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Golpe de estado como injusto penal

CÓDIGO PENAL

GOLPE DE ESTADO

Luiz Regis Prado

Luiz Regis Prado

07/02/2023

É oportuno sublinhar que a expressão “golpe de Estado” (do francês, coup d’État), além de ser equívoca e ampla, sofre com o processo evolutivo da própria noção de Estado inúmeras mutações.

No contexto das nuances que envolvem o tema, põe-se em destaque a famosa declaração de Louis-Napoléon Bonaparte, depois do golpe de Estado de 1851: “ Je n’étais sorti de la legalité que pour entrer dans le droit. Plus de sept millions de suffrages viennent de m’absoudre” – como de justificação de sua ação.

O emprego do termo se inicia no Século XVII, relacionado a medidas políticas (violentas ou não) relativas à tomada do poder. Assim, a ideia de golpe de Estado pode ser apreendida em dois momentos distintos da história dos regimes políticos. No primeiro, durante o AncienRégime (Séc. XVII), a noção de golpe de Estado constitui mais uma manifestação da raison d’État, sendo, portanto, tido como ato legítimo. Nessa época, o golpe de Estado aparece como reação legítima contra a anarquia, com base na necessidade mais extrema e última – Necessitas legem non habet. É nesse contexto que se faz presente a importante obra de G. Naudé, Considérations sur les coups d’État, de 1639. 

Ao depois, no segundo, a partir da Revolução francesa (Séc. XVIII), gradualmente, vai perdendo o referido caráter, para se converter em um ato ilegítimo, que viola a ordem constitucional e legal estabelecidas. 

Desse modo, com o passar do tempo, e o advento do constitucionalismo (Idade Moderna), “faz-se referência às mudanças no Governo feitas na base da violação da Constituição legal do Estado, normalmente de forma violenta, por parte dos próprios detentores do poder político”.

O golpe de Estado, em sentido estrito, emerge conceituado como a ruptura violenta da ordem jurídica estatal, provocada por determinados órgãos ou instituições do Estado. Exige um mínimo de preparação e de organização. O fator surpresa-velocidade também costuma estar presente. Como exemplo, citem-se: golpes de Silla (88 a.C.) e Cesar (44 a.C.), na República romana; golpe de Estado de Louis-Napoléon Bonaparte, 1851; Putsch da cervejaria, de Hitler, 1923; golpe de maio, de Jósef Pilsudski (Polônia), 1926; autogolpe, de Getúlio Vargas, 1938; golpe de Estado, China (1911); golpe de Estado, Egito (1952), entre tantos outros.  Está ele em posição contrária ao sistema democrático, onde só há uma via legal admissível para a ascensão ao poder: eleição livre, transparente e pluripartidária, com ampla participação popular.

Ainda, convém observar, que, em termos genéricos, a expressão “golpe de Estado” significa a existência de determinada atuação ou movimento contra ou fora da lei, com vistas a alterar o regime político vigente, a ordem constitucional e legal e os poderes públicos. Noutro dizer: tomada repentina e ilegal do poder por determinado grupo, seja civil, seja militar. 

O conceito de golpe de Estado não se confunde com o de guerrilha revolucionária, cuja “finalidade é desgastar até o aniquilamento ou derrota das forças armadas ou policiais a serviço do Estado”.

Também, não há sinonímia com a insurreição, a sedição, a revolta popular, a guerra civil, a revolução ou a simples conjura palaciana. 

A revolução é vista “como processo que instaura um novo ordenamento político e jurídico, e contrapõe-se a mesma ao Golpe de Estado, que só realiza mudanças de menor porte”. Na revolução, há, em geral, a ativa participação da grande massa popular.  Costuma ter preparação e organização detalhadas, feitas com antecedência. É importante mencionar que a revolução visa a instauração de uma nova ordem jurídica e social, em substituição a anterior (v.g., revolução francesa, 1789; revolução russa, 1917).

 A insurreição ou sublevação, por sua vez, se caracteriza por ser um movimento “generalizado de um núcleo de indivíduos contra o poder dominante, normalmente identificado com o Governo; coincide em geral com qualquer rebelião de massa e é caracterizado pelo uso da violência, mesmo que esta não se manifeste necessariamente em forma física ou material, mas somente moral”.

De seu turno, a sedição, que muitas vezes inclui a insurreição e a revolta popular, envolve um levante público, tumultuoso e desordenado (pouca organização), que objetiva conseguir fora dos ditames legais ou pela força determinado objetivo. Pode ter lances de violência. Revolta-se, contra o poder público ou instituição, contra as leis, decisão ou atuação de um órgão estatal. Em geral, há participação popular ou de grupos.

 O Código espanhol (1995) estatui expressamente sobre a sedição (art.544, 545). Nesse ordenamento legal, a rebelião tem finalidade e bem jurídico diversos da sedição. Esta constitui delito contra a ordem pública, aquela visa atingir à Constituição.  

Na insurreição e na sedição ainda se vislumbram certa aderência ao direito posto. A Constituição Francesa de 1793 reconheceu o direito à insurreição nos termos seguintes: “Quand le gouvernement viole les droits du peuple, l’insurrection est, pour le peuple et pour chaque portion du peuple, le plus sacré des droits et le plus indispensable des devoirs”(art.35). Com isso, traz-se à baila a delicada questão relacionada ao direito de resistência, e à desobediência civil pelo qual o povo ou uma parcela dele busca se opor à tirania, à opressão.

Já a guerra civil vem a ser o choque armado e violento entre cidadãos de um Estado ou país. Não há guerra civil senão quando os integrantes de uma mesma nação se armam uns contra os outros, para substituir pela força a regulação pacífica e constitucional, no dizer de Garraud (v.g., guerra civil americana – 1861-1865; guerra civil espanhola – 1936-1939).

De qualquer modo, é preciso sublinhar que não há uma definição unanimemente aceita de golpe de Estado. A ação, em geral, se caracteriza modernamente por alguns elementos: infração à lei e à constituição; invocação do bem do Estado (sem o golpe, o Estado não sobreviveria ao perigo – status necessitatis.).  A má reputação do golpe de Estado provém, sobretudo, desses dois elementos. Aliás, tanto o golpe de Estado como o Estado de exceção e a revolução têm os citados aspectos em comum. 

Diferença de golpe de estado e estado de exceção

O Estado de exceção, em princípio, se distingue por sua vocação de ser provisório, temporário, e supõe, após a crise, a volta à normalidade.  O que não se verifica com o golpe de Estado e a revolução.  

Todavia, ninguém pode garantir objetivamente, num primeiro momento, que se está diante de um ou de outro, e o que vai ocorrer ao final. Na verdade, a intenção de permanecer ou não em estado de ilegalidade é insondável. A violação à Constituição e às leis, e, ao mesmo tempo, o bem do Estado são fenômenos que se opõem, são logicamente inconciliáveis.

O Código Criminal do Império (1830) prevê expressamente os tipos delitivos contra a Constituição do Império e Forma do Seu Governo (art.85-86); contra o Chefe do Governo (art.87-90); contra o Livre Exercício dos Poderes Políticos (art.91-99) e contra o Livre Gozo e Exercício dos Direitos Políticos dos Cidadãos (art.100-106). Em outro título (Título IV – Crimes contra a Segurança Política do Império e Pública Tranquilidade), dispõe sobre os delitos de conspiração (art.107-109); rebelião (art.110); sedição (art.111-112) e insurreição (art.113-115). 

Em relação a este último tópico, o Código Penal republicano (1890) capitula os tipos legais de conspiração (art.115-117); sedição e ajuntamento ilícito (art.118-123).

Na legislação comparada, por exemplo, o Código Penal italiano (1930) pune a “insurrezione armata” (art.284); a “devastazione, saccheggio e strage” (art.285); a “guerra civile” (art. 286), e a “usurpazione di potere politico o comando militare” (art.287). 

De sua vez, o Código espanhol (1995) dispõe sobre os “Delitos contra la Constitución”- Título XXI do Livro II, e no artigo 472 elenca uma série de condutas relativas ao delito de rebelião.

Por derradeiro, convém evidenciar que a matéria relativa aos delitos políticos (e suas variadas formas) se apresenta complexa e dotada de grande ambiguidade, sendo de difícil deslinde.

Além dos elementos típicos objetivos que caracterizam cada delito (aqui, os artigos 359-L e 359-M), é preciso estar atento à finalidade exigida e as condutas praticadas. Assim, por exemplo, no golpe de Estado (ou abolição violenta do Estado democrático de Direito), busca-se atingir às instituições fundamentais do Estado, sua própria existência, autonomamente considerada. Já em outro tipo de revolta (insurreição, sedição, revolta popular etc.), mais comum, os objetivos são outros, de menor gravidade. Em princípio, pretende-se questionar (insurgir, protestar, rebelar-se), inclusive com certa violência, mas não se almeja a derrocada ou a tomada do governo, dos poderes ou instituições.

Daí a ingente necessidade de a intervenção penal ser seletiva e muito cuidadosa, se quiser respeitar o próprio Estado democrático de Direito, que procura defender e preservar.

Golpe de Estado – estrutura do injusto penal

O atual Código Penal, alterado pela Lei 14.197/2021, agasalha a figura legal do golpe de Estado, no artigo 359-M.Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído: Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência”. 

Neste tipo legal, tutelam-se o Estado democrático de Direito e a ordem constitucional, que dependem, dentre outras coisas, da existência de um governo legitimamente constituído. 

O tipo não exige nenhuma qualificação específica do autor, tendo adotado o Código sistemática conceitual diversa da comumente veiculada pela ciência política.  Não qualifica, portanto, a autoria (civil ou militar, por exemplo). Daí que o sujeitoativo pode ser qualquer pessoa (delito comum), e o sujeitopassivo vem a ser o governo constituído legitimamente no âmbito do Poder Executivo da União. 

Na tipicidade objetiva, incrimina-se aconduta detentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído(tipo simples/anormal/congruente).

O núcleo típico vem a ser tentardepor, que significa destituir ou derrubar, um governo legitimamente constituído (elemento normativo extrajurídico do tipo). 

No Brasil, o governo (Poder Executivo Federal) é formado por meio de eleições periódicas do presidente da República (e do vice-presidente da República) que, após tomar posse, compõe o corpo de ministros de Estado, também integrantes do governo. Como no delito anterior, a destituição se dá por meio de violência (coação física) ou grave ameaça (coação moral). Estes elementos são imprescindíveis, sendo que o tipo legal adota um conceito estrito de golpe de Estado.

A partir de leitura isolada (ou mesmo desavisada) do tipo penal, não haveria empecilho em caracterizar o crime previsto no artigo 359-M como a conduta atentatória a governo estadual ou municipal. Todavia, o tipo penal deve ser interpretado conjuntamente com o seu nomen juris (golpe de Estado),e de modo estrito, que é o fenômeno ao qual se vincula a ideia de ruptura institucional, com a consequente ruptura da ordem constitucional legítima. Já a tentativa de deposição de um governador ou prefeito pode consubstanciar o delito precedente (art. 359-L), pois, implica restrição ou impedimento do exercício de um poder constitucional legalmente constituído. 

Na tipicidade subjetiva, exige-se o dolo direto, consistente na vontade livre e consciente de tentar depor um governo legitimamente constituído.  A ação dolosa deve estar regularmente configurada sem nenhum lampejo de dúvida. 

Na realidade, a modalidade delitiva, de caráter político, se caracteriza pela intenção direta e clara de derrubar, destituir, no caso, de “tentar depor o governo legitimamente constituído”, com utilização dos meios elencados no tipo de injusto. Ainda que não exija o tipo elemento subjetivo do injusto. Para alguns, seria o caso de “dolo intenso”.

O delito se consuma no momento em que o agente emprega violência ou grave ameaça, para tentar depor o governo legitimamente instituído. É, então, delito de consumação antecipada (ou de resultado cortado).

Como no delito anterior (art. 359-L), a tentativa não é admissível. Iniciada a execução do ato violento ou da grave ameaça, voltada a depor um governo legitimamente instituído, o delito já está consumado. Os atos anteriores são tidos como preparatórios, e só podem ser punidos se previstos como delitos autônomos.

O delito de golpe de estado pode ser assim classificado: comum, doloso, comissivo, de resultado cortado, instantâneo e plurissubsistente. 

Comina-se a pena de reclusão de quatro a doze anos, além da pena correspondente à violência. Se o delito for praticado com violência (homicídio, lesão corporal etc.), o sujeito ativo deve responder pelo artigo 359-M em concurso formal com o delito correspondente ao ato de violência realizado. Se, diversamente, é empregada tão somente a grave ameaça, ocorrerá a consunção. 

O processo e julgamento do referido delito são de competência da Justiça Federal (crime de natureza política). A ação penal é pública incondicionada. 

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