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Medida Provisória 905/2019: inconstitucionalidade da contribuição previdenciária do segurado desempregado
Marco Aurélio Serau Junior
20/01/2020
Em 11.11.2019 foi editada a Medida Provisória 905. Esse ato normativo procurou estabelecer, na legislação trabalhista brasileira, o denominado contrato de trabalho verde e amarelo, destinado aos jovens de 18 a 29 anos, uma espécie de política pública de Primeiro Emprego que flexibiliza a legislação trabalhista no intuito de que novos postos de trabalho sejam gerados.
Além disso, a Medida Provisória 905/2019 também tratou de matéria previdenciária: extinguiu o serviço social com a revogação do art. 90 da Lei 8.213/91; facultou uma espécie de privatização do serviço de reabilitação social e profissional (arts. 19 a 23) e, por fim, alterou a situação previdenciária dos desempregados.
Quanto a este ponto, a MP 905/2019 trouxe as seguintes inovações:
a) os desempregados passam a ser considerados segurados obrigatórios;
b) o tempo de recebimento do seguro-desemprego prorroga a qualidade de segurado e o período de graça;
c) há necessidade de recolhimento de contribuições previdenciárias sobre o montante recebido a título de benefício de seguro-desemprego.
Os dois primeiros pontos trazidos pela MP 905/2019 merecem elogios: os desempregados passarem a ser considerados segurados obrigatórios e o tempo de recebimento do benefício do seguro-desemprego prorroga a qualidade de segurado e o período de graça.
Os benefícios previdenciários, para o próprio segurado ou para seus dependentes, exigem que esteja configurada a qualidade de segurado, conforme disposto no art. 11 da Lei 8.213/91. Assim, a inclusão do desempregado no rol de segurados obrigatórios é relevante do ponto de vista social, pois permite que estas pessoas, bem como seus dependentes, possam vir a alcançar a concessão de benefícios previdenciários.
De igual importância a medida que permite a prorrogação do período de graça e a qualidade de segurado, pois o sistema previdenciário nacional é baseado em longos períodos de contribuição, e essa nova possibilidade trazida pela MP 905/2019 se revela bastante favorável aos segurados, tanto para que se obtenha o direito aos benefícios previdenciários quanto para que se obtenham valores de benefícios mais vantajosos economicamente.
Porém, merece crítica a criação da nova contribuição previdenciária instituída sobre os proventos recebidos a título de benefício de seguro-desemprego, conforme redação dada ao art. 28, § 9º, alínea a, da Lei 8.212/91:
Art. 28. Entende-se por salário-de-contribuição:
(…)
§ 9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente:
a) os benefícios da previdência social, nos termos e limites legais, exceto o salário-maternidade e o Seguro-Desemprego concedidos na forma da Lei nº 7.998, de 1990, e da Lei nº 10.779, de 2003;
(…)
§ 12. Considera-se salário de contribuição a parcela mensal do Seguro-Desemprego, de que trata a Lei nº 7.998, de 1990, e a Lei nº 10.779, de 2003.
Essa nova contribuição previdenciária afronta, em primeiro lugar, a disposição contida no artigo 194, parágrafo único, inciso V, da Constituição Federal:
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:
(…)
V – equidade na forma de participação no custeio;
Esse princípio é um desdobramento, no âmbito específico do custeio da Seguridade Social, do princípio mais abrangente da capacidade contributiva, contido no artigo 145, § 1º, da Constituição Federal:
§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
O princípio da equidade na forma de participação do custeio, que é ligado também ao princípio da solidariedade social, indica que os cidadãos participarão do custeio da Seguridade Social de uma forma justa, equânime, na medida de suas capacidades econômicas. Aqueles de maior capacidade econômica, como as empresas ou os segurados com maiores remunerações, participarão em maior medida, com alíquotas e bases de cálculo maiores; aqueles de menor poder aquisitivo, participarão em menor escala do financiamento da Seguridade Social, a partir de alíquotas menores. Aqueles que estiverem desprovidos de renda não terão a obrigação de contribuir, durante aquele período.
As pessoas em situação de desemprego, recebendo o benefício de seguro-desemprego, encontram-se em situação de notória vulnerabilidade econômica, sendo, inclusive, objeto da proteção previdenciária. Outrossim, os valores pagos a título de benefício de seguro-desemprego são transitórios e de valor baixo, com nítido caráter alimentar.
Assim, compreende-se que a cobrança da contribuição previdenciária sobre os valores recebidos a título de benefício de seguro-desemprego ofenderia frontalmente ao art. 194, V, da Constituição Federal.
Por outro lado, deve ser sublinhada a imunidade tributária conferida sobre os benefícios previdenciários constante do art. 195, II, parte final:
II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;
Ora, o benefício de seguro-desemprego, embora previsto em legislação própria (Lei 7.998/90), compõe o sistema protetivo da Previdência Social, conforme fica claro de uma simples leitura do artigo 201, inciso III, da Constituição Federal de 1988:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a:
(…)
III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;
Estas disposições constitucionais a respeito da imunidade conferida aos benefícios previdenciários também impede a cobrança de contribuição incidente sobre os valores recebidos a título de benefício de seguro-desemprego.
Por fim, deve ser considerada no exame de constitucionalidade da contribuição incidente sobre os valores recebidos a título de benefício de seguro-desemprego a própria ideia de solidariedade social, insculpida no artigo 195, caput, do Texto Constitucional:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
A ideia trazida pelo princípio da solidariedade reside na concepção de que toda a sociedade, de forma direta ou indireta, envidará esforços para o custeio da Seguridade Social, na medida de suas capacidades, dela fazendo uso ou não.
Diante destes três argumentos que apresentamos neste tópico compreendemos que a exigência de contribuição previdenciária sobre os proventos percebidos pelo segurado desempregado é inconstitucional.
Embora seja louvável a tentativa de inclusão do desempregado no âmbito da cobertura de proteção proporcionada pela estrutura de Seguridade Social, deve-se discutir os melhores instrumentos para que isso ocorra. E que esses instrumentos sejam, não somente eficazes, mas compatíveis com o restante do ordenamento jurídico.
O segurado desempregado é pessoa em situação de vulnerabilidade social, destituída, nesse momento específico, de capacidade contributiva; deverá ser objeto da proteção social e não, nesse período, responsável pelo custeio. O ideal, conforme os ditames constitucionais, seria deixar de exigir a contribuição previdenciária sobre os proventos de seguro-desemprego e, ainda assim, manter essa condição como hipótese de manutenção da qualidade de segurado e do período de graça, à semelhança de outras hipóteses que já constam do art. 15 da Lei 8.213/91.
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