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O Sistema Penitenciário no Direito Brasileiro

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O Sistema Penitenciário no Direito Brasileiro

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REVISTA FORENSE 153

SISTEMA PENITENCIÁRIO

Revista Forense

Revista Forense

06/09/2022

REVISTA FORENSE – VOLUME 153
MAIO-JUNHO DE 1954
Semestral
ISSN 0102-8413

FUNDADA EM 1904
PUBLICAÇÃO NACIONAL DE DOUTRINA, JURISPRUDÊNCIA E LEGISLAÇÃO

FUNDADORES
Francisco Mendes Pimentel
Estevão L. de Magalhães Pinto,

Abreviaturas e siglas usadas
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CRÔNICA

PARECERES

NOTAS E COMENTÁRIOS

  • Lei Reguladora do Estatuto Pessoal – Haroldo Valadão
  • O Sistema Penitenciário no Direito Brasileiro – Lourival Vilela Viana
  • Contrôle das Assembléias Gerais das Sociedades Anônimas – Filomeno J. da Costa
  • Da Apuração do Dano Conforme a Natureza da Culpa – Abelardo Barreto do Rosário
  • A Inconstitucionalidade do Impôsto Adicional de 1%, Da Fundação da Casa Popular – Alípio Silveira
  • A Crise da Propriedade Industrial – João da Gama Cerqueira
  • Revelia do Autor – Absolvição de Instância – A. Lopes da Costa
  • Unificação de Justiça – João Solon Macedônia Soares
  • Salário Mínimo – Extensão aos Servidores Civis, Militares e Autárquicos, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, Bilac Pinto
  • Abono de Desemprêgo, Bilac Pinto

BIBLIOGRAFIA

JURISPRUDÊNCIA 

LEGISLAÇÃO

SUMÁRIO: Sistema penitenciário e direito penal. O Cód. Penal de 1940. A elaboração do Cód. Penitenciário. Reclusão e detenção. Colônias penais. Livramento condicional.

Sobre o autor

Lourival Vilela Viana, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais.

NOTAS E COMENTÁRIOS

O Sistema Penitenciário no Direito Brasileiro

Sistema penitenciário e direito penal

O sistema penitenciário1 está intimamente vinculado, ao Direito Penal, à sua escola, à sua filosofia. Se se tratar de um Cód. Penal de teor clássico, o sistema penitenciário não poderá abstrair dos conceitos fundamentais que o estruturam, notadamente quanto à noção de pena: “malu passionis quod infligitur ob malum actionis”; se, ao contrário, o Código filiar-se ao positivismo criminal, o sistema penitenciário complementá-lo-á no sentido de executar a pena,2 consoante, os postulados da Escola Positiva, para a qual a pena não tem o caráter de retribuição nem de castigo.3

Da mesma forma, se a legislação penal perfilhar a corrente técnico-jurídica, o sistema penitenciário deverá fundar-se na tese clássica pena – retribuição – defesa social, que aquela corrente geralmente adota.

O método técnico-jurídico (ou escola técnico-jurídica) constitui hoje a intuição penal dominante. Assim, na Alemanha, VON HIPPEL, MEZGER, BELING e numerosos outros; na França, modernamente DONNEDIEU DE VABRES; na Itália, cêrca de 90% de seus penalistas; na Argentina, o maior de seus escritores de Direito Penal: SEBASTIAN SOLER; no Brasil, NÉLSON HUNGRIA, BASILEU GARCIA, GALDINO SIQUEIRA, OSCAR STEVENSON, MADUREIRA DE PINHO e outros mais. E’ o da exegese; supera o dissídio das escolas; concilia as tendências penais.4

O Cód. Penal de 1940

Os Códigos Penais modernos seguem, em regra, o método técnico-jurídico, destacando-se entre êles o Cód. Penal brasileiro de 1940, Sua tendência é neo-clássica. Não nega o livre-arbítrio, embora não o afirme expressamente em nenhum de, seus dispositivos. Demais, não precisaria fazê-lo. O livre-arbítrio resulta da formulação do conceito de responsabilidade penal, cujos fundamentos, para o nosso Código, repousam na responsabilidade moral, que, como acertadamente acentua o ministro FRANCISCO CAMPOS, na sua “Exposição de Motivos”, “pressupõe, no autor do crime, contemporâneamente à ação ou omissão, a capacidade de entendimento e a liberdade de vontade”. E mais adiante, incisivamente: “Rejeitado o pressuposto da vontade livre, o Cód. Penal seria uma congérie de ilogismos”. Ora, a “capacidade de entendimento” e a “vontade livre”, a que se refere o ministro, inculcam o livre-arbítrio, sem o qual não existirá nem inteligência, nem vontade, e, conseqüentemente, nem crime, nem pena. Nulla poena sine culpa. Logo, o crime é ato da inteligência e da vontade. E’ fenômeno da liberdade. E a pena, retribuição, castigo, emenda. Essa, a doutrina do Cód. Penal brasileiro. Não pode desprezá-la o sistema penitenciário.

Considerando, porém, insuficiente a adoção dêsses princípios que informam tôda nossa, legislação penal, o Código foi além (a exemplo, aliás, dos estatutos penais modernos). Regulou textualmente a forma de execução da pena e a técnica de sua individualização. São regras de direito que devem, necessàriamente, ser observadas.5

Fêz bem o legislador? Não há dúvida em responder-se pela afirmativa, tendo-se em vista a incensurável advertência de BETTIOL,6 segundo a qual o verdadeiro significado da pena está na sua execução. “La pena è nella sua esecuzione”. Argumenta o ilustre penalista italiano que nada vale, por exemplo, estabelecer critérios de individualização da pena e vê-los aplicados na sentença do juiz, se, depois, através da execução (nas penitenciárias) tudo que foi normativamente estabelecido e jurisdicionalmente comandado, não fôr efetivamente cumprido.

Não é só, todavia, a matéria da individualização da execução penal, que tanto preocupou a BETTIOL, que os Códigos devem regular. Cumpre-lhes pormenorizar mais e definir o sistema penitenciário que preferem.7 A individualização da pena, que é ponto indiscutìvelmente relevante (não, único) no sistema penitenciário, há de ficar compreendida e prevista no Cód. Penal, ao lado de numerosas outras medidas executivas.

Mas o Cód. Penal não pode disciplinar tôdas as disposições do sistema penitenciário. Não lho permitiria a técnica. O Cód. Penal consigna sòmente os fundamentos, as linhas gerais. O sistema penitenciário completa-o, com “meticulosas disposições subsidiárias, de cunho administrativo”, conforme justamente assinala o Prof. BASILEU GARCIA.8

A elaboração do Cód. Penitenciário

Não existe ainda, no Brasil, um Cód. Penitenciário, para complementar o Cód. Penal.

O nosso primeiro projeto de Código Penitenciário, da autoria de CÂNDIDO MENDES DE ALMEIDA, LEMOS BRITO e HEITOR CARRILHO, não logrou ser transformado formado em lei.9 Atualmente, está superado: filiava-se ao Projeto de Cód. Penal, de SÁ PEREIRA, que não vingou.

Raros os países que possuem Código Penitenciário.10 No Brasil, volta-se agora a cogitar da questão.

Qual o “tipo” de sistema penitenciário que deve figurar no futuro Código Penitenciária nacional?

E’ o perfilhado pelo nosso Cód. Penal, e que vem sendo mais ou menos aplicado, em tôdas as grandes penitenciárias brasileiras – o “sistema progressivo ou irlandês”. Mas, ao discipliná-lo, o Código não permaneceu integralmente fiel ao modêlo clássico. Como bem observa o Prof. ROBERTO LIRA,11 um dos mais eminentes membros da Comissão Revisora do Projeto ALCÂNTARA MACHADO (do qual saiu o Cód. Penal vigente), “o Código adotou um sistema progressivo e não o sistema progressivo, construindo com uma progressão original, flexível e realista, o sistema progressivo brasileiro. De maneira geral, quer quanto ao número, quer quanto ao ritmo, quer quanto à essência, não se subordinou à rigidez de períodos incompatíveis com a individualização executiva da pena e com a contínua transformação da ciência penitenciária”.

Efetivamente, o sistema progressivo brasileiro distancia-se, nalguns ponto, do modêlo ideado por WALTER CROFTON. Procuraremos demonstrá-lo.

Reclusão e detenção

O Cód. Penal distingue duas classes de pena privativa da liberdade: reclusão e detenção. Ambas “devem ser cumpridas em penitenciária, ou, à falta, em seção especial de prisão comum” diz o art. 29. A pena de reclusão destina-se aos crimes mais graves. Já a detenção é uma espécie de custódia honesta, embora COSTA E SILVA12 lhe negue êsse caráter. No seu entender, é tão-sòmente uma pena privativa de liberdade de natureza mais branda, cominada aos crimes de somenos gravidade, a juízo do autor da lei.

Os efeitos processuais e penais dêsses dois tipos de pena são diferentes.13 Da mesma forma, a sua execução penitenciária. O sistema progressivo brasileiro apenas tem em vista, pràticamente, o cumprimento da pena de reclusão, nos seus quatro períodos: 1º) isolamento inicial, diurno e noturno; 2°) trabalho em comum; 3°) transferência para colônia penal; 4°) livramento condicional.

Na detenção, não há o período da segregação inicial; o trabalho pode ser escolhido livremente pelo detento, só se lhe impondo uma condição: que tenha caráter educativo. Daí o acêrto da sugestão de eminentes penalistas pátrios (COSTA E SILVA, BASILEU GARCIA e outros mais), no sentido de se organizarem no País presídios especiais para essa modalidade de pena, para se manter a distinção entre ela e a reclusão, feita pelo próprio legislador.

O isolamento inicial do recluso, que o Código admitiu com restrições de ROBERTO LIRA,14 tem sido objeto de controvérsia. E’ reminiscência do solitary-system, de Filadélfia, que tencionava impedir a corrupção recíproca dos presos. Não só: que êles, segregados, longe de tudo e de todos, se reconcentrassem e refletissem sôbre o crime praticado.

Pergunta-se: teria a prisão celular, diurna e noturna, que o nosso Código e prescreve “por tempo não superior a três meses”, o sentido de evitar a promiscuidade e despertar os bons sentimentos de sentenciado? E’ de se responder pela negativa.

O trabalho obrigatório, em comum, tal como o dispõe o Código (art. 30, § 1°), para a segunda fase da execução da pena é o melhor e mais seguro instrumento de combate às corrupções dos presídios.

A êsse respeito, escrevia HOWARD, o pioneiro do penitenciarismo de nossos dias no seu célebre livro “State of Prisons”: “make men diligent, and they will be honest”.

No que diz respeito aos benefícios que o solitary-system traz à regeneração do recluso, pela meditação forçada que o silêncio obrigatório lhe impõe, é hoje tem desprestigiado.

Raros os autores e Códigos que o endossam.15 Os países que lideram o progresso penal e penitenciário no mundo atual já o aboliram (Alemanha, França, etc.; e, na América: Estados Unidos, Brasil, Argentina, Chile e outros).

O silêncio é contrário ao instinto natural do homem e é impossível obtê-lo à fôrça, como o afirmava KRÖHNE.16

Demais, o silêncio obrigatório nos presídios (contra o qual tanto se bateu FERRI) é responsável por numerosos tipos de psicoses e suicídios. “Tem sido, como salienta ROBERTO LIRA, fonte de doença e de morte, quando a sociedade quer a saúde e a vida” (ob. cit., pág. 103).

O isolamento inicial, que admitimos seguindo os Códigos mais recentes (por exemplo: o suíço, art. 37), não colima os velhos e já superados princípios do solitary-system.

Não constitui castigo, nem visa pròpriamente à regeneração do recluso. E’ simples período de prova.17

Destina-se à rigorosa observação do internado. Certo, o processo criminal já ministra dados valiosos sôbre a vida pregressa do delinqüente, na sua tríplice feição: individual, familiar e social; sôbre seu temperamento e caráter (art. 6°, número IX, do Cód. de Proc. Penal). Mas, essa formação, não basta. Compete à direção dos presídios submeter os reclusos a exame psiquiátrico e, principalmente, biotipológico, nessa fase inicial (e nas demais, quando preciso), como se vêm fazendo nas penitenciárias atuais (na Bélgica, notadamente). Entre nós, em Neves, existem os serviços da Antropologia e, mais recente, de Psicanálise, a cargo do Prof. KARL WEISSMANN; em São Paulo, instituiu-se o laboratório de Biotipologia, anexo à Penitenciária Central.

Concluído o estágio celular (que é obrigatório, salvo se o contra-indicarem as condições pessoais do recluso – artigo 30), segue-se o “trabalho em comum, dentro do estabelecimento, ou em obras ou serviços públicos, fôra dêle” – artigo 30, § 1°. E’ o segundo período.

O trabalho é remunerado (art. 29, § 1°). O Código não fixa, porém, as suas bases, ou condições. Deixa a cargo dos regulamentos penitenciários.18

Durante a segunda fase, de trabalho em comum, dentro ou fora do estabelecimento,19 o sentencie do é submetido a isolamento noturno.

Êsse isolamento é postulado da ciência penitenciária, que os melhores estatutos penais sufragam (o Código ROCCO, por exemplo: art. 23). Seu mais destacado objetivo é evitar os perigos da promiscuidade, as anomalias sexuais, as “aberrações do cárcere”.20

Colônias penais

A seguir, o nosso Código premia o recluso de “bom procedimento”, transferindo-o para “colônia penal” ou “estabelecimento similar”, nas seguintes hipóteses: I – se já cumpriu metade da pena, quando esta não é superior a três anos; II – se já cumpriu um têrço da pena, quando esta é superior a três anos (artigo 30, § 2º).

Cumpre indagar, todavia, se a “colônia penal”, destinada aos reclusos de “bom procedimento” (depois de cumprido o segundo período), tem o mesmo sentido da “colônia agrícola”, prevista para certo tipo de medida de segurança – art. 88, § 1º, nº III.

Comumente “colônia penal” significa “colônia agrícola”. Quer dizer: tôda “colônia penal” é de natureza agrícola (ou agropecuária). Inverdadeira, porém, a recíproca: nem tôda “colônia agrícola” é “colônia penal”. Distingue-as o nosso Código. Assim, enquanto na “colônia agrícola” (ou “colônia penal”), para os reclusos, se cumpre pena, na “colônia agrícola”, para os perigosos, se executa simples medida de segurança, sem eiva de punição.

Essa, talvez, a razão de ter usado o legislador brasileiro as duas expressões: “colônia penal” no art. 30, § 2º, e “colônia agrícola”, no art. 88, § 1°, número III. Quis deixar evidente o discrime entre pena e medida de segurança.

Numerosos autores, mormente italiano, sustentam, sem razão a identidade entre pena e medida de segurança (FERRI,21 FLORIAN, GRISPIGNI, ANTOLISEI22 e outros). Que elas são distintas e compossíveis no mesmo sistema penal, demonstrou-o STOOS, que, no dizer de MEZGER,23 retomou as idéias fragmentárias de KLEIN, LISZT e LISZT-SCHIMDT.

No Brasil, a distinção é ponto dominante. Acentua o ministro FRANCISCO CAMPOS, na “Exposição de Motivos”, que “as medidas de segurança não têm caráter repressivo, não são penas”. De igual sentir, NÉLSON HUNGRIA, NARCÉLIO DE QUEIRÓS, GALDINO SIQUEIRA e a imensa maioria de nossos penalistas.

Sôbre os “estabelecimentos similares”, de que também cogita o nosso Código, entende BASILEU GARCIA24 que o estatuto penal de 1940 deu margem à criação de outras instituições presidiárias no País, sugerindo o ilustre penalista que tentemos a experiência dos reformatórios norte-americanos. Nesses estabelecimentos (cujo principal modêlo é o de Elmira, fundado em 1876) o prêso adulto é tratado como o detento menor, com os mesmos processos pedagógicos de regeneração e cura. Ambos ficam sujeitos a regime tutelar, protetor. Observa COSTA E SILVA, baseado em ASCHROT, HERR, HARTMAN e outros autores alemães que visitaram os referidos reformatórios, que “os métodos nêles adotados se propagaram às prisões do Estado. As antigas diferenças entre estas e os reformatórios se foram pouco a pouco apagando”. E mais adiante, com SUTHERLAND: “há em não poucas daquelas prisões mais de reformatórios do que em muitos dêstes”.

Ao propugnar a experiência dos reformatórios, o Prof. BASILEU GARCIA visa “determinadas categorias de sentenciados, especialmente os condenados à pena de detenção” (ob. cit., pág. 441).

Que os detentos merecem tratamento penal mais suave, reconhece-o o próprio Código. Justa, pois, a sugestão do professor paulista.

Há, entretanto, atualmente, um forte movimento, que remonta a DORADO MONTERO no seu conhecido livro “Derecho protector de los criminales”, que apregoa a substituição das prisões e até dos reformatórios, por escolas, para reeducação e tratamento de todos os internados ou abrigados. No Brasil, o mais típico representante dessa corrente é NOÉ AZEVEDO.25 Argumentam com CONCEPCIÓN ARENAL, que “não há incorrigíveis, e sim incorrigidos”. E’ de se lhes perguntar: acaso a pena visa sòmente a regeneração do delinqüente? E se se tratar de um criminoso perfeitamente normal?

Tem tôda razão ATALIBA NOGUEIRA26 quando escreve que a maior parte dos criminosos é de gente mentalmente hígida (ao que, acrescentamos; que delinqüe porque quer). Não procura sobre-estar antes de começar.

NÉLSON HUNGRIA27 assim define a doutrina do nosso Código: “A pena é reação ético-jurídica (choque de retôrno do crime, mal infligido ao indivíduo que, culpadamente, violou a lei), e, no mesmo passo, prevenção especial (segregação, intimidação ou emenda do criminoso) e prevenção geral (controspinta à prática de futuros crimes por outros membros da coletividade”).

Essa reação ético-jurídica (ou “choque de retôrno”), a que se refere HUNGRIA, não é incompossível com as “prisões abertas”, que, entre nós, apregoam NOÉ AZEVEDO, ROBERTO LIRA, ATALIBA NOGUEIRA, MAGALHÃES DRUMOND e outros, e que têm tido boa acolhida nos Congressos e Conferências internacionais, com reflexo nas legislações de muitos países (Suíça, Bélgica, Itália, Estados Unidos, Brasil, Argentina, Chile, etc.).

Que são as numerosas colônias ou penitenciárias agrícolas do Brasil (por exemplo: a de Taubaté, em São Paulo; a Daltro Filho, no Rio Grande do Sul; a de Itamaracá, em Pernambuco, e, principalmente, a mais avançada de tôdas, que é a de Neves, em Minas Gerais), senão “instituições abertas”?

O regime adotado nas “colônias agrícolas” (ou “colônias penais”) é o de semi-liberdade. O trabalho é all’aperto. O recluso goza de grande autonomia de movimentos.

Essas colônias, todavia, não fazem excluir da pena o seu “inevitável sentido retributivo” (BASILEU GARCIA); o seu “caráter repressivo e preventivo” (NÉLSON HUNGRIA). Nelas se efetiva o conceito moderno da pena: “punir e reabilitar”, que NOÉ AZEVEDO reputa algo contraditório. Mas, como dizia SANTO TOMÁS, a lei, mesmo punindo, conduz o homem a que seja bom: “lex etiam puniendo perducit ad hoc quod homines boni sint”.

Livramento condicional

A última etapa da execução da pena é o livramento condicional. O nosso Cód. Penal outorga ao juiz o poder de conceder essa medida. Não seguimos, aqui, o mau exemplo de alguns diplomas penais, que o julgam simples ato administrativo, da competência do ministro da Justiça. Mantivemos a tradição de nossa legislação anterior (dec. nº 16.665, de 6-11-1924), que o sujeitava à autoridade judiciária. É o que faz, também, o atual projeto de Cód. Penal francês, de 1933: “Elle est accordée par l’autorité judiciaire”.

Muito se tem discutido, na doutrina, sôbre se o livramento condicional é um direito ou um favor. Entre nós, a questão provocou vivo e brilhante debate entre NÉLSON HUNGRIA28 e ROBERTO LIRA29: HUNGRIA, vendo no livramento um direito: LIRA, negando-o. “Constituísse direito, diz ROBERTO LIRA, caberia habeas corpus de sua denegação, e, no entanto, é previsto no caso recurso ordinário (art. 581, XII, do Cód. de Processo Penal), sendo que o art. 721 sòmente prevê reforma da sentença”. “Respondendo a essa objeção, NÉLSON HUNGRIA afirma que “a concessão do livramento depende de longa apreciação de fatos e exame de provas, de modo que seria imprudente decidir sôbre ela num recurso que se processa levato velo, qual o de habeas corpus”.

Entendemos, porém, que a solução justa é a que enjeita qualquer daquelas intuições, tomada isoladamente. E sustentamos que o livramento condicional não constitui direito do condenado e, portanto, nem obrigação do juiz de proclamá-lo. Mas, da mesma forma, não o consideramos simples favor, entregue ao capricho do juiz.

Deve o livramento condicional ficar confiado ao prudente critério do magistrado, que, ao julgá-lo, não poderá abstrair das normas fixadas na lei, nem dos princípios que fundamentam o instituto.

COSTA E SILVA (ob. cit., pág. 333) perfilha também êsse entendimento: “…a concessão é uma faculdade deixada ao prudente critério do juiz”. Entretanto, julga a jurisprudência dos tribunais brasileiros “inclinada a ver no livramento condicional um direito do condenado”.

O livramento condicional não visa a regeneração do delinqüente; esta, quando preciso, ou, se possível, já se efetivou nos períodos anteriores. O livramento condicional é, nesse sentido, um test: demonstrará as deficiências ou vantagens do sistema penitenciário.

Quanto aos requisitos e condições do livramento condicional, o Código Penal brasileiro enumera-os casuìsticamente (arts. 40 e segs.). O mais discutido referia-se à vigilância do liberado, conferida à “autoridade policial”, “onde não existe patronato oficial subordinado ao Conselho Penitenciário” (art. 63).

No 2° Congresso Latino-Americano de Criminologia, realizado em 1941, em Santiago do Chile, foi a disposição censurada.30

Atualmente, só se admitem os patronatos (oficiais ou particulares) dirigidos pelo Conselho Penitenciário, em virtude de lei recente que modificou o Código (lei nº 1.431, de 12-9-1951). No mais, seguimos as linhas universais do instituto perante o qual, na conhecida frase de GARRAUD, “o criminoso tem as chaves da prisão”.

Lourival Vilela Viana, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais.

_____________

Notas:

1 A palavra penitenciária é de origem religiosa. Provém das celas de penitência, e não da pena.

2 Segundo GRISPIGNI, a execução da pena “é uma instituição de direito material” (“Derecho Penal italiano”, Buenos Aires, vol. I, página 288).

3 FERRI, “Direito Criminal”, trad. de LEMOS DE OLIVEIRA. 1931, pág. 46, defende o seqüestro de delinqüente por tempo indeterminado, até que êle se readapte a vida livre e honesta.

4 Entre nós, por exemplo, o neo-classismo de NÉLSON HUNGRIA e o tomismo de OSCAR STEVENSON podem se entender no método. É o que ocorre também na Itália com dois de seus mais eminentes penalistas: MANZINI e MAGGIORE: êste, tomista; aquêle agnóstico; ambos, técnico-jurídicos.

5 Em tôrno delas, NOVELLI lança, na Itália, com ressonância em outros países, as bases da autonomia do direito penitenciário, “L’autonomia del diritto penitenziario” na “Rivista di diritto penale”, 1933, págs. 5 e segs. No mesmo sentido, ANCHOREMA, “Curso de Derecho Penal”, Buenos Aires, 1940, vol. III, pág. 7.

6 GIUSEPPE BETTIOL “Diritto Penale”, Palermo, 1950, 2ª ed., pág. 58.

7 Não postulamos, entretanto, se faça inserir nos textos legais o nome do sistema penitenciário, mas apenas o seu conteúdo: êste, aponta-lo-á; e constituirá o fundamento do sistema penitenciário.

8 BASILEU GARCIA, “Instituições de Direito Penal” São Paulo, 1952, vol. I, tomo, 1ª ed., pág. 432.

9 O projeto da ilustre Comissão é, sem dúvida, para a época, dos mais adiantados. Afigura-se-nos, todavia, excessivamente minucioso. Contém 854 artigos.

10 Entre êles, a Itália, com o seu “Regulamento per gli instituti di prevenzione e di pena”, de 1931.

11 ROBERTO LIRA, “Comentários ao Código Penal”, ed. “REVISTA FORENSE”, Rio 1942, pág. 103. No mesmo sentido, BASILEU GARCIA, ob. cit., pág. 433.

12 A. J. DA COSTA E SILVA, “Código Penal”, São Paulo, 1943, vol. I, pág. 212. Contra: NÉLSON HUNGRIA.

13 Exemplificadamente: a pena de reclusão não admite sursis, salvo se o condenado for menor de 21 anos ou maior de 70, e a condenação não exceder a dois anos; na detenção, não há esse limite de idade (art. 57). Outra diferença: a reclusão, em regra, não tolera fiança; a detenção, sim.

14 ROBERTO LIRA, ob. cit., pág. 103. Entende esse ilustre penalista que, contemporaneamente, se tolera a cédula, quando muito, como dormitório individual ou como recurso disciplinar extremo.

15 Entre os Códigos Penais modernos que adotam o regime de silêncio obrigatório, situa-se uruguaio, que dispõe sôbre o trabalho e a instrução, “bajo la regla del silencio”.

16 …”nem a chibata em Auburn e em Milbank, nem a chibata e o arresto rigoroso na Prússia, nem a privação de alimentos em França, conseguiram tornar efetiva a obrigação do silêncio. Onde ela permanece, é violada a cada hora, com conhecimento dos funcionários. O criminoso foi mais forte que o poder do Estado”, in COSTA E SILVA, ob. cit., pág. 167.

17 COSTA E SILVA, ob. cit., pág. 220, diz que esse período é exíguo demais, em grande número de casos, para um estudo consciencioso do delinqüente e para que êste sinta os males que para si próprio criou.

18 Em Neves, o salário varia de acôrdo com a capacidade técnica do recluso e a natureza do serviço que executar. Há os que percebem até Cr$ 2.500,00 mensais, acima, portanto, dos vencimentos de numerosos funcionários.

19 Nas penitenciárias de corte industrial, como a de Candiru, o trabalho em comum se executa no próprio estabelecimento; nas de feição mista, como a de Neves, ora dentro, ora fora do presídio; nos cárceres do interior, constitui velha tradição o permitir-se aos presos trabalharem, fora da cadeia, em obras ou serviços municipais. Em São Paulo existe, mesmo, determinação da Corregedoria de Justiça nesse sentido.

20 LEMOS BRITO, “A questão sexual nas prisões”, ed. Livraria Jacinto, Rio, s/d., páginas 113 e segs. Sôbre a solução do problema sexual dos presos na Argentina, ver o magnífico trabalho de ROBERTO PETTINATO, sob o título “regime de visitas para reclusos casados”, Buenos Aires, 1952.

21 FERRI, “Direito Criminal”, págs. 48 e segs.; Projeto FERRI, arts. 39-43.

22 ANTOLISEI, “Pene e misure de sicureza”, na “Rivista italiana di diritto penale”, 1933, nº II.

23 MEZGER, “Diritto Penale”, trad. it. de MANDALARI, 1935, pág. 533.

24 BASILEU GARCIA, ob. cit., pág. 443.

25 NOÉ AZEVEDO, “Política criminal sem preocupações metafísicas”, na “REVISTA FORENSE”, 1951, vol. CXXXV, págs. 5 e segs. No mesmo sentido, “Contra os muros e grades dos presídios”. ROBERTO LIRA, in “Rev. Brasileira de Criminologia”, 1952; MAGALHÃES DRUMOND, “Aspectos do problema penal brasileiro”, ed. “REVISTA FORENSE”, 1939, págs. 233 e segs.

26 ATALIBA NOGUEIRA, “Pena sem prisão”, São Paulo, 1938, pág. 87: “Todos êstes sistemas penitenciários partem de um errôneo pressuposto: que todos os criminosos carecem de regeneração. Nada mais errado. A maior parte dos criminosos é de gente perfeitamente normal, de gente que não carece de emendar-se, de gente para quem o crime foi um mero episódio isolado da vida. O de que, necessitam êles, portanto, é de castigo”.

27 NÉLSON HUNGRIA, “Novas questões jurídico-penais”, Rio, 1945, pág. 131.

28 NÉLSON HUNGRIA, “Comentário”, volume I, págs. 100 e segs.

29 ROBERTO LIRA, “O livramento condicional e o direito transitório”, Rio, 1942, págs. 3 e segs.

30 MADAMES, delegada argentina, justamente considerou lamentável que se confiasse à “autoridade policial” a fiscalização do liberado condicional. Já o nosso velho LIMA DRUMOND dizia: “Não há dúvida que o condenado deve ficar sob uma vigilância: não da polícia e sim das sociedades do patronato” (“Regime Penitenciário”, Rio, 1914, pág. 29).

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Os membros da Equipe Editorial opinarão pela aceitação, com ou sem ressalvas, ou rejeição do artigo e observarão os seguintes critérios:

  1. adequação à linha editorial;
  2. contribuição do trabalho para o conhecimento científico;
  3. qualidade da abordagem;
  4. qualidade do texto;
  5. qualidade da pesquisa;
  6. consistência dos resultados e conclusões apresentadas no artigo;
  7. caráter inovador do artigo científico apresentado.

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