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O Acordo de Colaboração Premiada da Polícia

ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA

COLABORAÇÃO PREMIADA

INFRAÇÕES PENAIS

LEI 12.850/2013

SEGURANÇA JURÍDICA

STF

Marcelo Mendroni

Marcelo Mendroni

20/07/2018

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, na quarta-feira, dia 20.06.2018, que delegados de Polícia podem fechar acordos de colaboração premiada. Por maioria, os ministros também firmaram o entendimento de que não é obrigatório um aval do Ministério Público ao acordo fechado pela Polícia.

Parece não caber mais qualquer dúvida ao fato de que Ministério Público e Polícia devem trabalhar de forma conjunta, em mútuo auxílio, conforme a natureza de suas funções, não para disputar poder ou para afirmar seus egos, mas porque a Constituição assim exige, para a eficácia da justiça penal, e sempre para a garantia da ordem pública em prol da sociedade.

No entanto, a decisão do STF, com todo respeito aos senhores ministros, tem como efeito imediato o contrário, o estímulo, ainda que velado, a indesejáveis disputas entre as instituições. Mas também traz, como efeito mediato, problemas de difícil solução na prática, porque gera confusão entre as atribuições de cada um. Bastaria simplesmente deixar que cada instituição cumpra o seu papel, não só natural e característico, mas também constitucional.

A função das Polícias Civis (estaduais) e Federal, no âmbito da justiça penal, é de “apurar as infrações penais” (art. 144 da CF). Com base nesse preceito constitucional, o STF entendeu que essa “apuração” também pode ocorrer no âmbito das delações/colaborações premiadas. Trata-se, entretanto, de interpretação meramente literal, quando a melhor interpretação é aquela lógica e sistemática, exatamente por se amoldar ao contexto legislativo como um todo, e não somente com a visão direcionada a termos isolados e individuais que, por muitas vezes, se revestem de incongruências de difícil, senão impossível, solução contextual.

Se a Polícia “apura infrações penais”, e o Ministério Público, na maioria dos casos não pode e não deve dela prescindir; por outro lado, a Polícia não é parte processual; o Ministério Público que é a parte processual. O acordo de colaboração premiada, instituto novo no sistema jurídico brasileiro, funciona como um “contrato penal” entre as “partes”. A parte que se compromete no contrato deve cumprir o acordo. Então, como poderá a Polícia dispor de coisa alheia (acordo) como própria?

Segundo os votos, “cabe ao Poder Judiciário a função de homologar o acordo. E ao homologar o acordo, compete ao Poder Judiciário verificar se as cláusulas compactuadas são proporcionais”; “é preciso que haja um entendimento das instituições, porque me parece que é da atuação conjunta, integrada, dos dois órgãos que poderemos ter, nós, sociedade brasileira, melhor eficácia no esclarecimento de crimes”; “A polícia propõe, o Ministério Público opina e o juiz decide. O Ministério Público é uma parte ativa desse debate, só não dá a palavra final”; “o acordo firmado pela PF pode ser homologado pelo juiz, mesmo sem aval do MP”.

O acordo é uma negociação, que naturalmente deve ser realizada entre as partes. Ao juiz, deve incumbir a sua análise formal dos ditos aspectos essenciais de qualquer contrato. São eles (1) “partes”, (2) “objeto” e (3) “consentimento ou acordo de vontades”. Ao juiz, portanto, incumbe apenas verificar se as partes são legítimas (e a Polícia já não o é); se o objeto (pena) é juridicamente possível; e se há consentimento das partes (tampouco há consentimento do MP no caso de acordo feito só pela Polícia).

Com todo o respeito, reitero, o voto mais coerente com a estrutura constitucional, e, portanto, correto, s.m.j, é o do Ministro Fachin: “Creio, guardadas as devidas proporções, a orientação majoritária que tem neste momento, em alguma medida, no meu modo de ver, dilui o instituto da colaboração e esgarça os poderes do Ministério Público”.

No Sistema Acusatório da época da Monarquia, depois República e, por fim, do Império Romano, era o ofendido quem fazia a acusação. Mas o sistema não funcionava porque as pessoas eram, no mais das vezes, guiadas por intenção de vingança ou por medo de retaliação. Depois, veio o Sistema Inquisitivo (Idade Média), pelo qual um mesmo órgão acusava e julgava. Foi exatamente depois da Revolução Francesa que tomou a forma que o Ministério Público tem até os dias atuais. Um órgão com a força e o poder do Estado (impedindo medo e/ou vingança), representando a sociedade para garantir a ordem pública e diferente daquele incumbido de julgar para fazer a acusação.

A partir desses preceitos, não ficou claro nos votos[1], o que acontecerá com um acordo negociado e fechado diretamente pela Polícia e o suspeito e homologado pelo juiz, se o Ministério Público, que não se vinculou àquele acordo, não concordar com seus termos. Pelas características funcionais, mas também pelos preceitos constitucionais, em todo o mundo civilizado, o Ministério Público é o dominus litis (titular exclusivo da ação penal) e o opinio delicti (aquele que define a configuração e a imputação penal). Esses preceitos são constitucionais e devem, ou deveriam, estar em perfeita harmonia com o direito de propor, e consequentemente de cumprir, a colaboração premiada.

A Lei 12.850/2013[2], que regulou a sistemática da colaboração premiada, estabelece expressamente que o acordo deve ser realizado entre as “partes”: “Art. 4º – O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados” […] (grifamos).

Porém, em vez de só invocar análise técnica, vamos a alguns (simples) exemplos práticos:

Suponhamos que a Polícia faça acordo de colaboração premiada com A, aquele que ela entende ser o autor de um determinado delito. Promete perdão judicial e/ou diminuição da pena de 2/3 e/ou substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. O juiz homologa esse acordo. O caso vai ao MP, que, entretanto, não concorda com os termos do acordo e:

  1. Não adere aos pedidos e, em vez de requerer os benefícios, pede condenação sem redução, sem perdão judicial e em regime fechado;
  2. Acusa A de um crime diverso daquele que ele confessou;
  3. Acusa A do crime que ele confessou, mas também o acusa de outros delitos;
  4. Acusa B ao invés de A;
  5. Entende que os fatos não aconteceram da forma como A relatou;
  6. Entende que A relatou apenas parte dos fatos criminosos e escondeu outros; etc.

O fato indisputável é que o acordo, ou um acordo, ou qualquer acordo, só “faz lei entre as partes”. Então, se a Polícia não formaliza acusação e não pode requerer nada em juízo na ação penal, como poderá fazer um acordo que não poderá cumprir e, menos ainda, exigir que outro órgão, o MP, o cumpra? Nem a Polícia nem sequer o juiz podem obrigar o MP a cumprir um acordo que não fez, simplesmente porque não concorda. Trata-se, a rigor, de acordo com parte ilegítima e sem o devido e necessário consentimento.

O termo de acordo da Polícia não é requerimento de parte processual, portanto, sem a manifestação de sua ratificação pelo Ministério Público, o juiz não poderá analisá-lo no âmbito do Processo Penal instaurado, sob pena de agir de ofício em termos de um proibido sistema inquisitivo, há muito ultrapassado e vedado pela Constituição Federal. Equivaleria ao juiz fixar termos da acusação, mas “quem acusa não pode julgar”[3].

Ademais, neste caso, o que fazer com aquelas “apurações de infrações penais” consubstanciadas no acordo de colaboração premiada realizada pela Polícia e o seu suspeito? Se são apurações de infrações penais, pertencem à investigação criminal, de cuja Ação Penal o Ministério Público é titular e, nessas condições, poderá lançar mão delas e utilizá-las, em evidente prejuízo ao investigado confesso – sem sequer se obrigar a lhe entregar nenhum benefício…

Enfim, postas essas questões, resta apenas o resumo da sua aplicabilidade: Qual é a segurança jurídica para um suspeito, de um acordo fechado somente com a Polícia, ainda que homologado pelo juiz, mas sem a concordância do MP? Qual é o advogado que, também parte, arriscaria fazer um acordo com a Polícia, mas à revelia da outra parte, o Ministério Público?

“O verdadeiro problema, portanto, não é o da clara oposição, na realidade inexistente, entre os conceitos de interpretação e criação do direito. O verdadeiro problema é outro, ou seja, o do grau de criatividade e dos modos, limites e aceitabilidade da criação do direito por obra dos tribunais judiciários.”

(Mauro Cappelletti)


[1] Exceto do Min. Fachin e com a reserva de que os votos ainda não foram publicados e os fatos podem neles estar melhor esclarecidos.
[2] Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal.
[3] Princípio básico do sistema acusatório. Da doutrina alemã, Wo kein Klager da kein klage – onde não há acusador, não há acusação.

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