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Princípio da humanidade: entenda o conceito
GEN Jurídico
16/07/2020
por Luís Roberto Gomes e Mário Coimbra
Decorrente do movimento iluminista, notadamente a partir da obra de Beccaria, o princípio da humanidade consiste em tratar o condenado como pessoa humana e foi consagrado expressamente na Constituição da República, em vários preceitos, com especial destaque no art. 5.º, XLIX, que dispõe que é “assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”.
O inciso L do mesmo artigo realça a condição peculiar da condenada, estabelecendo que “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação”.
O ápice da presença do referido princípio em nível constitucional está cristalizado no inciso XLVII do art. 5.º, ao estabelecer que não haverá penas: “a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis”.
O princípio da humanidade está estreitamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, que encontra nele seu fundamento substancial último. Tal princípio deve orientar toda ação estatal voltada ao condenado, não só na feitura da lei e no âmbito do cumprimento efetivo da pena, como também na aplicação da sanção administrativa e no resgate do condenado como pessoa humana.
Com a concreção desse princípio, esculpido na Constituição da República, o condenado, que se encontra privado de sua liberdade, tem “[…] um status jurídico particular; é um sujeito titular de direitos fundamentais, ainda que com certas limitações derivadas de sua situação de reclusão”.
Nessa perspectiva, merece ser sobrelevada, no princípio da humanidade, a menção aos fins preventivos da sanção penal, “[…] particularmente o fim de prevenção social que alguns sistemas elevam à dignidade constitucional ao proclamarem que a pena deve ter o senso de humanidade e tender à reeducação do condenado”.
A Constituição da Espanha, por exemplo, traz como princípio reitor da execução penal, em seu art. 25.2, que as penas privativas de liberdade são direcionadas à reeducação e reinserção social do condenado. No mesmo sentido dispõe o art. 27 da Constituição italiana, assinalando que a
pena não pode consistir em tratamento contrário à humanidade e deve se direcionar à reeducação do condenado.
Nessa linha, pondera-se ao Estado que faz uso do seu ius puniendi, “[…] um dever de ajuda e de solidariedade para com o condenado, proporcionando-lhe o máximo de condições para prevenir a reincidência e prosseguir a vida no futuro sem cometer crimes”.
Não deve ser olvidado que a conquista histórica da humanização das penas propiciada pela recepção dos ideais aportados pela Ilustração, com especificidade no fomento à dignidade e à moral humana, teve o inegável efeito irradiante na internacionalização da proteção dos direitos humanos na busca efetiva da extirpação da opressão do Estado sobre os cidadãos.
Merece ser destacada, nessa evolução protetiva dos direitos humanos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 10 de dezembro de 1948, que, entre outros preceitos, estabeleceu, no seu art. 5.º: “Ninguém será submetido a tortura nem a punição ou tratamento cruéis, desumanos ou degradantes”.
A despeito da importância histórica da referida declaração, é importante ressaltarem-se documentos anteriores, como a Declaração dos Direitos do Homem da Virgínia, de 1776, que incorporou, em seu texto, a proibição da aplicação de penas cruéis ou inusitadas, cuja proibição foi repetida na própria Constituição dos Estados Unidos de 1787.
Não se pode ignorar, ademais, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, aprovado por unanimidade pela Assembleia Geral da ONU, realizada em 16.12.1966, com vigência a partir de 1976, merecendo destaque o seu art. 6.º, que estabeleceu normas restritivas à pena de morte.
Tampouco se pode olvidar a Convenção Americana de Direitos Humanos, proclamada em 22 de novembro de 1969, em San José da Costa Rica. A citada convenção sedimentou uma histórica conquista no sistema interamericano quanto à proteção regional dos direitos fundamentais do homem.
É interessante assinalar que, em 8 de junho de 1990, a Organização dos Estados Americanos (OEA) aprovou, em assembleia geral, na reunião realizada em Assunção, Paraguai, o Protocolo à Convenção Americana de Direitos Humanos, referente à abolição da pena de morte.
Assinale-se que, antes do referido documento aprovado pela OEA, a ONU já havia aprovado dois Protocolos Facultativos ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, com destaque para o segundo que focou a abolição da pena de morte. Verifica-se, assim, que o princípio da humanidade transcendeu, no decorrer das centúrias, os ordenamentos jurídicos locais e/ou regionais para buscar proteção no próprio direito internacional.
Sobre os autores
Luís Roberto Gomes é Doutorando em Direito (FADISP). Professor de Direito Penal do Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo, de Presidente Prudente. Procurador da República.
Mário Coimbra é Doutor em Direito Constitucional. Professor de Direito de Processo Penal do Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo, de Presidente Prudente. Promotor de Justiça.
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