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Análise de repercussão geral da tese da revisão da vida toda
Marco Aurélio Serau Junior
26/08/2020
Marco Aurélio Serau Junior e Roberto de Carvalho Santos*
O Supremo Tribunal Federal está debatendo, no Plenário Virtual, o tema 1.102, discutindo inicialmente se ocorre a configuração da repercussão geral (arts. 102, § 3º, da Constituição Federal e 1.035 do CPC/15) do tema da tese revisional previdenciária conhecida como revisão da vida toda.
É importante frisar que esse tema não é dotado de repercussão geral porque sequer se trata de matéria com respaldo constitucional direto.
A disciplina do cálculo do valor dos benefícios previdenciários é, desde as alterações introduzidas pela emenda constitucional 20/98, matéria de cunho essencialmente infraconstitucional.
A forma de cálculo dos benefícios previdenciários era contemplada na redação original do art. 202, do texto constitucional, adiante transcrito:
Art. 202. É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a média dos trinta e seis últimos salários de contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários de contribuição de modo a preservar seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:
Esse dispositivo, contudo, foi alterado pela emenda constitucional 20/98, que o dedicou à Previdência Complementar. Doravante a questão do cálculo do valor dos benefícios previdenciários restou a cargo do art. 201, § 3º, que apenas sinaliza a atualização dos salários de contribuição e remete a forma de cálculo à norma infraconstitucional:
§ 3º Todos os salários de contribuição considerados para o cálculo de benefício serão devidamente atualizados, na forma da lei.
Vale dizer que a metodologia de cálculos do valor dos benefícios previdenciários somente retorno ao bojo do Texto Constitucional com o art. 26 da emenda constitucional 103/19. Antes dessa recente alteração normativa, porém, prevalece a compreensão já mencionada acima, no sentido de que se trata de matéria evidentemente infraconstitucional.
Assim, a tese da revisão da vida toda só alcança a Constituição Federal indireta ou reflexamente, configurando a barreira de admissibilidade dos recursos extraordinários que é bastante conhecida como ofensa indireta ou ofensa reflexa à Constituição. Nas palavras do Mestre Araken de Assis:
“Entende-se por ofensa reflexa, oblíqua ou indireta a necessidade de interpretar norma infraconstitucional ou tratado para chegar à conclusão que sua aplicação violou norma constitucional. (…) Em tais casos, inexistirá repercussão geral.”
(ASSIS, Araken. Manual dos Recursos, 9ª ed., S. Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 896)
É importante registrar que há inúmeros precedentes do próprio STF em que se decidiu que a apreciação desse tema incidiria na análise de legislação infraconstitucional, o que inviabiliza a própria admissão do recurso extraordinário: ARE 1.216.156, relator ministro Gilmar Mendes, publicacao em DJe-101 de 27/4/20; RE 1.258.980, relator ministro Luiz Fux, publicacao em DJe-058 de 16/3/20; ARE 1.193.778, relator ministro Alexandre de Moraes, publicacao em DJe-055 de 21/3/19; ARE 1.173.002, relator ministro Celso de Mello, publicacao em DJe-262 de 6/12/18; ARE 1.130.537, relator ministro Edson Fachin, publicacao em DJe-110 de 5/6/18.
No mesmo rumo, pode-se sublinhar que os dois votos que já foram apresentados no Plenário Virtual quanto ao tema 1102 admitem que a tese da revisão da vida toda não configura reafirmação de jurisprudência.
De fato, não se trata de reafirmar jurisprudência, visto que esta não há, dado que o STF vêm até então compreendendo que o tema é infraconstitucional.
O julgamento desta primeira fase, no plenário virtual, tem previsão para ser concluído agora no dia 27 de agosto, razão pela qual o IEPREV emite a presente nota técnica externando sua preocupação com o eventual juízo de admissibilidade do RE interposto pelo INSS. Eis o atual placar:
Tema
1102 – Possibilidade de revisão de benefício previdenciário mediante a aplicação da regra definitiva do artigo 29, incisos I e II, da Lei nº 8.213/91, quando mais favorável do que a regra de transição contida no artigo 3º da Lei nº 9.876/99, aos segurados que ingressaram no Regime Geral de Previdência Social antes da publicação da referida Lei nº 9.876/99, ocorrida em 26/11/99.
Classe: RE
Número: 1276977
Data de Início: 07/08/2020
Data Prevista Fim: 27/08/2020
Relator: MINISTRO PRESIDENTE
Em linhas gerais, deve-se resgatar que desde a própria implementação da sistemática do fator previdenciário, com a lei 9.786/99, que regulamentou as alterações trazidas pela emenda constitucional 20/98, a metodologia de cálculo dos benefícios previdenciários é matéria infraconstitucional na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Com efeito, a ADIn 2.111/DF, ao decidir pela constitucionalidade do fator previdenciário, então recém implementado, fundamentou-se no sentido de que se tratava de simples e necessária regulamentação legal de dispositivo constitucional.
Por todos estes argumentos, espera-se que o Excelso Pretório não reconheça a repercussão geral da matéria, visto que o conteúdo tratado no Tema 1102 não possui envergadura constitucional.
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*Marco Aurélio Serau Junior é diretor Científico do IEPREV – Instituto de Estudos Previdenciários.
*Roberto de Carvalho Santos é presidente do IEPREV – Instituto de Estudos Previdenciários.
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