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O julgamento das ADIs 2110 e 2111 e a revisão da vida toda
João Batista Lazzari
22/04/2024
Os segurados da Previdência Social, assim como, os operadores do direito, foram tomados de surpresa com o julgamento de mérito das ADIs 2110 e 2111, passados mais de 24 anos de tramitação na Corte Suprema.
Essas ADIs atacaram vários dos dispositivos da Lei n. 9.876, de 26/11/2019, especialmente:
a) a inclusão do inciso III ao art. 25 da LBPS, que estabeleceu a carência de 10 (dez) meses para a concessão do salário-maternidade às seguradas contribuintes individuais, especiais e facultativas;
b) a nova redação do art. 29, caput, seus incisos e parágrafos da LBPS, que ampliaram o período básico de cálculo do salário de benefício e criaram o fator previdenciário;
c) a regra de transição (art. 3º), para quem já era filiado ao RGPS, na data da publicação da Lei n. 9.876 (28/11/1999), limitando a utilização dos salários de contribuição à competência julho de 1994, para cálculo do novo salário de benefício e sem previsão expressa de opção pela regra permanente, se mais vantajosa.
Em 15/03/2000, a liminar postulada nas ADIs 2110 e 2111 foi indeferida, mantendo-se a sistemática de cálculo, especialmente no que tange a ampliação do período básico de cálculo e a introdução do fator previdenciário. Veja-se o resumo da decisão:
“O Tribunal, por unanimidade, não conheceu da ação direta por inconstitucionalidade formal da Lei nº 9.868/99. Prosseguindo no julgamento, o Senhor Ministro Relator proferiu voto indeferindo a medida cautelar. O Tribunal, por maioria, indeferiu o pedido de medida cautelar relativamente ao art. 2º da Lei nº 9.876/99, na parte em que deu nova redação ao art. 29, caput, seus incisos e parágrafos da Lei nº 8.213/91, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio, que o deferia. Votou o Presidente. Em seguida, o julgamento foi suspenso para prosseguimento na próxima sessão, em virtude do adiantado da hora. Falou pelo requerido – Presidente da República – o Dr. Gilmar Ferreira Mendes, Advogado-Geral da União. Plenário, 15.3.2000.”
O julgamento do mérito das ADIs foi retomado em 19/08/2021 e concluído, em 21/03/2024, com a divulgação do seguinte resultado:
“O Tribunal, por maioria, conheceu parcialmente das ADIs 2.110 e 2.111 e, na parte conhecida, (a) julgou parcialmente procedente o pedido constante da ADI 2.110, para declarar a inconstitucionalidade da exigência de carência para a fruição de salário-maternidade, prevista no art. 25, inc. III, da Lei nº 8.213/1991, na redação dada pelo art. 2º da Lei nº 9.876/1999, vencidos, nesse ponto, os Ministros Nunes Marques (Relator), Alexandre de Moraes, André Mendonça, Cristiano Zanin e Gilmar Mendes; e (b) julgou improcedentes os demais pedidos constantes das ADIs 2.110 e 2.111, explicitando que o art. 3º da Lei nº 9.876/1999 tem natureza cogente, não tendo o segurado o direito de opção por critério diverso, vencidos, nesse ponto, os Ministros Alexandre de Moraes, André Mendonça, Edson Fachin e Cármen Lúcia. Foi fixada a seguinte tese de julgamento: “A declaração de constitucionalidade do art. 3º da Lei 9.876/1999 impõe que o dispositivo legal seja observado de forma cogente pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pela administração pública, em sua interpretação textual, que não permite exceção. O segurado do INSS que se enquadre no dispositivo não pode optar pela regra definitiva prevista no artigo 29, incisos I e II, da Lei nº 8.213/91, independentemente de lhe ser mais favorável”. Redigirá o acórdão o Ministro Nunes Marques (Relator). Presidência do Ministro Luís Roberto Barroso. Plenário, 21.3.2024.”
Em síntese, restou definido nesse julgamento em relação à Revisão da Via Toda, que:
a) “A regra de transição da Lei nº 9.876/1999, que exclui os salários anteriores a julho de 1994 do cálculo da aposentadoria (dada a instabilidade da moeda brasileira antes da adoção do real), é de aplicabilidade obrigatória, sendo vedado ao segurado escolher uma outra forma de cálculo, ainda que lhe seja mais benéfica.”
b) “O texto constitucional, como regra, veda a adoção de requisitos ou critérios diferenciados para concessão de benefícios (CF/1988, art. 201, § 1º). Assim, para o segurado que se filiou à Previdência Social até o dia anterior à data da publicação da Lei nº 9.876/1999, é impositiva a regra que considera a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição, correspondentes a, no mínimo, 80% de todo o período contributivo decorrido desde a competência de julho de 1994 (art. 3º). Portanto, não há margem de escolha para que esses beneficiários optem pela regra definitiva (Lei nº 8.213/1991, art. 29, I e II), aplicável para os que se filiaram após a publicação da referida lei e que leva em consideração a média aritmética simples dos maiores salários-de-contribuição correspondentes a 80% dos salários de contribuição de todo o período contributivo para efeito de cálculo de benefício previdenciário.”
Chama a atenção e gera perplexidade essa nova orientação da Suprema Corte, pois confronta com seus precedentes qualificados, especialmente, a Repercussão Geral – Tema 334, que garante o direito ao melhor benefício, e a Repercussão Geral – Tema 1102, que reconheceu o direito à revisão da vida toda. Veja-se a seguir as teses referidas em cada caso:
– RG Tema 334: Tese fixada: “Para o cálculo da renda mensal inicial, cumpre observar o quadro mais favorável ao beneficiário, pouco importando o decesso remuneratório ocorrido em data posterior ao implemento das condições legais para a aposentadoria, respeitadas a decadência do direito à revisão e a prescrição quanto às prestações vencidas.” (RE 630501, Plenário, DJE 26/08/2013)
– RG Tema 1102: Tese fixada: “O segurado que implementou as condições para o benefício previdenciário após a vigência da Lei 9.876, de 26.11.1999, e antes da vigência das novas regras constitucionais, introduzidas pela EC 103/2019, tem o direito de optar pela regra definitiva, caso esta lhe seja mais favorável.” (RE 1276977, Plenário, DJe 12/04/2023)
– ADIs 2110 e 2111: Tese fixada: “A declaração de constitucionalidade do art. 3º da Lei 9.876/1999 impõe que o dispositivo legal seja observado de forma cogente pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pela administração pública, em sua interpretação textual, que não permite exceção. O segurado do INSS que se enquadre no dispositivo não pode optar pela regra definitiva prevista no artigo 29, incisos I e II, da Lei nº 8.213/91, independentemente de lhe ser mais favorável”. (Plenário, 21.3.2024.)
Não se desconhece que na RG Tema 1102 pende de análise Embargos de Declaração em que o INSS busca anular o julgamento proferido pela Primeira Seção do STJ – Repetitivo Tema 999 (o qual ensejou a propositura do RE 1276977). E, diante da nova composição do STF, arriscamo-nos a prever que o Plenário tenderá a reconhecer a citada nulidade do acórdão proferido pela Primeira Seção do STJ, determinando a remessa dos autos àquela Corte, para que seja realizado novo julgamento nos termos do art. 97 da Constituição Federal.
Nessa toada, o STJ recebendo a devolução dos autos não poderá reiterar a tese fixada anteriormente em favor da Revisão da Vida Toda, pois o STF definiu nas ADIs 2110 e 2111 que inexiste o alegado direito em favor dos segurados da Previdência Social.
Diante dessa realidade, em que houve a prevalência do critério da valoração econômica da decisão, resta a expectativa de que a Suprema Corte faça a modulação de efeitos decorrentes da superação dos seus precedentes, como determina o art. 927, § 3º, do CPC:
“Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
(…) § 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.”
E, adentrando na modulação, espera-se, com base em outros precedentes (v.g. RG Tema 709), seja preservado a revisão efetivada em favor dos segurados que tiveram o direito reconhecido por decisão judicial transitada em julgado até a data do julgamento das ADIs 2110 e 2111 (21/03/2024) e a irrepetibilidade dos valores alimentares recebidos de boa-fé, por força de decisão judicial provisória até a proclamação do resultado da modulação dos efeitos postulados.
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