado a sua função, para que se conclua que nada fêz.
“Quanto ao parág. único, eu o conservaria, transformando-o em disposição autônoma. Aí está quase literalmente o art. 22 do Cód. de Proc. Civil do Estado da Bahia” (“Comentários ao Código de Processo Civil”, ed. “REVISTA FORENSE”, vol. I, nº 238).
O artigo estava pèssimamente redigido. Primeiro, porque se referia apenas à assistência ao réu, eis que evidentemente o autor e, muito menos, o seu assistente, não poderia ser condenado ou absolvido. Segundo, porque, mesmo quanto ao assistente do réu, não poderia êle igualmente ser condenado ou absolvido, desde que pedido algum fizera. Em terceiro lugar, tratando apenas da assistência ao réu, o artigo acaba tratando sòmente da assistência ao autor, porquanto o réu não faz pedido salvo em reconvenção, mas aí transformando-se em autor. Finalmente, ressalvar irrestritamente a reação jurídica própria do assistente, da sentença proferida em face da parte assistida, não está certo.
No caso, por exemplo, do fiador intervindo na demanda em que é réu o devedor principal, condenado êste, o fiador não mais poderá discutir a validade dessa obrigação. O que lhe fica salvo é discutir a fiança, porque esta não constitui objeto do pedido.
A sugestão do Sr. CARVALHO E MELO foi um mau conselho, mal fundamentado.
É falso dizer que o assistente simples nada lucra ou perde com a sentença que julgar a causa principal.
No mesmo exemplo: se, auxiliando a defesa do devedor principal, o assistente, fiador, puder provar a inexistência da dívida, terá afastado sua responsabilidade, porque, acessório da obrigação, a fiança com ela desaparecerá. O interveniente, assim, se libera, evitando ser réu em outro processo.
Às razões do Sr. CARVALHO E MELO, o Sr. BATISTA MARTINS acrescentava: nunca se tinha conseguido definir o interêsse que devia servir de fundamento à intervenção (vol. cit., pág. 291).
Afirmação esquisita.
Nunca foi quadratura do círculo conotar o “interêsse jurídico” – interêsse num bem objeto de uma relação jurídica.
O interêsse que justificava a intervenção do assistente sempre se entendeu como a possibilidade da sentença a proferir na causa do assistido influir na relação jurídica do terceiro.
Ê certo que às vêzes surgia divergência na caracterização de um interêsse como interêsse de fato ou interêsse de direito. Como no caso de intervenção do notário na ação de falsidade da escritura por êle lavrada e que uns consideravam interêsse de fato e outros interêsse jurídico, pois se a decisão acolhesse como provada a alegação de falsidade, nasceria contra o tabelião a ação em que deveria responder por perdas e danos e a ação penal (ZANZUCHI, “Diritto Processuale Civile”, vol. I, 30; ROSENBERG, “Lehrbuch des deutschen Zivilprozessrechtes”, § 46, II, 2).
Mas não seria problema de solução impossível para o legislador deixar expressa na lei a inclusão ou a exclusão dêsse caso, referindo a possibilidade da sentença poder abrir margem a ação contra o terceiro interveniente.
De resto, por mais cuidado que ponha o legislador na redação dos textos, jamais se consegue eliminar qualquer possibilidade de dúvida. Quamvis manifestum edictum praetoris, attamen non est negligenda interpretatio ejus (Digesto, XXV, 4, fr. 1, § 11).
O novo Cód. de Proc. Civil português continua a legitimar a intervenção do assistente pelo “interêsse jurídico” na decisão da causa (art. 340). O italiano refere o “interêsse” (art. 105, primeiro inciso). Em interêsse jurídico continua a falar o alemão (§ 66). E o austríaco (§ 17).
Nada, pois, dos motivos aduzidos poderia levar à supressão da assistência simples.
O mais interessante, porém, é que a abolição da assistência simples não passou de tentativa frustrada.
Aconteceu aqui como naquele número do prestidigitador que fecha uma pessoa num caixão, que depois é cerrado ao meio. E, quando, afinal, a platéia imagina um corpo esquartejado, o paciente surge vivinho.
De fato, não basta para provar a abolição da assistência simples dizer que o autor do anteprojeto quis suprimi-la. Tampouco que a lei mandou tratar como litisconsórcio tôda espécie de assistência.
Tratar igualmente fatos desiguais não elimina a desigualdade entre êles existente.
No direito francês e no direito espanhol, que, como vimos, tal como a legislação nossa anterior ao Código unitário, só conhecem um tipo de assistência e, como assistência simples, tratam tôdas as espécies desta, subordinando estreitamente a atividade do interveniente à da parte assistida, é fácil distinguir os casos em que a assistência deveria ser tratada como autônoma.
O que se verifica é que, polarmente opostas, essas construções tratam como assistência simples todos os casos de assistência, ao passo que, no outro extremo, nosso Código a todos reúne como assistência autônoma.
É necessário, assim, para caracterizar os dois tipos, examinar as legislações que os distinguem, verificar quais as diferenças reais e não arbitràriamente criadas entre a assistência subordinada e a assistência equiparada ao litisconsórcio.
Basta para isso procurar a nota característica da última.
V. A ASSISTÊNCIA QUALIFICADA
Tanto esta como a outra assentam num interêsse jurídico. O que as distingue é a intensidade dêsse interêsse.
Embora as fórmulas com que se defina êsse interêsse divirjam na aparência, na realidade elas traduzem a mesma nota.
No § 69 da Ordenança alemã, acima transcrito, caracterizou êsse interêsse pela possibilidade da sentença influir numa relação jurídica entre o terceiro e a parte contrária à assistida.
É certo que a exposição de motivos do Código alemão dava como exemplo de assistência autônoma o caso da ação de nulidade do testamento movida pelo herdeiro legítimo contra o herdeiro instituído com encargo de um legado e a intervenção do legatário, quando relação alguma jurídica existia entre êste e o autor da ação (WACH, “Handbuch des deutschen Zivilprozessrecht”, vol. I, § 58).
A relação era com a parte assistida.
Mas os motivos não poderiam prevalecer contra o texto expresso da lei, que exigia ser a relação com a parte contrária à assistida (“… die Rechtskraft der in dem Hauptprozesse erlassenen Entscheidung auf das Rechtsverfnaeltniss des Nebenintervenienten zu dem Gegner von Wirksamkelt ist...”).
Depois, como observavam GAUP e STEIN, admitida a construção orientada pelo exemplo da exposição de motivos, todos os casos seriam de assistência litisconsorcial – “…sowuerden alle Faelle der Nebenintervention unter § 69 gehoeren” (“Die Zivilprozessordnung“, ao § 69, obs. 1).
De igual sentir: WACH, vol. cit., I; ROSENBERG, “Lehrbuch”, ed. de 1951, § 46; SCHOENKE, “Derecho Procesal Civil”, trad. espanhola da ed. alemã de 1946, § 27.
Êstes últimos nem mais discutem a questão nem referem jurisprudência alguma em sentido contrário.
O Código italiano (cit. art. 105) equipara ao litisconsorte o assistente que intervém “para fazer valer um direito dependente do título deduzido em juízo”.
O Código português (art. 356) dispôs:
“Estando pendente uma causa entre duas ou mais pessoas pode intervir nela como parte principal:
1º) aquêle que em relação ao objeto da causa tiver um interêsse igual ao do autor ou do réu, nos têrmos do art. 28;
2º) aquêle que, nos têrmos dos arts. 29 e 30, pudesse coligar-se com o autor ou ser demandado juntamente com o réu”.
Diz o art. 28:
“Quando o interêsse disser respeito a mais de duas pessoas, a questão da legitimidade será resolvida em conformidade com as regras seguintes:
a) se a lei ou o contrato exigirem expressamente a intervenção de todos os interessados, a falta de qualquer dêles será motivo de ilegitimidade;
b) se a lei ou o contrato permitirem que o direito comum seja exercido por um só ou que a obrigação comum seja exigida de um só dos interessados, basta que um dêles intervenha;
c) se a lei ou o contrato nada declararem, pode a ação ser proposta por um só ou contra um só dos vários interessados, devendo porém o tribunal conhecer unicamente da quota-parte do interêsse ou da responsabilidade dos respectivos interessados, ainda que o pedido abranja a totalidade.
Cessa o disposto na primeira parte desta alínea quando, pela própria natureza da relação jurídica, fôr necessária a intervenção de todos os interessados, para que a decisão a proferir produza o seu efeito útil normal.
Parág. único. Qualquer sócio, herdeiro ou comparte em coisa comum ou indivisa pode pedir a totalidade dessa coisa em poder de terceiro sem que êste possa opor-lhe que ela não lhe pertence por inteiro.
O art. 29:
É permitida a coligação de autores contra um dos vários réus e é permitido a um autor demandar conjuntamente vários réus, por pedidos diferentes, quando a causa de pedir seja a mesma e única ou quando os pedidos estejam entre si numa relação de dependência.
Parág. único. Cessa o disposto neste artigo, quando aos pedidos correspondam formas de processo diferentes ou a cumulação possa ofender regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, mas não impedirá a cumulação a diversidade da forma de processo que derive unicamente do valor”.
E, finalmente, o art. 30:
“Podem também coligar-se vários autores ou demandar-se conjuntamente vários réus, embora a causa de pedir seja diferente, quando a procedência dos pedidos principais dependa essencialmente, da apreciação dos mesmos fatos ou da interpretação das mesmas regras de direito ou de cláusulas de contratos perfeitamente análogas…”
Os exemplos dados pelos processualistas alemães esclarecem o sentido que dão ao § 69 de sua Ordenança (WACH, WEISMANN, SCHOENKE, ROSENBERG).
1. Ação de nulidade de constituição de sociedade anônima, movida por um acionista. Intervenção de outros acionistas.
2. Ação em que seja parte o testamenteiro que tenha a administração da herança. Intervenção dos herdeiros.
3. Ações em que o marido pode estar em juízo sem autorização uxória. Intervenção da mulher.
4. Ação em que seja parte o síndico da massa falida. Intervenção do falido e dos credores.
5. Intervenção do sucessor singular na ação do antecessor.
6. Interdição requerida por um dos legitimados. Intervenção dos outros.
Em todos êles se vê que a sentença norma imediatamente a reação jurídica do interveniente, não se limitando a nela influir reflexamente, como sucede na assistência simples.
No exemplo 1, o acionista-interveniente tem, como o acionista-autor, o poder jurídico de invalidar a constituição da sociedade. A sentença que acolher o pedido esgota o objeto da ação a propor pelo assistente. No exemplo 2, a sentença decide sôbre a relação jurídica do herdeiro, pois é o patrimônio da herança que responderá pela satisfação do julgado. No exemplo 3, da mesma maneira, a mulher, em sua meação, responde pelas dívidas contraídas pelo marido. No exemplo 4, o patrimônio da massa pertence ao falido, é o falido o obrigado. Os credores do falido têm direito à anulação dos atos fraudulentos praticados pelo devedor comum. No exemplo 5, o sucessor singular defende o próprio direito. No exemplo 6, várias pessoas são legitimadas para pedir a interdição. Todas elas têm êsse poder jurídico.
Em todos êles o efeito da sentença é direto sôbre a relação jurídica do assistente. Assim não sucede com a assistência simples. No caso, por exemplo, da intervenção do fiador na ação contra o devedor afiançado, a sentença nada decide sôbre a relação da fiança, mas apenas sôbre a dívida principal. Se esta, porém, fôr declarada inexistente, a fiança desaparece, não como efeito direto da decisão, mas como efeito reflexo. Desaparece, porque, sendo um acessório, não pode subsistir sem o principal.
No direito italiano, ZANZUCHI, comentando o art. 105, escreve: “Esta espécie de intervenção pressupõe uma relação jurídica com pluralidade de sujeitos, mesmo sucessivos, cada um dos quais seria legitimado a agir por conta própria em relação a essa relação e pois tem interêsse em intervir na demanda que um outro tenha proposto” (ob. cit., vol. I, pág: 103).
É o próprio direito do interveniente que está em jôgo. E êle que será diretamente atingido pela decisão.
Não é outra a diretriz seguida pelo novo Código português, nos textos acima transcritos.
Comentando o nº 1 do art. 356, escreve o maior dos processualistas portuguêses, ALBERTO REIS:
“O interveniente principal vem a juízo, não simplesmente para auxiliar uma das partes como assistente, não para formular pretensão incompatível com a do autor, como o opoente, mas para fazer valer direito seu, que coexiste com o do autor ou o do réu”.
“Há realmente muitas situações em que o direito de ação pertence simultâneamente a várias pessoas, em que a mesma providência jurisdicional pode ser provocada por diferentes interessados” (“Código de Processo Civil Anotado”).
No nº 2 do art. 356 o Cód. de Proc. Civil português é original. Permite o litisconsórcio sucessivo, nos mesmos têrmos em que admite o litisconsórcio originário.
Assim, no exemplo dado por ALBERTO REIS, o de um acidente de avião que tenha feito várias vítimas. A intervenção de uma na ação movida por outra.
É a intervenção figurada na famosa lei federal nº 221, de 20 de novembro de 1894, que estabeleceu um procedimento para o processo das ações movidas contra a União, para reparação de lesões causadas por atos da administração.
Seu art. 13 permitiu a intervenção como litisconsorte de todos quantos “tives em interêsse jurídico na decisão da causa”.
Na lei nº 221, o interveniente ingressa em juízo para fazer pedido, para propor ação, juntamente com a ação já proposta por outrem.
É um litisconsórcio sucessivo.
Curioso é observar que ainda se considere em vigor es a lei, depois da vigência do Cód. de Proc. Civil. E que, ao passo que a litisconsórcio pelo factum simile, no sistema do Código, só se possa permitir com o acôrdo das partes, na lei nº 221 o réu não o pode recuar.
VI. A ASSISTÊNCIA SIMPLES
Bem menos intenso é o interêsse jurídico do assistente subordinado.
Não é sua relação jurídica que vai ser normada diretamente pela sentença. Seu direito não é igual ao da parte assistida. Sôbre êle, são apenas reflexos os efeitos da sentença.
Na intervenção do fiador a sentença nada resolve sôbre a fiança, que é a relação jurídica de que faz parte o interveniente. Mais tarde, acionado como responsável pela fiança, pode êle discutir-lhe a validade. O que não mais poderá discutir é a existência da obrigação principal. Nisto ficou vinculado pela coisa julgada. Coisa julgada porém sôbre uma relação jurídica que não era sua. Que desta era apenas prejudicial, condicionante.
Da mesma maneira a intervenção do sublocatário na ação de despejo contra o locatário-sublocador. Não é a sublocação que está em causa, mas entre ela e a locação passa uma relação de prejudicialidade.
Outra fonte de intervenção subordinada é a possibilidade de surgir com a condenação do réu uma ação de regresso contra o terceiro, como na intervenção do funcionário na ação de indenização contra a pessoa jurídica de direito público.
Ou na intervenção do notário na ação de falsidade da escritura por êle lavrada.
Como se vê, em todos êsses casos, a sentença não norma, ao contrário do que sucede na intervenção do assistente autônomo, a própria relação jurídica de que participa o terceiro, mas sòmente a relação jurídica entre as partes principais.
O assistente será atingido apenas por um efeito reflexo da decisão.
Essa diferença é real. Pelo fato de na assistência qualificada se discutir uma relação jurídica de que também faz parte o interveniente, é que a essa espécie se dá o qualificativo também de litisconsorcial, para aproximá-la do litisconsórcio, como o fazem o direito alemão, o austríaco, o italiano, ou, para absolutamente equipara-la àquela figura, como fêz o Código português.
As legislações podem voltar face à realidade da diferença, construindo ambas as espécies como subordinadas à parte assistida, como procedem o direito francês e o direito espanhol, ou dando autonomia às duas, como fêz o nosso Cód. de Proc. Civil.
VII. A PARIFICAÇÃO DAS DUAS ASSISTÊNCIAS NO CÓDIGO NACIONAL
Tem-se dito que o Código brasileiro suprimiu a assistência simples, eis que trata apenas da assistência equiparada ao litisconsórcio.
Afirmação entretanto nascida de uma olhada superficial do texto.
O que fêz o Código foi apenas dar o mesmo tratamento processual às duas espécies de assistência.
Não é difícil demonstrá-lo. O fundamento de tôda intervenção é um interêsse jurídico. Um aspecto particular do interêsse de agir, do interêsse-requisito do direito de ação (ZANZUCHI, ob. cit., volume I, nº 143).
Interêsse jurídico é o que se prende a uma relação jurídica. Essa relação jurídica do terceiro há de ter, por sua vez, alguma relação com a relação jurídica objeto da lide. Ao contrário, nenhum interêsse jurídico poderia ter o interveniente.
Ora, como sujeitos da relação jurídica material que o processo carreia para a sentença aparecem naturalmente apenas o autor e o réu.
A relação jurídica própria do terceiro interveniente necessàriamente há de prender-se ao autor ou ao réu da ação.
Pois bem: em caso algum em que a relação jurídica do terceiro seja com a parte assistida, pode surgir o caso em que a sentença norme diretamente a relação do interveniente. Caso algum em que o assistente possa ser equiparado ao litisconsorte, salvo o arbítrio irracional do legislador.
Para que possa haver litisconsorte de uma parte é preciso um antagonismo entre os litisconsortes e a parte adversa, uma relação jurídica entre os autores litisconsorciados e o réu ou entre réus em litisconsórcio e o autor.
A relação jurídica fundamento da intervenção autônoma ou litisconsorcial assim apenas pode ser com a parte contrária à assistida.
Ora, o nosso art. 93 diz que, na assistência que êle tratou como autônoma, a reação pode ser com o autor ou com o réu.
E não se concebe a existência de um co-autor sem relação alguma com o réu ou vice versa.
Vejamos os exemplos que os autores consideram como de assistência.
Em todos êles a relação do interveniente é com a parte assistida.
Ao contrário da intervenção litisconsorcial, em que a relação é com o adversário.
Não há uma terceira espécie. A assistência, quer subordinada quer autônoma, requer uma relação com alguma das partes. As partes são duas apenas: autor e réu.
Ora, se o Código ao assistente litisconsorcial exige uma relação “com alguma das partes”, com uma ou com outra, com o autor ou com o réu, reuniu no mesmo tratamento processual as duas espécies de assistência.
Isso me parece de uma evidência solar.
VIII. O TRATAMENTO PROCESSUAL DAS DUAS ESPÉCIES COMO ASSISTÊNCIA SIMPLES
Era como fazia a legislação anterior, com exceção do Código da Bahia, e como fazem o direito francês e o espanhol.
Nada mais nada menos que uma iniqüidade.
Suponha-te o caso da intervenção da mulher nas causas que versem sôbre bens comuns ou sôbre responsabilidade comum e nas quais possa o marido estar em juízo em outorga uxória.
A lei o trata como assistência simples.
A atividade processual dêste é subordinada à atividade do assistido, quer quanto à prova, quer quanto aos recursos. Se o assistido desiste de uma testemunha, o assistente não a poda arrolar. Se o assistido desiste do recurso ou expressamente se submete à sentença, transige, renuncia ao direito, o assistente não pode recorrer, não pode impugnar a transação, não se pode opor à renúncia.
Ora, o assistente fica vinculado à sentença proferida contra o assistido. Não mais em outro processo pode desconhecê-la. É um princípio de tôda assistência, tão axiomático que a lei de regra a êle não se refere.
Mas na espécie é a própria relação jurídica da mulher com o adversário do marido que a sentença vai diretamente normar. A mulher é co-devedora. A ela se comunica a dívida contraída pelo marido, no regime da comunhão (Cód. Civil, artigo 262). Em seu patrimônio a sentença irá ser executada.
Como assim, sem cometer uma iniqüidade, a lei pode negar-lhe o poder de recorrer mesmo contra a vontade expressa do marido?
Máxime se a intervenção foi motivada pelo receio da mulher de que as partes principais se houvessem conluiado para prejudicar-lhe a meação.
LOBÃO já o dissera, glosando as “Primeiras Linhas” de PEREIRA E SOUSA, na já citada nota 173:
“Também não convenho com o autor nem com SILVA, por êle citado, enquanto dizem, SILVA, n° 3, que o terceiro não pode alegar nem provar senão o que pode o principal que êle defende e coadjuva; e o autor, que não pode ter mais direito na causa que aquêle a quem assiste. Pois ou se há de entender que falam quanto à ordem do processo, dever só ser admitido em têrmos em que êle se acha, não poder declinar a jurisdição; ou quando vem pròpriamente coadjuvar ao réu; ou ter inteligência literal, se opõe às leis e arestos que admitem como assistente o legatário, para ocorrer a alguma colisão na causa em que se trata da nulidade do testamento ou da defesa do legado da coisa litigiosa…”
IX. O TRATAMENTO DAS ESPÉCIES COMO ASSISTÊNCIA AUTÔNOMA
Em pólo oposto fica esta outra construção, que só encontro no Código nacional.
Ao absurdo, naquela, da excessiva limitação da atividade do assistente, corresponde outro absurdo: o da excessiva liberdade.
Um locatário, por exemplo, propõe ação declaratória, para fixar-se a data de terminação do contrato, sôbre a qual é duvidosa a cláusula que a ela se refere. O sublocatário intervém.
Há uma relação entre o terceiro, sublocatário, e o locatário, sublocador, réu, parte assistida. O art. 93 manda equiparar o interveniente a um litisconsorte. Mas hão faz remissão ao artigo regulador do litisconsórcio.
O Código tem dois. O art. 89:
“Salvo disposição em contrário, os litisconsortes serão considerados em suas relações com a parte adversa como litigantes distintos e os atos de um não aproveitarão nem prejudicarão aos demais”.
E o art. 90:
“Quando a relação litigiosa houver de ser resolvida de modo uniforme para todos os litisconsortes, os revéis ou os que houverem perdido algum prazo serão representados pelos demais”.
O texto a aplicar-se será evidentemente o segundo.
No caso, há apenas uma res deducta: a locação. A sublocação surge apenas como fundamento da intervenção.
Fôra incogitável a existência de duas decisões diversas sôbre um só e mesmo pedido, desfavorável ao réu, favorável ao interveniente.
O Código austríaco, nesse ponto mais claro que o alemão, no § 14, a que faz remissão o art. 20, ambos acima transcritos, manda que, nesse caso, sejam os litisconsortes considerados “parte única” (einneitliche Streipartei), litisconsórcio a que os autores chamam “litisconsórcio indissolúvel” (unzertrennliche Streitgenossenschalft – SCHRUTKA, “Grundriss”, 99), que não é a mesma coisa que o litisconsórcio necessário (notwendige Streitgenossenschaft), eis que êste, ao contrário daquele, exige que sempre a relação processual se forme com todos os litisconsortes, ao passo que o outro é facultativo.
Na intervenção qualificada de um sócio no processo da ação, por outro movida, para decretação de nulidade da constituição da sociedade anônima, há também a absoluta necessidade de uma decisão única.
Se o autor submeter-se à sentença desfavorável, assim o dizendo expressamente, ou, implicitamente, renunciando ao recurso interposto, o assistente pode recorrer, contra a vontade do assistido.
É que êle também tinha o mesmo direito do autor – o de pedir a decretação da nulidade.
Aqui, porém, no exemplo dado, o direito à locação é exclusivamente do locatário. A êle é de todo estranho o sublocatário.
Aquêle a êle renuncia, aceitando como justa a decisão. O assistente, mais realista que o rei, pretende que a locação continue, tornando indisponível o direito do outro.
Não é absurdo?
X. A POSIÇÃO PROCESSUAL DO ASSISTENTE SIMPLES
Discute-se se essa posição é de parte. FRAGA classifica de êrro palmar o dos que respondem pela negativa (“Instituições”, vol. II, pág. 12).
Partes da ação, são caracterizadas numa definição que desde CHIOVENDA é como um dogma do processo: aquêle que pede a atuação de uma vontade de lei (o autor) e, de outro lado, aquêle contra o qual ou em face do qual essa atuação é pedida.
Ora, o assistente do autor nada pede e contra o do réu nada também é pedido.
Entretanto, o assistente exerce no processo atos que influem na relação processual, atos de parte. Atos de impulso, de prova, de recurso.
Tem assim semelhança com a parte, mas parte não é.
Como se acoste à parte e exerça atos que ela também exerce, os alemães ao assistente chamaram “parte acessória” (ou adesiva) – Nebenpartei.
Não é um conceito geral êsse.
“A lei” – como diz SCHRUTKA – designou as partes do processo, para distingui-las do interveniente adesivo, como “partes principais”. Em conseqüência, o assistente caiu no conceito de “parte acessória”.
Torna-se assim inútil desenvolver o conceito de “parte adesiva” (“Grundriss”, 96, nota 1).
A parte acessória é, como dos anjos dizem os teólogos, um indivíduo-espécie. Não uma espécie de parte.
Assim, me parece não ter razão SEGNI, quando escreveu:
“O conceito de quase-parte não é, de modo algum, sustentável, logo que se pretenda dar um conteúdo correspondente à expressão. Porque ou se é ou não se é parte. Ser ou não ser sujeito de uma relação processual não é um conceito capaz de gradação. Só é possível ser ou não ser aquêle que pede um provimento judicial e aquêle em face do qual êle se pede. Não pode haver uma quase-parte, porque não pode haver uma quase demanda” (“L’intervento adesivo”, 205).
Também não se pode reduzir a figura do assistente à do representante. Os atos processuais do representante, quer voluntário quer legal, são praticados em nome do representado. Por isso, o representante nunca pode ser condenado nas custas, o que não sucede com o assistente, como veremos depois. Em segundo lugar, a representação legal existe determinada antes de nascer a ação em cujo processo o representante intervenha. E na representação voluntária não se compreende a atuação de um representante contra a vontade do representado, enquanto que na assistência a intervenção do assistente é um direito seu, independente da anuência do assistido.
XI. A EXEGESE DOS ARTS. 89 e 90
“Salvo disposição em contrário, os litisconsortes serão considerados em suas relações com a parte adversa como litigantes distintos e os atos de um não aproveitarão nem prejudicarão aos demais”.
De regra, no litisconsórcio, dentro da unidade do processo, há várias relações processuais, entre os litisconsortes e a parte contrária.
De modo que, em face do adversário comum e do juiz, cada litisconsorte tem uma situação autônoma, independente da situação dos demais.
Desta sorte, como diz o art. 89, cada um dêles há de ser considerado como litigante distinto.
Em conseqüência, também sob a unidade formal da sentença há realmente uma pluralidade de decisões.
É o que sucede no litisconsórcio pelo idem factum, como no caso do administrador do condomínio que cortasse o fornecimento d’água, fechando o registro que regulava a distribuição por todos os apartamentos. Ou o do incendiário, ateando a um prédio o fogo que se propagou aos prédios vizinhos.
E no litisconsórcio pelo factum simile, “afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito” (art. 89), como no caso da demissão de vários funcionários, com o mesmo fundamento ilegítimo.
Há, porém, exceções: “salvo disposição em contrário” (art. 89).
Essas disposições podem encontrar-se no Cód. Civil ou no Cód. de Proc. Civil.
No Cód. Civil, quando um ato praticado por ou contra um sujeito de relação jurídica com pluralidade de partes influir a beneficio ou em prejuízo dos demais.
Assim, na obrigação solidária passiva, o pagamento por inteiro por um dos coobrigados libera todos os mais, como também ficam êles liberados pela importância da quantia paga por um dos co-devedores (Cód. Civil, art. 908).
A constituição em mora de um, em mora constitui todos os outros (Cód. Civil, art. 909).
No Cód. de Processo as exceções são de modo geral definidas no art. 90: “quando a relação litigiosa houver de ser resolvida de modo uniforme para todos”.
Essa uniformidade é exigida ou porque a ação sòmente pode ser movida contra todos os litisconsortes ou porque as ações movidas pelos litisconsortes tenham o mesmo fundamento.
O primeiro caso é o do litisconsórcio necessário. Partes, necessàriamente hão de ser todos os interessados na reação, como na ação de divisão de coisa comum, na ação constitutiva de nulidade do negócio jurídico movida por terceiro.
O segundo caso é o do litisconsórcio indissolúvel. O caso, por exemplo, da ação do credor contra os devedores solidários. Ao contrário do primeiro, a ação poderia ser movida contra um só. Movida, porém, contra todos, a sentença evidentemente há de ser uniforme para todos. Também a ação movida por vários sócios de sociedade anônima para decretação de nulidade da constituição da mesma ou de deliberação da assembléia. Um só poderia propô-la, mas, proposta por vários, a decisão há de ser uniforme, sendo inconcebível que a sociedade exista para uns e não exista para outros.
O art. 90 é demasiadamente sucinto no regular os poderes processuais dos litisconsortes e os de seu adversário.
Apenas dispõe sôbre os recursos, declarando que o litisconsorte que houver perdido um prazo será representado pelo litisconsorte que dêle se aproveitou.
É corolário da sentença uniforme para todos êles. A sentença de segunda instância poderá ser diversa da que foi proferida em primeira. Não fôsse o dispositivo legal, o litisconsorte que houvesse perdido o prazo teria uma decisão, enquanto que outra seria a relativa ao litisconsorte recorrente.
O artigo, em primeiro lugar, diz menos do que deveria dizer. Fala apenas em prazo, esquecendo a audiência, que não é um prazo, mas um têrmo, um punctum temporis.
O art. 69 do Código alemão, sôbre que o nosso art. 90 foi decalcado, se refere ao prazo (Frist) e à audiência (Termin).
Em segundo lugar, o legislador deveria ter desenvolvido mais aquêle tema, para o que tinha abundante material na construção que sôbre o art. 69 do Código alemão fizer a doutrina e a jurisprudência.
O art. 90, em verdade, não estabelece uma regra geral oposta à regra do artigo 89.
Diz êste que os atos praticados por um dos litisconsortes não aproveitam nem prejudicam aos demais.
O art. 90 não leva a afirmar o contrário. Não leva a exigir uma unidade nos atos processuais dos litisconsortes.
Sua posição, tal como no art. 89, é independente. Cada um pode ter o seu procurador, diverso do procurador dos outros. Pode usar dos meios de ataque ou defesa, mesmo que êsses contradigam os meios de que se sirvam os demais.
Pode cada um escolher o recurso que julgue apropriado. Relativamente a alguns atos processual., as soluções divergem, conforme o litisconsórcio seja necessário ou indissolúvel pala simples necessidade da sentença uniforme.
No primeiro caso, o autor não pode desistir da ação contra um ou vários co-réus, porque disso resultaria necessariamente a carência de ação ou, segundo outros, a nulidade do processo, porque a carência de ação é irremediável, enquanto que o defeito da relação processual por falta de alguma parte necessária pode ser corrigido (Cód. de Proc. Civil, art. 294, número I).
No segundo, pode o litisconsorte autor desistir do processo sem que isso ponha têrmo ao processo que com os outros continuará.
Quanto aos atos de conteúdo material (atos mistos), como a renúncia, o reconhecimento do pedido, a transação, no litisconsórcio necessário êles não vinculam os litisconsortes outros, porque um só não poderia dispor do direito que é comum e porque, não havendo os outros participado daqueles atos, êstes não poderiam influir na sentença que para todos há de ser uniforme.
Não quer dizer, porém, que tais atos, assim como a confissão (confissão de fatos), não exerçam influência sôbre todos os litisconsortes, através da sentença, que terá de avaliar o conjunto do material probatório, quando então aquêles atos podem concorrer para a prova indiciária (ROSENBERG, § 95).
CONCLUSÕES
1) Não é problema insolúvel definir o interêsse jurídico do interveniente adesivo.
2) A distinção entre a assistência simples e a assistência qualificada repousa na realidade das coisas, embora essa possa ser negada pelo arbítrio irracional do legislador.
3) A assistência simples é de utilidade e de necessidade no processo.
4) O legislador deve desenvolver mais detalhadamente os efeitos dos atos processuais e dos atos mistos do litisconsorte.
5) Deve incluir entre os casos de intervenção a intervenção regulada na lei n° 221, a que se poderia denominar intervenção litisconsorcial. Aí o interveniente não apenas será tratado como litisconsorte, mas será litisconsorte, parte, na inteira concepção dessa figura.
Êsse o da assistência – é um dos pontos que deve ser examinado pela Comissão que, no Senado, há anos dorme sôbre o projeto de reforma do Cód. de Proc. Civil.
Sobre o autor
F. C. San Tiago Dantas, professor de Direito Civil na Faculdade Nacional de Direito.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
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- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 4
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