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Inconstitucionalidades do regime de precatórios trazido pela EC 113/21 (ADIn 7.064 e MP 1.200/23)
Marco Aurélio Serau Junior
04/03/2024
Ao final de 2021 foram promulgadas as Emendas Constitucionais 113 e 114, que promoveram mudanças bastante drásticas no regime jurídico dos precatórios.
Tais mudanças foram objeto de judicialização, especialmente a partir da ADIn 7.064 (Relator Min Luiz Fux), cujo julgamento foi concluído pelo STF em 19/12/23.
Dos vários pontos de questionamento apresentaremos adiante os que nos parecem ser os mais relevantes. Dada a complexidade da matéria e extensão do acórdão, quando oportuno e necessário serão transcritos alguns trechos deste para melhor compreensão do tema.
Supressão do subteto para pagamento e rolagem dos precatórios contido no art. 107-A, do ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
Certamente o ponto mais polêmico das alterações no regime de precatórios levada a cabo pelas Emendas Constitucionais 113 e 114/21 residiu na fixação de subteto para o pagamento de precatórios e, na hipótese de superação desse patamar, a possibilidade de rolagem do pagamento para os anos subsequentes. Eis a redação do art. 107-A, do ADCT – Ato das Disposições Constitucionais Transitórias:
Art. 107-A. Até o fim de 2026, fica estabelecido, para cada exercício financeiro, limite para alocação na proposta orçamentária das despesas com pagamentos em virtude de sentença judiciária de que trata o art. 100 da Constituição Federal, equivalente ao valor da despesa paga no exercício de 2016, incluídos os restos a pagar pagos, corrigido na forma do § 1º do art. 107 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, devendo o espaço fiscal decorrente da diferença entre o valor dos precatórios expedidos e o respectivo limite ser destinado ao programa previsto no parágrafo único do art. 6º e à seguridade social, nos termos do art. 194, ambos da Constituição Federal, a ser calculado da seguinte forma:
I – no exercício de 2022, o espaço fiscal decorrente da diferença entre o valor dos precatórios expedidos e o limite estabelecido no caput deste artigo deverá ser destinado ao programa previsto no parágrafo único do art. 6º e à seguridade social, nos termos do art. 194, ambos da Constituição Federal;
II – no exercício de 2023, pela diferença entre o total de precatórios expedidos entre 2 de julho de 2021 e 2 de abril de 2022 e o limite de que trata o caput deste artigo válido para o exercício de 2023; e
III – nos exercícios de 2024 a 2026, pela diferença entre o total de precatórios expedidos entre 3 de abril de dois anos anteriores e 2 de abril do ano anterior ao exercício e o limite de que trata o caput deste artigo válido para o mesmo exercício.
§ 1º O limite para o pagamento de precatórios corresponderá, em cada exercício, ao limite previsto no caput deste artigo, reduzido da projeção para a despesa com o pagamento de requisições de pequeno valor para o mesmo exercício, que terão prioridade no pagamento.
§ 2º Os precatórios que não forem pagos em razão do previsto neste artigo terão prioridade para pagamento em exercícios seguintes, observada a ordem cronológica e o disposto no § 8º deste artigo.
O STF considerou que a postergação do pagamento dos precatórios no regime trazido pelas Emendas Constitucionais 113 e 114/21 implicaria em sacrifício de direitos individuais dos cidadãos em face do Poder Público, para mais do que já é imposto pelo modelo regular do artigo 100 da Constituição Federal:
A postergação do pagamento de valores relativos aos precatórios que excederam o teto fixado em Emenda à Constituição ensejou o sacrifício de direitos individuais do cidadão titular de um crédito em face do poder público, abalando sobremodo a legítima confiança nas instituições violando os efeitos da coisa julgada que foi favorável aos credores.
Também houve a consideração de que o novo formato de precatórios judiciais estaria a violar os efeitos da coisa julgada. Prevaleceu o entendimento de que o subteto prevaleceria tão somente para o ano de 2022, em decorrência de toda a excepcionalidade derivada ainda do período pandêmico:
A postergação do pagamento das dívidas de precatórios, que se mostrou medida proporcional e razoável para que o poder público pudesse enfrentar a situação decorrente de uma pandemia mundial em 2022, a partir do exercício de 2023 caracteriza-se como providência fora de esquadro com os princípios de accountability que constam do próprio Texto Constitucional. É dizer que a limitação a direitos individuais que inicialmente manifestou-se como um remédio eficaz para combater os distúrbios sociais causados pela COVID-19, neste momento caminha para se tornar um veneno com possibilidade de prejudicar severamente, em um futuro breve, o pagamento das mesmas despesas com ações sociais anteriormente prestigiadas.
Dispensado o subteto trazido pelo art. 107-A, do ADCT, com a redação dada pelas Emendas 113 e 114/21, o resultado prático no julgamento da ADI 7.064 foi a determinação de imediata quitação dos precatórios represados desde então:
A quitação do passivo criado pelas Emendas Constitucionais 113 e 114/21 é medida que se impõe, sob pena de se inviabilizar a atividade da administração pública em um futuro breve.
Esse entendimento fica sintetizado no dispositivo da ADI 7.064/DF, abaixo transcrito:
Ação Direta julgada PARCIALMENTE PROCEDENTE para: (i) dar interpretação conforme a constituição do caput do art. 107-A do ADCT, incluído pela Emenda Constitucional 114/2021 para que seus efeitos somente operem para o exercício de 2022; (ii) a declaração de inconstitucionalidade, com supressão de texto, dos incisos II e III do mesmo dispositivo; (iii) a inconstitucionalidade por arrastamento dos §§ 3º, 5º e 6º do mesmo art. 107-A; (iv) declaração de inconstitucionalidade do art. 6º da Emenda Constitucional 114/2021; (v) a declaração de inconstitucionalidade do art. 100, § 9º, e do art. 101, § 5º, do ADCT, com redação estabelecida pelo art. 1º da EC 113/21; (vi) dar interpretação conforme a Constituição do art. 100, § 11, da Constituição, com redação da EC 113/21 para afastar de seu texto a expressão “com auto aplicabilidade para a União”.
Nesse rumo, em 20/12/2023 foi publicada a MP 1.200, que em síntese abriu crédito extraordinário para pagamento de precatórios judiciais, especialmente de natureza previdenciária, nos termos do anexo daquele normativo:
Art. 1º Fica aberto crédito extraordinário, em favor dos Ministérios da Previdência Social, da Saúde e do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, e de Encargos Financeiros da União, no valor de R$ 93.143.160.563,00 (noventa e três bilhões cento e quarenta e três milhões cento e sessenta mil quinhentos e sessenta e três reais), para atender às programações constantes do Anexo.
Alteração da data de inclusão do requisitório
Um ponto polêmico trazido pela Emenda Constitucional 113/21 residiu na antecipação da data final para inclusão dos requisitórios à Presidência dos Tribunais, de 1 de julho para 2 de abril de cada ano.
Na ADIn 7.064 reconheceu-se a constitucionalidade desse novo modelo, tendo em vista não existir violação à atividade jurisdicional, mas mera atuação administrativa voltada ao pagamento dos precatórios:
A possibilidade de a nova legislação captar requisitórios já expedidos não encerra violação à irretroatividade. A aplicação da novel legislação dá-se após o encerramento da fase judicial do procedimento e antes do início da fase administrativa. É dizer que a norma produzirá efeitos após o encerramento das discussões relativas à condenação judicial do Poder Público e antes de finalizados os trâmites administrativos para a inclusão do crédito no orçamento.
Critério de atualização monetária das condenações judiciais da Fazenda Pública
Na ADIn 7.064 foi reconhecida a constitucionalidade do artigo 3º da Emenda Constitucional 113/21, que estabeleceu a Taxa Selic como único critério para atualização monetária das condenações da Fazenda Pública, a qual incidirá uma única vez até o efetivo pagamento:
Art. 3º Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia – Selic, acumulado mensalmente.
O STF compreendeu pela praticabilidade da utilização do critério único de correção das condenações judiciais da Fazenda Pública, indicando que, nesse tópico, não caberia a ratio decidendi das ADIn’s 4425 e 4357, anteriormente julgadas em face da Emenda Constitucional 62/09.
Também foi sopesado o entendimento firmado no Tema 810 da repercussão geral, em conjunto com o Tema 905 dos recursos especiais repetitivos no STJ.
Em linhas gerais são os principais pontos contidos no julgamento da ADIn 7.064, com reflexos na quitação dos precatórios mediante a publicação da MP 1.200/23.
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