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Resenha: Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte geral e Parte especial
20/08/2020
por Ricardo Alves de Lima[1]
A presente resenha se propõe a realizar uma análise reflexiva desta obra doutrinária do Prof. Dr. Luiz Regis Prado, destacando seus principais pensamentos jurídicos que há 18 (dezoito) anos vêm contribuindo para a formação jurídico-penal brasileira. Curso de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral e Parte Especialé destinada aos mais variados estudos, desde os bancos acadêmicos da graduação do curso de Direito, aos estudos mais complexos e avançados em nível de pós-graduação lato e stricto sensu (mestrado e doutorado). Doutrina presente nas bibliografias básicas dos ementários dos melhores programas de ensino jurídico do país, e que permite a todos os profissionais do Direito o acesso ao conhecimento jurídico-penal, que ao mesmo tempo desvela-se tradicional e inovador.
O formato em um único livro possibilita a interconexão dos conteúdos da parte geral e da parte especial do Direito Penal, que antes se apresentava em 3 volumes, sem prejuízos para o ensino-aprendizagem, que aliás é uma característica marcante do autor, pois em todas as suas obras, e não seria diferente nesta, procura integrar a teoria à prática jurídica, que ao final de cada capítulo é simplificada em um quadro sinótico. Facilita, assim, a vida dos estudantes, bem como, daqueles que buscam ensinamentos essenciais para enfrentar os mais variados concursos públicos nacionais, especialmente os certames que apresentam em seu alicerce o enfrentamento da complexidade do Direito Penal. Sobretudo, brinda o leitor com conhecimento direto e prático aplicável ao Exame de Ordem, guiando aqueles que desejam alcançar a sonhada carteira da OAB, ou para enfrentar no dia à dia da advocacia criminal os mais distintos problemas causados pela legislação penal e as decisões judiciais que muitas vezes se apresentam envoltas em contradições.
Quanto à sua essência, a obra destaca-se neste variado mercado editorial por conter unicidade jurisfilosófica e clareza ímpares, preenchida de predicados doutrinários que reafirmam o rigor do estudo em sua construção. Uma obra que somente poderia se originar de um jurista de ampla formação acadêmica nacional e internacional, com pós-doutorado por universidade espanhola e francesa, e que além da graduação em Direito, buscou a interdisciplinaridade com a graduação em Filosofia realizada na Universidade de Nancy na França, o que lhe permitiu, inicialmente, transferir para suas obras um viés fundamental da filosofia geral e jurídica, alinhando a compreensão do Direito Penal em um contexto mais amplo e significativo.
E, pela sua experiência profissional proveniente de décadas como representante do parquet do Estado do Paraná, onde, também desenvolveu a docência em nível superior na Universidade Estadual de Londrina – UEL, e na Universidade Estadual de Maringá – UEM onde foi professor por 36 anos, participando da criação e da coordenação do curso de “Mestrado em Direito” da Universidade Estadual de Maringá – UEM, onde lecionou “Teoria Geral do Direito” por mais de 15 anos, e exerceu o cargo de professor-titular de Direito Penal do Curso de Graduação em Direito.
Atualmente é professor dos programas stricto sensu da Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (FADISP), lecionando a disciplina “Direitos e Garantias Penais Constitucionais” no Doutorado em Função Social do Direito, e tendo lecionado “Filosofia do Direito” no curso de Mestrado da mesma instituição. Assim, um doutrinador e parecerista reconhecido nacional e internacionalmente (professor visitante em diversas universidades estrangeiras na Espanha, França, Itália e Peru), que durante toda sua trajetória profissional e acadêmica se debruçou com seriedade no estudo da Teoria Geral do Direito, da Filosofia Jurídica, do Direito Constitucional e sua verticalização na Ciência Penal, buscando sua melhor compreensão, sobretudo apresentando novos contornos conceituais aptos a trazer importantes reflexões ao significado de Estado Democrático e Social do Direito, construindo pontes entre a sociedade, suas legítimas instituições, o Direito Penal e à Justiça.
Nesta obra o autor delimita conceitualmente a área de influência do direito penal, em certa época e lugar, objetivando sua realização social, especialmente cumprindo à função primordial do Direito que se apresenta como um instrumento regulador que age através de normas de determinação à conduta humana (dever-ser), devidamente sistematizadas e capazes de originar o ordenamento jurídico dotado de coerência e unidade, composto de estrutura hierárquica e repertório de elementos que respondem a uma ordem de valores, ou de soluções socialmente justas e aceitáveis (dentro de uma base axiológica).
Quando nos apresenta alguns delineamentos da teoria da norma jurídica, alerta o autor que seus significados estruturais não seriam os mesmos, e afirma que “norma jurídica e lei são conceitos diversos. A norma jurídica vem a ser o pressuposto ou prius lógico da lei, sendo esta última o revestimento formal daquela” (p. 62). O que nos leva a perguntar: a lei penal é especificamente valorativa? A resposta mais assertiva passa necessariamente pela definição de norma jurídica (aquela que por ser essencialmente imperativa regula com caráter geral e abstrato a vida humana em sociedade), a qual não pode ser reduzida a um mero juízo de valor (desprovido de mandados comportamentais). Mas, salienta que “não obstante, toda norma de determinação enquanto norma comportamental, arranca de um substrato cultural (valor), isto é, de anteriores atos cognoscitivos e axiológicos, de modo que o seu destinatário, no exercício de liberdade, pode livremente escolher certa alternativa” (p. 61).
Assim, a teoria na norma penal responde a uma base constitucional legitimante, fazendo com que a lei formal que lhe corresponda, seja a única fonte normativa capaz de criar o injusto penal, observando-lhe a pena (consequência jurídica do crime), e não só, pois, é essencialmente necessária para transformar a definição do delito, e lhe reduzir ou agravar suas penas, em estrita observação do princípio da legalidade, lhe sustentando constitucionalmente, no mínimo formal, enquanto substancialmente seu conteúdo deverá expressar outras bases axiológicas dentro de sua logicidade estruturante.
Mas, não só da lei formal e material vive o Direito Penal. Sua interpretação (em diversas vertentes) se apresenta como balizador entre inspiração e sentidos, dentro do ambiente nacional ou internacional, procurando abstrair ao máximo, especialmente, pela sistematização da hermenêutica, as antinomias jurídicas que envolvem as leis penais emergenciais, muitas delas securitárias, e que confrontam princípios elementares à paz social, sobretudo, à Ciência Penal, que se vê mutilada quando da aplicação analógica da norma penal incriminadora por nossos areópagos pátrios. Passando pelos conflitos temporais (irretroatividade e retroatividade), sendo que o autor, neste ponto, explica que “por força dos princípios da irretroatividade da lei mais severa (lex severior) e, em especial, da retroatividade da lei mais benéfica (lex mitior), a eficácia normativa-penal retroage (para aquém) ou é ultrativa (para além)” (p. 73).
Ao tempo, o crime. Para o autor, foi adotada no Brasil (âmbito espacial e o princípio da territorialidade) a teoria da atividade ou da ação, nos termos do artigo 4.º do Código Penal. Chamando a atenção para questões relativas ao delito continuado, onde o tempo do crime será regido pelo princípio do tempus regit actum. Nas questões de extraterritorialidade, adota-se a teoria mista (teoria pura da ubiquidade, mista ou unitária), conforme ao artigo 6.º do Código Penal, que por si só tende a evitar os conflitos negativos de jurisdição, seja pela ação ou pelo resultado, até mesmos nos crimes a distância, reafirmando-se a teoria pela regra non bis in idem, para penas estrangeiras, nos termos do artigo 8.º do Código Penal. Esta relação entre sistemas jurídico-penais estrangeiros (extraterritorialidade da lei penal), por vezes deságua na extradição (medida de cooperação internacional de entrega de pessoa), encontra legitimidade internacional em seus princípios informativos, tais como da legalidade, da especialidade, da identidade, da jurisdicionalidade, do non bis in idem. Dentre algumas condições que negam a extradição, encontra-se a de o indivíduo ser brasileiro nato, de não ser a conduta crime no Brasil, ou no país solicitante, de haver sido absolvido ou condenado internamente pelo mesmo fato em que se fundar o pedido. Não haverá limitação à extradição os pedidos fundados nos “delitos de genocídio, contra a humanidade e de guerra, de tortura e de terrorismo” (p. 88).
O autor inova na discussão da teoria do delito, afirmando que o Direito Penal justifica-se na proteção dos bens jurídicos (juízo positivo) individuais ou coletivos, eleitos como essenciais à intervenção jurídico-penal, através de normas jurídicas que compõe o microssistema jurídico normativo penal (mandados, proibições e permissões), que dão origem ao injusto penal, suas consequências e formas de exclusão, fundamentando-se “no critério da absoluta necessidade e encontra limitações jurídico-políticas, especialmente nos princípios fundamentais”.
O autor faz uma separação necessária quando conceitua a Ciência do Direito Penal, a qual sistematiza e interpreta metódica e logicamente (formal, material e racional) o Direito Penal, delimitando a síntese dialética consistente no pensamento-problema sistemático (ou dogmática penal pela interpretação, sistematização e crítica intrassistemática), excluindo-se o acaso e a arbitrariedade; da Política Criminal, fundante em razões filosóficas, sociológicas e políticas, que se objetiva pela análise do fato jurídico, ajustando-o aos ideais jurídico-penais e de justiça; e, da Criminologia, que passa primordialmente pelo empirismo, se ocupando do fenômeno criminal (o surgimento, a prática, e a prevenção, e o tratamento do criminoso), ou seja, estudar a delinquência para tratar o delinquente.
Para o autor a Lei Fundamental está diretamente ligada como a essência do Direito Penal. A Constituição Federal mais do que irradia sua força normativa, mas consubstancia a normatização e o pensamento jurídico-penal. Dentro desse lineamento exsurgem os princípios penais constitucionais que delimitam o jus puniendi estatal, v.g., princípio da legalidade, da irretroatividade da lei penal, da personalidade, da individualização da pena, além de outros. Estabelece, ainda, as garantias de defesa através dos princípios da ampla defesa, devido processo legal, do contraditório e do juiz natural. Quanto aos princípios explícitos ou implícitos que encontram fundamento na Constituição, chama a atenção para a culpabilidade que legitima e delimita a persecução penal; da lesividade ou ofensividade sem o qual não haverá delito sem a devida lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico em respeito à teoria constitucional eclética.
Neste diapasão, o autor é um dos primeiros autores brasileiros a trazer à lume, em uma obra no formato de curso/manual, e com a seriedade, o equilíbrio e a verticalização necessárias, uma ideia de constitucionalidade do bem jurídico, ou como denomina, do bem jurídico-penal e de sua legitimação constitucional. Direciona seu conceito como sendo um “ente (dado ou valor social) material ou imaterial extraído do contexto social, de titularidade individual ou metaindividual, considerado como essencial para a coexistência e o desenvolvimento do homem e, por isso, jurídico-penalmente protegido. Segundo a concepção acolhida, deve estar sempre em compasso com o quadro axiológico constitucional e com o princípio do Estado Democrático e Social do Direito” (p. 114).
Trata de princípios caros ao Estado Democrático do Direito, dos quais pode-se destacar dois, o princípio da dignidade da pessoa humana, que ressoa de um movimento iluminista, afastando o homem de seu valor de objeto, e centrando-o dentro de um contexto mais alargado, estendendo a todos uma natureza humana e social. Culmina, mais à frente, no deslocamento de um plano de Estado para o do indivíduo, delimitando sua força no equilíbrio entre autoridade e liberdade. Ao ser inserida na Constituição de 1988, como valor estruturante e fundamental de todo contexto de sistema jurídico. Nas exatas palavras do autor, encontramos seu alcance “como viga mestra, fundamental e peculiar ao Estado democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana há de plasmar todo o ordenamento jurídico positivo – como dado imanente e limite mínino vital à intervenção jurídica. Trata-se de um princípio de justiça substancial, de validade a priori, positivado jurídico-constitucionalmente” (p. 39).
O princípio de humanidade, segundo a lançar-se os olhos, acaba nos contando um pouco da historicidade do Direito Penal, composto inicialmente da vingança privada; da Blutrache; das penas draconianas; das Ordalias; das prisões que intensificam a dor social, e que ora servem de escola à marginalidade; do processo inquisitório ao atual processo acusatório, que muito tem de avançar em seu âmago. Sobretudo, nos traz que o Direito Penal precisa encontrar na Ciência Penal, um limite que lhe justifique e delimite a persecução, e a reprimenda estatal, quiçá, também, os estereótipos que o marcam indelevelmente. Devemos não esquecer que somos humanos, ou o deleite é soberbo. Para o autor, o princípio de humanidade “apresenta-se como uma diretriz garantidora de ordem material e restritiva da lei penal, verdadeira salvaguarda da dignidade pessoal, relacionando-se de forma estreita com os princípios da culpabilidade e da igualdade” (p. 48).
Quando trata de conceitos fundamentais ao Direito Penal, tal como, o conceito de ação, o autor alinha seu pensamento ao de Hans Welzel (a ação humana consiste no exercício de uma atividade finalista), e justifica que “a teoria finalista não vislumbra a ação como mero processo causal equiparado aos processos da natureza. Ela se diferencia destes últimos por algo que lhe é próprio e único, a saber, a capacidade de atuar conforme fins estabelecidos de modo racional”. E, objetivamente nos apresenta um processo mais simples para entender a dinâmica do conceito e da aplicação da teoria finalista, “no atuar humano, o agente concebe um determinando objetivo e, em seguida, para alcançá-lo, põe em marcha determinados processos causais dirigidos por ele, de modo consciente, em direção ao fim pretendido. Daí ser a ação humana o “exercício de uma atividade final (como bem definiu Welzel)” (p. 124).
Nesta obra o autor trouxe importantes aspectos quanto ao princípio da culpabilidade, passando pela sua evolução desde as teorias clássica, neoclássicas, finalista e às normativistas, delineando e criticando os pensamentos de diversos autores, tais como Welzel, Roxin, Jakobs e Mir Puig, e nos apresenta um conceito mais contemporâneo, sobretudo, necessário para a melhor compreensão do instituto. Para o autor “a culpabilidade, em termos jurídico-penais, pode ser conceituada como a reprovação pessoal pela realização de uma ação ou omissão típica e ilícita em determinadas circunstâncias em que se podia atuar conforme as exigências do ordenamento jurídico. O juízo de reprovação ou censura jurídica tem como pressuposto necessário a evitabilidade individual do fato, considerado in concreto. Isso significa o reconhecimento do homem individualmente, sem nenhuma exceção. Assim, não há culpabilidade sem tipicidade e ilicitude, embora possa existir ação típica e ilícita culpável” (p. 195).
Ao largo, não se pode deixar de analisar as consequências jurídicas do delito. Extrai-se da obra que o moderno Direito Penal acolhe como consequências jurídico-penais do delito, as penas (onde a pena privativa de liberdade é seu auge) e as medidas de segurança; como consequências extrapenais, os efeitos da condenação, a responsabilidade civil (material ou moral) derivada da prática delitiva e a reparação do dano pelo agente (p. 267). Salienta as espécies de penas proibidas pela Constituição, entre elas de morte (salvo em caso de guerra), perpétuas, de trabalhos forçados, banimento e cruéis.
Dentre seus fins, recorre a doutrina às diferentes teorias, passando pelas teorias absolutas fundadas nas filosofias de Kant e Hegel, onde a pena se apresenta retributiva, “compensação do mal causado pelo crime”. Em crítica, o autor nos traz que “a ideia de retribuição em seu sentido clássico, além de indemonstrável, tem base ética e metafísica despedida de racionalidade (retribuição moral)” (p. 268). Teorias relativas, de concepção utilitarista, visa evitar a prática futura de delitos, para o autor “trata-se de instrumento preventivo de garantia social e não de um fim em si mesmo. Os fins preventivos que fundamentam são gerais ou especiais” (p. 268). Defende, de forma geral, os efeitos inibitórios à prática delituosa (prevenção geral intimidatória), e seus fins especiais voltados ao indivíduo buscam evitar que este volte a delinquir (prevenção especial), e para o autor “manifesta-se como advertência ou intimidação individual, correção ou emenda do delinquente, reinserção social ou separação, segregação, quando incorrigível ou de difícil correção. Sua ideia essencial é de que a pena justa é a pena necessária” (p. 268).
Adota-se, na atualidade, os ensinamentos das teorias unitárias ou ecléticas, que buscam um equilíbrio entre retribuição jurídica e os fins de prevenção geral e especial. Para o autor “com essa perspectiva, a ideia de retribuição jurídica não desaparece. Ao contrário, firma-se como relevante para a fixação da pena justa que tem na culpabilidade seu fundamento e limite. Conjugam-se expiação (compensação da culpabilidade) e retribuição jurídica (pelo injusto penal)” (p. 269), tudo em busca de uma reconciliação social, devendo a pena ser justa, proporcional e necessária, assim, uma barreira infranqueável ao exercício do ius puniendi estatal, em respeito à noção de ser humano digno, livre e capaz, e sobretudo, excluindo-se seu uso como meio das políticas criminais.
Na Parte Especial, o autor destaca os conceitos fundamentais atinentes aos crimes em espécie, trabalhando sua exposição no livro através de algumas fórmulas: artigo como descrito na lei; bem jurídico protegido e sujeitos do delito; tipicidade objetiva e subjetiva; causas de aumento de pena; pena e ação penal; e, por fim, um quadro sinótico. A objetividade marcante da parte geral, resta novamente evidenciada juntamente com seu pensamento crítico. Neste momento, tomar-se-á como ponto de chegada da presente resenha, através da análise – dentro do capítulo dos crimes contra a vida -, do crime de homicídio. Para evidenciar o aspecto determinante de sua construção metodológica, seguir-se-á, de ora em diante, o modelo apresentado pelo autor.
Homicídio (artigo 121).
- Bem jurídico protegido e sujeitos do delito: o bem jurídico tutelado é a vida, salvaguardado na Constituição, e o objeto material consiste no ser humano nascido com vida: “o bem jurídico vida humana independente pode ser compreendido de um ponto de vista estritamente físico-biológico ou sob uma perspectiva valorativa. Para uma concepção naturalista, a presença de vida é aferida segundo critérios científico-naturalísticos (biológicos e fisiológicos)” (p. 394-395). A disponibilidade da vida é de manupropria (o que tolera o suicídio), e não permitida em manualheia. O início e o fim da vida, passa pelo nascimento, e pela morte encefálica.
- Tipicidade objetiva e subjetiva: Homicídio simples, seu núcleo está no verbo matar. O seu elemento descritivo do tipo é matar alguém, por meios variados, diretos ou indiretos, físicos ou morais, desde que idôneos à produção do resultado. O tipo subjetivo está no dolo (direto ou eventual) ou seja, consciência e vontade de realizar os elementos objetivos do tipo injusto doloso (tipo objetivo), ou seja, o animus necandi. Para o autor, no delito de homicídio, o conhecimento do dolo compreende a realização dos elementos descritivos e normativos, do nexo causal e do evento (morte), da lesão ao bem jurídico, dos elementos de autoria e da participação, dos elementos objetivos das circunstâncias agravantes, atenuantes e qualificadoras que supõem uma maior ou menor gravidade do injusto (p. 397). O dolo (direto ou eventual) deve ser simultâneo à realização da ação típica. O autor traz valorosos exemplos reais quanto ao homicídio por omissão (delito omissivo impróprio ou comissivo por omissão).
O Homicídio privilegiado, que encontra seus fundamentos no motivo de relevante valor social (por exemplo, traidor da pátria), ou moral (por exemplo, eutanásia), e a violenta emoção depois de injusta provocação da vítima (por exemplo, um fato que cause severo desequilíbrio psíquico capaz de eliminar a capacidade de reflexão e de autocontrole); Homicídio qualificado, o que se reputa por certos motivos (fútil: insignificante/desproporcional; torpe: desprezível/repugnante), ou praticados por determinados meios (insidioso/dissimulado: eficiência maléfica; cruel: aumento inútil do sofrimento/brutalidade; perigo comum: afetar número indeterminado de pessoas), caracterizam qualificadora de natureza mista, influenciando na medida do injusto e da culpabilidade, eis que se utilizam de instrumentos reprováveis, tais como o veneno, fogo, explosivos, asfixia e a tortura; modos de execução (fundadas na deslealdade, ocultamento do agente, e no encobrimento de seus próprios desígnios); ou, para atingir fins reprováveis (ocultação, impunidade ou vantagem de outro crime).
Feminicídio, é a prática do homicídio contra a mulher por razões de sexo feminino. Essa qualificadora foi inserida no rol de crimes hediondos. Para o autor “no homicídio praticado contra mulher, por razões de sexo feminino, há maior reprovabilidade, seja em razão do abuso das relações afetivas, ou de confiança, seja por caráter discriminatório” (p. 404); Homicídio de agentes de segurança pública e penitenciária, visa à proteção dos agentes e de seus familiares. Esta qualificadora enseja grau maior de reprovabilidade pessoal pelo injusto, em razão da importância inerente à atividade desenvolvida pela vítima, que diz respeito à manutenção da ordem pública e segurança nacional; Homicídio culposo, neste a direção finalista da ação não corresponde à diligência devida. Há infração do dever objetivo de cuidado exigível na vida de relação, e como decorrência da inobservância do cuidado devido, produz-se um resultado material externo (in casu, a morte) não querido pelo autor (p. 405).
- Causas de aumento de pena, são fundadas na magnitude do injusto. Possuem, por exemplo, delineamento nas regras de profissão (legis artis), e em sua inobservância ou desatendimento; e, no aumento das consequências do delito, pela falta de atuação do agente. Podem ser exasperadas em razão de política criminal (por exemplo, no caso de fuga do local do crime de homicídio culposo); no desrespeito à idade (menores de 14 e maiores de 60 anos); na prática da comercialização de serviços de segurança por milícias, ou ainda, na atuação de grupo de extermínio (o autor chama a atenção que inexiste definição legal para esses elementos normativos, abrindo uma lacuna jurídica que deverá ser preenchida pelo julgador. Assim, a obra enfrenta a lacuna propondo importantes definições aplicáveis em sua caracterização) (p. 407). A legislação inovou quanto algumas causas de aumento previstas exclusivamente para o feminicídio, tais como: gravidez, menor idade, maior idade, portadoras de deficiências ou doenças degenerativas, quando presentes no ato os descendentes ou ascendentes da vítima, e quando em descumprimento de medidas protetivas de urgência.
- Perdão judicial, exsurge trazendo a extinção da punibilidade quando as consequências do homicídio culposo atinjam o agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. A regra não é aplicável ao crimes de trânsito, pois conforme orientação do autor, o artigo 291 do Código de Transito Brasileiro restringiu a sua complementariedade às normas gerais do Código Penal, mas salienta que “o obstáculo decisivo está na impossibilidade de aplicação analógica em se tratando de normas penais não incriminadoras excepcionais” (p. 408).
- Pena e ação penal, as penas vão da detenção à reclusão, sendo que os delitos enquadrados como hediondos, são insuscetíveis de anistia, graça, indulto e fiança. A ação penal é pública incondicionada, e a competência para o processo e o julgamento do crime doloso é do Tribunal do Júri.
A estrutura do pensamento do autor, e o direcionamento objetivo em que consegue tratar os mais diversos assuntos contidos dentro de uma ampla complexidade filosófica jurídico-penal, resulta em sua marca. Esta habilidade somente advém de um doutrinador que conseguiu contextualizar em sua obra penal, toda a essência do Direito, a paixão pelo estudo e pelo ensinamento, e o experimento do próprio Direito em seu dia a dia.
O fruto não cai longe da árvore. Não seria diferente com essa obra. Foram anos se dedicando a compreender, ensinar e escrever o Direito Penal dentro da verticalização da Teoria Geral do Direito, da Filosofia Jurídica e da Constitucionalização, procurando, assim, abrir novos caminhos jusfilosóficos, que se deu a origem e a confirmação de que os conteúdos tratados nesta obra se apresentam demasiadamente importantes para o desenvolvimento do bom conhecimento jurídico.
Assim, não caberia nesta resenha abordar todos os elementos do livro, mais, sim, aproximar o leitor do pensamento vivo do autor, destacando algumas de suas principais ponderações, abrindo o caminho para o aprofundamento dos estudos.
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De acordo com a Emenda Constitucional nº 104 de 2019, que cria a Polícia Penal, e a Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/2019), Curso de Direito Penal Brasileiro — Parte Geral e Parte Especial está atualizado, ainda, com a Lei nº 13.968/2019 que versa sobre o induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação.
[1] Doutorando em Direito pela FADISP. Mestre e Especialista em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra/USP. Diretor Acadêmico e Professor nos cursos de pós-graduação e MBA da Excelsu Educacional. Autor de livros e artigos jurídicos. Advogado em São Paulo inscrito na OAB/SP 204.578.
*A resenha aborda o Título I – Fundamentos do Direito Penal: Capítulo I (Direito Penal) e o Capítulo II (Evolução Histórica), p. 3-34. PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro: parte geral e parte especial. 18. ed. revista, atualizada e reformulada. Rio de Janeiro: Forense, 2020. 1.414 p.
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