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Revista Forense
CLÁSSICOS FORENSE
PENAL
REVISTA FORENSE
Lesões corporais e perigo de vida, de Agostinho de Oliveira Júnior
Revista Forense
24/05/2024
SUMÁRIO: Perigo de vida. Conceito médico-legal, função da perícia, necessidade de fundamentação das respostas aos quesitos.
Juristas e legistas, inexpertos ou desatentos, têm porfiado por transformar a singela verificação da circunstância do perigo de vida, nos delitos de lesões corporais, em vexata quaestio médico-legal.
Em verdade, a disposição de lei penal, a propósito do assunto, nem rende ensejo a qualquer dissidência séria; é que o legislador brasileiro, à acústica da advertência de ROCCO, ao tempo da, elaboração do vigente Código italiano, sentiu oportunamente que “… adossare la responsabilità della resoluzione di problemi gravissimi alla giurisprudenza è, da parte del legislatore, una vegliaccharia intellectuale” (“Lav. prep.”, IV, 2º, pág. 117).
Nada obstante, o casuísmo e a parcialidade, na prática forense, agravam algumas vêzes o problema, criado por laudos periciais omissos ou equivocados.
O art. 129 do Cód. Penal, que trata da ofensa à integridade corporal ou à saúde, em todos os seus incisos, inclusive no tocante ao perigo de vida, deu ênfase ao verbo resultar, revelando, dêsse modo, a preocupação de integrar a norma na própria harmonia do sistema a que pertence. De fato, consoante a “Exposição”, de FRANCISCO CAMPOS, a lei atual se inspirou na teoria da equivalência dos antecedentes, não distinguindo entre causa e condição, de modo que tudo quanto contribui, in concreto, para o resultado, é causa; “ao agente não deixa de ser imputável o resultado ainda quando, para a produção dêste, se tenha aliado à sua ação ou omissão uma concausa, isto é, uma outra causa preexistente, concomitante ou superveniente”. Só não responde o agente pelo resultado quando ocorre uma interrupção de causalidade, ou seja, quando intervém uma causa autônoma que, por si só, produz o evento.
Daí, recomendarem as doutrinadores e incluírem os formulários oficiais o quesito pericial: “resultou ou pode resultar perigo de vida para o ofendido?” (CÂMARA LEAL, “Comentários ao Código de Processo Penal”, ed. 1942, vol. I, pág. 440; ESPÍNOLA FILHO, “Código de Processo Penal Brasileiro”, ed. 1955, vol. 2, pág. 513). O Instituto Médico-Legal do Distrito Federal, após o trabalho de uma comissão nomeada pelo chefe de Polícia, composta do médico-legista ANTENOR COSTA e do então promotor público ROBERTO LIRA, adotou em 1942, quesitos oficiais para os exames, destacando-se, a propósito do assunto que ora estudamos, a indagação: “resultou perigo de vida?”
Em Minas Gerais, no 4° quesito do formulário oficial para exame de corpo-de-delito, a indagação carece de tecnicismo, já que está assim concebida: “há perigo de vida ?” Mais afeiçoado à tarefa do perito médico-legal, data venia, seria o quesito lembrado por CÂMARA LEAL: “resultou, ou pode resultar perigo de vida?”
Conceito médico-legal
De qualquer forma, porém, o problema não existirá se a perito se aperceber do conceito médico-legal da circunstância de perigo de vida.
A consulta bibliográfica aos experts do assunto, no Brasil, revela que todos êles recorrem à definição de BIAMONTE (apud “Trattato di Diritto Penale”, de EUGÊNIO FLORIAM, titoliXII e X, com. ENRICO ALTAVILLA, pág. 79), e segundo a qual tem-se o perigo de vida, equivalente à probabilidade de morte, “sempre que, no decorrer do processo patológico, gerado pela lesão, há um momento, mais ou menos longo, no qual as condições orgânicas do paciente e o conjunto dos particulares do caso fazem presumir, ao homem de ciência, provável o êxito letal”.
Conforma-se com êsse conceito o entendimento de NÉLSON HUNGRIA, que parte do sentido etimolóico de perigo – situação, conjuntura, ou circunstância que ameaça a existência de uma pessoa, ou o risco a que fica exposta. “Em se tratando da lesão corporal”, ensina aquêle autor, – “entende-se que ela acarretou perigo de vida, quando êste se manifestou por sintomas objetivos, ligados às funções mais importantes da vida orgânica, sintomas que autorizem fundamente um juízo de probabilidade” (“Comentários ao Código Penal”, vol. 5°, pág. 291).
A lei penal em vigor, em todos os passos pejada da preocupação de fortalecer a defesa social, conseguiu, dêsse modo, no dizer de FLAMÍNIO FAVERO, sanar clamorosa injustiça abrigada no estatuto superado, quando “freqüentes vêzes, lesões de pequena monta médico-cirúrgica, porque demandam mais de 30 dias para a cura, são graves. Uma lesão penetrante da cavidade abdominal, gravíssima, pondo em perigo a vida do paciente, pode evolver para a cura perfeita em 10 ou 15 dias, e permitir a volta ao trabalho antes de um mês, com tratamento adequado: resultado, lesão leve. Êsse absurdo desaparecerá agora” (“Medicina Legal”, ed. 1942, pág. 194).
Em tese, são lesões perigosíssimas, ex se, no dizer de FLAMÍNIO, as lesões penetrantes do abdome; em seguida, as do tórax, as hemorragias de vulto, o choque, certas queimaduras e infecções, um vaso secionado, embora a coincidência de se verificar presente hábil cirurgião possa permitir seja salva a vida do paciente; “o perigo de vida terá sido um relâmpago, talvez, mas houve”; outro exemplo: um sôco na bôca faz que a vítima aspire um aparelho protético, ficando na iminência de morrer asfixiada, mas o especialista remove o obstáculo de pronto, com ou, sem traqueotomia (ob. cit., pág. 196).
Na tradução espanhola de sua “Medicina Forense”, pág. 135, e a propósito das lesões do abdome SYDNEY SMITH insiste em que “las penetrantes son extraordinariamente peligrosas por el riesgo de que interesen las vísceras y el de la infección“. Igualmente, para SOUSA LIMA, são sempre graves os ferimentos penetrantes do ventre, sobretudo pela lesão quase constante de alguma das vísceras respectivas, ordinàriamente de conseqüências fatais, como sucede, também, aquelas lesões que interessam à veia porta ou veia cava (“Medicina Legal”, ed., pág. 835).
CARRARA emprestava quase que exclusiva significação à natureza e sede de lesão, reputando impertinente ou despicienda qualquer outra indagação. Não é, porém, o ponto de vista triunfante (“REVISTA FORENSE”, vol. 129, pág. 250, ac. de Minas Gerais, 23-11-948, rel. LEÃO STARLING).
Vai daí ser indispensável, ainda que se trate de lesões que, por exemplo, afetem o peritênio e as menínges, que resultem ou sejam prováveis os fenômenos correspondentes de peritonite ou meningite, efetivamente sintomáticos do perigo de vida (“Rev. dos Tribunais”, vol. 142, pág. 525, ac. de São Paulo, 28-1-943).
Casos há, na verdade, que a lesão por si só não represente perigo efetivo. Porém, “há que atender, também, à constituição da vítima, isto é, ao conjunto das condições orgânicas próprias; são condições personalíssimas que, não sendo patológicas, acarretam para o ofendido aquela probabilidade de perigo, v. g., a criança, o velho” (BENTO DE FARIA, “Código Penal Brasileiro”, vol. 3º, pág. 109). A imputação do resultado ao autor da ofensa, nesses casos, é um corolário do reconhecimento no nexo de causalidade material.
Inúmeros autores, do porte de CARRARA (“Programma”, § 1.437) e EUSEBIO GÓMEZ (“Tratado de Derecho Penal”, vol. 2, pág. 177), fazem restrições à inclusão, dentre as lesões consideradas graves, daquelas de que resulta perigo de vida. Porque, no dizer do professor da Universidade de Buenos Aires, “determinar cuando, sin duda alguna, la lesión crea el peligro de vida, es bien dificil, como lo reconecen los propios médicos; se dice gemeralmente, que alguién está en peligro de muerte, cuando todo está concurriendo a poner en evidencia lo inevitable de un desenlace fatal. Pero, sin duda, el pronóstico puede no coincidir con la realidad, y esta contingencia debiera ser motivo bastante para que no subsista la agravación de las lesiones fundada en un criterio inseguro, como es el expresado”.
Argumentam os eminentes opositores da inovação com a possibilidade, sempre presente da cura. Mas tal entendimento não pode ser acolhido sem restrições, porque a recuperação da saúde não exclui a realidade do perigo, que pode ter ocorrido.
Tal objeção, como outras, servem tão-só para que se reclame e se exija do perito uma coisa: fundamentação de sua resposta, quando afirmativa do perigo. Como salientam com precisão BIONDI, BORRI e FERRAI (apud ALTAVILLA, cit., pág. 80), “non basta quindi un giudizio derivato dalla precedente esperienza”.
Por isso, proclama DE RUBEIS (“Lesione personale”, in “Digesto italiano”, vol. XIV, pág. 531), “la conseguenza che il magistrato farà opera saggia, richiedendo ai perito di motivare le ragione per un ritiene sussistente o meno il pericolo“.
É uniforme e copiosa a jurisprudência pátria, no sentido da imprestabilidade das respostas afirmativas do perigo de vida, quando desacompanhadas de motivação (ac. de São Paulo, 21-9-948, rel. MANUEL CARLOS, “Rev. dos Tribunais”, vol. 177, pág. 113; ac. de Santa Catarina, 19-10-945, rel. GUEDES PINTO, “Jurisprudência”, ano 1945, pág. 340; ac. do Rio Grande do Sul, 29-5-945, rel. NÉSIO ALMEIDA, in “REVISTA FORENSE”, vol. 104, pág. 335; ac. de Minas Gerais, 23-11-948, rel. ARNALDO MOURA, “REVISTA FORENSE”, vol. 129, pág. 250).
Função da perícia
Em minuciosa busca nos repositórios de jurisprudência, apenas conseguimos encontrar uma decisão, isolada, considerando dispensável a justificação do prognóstico puro e sêco dos peritos, quanto ao perigo de vida. Com efeito, decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que “a falta de fundamentação do auto de corpo-de-delito, no que concerne ao perigo de vida, resultante da lesão, não invalida a perícia realizada… porque até prova em contrário essa assertiva dos técnicos da medicina legal prevalecerá para todos os efeitos”. (“Rev. dos Tribunais”, vol. 172, pág. 459).
Ousamos repudiar tal entendimento, não só por se alongar da communis opinio, mas, sobretudo, porque destoa do princípio tradicional de não estar o magistrado irremissìvelmente subordinado ao laudo pericial, máxime em plena vigência do sistema, por nós preferido, da livre convicção do juiz.
Nosso trato diuturno com laudos periciais expedidos pelo Departamento de Medicina Legal (antigo Pronto Socorro) de Minas Gerais tem revelado uma acentuada vacilação dos ilustres peritos oficiais, no que tange à resposta quanto ao perigo de vida. Não compreendemos, em nosso laicismo nas questões médicas, e por isso mesmo não justificamos, a resposta sempre preferida nos laudas, nesta Capital, quanto ao perigo de vida: “depende da evolução do caso”.
Data venia, tal resposta desserve aos interêsses da justiça, porque não afirma ou nega qualquer coisa.
Necessidade de fundamentação das respostas aos quesitos
O perito há que emitir um prognóstico, diante do quadro clínico que se lhe apresenta; considerando a natureza, a sede das lesões, o estado anterior e outras peculiaridades, formará seu prognóstico fundamentado, um juízo de probabilidade, contemporâneo ao exame, nêle incluindo o risco, quando o houver, da própria intervenção cirúrgica indispensável (ac. de São Paulo, 10-6-953, rel. ULISSES DÓRIA, “REVISTA FORENSE”, vol. 158, pág. 373). Não deverá depender tal opinião ou prognóstico, desde que alicerçado em fatos positivos, de confirmação por novo exame complementar, e nem ficará condicionada a resposta à evolução clínica do quadro. Tal orientação constitui hoje ponto frio na doutrina e jurisprudência, quando proclamam que “a circunstância do perigo de vida é contemporânea das lesões” (ac. de Minas Gerais, 22-6-951, rel. J. BURNIER, “REVISTA FORENSE”, vol. 156, pág. 441), sobretudo quando, “o êxito letal sendo provável, não necessita confirmação por exame complementar” (ac. de Minas Gerais, 7-2-952, rel. GONÇALVES DA SILVA, “Jurisprudência Mineira”, vol. VI, pág. 581; ac. de São Paulo, 24-6-947, rel. AZEVEDO MARQUES, “Rev. dos Tribunais”, vol. 170, pág. 558).
O insigne GARRAUD, em seu “Traité théorique et pratique d’instruction criminelle et de procédure penale”, vol. 1º págs. 628-629, no longínquo ano de 1907, já afirmava que, embora não houvesse prescrição de formalidades substanciais, rígidas, em matéria de perícia, o que se exige é a clareza na resposta dos quesitos, a precisão e a segurança nas conclusões, que devem ser sempre motivadas, com uma exposição sincera e franca dos fundamentos, apreciados, naturalmente, em bases científicas. Deve ser evitada a linguagem preciosa e rebuscada, tornando enfadonha a compreensão do relatório. “As conclusões”, – ensinava o mestre gaulês, – “são as respostas aos quesitos, conseqüências lógicas que decorrem dos fatos observados, descritos e cientificamente discutidos por, “técnicos” (ob. cit., pág. 629).
FLAMÍNIO FAVERO, pontífice da medicina legal no Brasil, assim conclui sua apreciação sôbre perigo de vida: “disso tudo, decorre um conselho – ao “médico, cuja missão, de auxiliar da Justiça, hoje se amplia em face da nova lei – que tiro de ALTAVILLA: fundamente as razões de uma assertiva. Aliás, isso deve ser regra gral na perícia. E sem exceção”.
Agostinho de Oliveira Júnior, promotor público em Belo Horizonte.
LEIA TAMBÉM O PRIMEIRO VOLUME DA REVISTA FORENSE
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 2
- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 3
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