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Remição Degradante na Execução Penal
Guilherme de Souza Nucci
16/05/2018
A execução penal em nosso país é particularmente intrigante, pois é regida pela Lei 7.210/84, além de possuir princípios e regras constitucionais aplicáveis a esta fase do processo-crime, enquanto se assiste o descumprimento sistemático de incontáveis normas. Há direitos e garantias individuais fundamentais para serem cumpridos. Basta ler o art. 5º, XLVII, da Constituição Federal, onde se encontra o princípio da humanidade, que veda penas cruéis. Depois, pode-se visualizar a regra constante do art. 5º, XLIX, também da Constituição, onde se constata: “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. Na prática, em presídios superlotados, onde impera a violência das gangues e organizações criminosas, os detentos são sufocados pelo arbítrio e pelo abuso. A pena se torna cruel e nenhuma autoridade respeita, efetivamente, a integridade físico-moral do preso. Esse é um quadro real, que não se liga à letra da Constituição, nem da lei.
Mas, não bastasse, o Projeto de Lei do Senado 513/2013, já aprovado por essa Casa Legislativa, seguindo para a Câmara dos Deputados (PL 9054/2017), prevê a seguinte norma: “art. 126-A. O preso provisório ou condenado com bom comportamento carcerário e que cumpre a prisão cautelar ou pena em situação degradante ou ofensiva à sua integridade física e moral tem direito a remir a pena à razão de 1 (um) dia de pena a cada 7 (sete) dias de encarceramento em condições degradantes”. Sim, trata-se de texto de projeto de lei, aprovado pelo Senado Federal e submetido, agora, à Câmara dos Deputados. Temos a remição degradante. Soa inacreditável, não fosse verdadeiro.
Não é crível que o texto legal consagre a desumanidade e, em retorno ao preso, conceda-lhe um abatimento da pena. Seria o mesmo que dizer: o preso torturado tem direito à remição. Ou ainda: o preso submetido a ofensas físico-psicológicas pode abater alguns dias da sua pena.
Tenho demonstrado que as regras da execução penal são simplesmente desprezadas no cotidiano dos estabelecimentos penais brasileiros. Porém, jamais imaginaria que o legislador (aprovado o texto como está) consagrasse a ofensa a princípio constitucional de maneira cabal e nítida. O referido art. 126-A do Projeto de Lei é “primoroso”, visto que somente concede a remição, quando o preso estiver em situação degradante ou ofensiva à sua integridade física e moral se ele tiver bom comportamento. Noutros termos, quem tiver mau comportamento carcerário pode ficar em condições degradantes e/ou ofensivas à sua pessoa, pois nem mesmo remição merece.
Atinge-se, no Brasil, o status da ficção, do surreal, do inimaginável: as condições degradantes – vedadas constitucionalmente – ingressam em lei ordinária para conceder abatimento na pena.
Quem cumpre a sanção penal em condições degradantes ou ofensivas à integridade física e moral está sofrendo nítido abuso estatal e merece a concessão de habeas corpus para ser libertado ou inserido em local decente e digno. Não se pode concordar, em hipótese alguma, com uma remição degradante. Enfim, não se concebe, no Estado Democrático de Direito, regido pelo princípio da dignidade da pessoa humana, a existência de uma lei verdadeiramente degradante.
Veja também:
- Breves anotações acerca da Lei 13.654/2018 – Furto e Roubo
- A escuta, o depoimento especial e o novo crime de violação de sigilo processual
- Uma proposta de solução urgente para a crise de execução penal no Brasil
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