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Revista Forense
CLÁSSICOS FORENSE
PENAL
REVISTA FORENSE
Teoria geral do delito, de José Frederico Marques
Revista Forense
06/01/2025
SUMÁRIO: Noção de crime. Criação legal. Tutela de bens e interêsses relevantes. Delimitação do ilícito penal. Imprestabilidade do agente. Importância teórica e prática do assunto. Conclusão.
Noção de crime
1. Quid est crimen? Ao responder a essa pergunta, diz BATTAGLINI, está o jurista resolvendo uma questão fundamental de que derivarão conceitos essencialíssimos para construir um sistema científico de direito penal positivo.
Não abraçam os autores entendimento uniforme no delimitar o campo e âmbito da noção de crime. Alguns pretendem confiná-lo em definição exclusivamente formal de técnica jurídica. Outros propugnam por um conceito de caráter substancial. Uma terceira corrente procura dar do delito uma dupla noção: a material e a formal. Há ainda os que, a essa definição, simultâneamente material e formal, acrescentam mais um elemento para que do crime se tenha, também, uma noção “sintomática”, que abranja, por isso mesmo, em seu conteúdo, a personalidade do agente.
BIAGIO PETROCELLI, CUELLO CALÓN, JOSÉ ANTON ONECA e outros só admitem, no âmbito jurídico-penal um conceito técnico, de caráter formal. MAGGIORE, em campo oposto, procura dar do crime, também, uma “noção de conteúdo”, no que é seguido por BETTIOL.
Não nos parece que o delito possa ser definido, apenas formalmente.
O Estado, no exercício de seu imperium, tem o que ALDO MORO denominou de soberania jurídico-penal, ou seja, um poder de punir que precede e acompanha sua atividade legislativa. Embora amplo, êsse poder não é ilimitado. Êle se prende (a observação agora é de BETTIOL) às fontes materiais do direito penal ligando-se às exigências superiores de justiça que devem encontrar-se na ba e de tôdas as legislações positivas, como limites da própria legislação. Também interferem nesse assunto – acrescenta BETTIOL – as concepções sociais dominantes, as chamadas normas de cultura, “para restringir e dar conteúdo à vontade legislativa do Estado”.
É certo – como salienta PETRO-CELLI – que, sem a consagração em lei, nenhum fato se considera “crime”. Isto porém decorre do princípio de legalidade das penas e delitos, – limite também ao imperium estatal, provindo do respeito aos direitos do homem, que é inerente aos sistemas normativos em que vigoram os postulados políticos do Direito Penal liberal.
Se não há crime sem lei, não pode, outrossim, o legislador, arbitràriamente, impor sanções penais a qualquer ato ilícito, segundo o exclusivo alvedrio de sua vontade. Por outro lado, como a pena é exigência do bem comum, certas violações da ordem jurídica necessitam de repressão mais enérgica, de uma sanctiojuris mais rigorosa, em virtude dos reflexos prejudiciais ao Estado e à sociedade que provocam o ataque a alguns bens jurìdicamente tutelados. Há, por isso, um princípio de justiça acima da vontade do legislador.
Daí a necessidade de se fixar um conceito substancial de crime. Concluir de outra forma, significa reconhecer, no legislador, uma vontade onipotente e poderosa em que o Direito punitivo encontraria a única fonte material de seus mandamentos.
GIULIO PAOLI fixou muito bem a questão ao mostrar que, se é exato não existir delito “sem lei promulgada e sem cominação de pena”, também é certo que se não pode deixar o legislador sem norte, quando necessite estatuir ou determinar quais os fatos que devam ser considerados penalmente ilícitos. Prescindindo desta última verdade, chegar-se-ia à conclusão de que é consentido ao legislador, com “desenfreado e tirânico arbítrio”, estabelecer quais os fatos que devem ser proibidos sob a cominação de sanção penal; se, no entanto, tabula rasa se fizer da primeira afirmativa, tirar-se-ia a ilação de que existem fatos que constituem crimes ainda que o legislador não os houvesse proibido com a cominação de pena.
Ambas as verdades devem ser levadas em consideração num estudo integral do crime: assim como se não pode admitir que o legislador se guie por sugestões “della propria fantasia nel porre divieti sanzionati da pena”, também não se concebe a existência de atos delituosos onde não haja “fatto vietato e sanzionato da pena”, através de lei.
Criação legal
2. Se o jurídico, como diz T. J. DELOS, nada mais é que o social que recebeu uma forma pela intervenção da autoridade, o crime, como ente jurídico, nada mais traduz que a conduta ilícita que recebeu forma jurídico-penal através da lei.
Sôbre os dados empíricos da realidade social, incide o juízo de valor dos órgãos legislativos para assim amoldarem em condutas típicas, comportamentos humanos lesivos a bens que devem ser jurìdicamente tutelados. Cumpre, por Isso, ao legislador penal, como anotou PAUL CUCHE, “discernir, na época e meio em que vive, as regras cujo respeito deve ser assegurado por uma sanção penal”. Se a relevância social do bem jurídico, em, face dos mandamentos do bem comum (causafinalis da comunhão social), exigir tutela mais enérgica da ordem jurídica, o legislador o ampara, tornando punível a ação ou omissão que lhe sejam danosas.
Os bens e valores que devem ficar sob o amparo da legislação penal, não os aponta, o legislador, em razão de fatôres pertinentes exclusivamente às condições exigidas para o progresso e desenvolvimento material da vida coletiva. Há crimes e delitos que não chegam a pôr em perigo “le condizioni di esistenza della società” – lembra BETTIOL, e que, no entanto, vêm definidos como infração penal, pelo legislador. A sociedade para existir e manter-se necessita, não só do “equilíbrio físico”, que lhe garanta a sobrevivência material, como também do “equilíbrio moral”, que a eleve e dignifique. E isto só se dá quando se preservam os valores éticos fundamentais, que o bem comum impõe como condição sine qua non para a elevação moral da vida em comunhão.
O conteúdo substancial das condutas ilícitas que o legislador considera puníveis não deve ser pesquisado tão-só nos elementos que se relacionam com o maior desenvolvimento dos coeficientes materiais das coletividades organizadas. O bem comum envolve, em suas exigências, o amparo e tutela dos valores éticos que contribuem para que a pessoa humana, a família e o Estado atinjam os objetivos supremos de sua existência.
Tôda ação ou omissão que comprometa as condições existenciais da comunhão social, não só no plano do progresso material, como também no terreno das exigências morais do bem comum, constitui ato lesivo aos bens e valores que são fundamentais para a sociedade. Por isso mesmo, desce sôbre êles a tutela da lei penal, e as condutas ilícitas, que os possam atingir, se enquadrarão nas normas em que vêm definidos crimes e delitos. Daí dizer BETTIOL que se considera crime “todo fato humano lesivo de um interêsse que possa comprometer as condições de existência, conservação e progresso da sociedade”, entendido êste último, também, como ascensão do homem e da coletividade, no plano espiritual.
Tutela de bens e interêsses relevantes
3. A norma penal, como tôda norma jurídica, tem por conteúdo a tutela de bens e interêsses relevantes para o Direito. Transfunde, por isso, o legislador, no preceito penal, “aquelas expressões da vida humana que em seu critério encarnam a negação dos valores jurídico-criminais”.
O objetivo da lei, ao definir como delituosa determinada conduta, é o de tutelar um interêsse relevante para a comunhão social, amparando-o mais enèrgicamente através da cominação de sanções de natureza penal. Há implícito, assim, em tôda norma penal, um “juízo de valor”, do qual resulta a incriminação dos atos contrários a um bem a que a ordem jurídica deve garantir, por ser condição de existência e progresso da sociedade.
Daí decorre que o crime, em sentido substancial, pode ser definido, ainda, como a lesão a um bem jurídico penalmente tutelado, uma vez que essa tutela promana, justamente, do juízo de valor, que se formula para considerar delituosas as condutas contrárias aos interêsses da vida coletiva.
Nessa definição, tal como em tôda norma penal; verifica-se a interpretação do momento valorativo da noção de crime, com a positividade que lhe dá a promulgação da lei onde o delito vem definido. No conceito de bem jurídico, não só se cristaliza o juízo de valor de que proveio a norma penal, como também se encontra a causafinalis da sanção abstratamente cominada: é porque o legislador entende que determinado bem cristaliza um valor relevante para a comunhão social, que a conduta, que o atinge ou o põe em perigo; traz como conseqüência uma pena. É que, no conceito de bem jurídico, se consubstanciam aquêles valores que, para o legislador, colocam um comportamento humano, que os nega ou viola na esfera das condutas penalmente ilícitas. Donde dizer HONIG que “o conceito de bem jurídico” deve ser entendido “como síntese categorial, através da qual o pensamento jurídico se esforça por compreender, em fórmulas mais curtas, o sentido e o fim dos diversos preceitos criminais”.
E essa valoração vem imposta, de forma imperativa, através da norma, que na lei penal se contém. Sucede-se, assim, ao juízo de valor, que levou o legislador a configurar, como delituosa, determinada conduta, o reconhecimento obrigatório do bem jurídico tutelado pelo preceito legal, através da forma imperativa, que é inerente aos mandamentos legais.
A norma assim promulgada se decompõe, por isso em face de sua função essencial, em dois momentos: aquêle pertinente ao juízo de valor (ou momento valorativo) e o momento imperativo. Em se tratando de norma penal, é bem visível, através de seu esquema formal, que êste momento imperativo se decompõe, por seu turno, em dois outros: o preceptivo e o sancionador. Aquêle está contido no preceito primário da norma, e o último, em seu preceito secundário.
Como o legislador procura tutelar determinado bem jurídico, a norma penal contém, em seu momento preceptivo, a descrição da conduta humana, que o ofende ou o põe em perigo; e no preceito secundário, em que se consubstancia o momento sancionador, indica qual a forma com que o Direito procura realizar sua tutela, em face da violação levada a efeito. Donde dizer ARMANDO REGINA que tanto o preceito como a sanção “fondano sopra la valutazione che la norma compie”, pelo que os seus dois momentos “concorrem para revelar êsse juízo de valor”.
Se o crime é a violação de um bens jurídico sôbre o qual desce a tutela penal, convém ser lembrado, consoante princípio inerente aos Estados jurìdicamente estruturados sob a forma democrática, que não podem os juízes a seu talante, como bem ensina o penalista EDUARDO CORREIA, emitir juízos de valor sôbre condutas humanas para lhes aplicar, a seguir, as sanções do Direito Penal. Dizer os valores que devem ser penalmente tutelados, e quais as ações ou omissões que ao violá-los provocam á atividade punitiva do Estado, constitui tarefa do legislador.
Delimitação do ilícito penal
O ilícito penal não se estende num espaço sem fronteiras. Êle é delimitado e descontínuo. A lei não só aponta, nas normas incriminadoras, os bens jurídicos que são penalmente garantidos, como também descreve o modusfaciendi das condutas humanas passíveis da sanção punitiva. Daí a regra básica do Direito Penal, de que não há crime sem fato típico.
A relevância de uma ação ou de um non facere para o Direito Penal descansa na tipicidade. Se a conduta comissiva ou omissiva não se enquadra na descrição contida no preceito primário, ou regra preceptiva, da norma penal incriminadora, não adquire foros de cidade nos domínio; jurídico-penais.
Dissemos, por isso, em outra ocasião, que a tipicidade não passa de redução a categorias jurídicas daquele princípio maior, de que ninguém pode ser punido senão pela prática de fato descrito em lei. prévia e anterior. A tipicidade é a adequação da conduta ao tipo e êste se apresenta como a “descrição legal que dá a noção do comportamento humano correspondente a cada delito, assinalando-lhe os elementos próprios” – conforme a definição de RICARDO C. NUÑEZ.
Êsse fato penalmente relevante pode, no entanto, não ser ilícito. Não é porque o legislador o cunhou com figura delituosa que necessàriamente se há de aplicar, como conseqüência imperativa, a sanção penal prevista no preceito secundário da norma penal.
O momento valorativo desta última, embora antecedente e prius de seu momento imperativo, não está ausente quando se tem de aplicar os mandamentos contidos no preceito penal. “El derecho”, como diz SOLER, “es sobre todo valoración. El externo encuadramiento de una acción a su figura no es más que el primer paso dado en el sentido de esa valoración”. Imprescindível é, por isso, um juízo de valor sôbre a lesividade do comportamento humano que se enquadra na descrição legal. O crime é violação de um bem jurídico que o Estado deve tutelar. porque consubstancia um valor relevante para a comunhão social. Se o fato enquadrado na descrição legal não afetar a ordem jurídica e estiver em harmonia com os mandamentos desta, a conduta humana que o configura não constituirá crime.
A descrição contida no preceito primário da norma penal tem um objetivo: indicar quais as condutas relevantes para o Direito Penal. O legislador, ao procurar tutelar e garantir os valores éticos da vida coletiva organizada jurìdicamente, prevê e descreve as ações humanas que os possam atingir, uma vez que o Direito Penal não permite que se apliquem suas sanções sem que estas se liguem a condutas taxativas e expressas. Assim sendo, só os fatos prèviamente fixados na descrição legal podem ser objeto das valorações jurídicas de que provirão as penas constantes da norma penal. Mas se a subsunção do fato na descrição normativa da lei é condição necessária para que exista crime, só isto não constitui condição suficiente para afirmar-se que tal conduta tem os contornos integrais do crime.
Isto quer dizer que, após o enquadramento da conduta na descrição legal, cumpre focalizá-la no campo da licitude para verificar-se se o fato assim enquadrado está em contraste com a ordem jurídica. Só a conduta tipificada na lei penal em contradição com o Direito pode considerar-se como violação de um bem jurídico tutelado.
Vê-se, pois, que a conduta humana se torna relevante para o Direito Penal quando se transforma em fato típico, isto é, quando subsumível na descrição legal contida no preceito primário da norma penal. Verificada a existência de fato típico, é êste submetido a um juízo de valor para indagar-se se o fato é contrário ao Direito. Donde acrescentar-se, como elemento do crime, ao fato típico, o que se denomina de antijuridicidade. Só depois de verificar-se que o fato típico é também antijurídico, é que se poderá dizer que houve uma violação da lei penal lesiva a um bem jurìdicamente tutelado.
A pena não decorre só do dano, sugerida se acha, de muito, a fase exclusivamente objetiva das penas que o Estado impõe. O dano revela a existência de um ato contra jus, de uma conduta ilícita, de um comportamento antijurídico. Mas o campo da ilicitude é mais extenso que o do ilícito punível. Ao dano que o juízo normativo extrai de uma conduta típica, é preciso que um outro elemento se acrescente para que surja o juspunitionis que o Estado exerce em função dos imperativos sociais.
A pena é sobretudo retribuição. A dialética doutrinária das constrições científico-naturalistas e as teorias lastreadas pelo determinismo mecanicista de concepções unilaterais sôbre o homem e a vida não conseguiram apagar o caráter retributivo da sanção renal. O homem que pratica um ato ilícito é punido e castigado porque atentou contra valores básicos da vida em comunhão. Se êle vai sofrer uma punição aflitiva, e se o Estado lhe pretende restringir o juslibertatis, tudo se deve ao mal praticado. Punir é, antes de mais nada, pagar o mal com o mal, castigar e impor sofrimento físico a quem violou os ditames supremos da existência comunitária, perturbando prejudicial e nocivamente o equilíbrio e harmonia das exigências do bem comum.
Como o disse COSTA E SILVA, o conceito retributivo da pena ainda está de pé, malgrado tôdas as investidas levadas a efeito para eliminá-lo.
Ora, não se pune nem se castiga uma pessoa, privando-a de um bem jurídico, qual a liberdade, que o Estado normalmente tutela e ampara, sem que o autor da lesão mereça ser punido. E o merecimento dessa punição não pode defluir apenas do dano ocasionado. A sanctiojuris do Direito Penal não tem caráter repristinatório, como o acentuou GRISPIGNI. Nela não se consubstancia uma forma de reparação para compor prejuízos e ressarcir discriminações patrimoniais. A idéia nuclear da pena sendo a retribuição, imprescindível se torna que exista culpa do autor do dano, na consumação dêste.
Nullum crimen sine culpa – pois o ato ilícito em que se cristaliza a violação de um bem jurídico só se transforma em ilícito punível se houver uma vontade humana ligada ao evento danoso. E se o fato típico, – primeiro elemento do crime, – para tornar-se antijurídico, preciso foi formular-se um juízo normativo em que se confrontem a conduta humanos com a ordem jurídica, novo juízo de valor surgirá, nesse terceiro momento, para que se indague do caráter reprovável da vontade que comandou e dirigiu a ação do autor do ato ilícito e danoso.
Culpa é reprovação, e sobretudo vontade ilícita. Punível é o fato típico, porque nêle se descobre uma conduta contra jus e um comportamento reprovável. A regra sancionadora se aplica quando existe uma vontade ilícita ligando o dano ao homem, visto que a sociedade reprova e pune a ação ou omissão daquele de quem podia exigir outra conduta.
A culpa, por isso, é qualidade do ato praticado por uma pessoa responsável (ou imputável) ligado ao evento pela culpa em sentido estrito ou dolo, e que se torna reprovável porque dela se podia exigir outro comportamento ou atuação.
Esta é a teoria trinômica do crime, já entrevista por CARRARA e que a ciência penal alemã anterior ao nazismo, elaborou com profundeza e incomparável descortino intelectual, assentando as bases da sanção penal, nos dados objetivos da conduta humana, para que a liberdade não ficasse ao arbítrio e mercê das fôrças coativas do poder público.
A ação ou omissão que no mundo físico se projeta, exteriorizando impulsos da vontade, sòmente adquire relevância no campo jurídico-penal se enquadrada em descrição típica contida na regra preceptiva de norma penal incriminadora. O fato típico, a seguir, só será considerado ilícito e danoso se ao passar pelo crivo de um juízo de valor de caráter normativo se revelar contra a ordem jurídica. Mas o fato assim tipificado e considerado ilícito só será punível se houver culpa em sentido lato, ou seja, se emanar de vontade ilícita que dê à conduta antijurídica o caráter de reprovável.
Infelizmente, a problemática da teoria geral do delito não tem sido abordada, salvo raras exceções, com a atenção devida, pela ciência penal brasileira. O Direito Penal pátrio está sendo construído com institutos estanques que, por isso mesmo, não se intercomunicam nem se aglutinam, o que cria dificuldades insuperáveis no solucionamento de problemas particulares que o fluxo inesgotável da experiência cotidiana apresenta aos tribunais e juízes.
Se pretendemos elaborar, com base no jus positum, uma ciência dogmático-penal, é necessário exigir bases sólidas e fundamentos inquebrantáveis para o embasamento teórico das regras e preceitos que devem informar os diversos institutos particulares do Direito Penal.
A teoria geral do delito não é mero passatempo de teorizadores da ciência jurídica, nem tarefa inócua de devaneios abstratos em que se comprarem juristas de gabinete.
O entrosamento final dos institutos penais só se consegue através de uma compreensão panorâmica da sistemática geral do delito, de forma a propiciar um estudo fecundo de cada um dos elementos integrantes e constitutivos da infração penal.
É preciso compreender que o fato delituoso, enquanto no plano da tipicidade, já de si produz efeitos marcantes, não só no campo do Direito Penal, como também nos domínios da persecutiocriminis. O corpo de delito, por exemplo, que outra coisa traduz senão a existência de fato definido como crime?
Quando o Cód. de Proc. Penal, no art. 311, fala em prova da existência do crime, como conditiosinequanon da prisão preventiva é evidente que só alude ao fato típico, ao crime em seu primeiro elemento constitutivo.
Imprestabilidade do agente
Mas, com o acréscimo da antijuridicidade, o fato típico se torna ato ilícito. Há então o que MAGGIORE, com propriedade, denominou de aparecimento do crime, embora não efetivo no tocante à pessoa do agente ainda não declarado autor de fato reprovável.
Com a antijuridicidade reconhecida, afirma-se a existência objetiva de um dano a bem jurídico penalmente tutelado. Daqui por diante, far-se-á a ligação subjetiva com o agente, ou através do juízo de culpabilidade para lhe impor a pena, ou através da verificação da periculosidade para se lhe aplicar medida de segurança.
Sem fato típico e antijurídico não há crime, porque não se pode falar em lesão a um bem jurídico. Só depois de existente objetivamente o ato ilícito, é que se cogitará de seus liames subjetivos com o agente ou com os participantes do delito, como no caso de co-autoria.
A fixação da ilicitude penal é objetivas. Sua ligação com o agente ou outras pessoas é subjetiva e se fará de caso para caso.
Se um louco pratica um furto, a ilicitude criminal do fato não o torna passível de pena porque a imputabilidade do agente torna para êle não-punível o delito. Todavia, se alguém colaborou no furto, como co-autor, possível será sua punição, uma vez provado o caráter reprovável, em face do juízo de culpabilidade; de sua conduta. E a venda da resfurtiva a um terceiro, pelo próprio louco, poderá dar lugar à receptação, porquanto a coisa vendida é produto de ato penalmente ilícito. Além disso, sôbre o fato típico e antijurídico do inimputável recairá o juízo de periculosidade para averiguar-se sôbre a aplicação de medida de segurança.
Veja-se, agora, o que acontece com a prática de fato típico não-antijurídico. O homicídio em legítima defesa não constitui ilícito penal. Por isso mesmo, em relação a êsse fato penalmente lícito, não haverá juízo de culpabilidade e tampouco o de periculosidade. E se alguém auxiliou o agente, na prática do homicídio, não responderá pelo fato típico, uma vez que êste não se apresenta como antijurídico.
Daí se segue que o fato típico e antijurídico pode deixar de ser punível em relação a determinada pessoa e dar causa à punição no tocante a outra. Ao demais, existindo fato penalmente ilícito, a não-aplicação da pena por ausência de culpabilidade criminal é insuficiente para impedir a imposição de medida de segurança, ou de sanções extrapenais.
O descobrimento dos têrmos e sinônimos que compõem a figura integral do crime tem levado autores de tomo a afirmativas sem existência, que de todo se esclarecem focalizando o assunto com a devida atenção nos domínios em que o delito se triparte.
Diz-se, verbi gratia, que a repulsa à agressão de um louco não constitui legítima defesa e sim estado de necessidade, porque o louco não pode praticar ação injusta, ou seja, contra o direito. Daí se segue que a responsabilidade, primeiro elemento da culpa, torna lícito o ato, o que é absurdo. Se fôsse assim, o louco que agredisse alguém não poderia ser submetido a medida de segurança, porquanto esta medida penal só se aplica quando há fato típico e ilícito. A menos que se admita que um inimputável, pela só circunstância de praticar fato típico, estaria sujeito às medidas de segurança, o que é absurdo ainda maior, principalmente em face de um Código que equipara a condição à causa. Se amanhã um pobre irresponsável, durante o incêndio de um teatro, atira-se em direção à rua e no seu desespêro atinge a uma pessoa, ferindo-a, terá de sofrer medida de segurança, muito embora o fato típico que cometeu não seja antijurídico porquanto praticado em estado de necessidade.
Tôdas essas equações só se armam com acêrto, lógica e coerência quando cada um dos momentos que compõem o delito é investigado e focalizado com precisão, o que se consegue mediante compreensão acurada das partes constitutivas do crime e respectiva aglutinação.
Importância teórica e prática do assunto
Os exemplos citados foram trazidos à colação para demonstrar-se a importância prática, e não apenas teórica, de um estudo sério e aprofundado da teoria geral do delito.
E note-se que apenas dissertamos sôbre a concepção tripartida que é a mais em voga na ciência penal, deixando de lado doutrinas que não aceitamos e que em outra oportunidade serão expostas, mas que se agitam e debatem na ciência penal contemporânea.
Se o Direito Penal voltou ao velho solar do Direito – como o disse LUÍS JIMENEZ DE ASÚA – depois que o pretenderam exilar, como ciência subalterna, – nos meandros de uma sociologia determinista elaborada pelo cientismo do século passado, – cumpre mantê-lo, como disciplina dogmático-jurídica, em condições de elaborar seus postulados e regras fundamentais, através de obra duradoura e sólida cujos alicerces mergulhem nas profundas meditações doutrinárias que os problemas gerais trazem à tona.
Pretender elaborar uma ciência jurídica do crime, sem estabelecer as bases conceituais dêste, é construir no vácuo, ou erguer edifício sem estrutura regular.
Ou fazemos ciência jurídica, ou continuamos mergulhados no empirismo casuísta em que não há construções jurídicas nem sistematização doutrinária.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 4
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 5
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 6
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