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Dolo e significado
Paulo César Busato
08/12/2015
Resumo: o artigo trata da superação do modelo de dolo que é utilizado em direito penal. O modelo que busca a afirmação do dolo como realidade ontológica está superado. Porém, isso não significa negar o componente volitivo do dolo, como querem majoritariamente as teses normativas. O dolo, na realidade pode ser identificado e compreendido através de um processo de comunicação. O dolo é, na verdade, o sentido do dolo. O sentido que se atribui a um comportamento e, portanto, está intimamente ligado ao processo de sua própria demonstração que é compreendido a partir da filosofia da linguagem.
Introdução.
A transformação semiótico-significativa da filosofia afetou todos os campos do conhecimento humano em um ponto comum, a redefinição dos fenômenos mentais, essencialmente cognitivos, através da categoria central da semiótica, o signo, com o que toda atividade mental se redefine como atividade semiótica[1].
A partir disso, se pode falar que, em Direito penal, os elementos subjetivos da teoria do delito estão merecendo uma revisão. Entre eles, desde logo, destaca-se o dolo. Chegou o momento de revisar o dolo como categoria delitiva que esteve sempre ancorada ou em uma pretensão de verdade psicológica intangível ou em um processo de atribuição com graves problemas de legitimação.
O problema é que a atribuição da realização de um delito doloso supõe, como regra geral, a imposição de uma pena mais grave ao seu autor do que a realização de um delito imprudente. Ainda assim, se pode afirmar que a imputação de responsabilidade penal sempre estará vinculada à demonstração do dolo ou da imprudência no caso concreto que se tem em conta[2].
É de todos sabido[3] que dentro da análise do dolo, a doutrina em geral, especialmente a alemã, tem trabalhado majoritariamente com uma concepção tripartida de dolo, apontando a existência do dolo direto, representado pela orientação da conduta dirigida a um fim almejado, o dolo direto de segundo grau, que identifica e orienta os efeitos colaterais necessários da conduta do agente[4] e o dolo eventual, que informa os efeitos colaterais possíveis, porém incertos, da conduta do sujeito.
No que tange, porém, à fundamentação do dolo, a doutrina costuma, de regra, apresentar as teses distinguindo entre concepções cognitivas (que fundam o dolo tão somente no conhecimento do resultado) e volitivas (que ao conhecimento acrescentam, como exigência para a configuração da tipicidade subjetiva mais grave, a vontade)[5].
As discussões entre as duas correntes são ácidas e muito detalhadas[6], sempre a partir da busca por um elemento diferenciador (nas concepções tripartidas) ou aglutinador (nas teorias unitárias) entre o dolo direto e o dolo eventual.
Mas, a mais importante questão não é saber se a vontade deve ou não ser acrescentada ao conhecimento, mas quando se poderá dizer que o indivíduo que atuou, o faz dolosamente, intencionalmente ou conhecendo a possível ou provável provocação do resultado?
Na praxe forense, o que se pode identificar é que muitos julgamentos e condenações são impostos a partir de uma constatação de que o sujeito atuou dolosamente, mas, a discussão sobre os fundamentos nos quais se sustentam tais afirmações sobre o dolo não mereceram, de parte dos juízes, uma especial atenção. Mas, como é possível afirmar este dolo no juízo de condenação? Com base em que espécie de considerações se pode dizer que alguém atuou com conhecimento – e para alguns com vontade – vinculados à realização do fato delitivo?
Tradicionalmente, se costumava buscar a resposta a esta pergunta no que são as teorias ontologicistas do dolo, vinculadas ao causalismo ou ao finalismo. De modo mais recente, aparece também uma tendência a admitir como válida – justamente a partir das críticas à impossibilidade de demonstração do fenômeno volitivo no âmbito psíquico do sujeito – a condição de simples atribuição do dolo, em uma perspectiva puramente normativa[7], especialmente nas propostas funcionalistas.
Por um lado, há quem afirme que o dolo é um fenômeno real, algo que existe no mundo ontológico e que só se pode descrever. Por outra parte, há quem considere inacessível o dolo como dado real e admita que o dolo é simplesmente algo que se atribui ao autor de um fato delitivo. De maneira dominante, aqueles autores que afirmam que o dolo se resume em conhecimento adotam uma postura atributiva-normativa da própria estruturação geral da teoria do delito, enquanto que aqueles que dotam o sistema de imputação de uma ancoragem ontológica, também de regra, adicionam a vontade ao conhecimento como elementos componentes do dolo.
Ocorre que esta regra não é absoluta. É que nem sempre aqueles que entendem ser o dolo somente conhecimento reconhecem nele somente uma atribuição, mas pretendem necessária sua demonstração empírica. Tampouco todos aqueles que pugnam pela necessidade de inclusão da vontade como elemento que compõe o dolo são adeptos da necessidade de sua demonstração empírica, entendendo-o desde um ponto de vista atributivo-normativo. Em função disso, o ângulo de visão que se propõe no presente trabalho, leva a uma discussão que, em certa medida, altera o formato do debate doutrinário costumeiramente posto.
A abordagem que aqui se faz visa propor a discussão do dolo a partir de um novo ponto de vista, que não mais classifica as teses entre volitivas e cognitivas, mas sim entre ontológicas e normativas, para, afinal, propor a adoção de uma terceira via, que é a significativa.
Esta proposta cobra sentido não só por constituir uma nova abordagem do tema, como também por deixar mais evidente a insuficiência da pretensão legislativa expressa no Código Penal brasileiro, de “definir os contornos do dolo”. Ou seja, mesmo que o Código afirme o dolo verbis “quando o sujeito quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”, resta imprescindível, de qualquer modo, perquirir os critérios pelos quais se pode afirmar que o sujeito assim agiu.
Segundo parece, a opção ontológica – traduzida na afirmação de que o dolo é uma entidade que existe como fenômeno psíquico – careceu sempre de demonstração para confirmar sua validade e a opção normativa – consistente em afirmar que o dolo é pura atribuição -, sofreu com a falta de legitimidade.
Do que se trata neste escrito é buscar na comunicação de sentido um referente significativo válido e capaz de oferecer uma nova opção teórica para o reconhecimento do dolo e uma justificação coerente de seu fundamento.
1. O dolo ontológico
As teorias do delito de fundo ontológico, assim consideradas aquelas que se sustentam sobre a determinação ontológica de suas categorias fundamentais[8], pretenderam reconhecer o dolo através da afirmação de determinados dados de natureza psicológica, cuja existência no momento de realização do delito fica demonstrada no processo[9]. Na verdade, tal concepção arranca desde os primórdios da formulação da estrutura analítica do sistema de imputação, a ponto de ser comum na doutrina a afirmação de que “sempre se sustentou o caráter eminentemente psicológico do dolo”[10]. Tanto é assim, que para o causal-naturalismo, o dolo era uma forma de culpabilidade que representava o vínculo de ordem subjetiva entre o autor e o fato delitivo que permitia a imputação (Zurechenbarkeit) do ato[11]. De forma também ontológica, para o finalismo, o dolo, como elemento subjetivo da própria ação típica, configurava sua nota distintiva. A ação delitiva era fundamentalmente orientada a um fim, que poderia ser justamente a intenção de realização de um delito, ou seja, consciência e vontade orientadas à realização de um propósito delitivo[12].
O dolo, aqui, se situa na cabeça do autor. Ou seja, o dolo é uma realidade ontológica e existe como dado psicológico que compete ao jurista identificar.
Dentro das concepções finalistas do dolo, se costuma apontar a teoria oferecida por Armin Kaufmann como uma das mais desenvolvidas, na medida em que supõe, de um lado, a pretensão de ser uma teoria unitária do dolo e de outro, o que o próprio Kaufmann qualifica de preservação de uma perspectiva ontológica com alto grau de objetivação[13].
Para Kaufmann, “dolo e imprudência se diferenciam com ajuda daquele critério que já ontologicamente caracteriza a ação: a vontade de realização”[14], pelo que suas propostas encaixam perfeitamente com a teoria final da ação.
Kaufmann trabalha com sua perspectiva de uma Teoria dos elementos negativos do tipo, com a qual pretende identificar a qualidade da ação a partir de existência ou não de uma pretensão de evitação[15]. Com isso, estabelece que o dolo termina quando “o agente, a respeito de umas conseqüências secundárias não desejadas que trata de evitar, realiza uma ‘vontade’ evitadora que domina o fato”[16].
Evidentemente, desde logo se pode objetar, contra a proposta de Kaufmann, como faz Hassemer[17], que “não parece evidente que quem reduz a periculosidade de sua ação só por isso mereça um tratamento menos severo, dado que, de qualquer modo, desde seu ponto de vista, atua de modo perigoso, ou seja, que – apesar da conduta evitadora – atua com má vontade”.
Mas, há outro problema, ainda mais grave. É que para determinar o dolo a partir destas considerações, seria necessário acudir, de qualquer maneira, à mente do sujeito, para conhecer sua representação a respeito da situação concreta e conhecer, em essência, seu plano. Ademais, a ação de evitação pode acabar não se concretizando ainda que esteja na vontade do sujeito, o que conduz a resultados injustos[18]. A solução, como observa Hassemer, é elegante, mas perigosa:
“Quem, como Armin Kaufmann, objetiviza os limites do dolo somente sobre a ação de evitação, limita com isso o possível recurso da determinação do dolo àquilo que o agente tem em sua mente durante e com sua ação: a atividade […] Isso é uma solução elegante e simples, mas também perigosa e, a princípio, inadequada. […] porque o dolo […] reside sem dúvida no lado interno do pensar e o querer (‘da vontade de realização’) e não no lado externo da ação e a causação: a atividade de evitação. Ou seja, uma teoria do dolo esquematicamente objetivada só pode ser exata quando o indicador externo (a ação de evitação) representa completamente aquilo que precisamente deve refletir (a exclusão da vontade de realização); quando fracassa essa representatividade do indicador externo não poderá tirar-se nenhuma conclusão da ação evitadora em relação à vontade de realização. Aí residem ao mesmo tempo a elegância e a periculosidade de uma objetivação concentrada sobre um único indicador […] atividade de evitação”[19].
Fica claro na opinião de Hassemer, aqui compartilhada, que a decisão a respeito do dolo não pode deixar de ter em conta a intenção do agente, ainda que, claro, para isso tenha que acudir a elementos externos. O exigível é que estes elementos externos estejam conformes àquela intenção subjetiva. Não basta estar presente a intenção que dirige a ação se ela, ao final, não fica refletida na atuação.
Por outro lado, é necessário ter em conta que justamente por ser imprescindível a referencia aos elementos externos, o dolo guarda estreita relação com o processo penal, ou seja, com a teoria da prova. O dolo se resume ao dolo que se pode demonstrar. Comenta Díez Ripollés[20] que dentro desta proposta, os elementos subjetivos do delito seriam “realidades psíquicas previamente dadas e suscetíveis de descobrimento a partir de um processo de averiguação”.
Por isso, o dolo sempre dependerá de uma demonstração objetiva da intenção subjetiva. Deste modo, a ideia do que fundamenta o dolo está completamente conectada com sua demonstração, definitivamente, com sua prova. Quando se propõe um dolo como realidade ontológica, não é possível esquecer que é necessário demonstrar quais são os meios que tornam possível a identificação do dolo como tal realidade.
A demonstração do dolo como realidade psicológica, porém, revelou-se totalmente impossível. E isso não deriva unicamente de uma impossibilidade física de acesso à intenção subjetiva, mas também e principalmente, em face de que a verdade real no processo penal não existe[21]. Mas a impossibilidade deriva não só da falta de instrumentos jurídicos aptos a realizar tal tarefa, mas, por sua própria característica: os fenômenos psíquicos resultam inacessíveis.
Na opinião de Ragués i Vallés é nesse ponto que aparece uma enorme dificuldade já que
“Para afirmar a validade desta perspectiva, à sua plena legitimidade deve-se acrescentar a possibilidade de averiguar aqueles dados psicológicos aos quais se vincula uma correta «determinação do dolo». De não ser possível tal averiguação, a perspectiva se encontra em tal encruzilhada que leva a duvidar seriamente de sua validade”[22].
E é justamente esta realidade que não se logrou afirmar.
Há defensores da idéia de afirmação da realidade do dolo através de contribuições das ciências naturais[23] ou através da confissão do acusado[24]. Evidentemente, nem uma nem outra perspectiva resultam adequadas.
No que se refere a contar com a declaração do acusado, parece evidente que no processo penal a confissão não deverá ser a regra e, por outro lado, não se pode ter segurança de que o acusado diz a verdade, ainda quando esteja assumindo a responsabilidade pelo fato delitivo.
De outro lado, com o recurso às ciências empíricas, tampouco se pode afirmar o dolo, essencialmente por duas razões: a falta de coincidência para com o conceito de dolo utilizado pela ciência jurídica, que inclui uma dimensão de conhecimento e vontade não coincidente com a perspectiva de verificação psicológica[25] e por outro lado, a completa falta de uniformidade entre as propostas a respeito do dolo que derivam de diferentes correntes doutrinárias da psicologia e da psiquiatria, as quais nem mesmo em seu próprio âmbito científico lograram unificar-se sobre o tema[26].
A conclusão é que não se pode obter, desde o ponto de vista das ciências naturais, nada mais que cálculos sobre probabilidade ou possibilidade de existência de determinado fato psíquico.
Isso conduz a que a admissão do dolo como realidade psíquica, ainda que amparado por conceitos das ciências naturais não possa chegar a mais que deixar aberta a porta para certo grau de insegurança em sua afirmação. Ou seja, a constatação do dolo como realidade empírica é completamente impossível, pelo que, toda afirmação sobre o dolo contém certo grau de valoração, gerando justamente a indeterminação que a pretensão de verdade própria das concepções ontológicas pretende extirpar.
2. O dolo normativo.
Os problemas de prova que afetam a concepção ontológica do dolo levaram parte da doutrina[27] a admitir que o dolo não é uma realidade psicológica, mas o resultado de uma atribuição[28]. O fato já tinha sido percebido e advertido por Hassemer, em sua obra sobre os fundamentos do Direito penal, com um exemplo que espanca qualquer dúvida:
“Se pergunta como pode o juiz constatar a intenção de defraudar, falsificando um documento. E agora se pergunta como pode o juiz constatar tal intenção em um processo, como pode produzir o dado intenção de defraudar. O juiz pode observar os livros de comércio, os informes fiscais, os dados de um computador (ou fazê-los serem observados, caso necessário, por peritos ou se certificar das observações feitas por testemunhas). Ninguém pode, porém, observar uma intenção de defraudar, que somente se pode imputar…”[29].
Ou seja, o dolo não é algo que existe, que seja constatável, mas sim o resultado de uma avaliação a respeito dos fatos que faz com que se impute a responsabilidade penal.
Para esta tendência, o que se faz para determinar o dolo não é mais que atribuir ou imputar a alguém o conhecimento e a vontade de realização do fato delitivo. É que “os segmentos de realidade que são manejados já não podem qualificar-se como realidade empírica, senão como realidade valorada, dado o papel determinante das perspectivas axiológicas em sua configuração e comprovação”[30]. Ou seja, se não é possível afirmar mais que a possibilidade de existência real do dolo, o dolo será sempre, ao menos em parte, produto de uma valoração.
Obviamente, esta perspectiva encontra receptividade nas propostas teóricas que defendem a separação entre as ciências naturais e as ciências sociais. Na perspectiva kelseniana de uma ciência referida a valores, fica sem sentido tentar buscar nas ciências naturais conceitos jurídicos. Por isso, sustentou Kelsen[31] que categorias como a vontade ou intenção, por pertencerem ao tipo de injusto não podem ser tomadas como realidades a serem demonstradas, mas simplesmente como fatores que incumbe ao juiz reconhecer com o objetivo de estabelecer as responsabilidades penais correspondentes.
A partir disso, muitos autores seguiram esta tendência, reconhecendo, desde distintos pontos de vista, que o dolo se reduz a uma forma de atribuição.
Nesse sentido, por exemplo, Detlef Krau?[32] defende que é a valoração social de uma expressão objetiva da ação que delimita o dolo e a imprudência. Também Hruschka[33] afirma que quando dizemos que alguém atua dolosamente, o que fazemos é emitir um juízo que não é passível de descrição, mas de adscrição.
Uma construção bastante debatida no Brasil, especialmente em face da tradução de um livro sobre a matéria[34], é a de Puppe, para quem a questão sobre o dolo resulta ser completamente normativa, devendo ser completamente recusada a ideia de dolo psicológico[35].
Em seu peculiar método de propor o tema, George Fletcher[36] também adota um conceito normativo de dolo, ao comentar que a atribuição de ordem subjetiva foi abordada desde distintos pontos de vista, desde uma teoria psicológica e desde uma teoria “moral”. A teoria psiológica é a que “busca saber em que medida o delito se encontra refletido na consciência do sujeito”, enquanto que a teoria moral se baseia em considerações de justiça para afirmar a responsabilidade do sujeito pelo ato delitivo. “A pergunta não é se o delito está refletido na mente do agente, mas se apesar das imagens que representam na consciência do agente, ele ou ela podem ser considerados culpados pelo ato delitivo. A abordagem não é descritiva, mas valorativa”[37]. E entre as duas propostas, Fletcher se inclina claramente pela teoria moral, que ele entende ser a mais acertada[38].
Claro está que o principal problema de negar a realidade do dolo é o risco de gerar decisões arbitrárias. O problema está em que se admite, assim, a possibilidade e incongruência entre a realidade psicológica interna da intenção do agente e a atribuição que se lhe faz. Nesse sentido, Muñoz Conde está de acordo com Díez Ripollés em que “qualquer tipo de valoração (seja puramente normativa ou produto de propostas psicológico-normativas ou interacionistas) é necessário partir da realidade psíquica a que se referem os elementos subjetivos” e por isso, adverte que “qualquer construção jurídica à margem de ou fingindo a realidade é grave fonte de arbitrariedades e deixa a porta aberta à maior insegurança, científica ou jurídica”[39].
Assim, o que aparece na perspectiva normativa do dolo é uma “crise de legitimidade”[40], que conduz à necessidade de critérios concretos que ofereçam justificações adequadas para a atribuição do dolo e que possam levar mais além dos resultados que se possa obter mediante a perspectiva psicológica do dolo.
Dentro destas perspectivas normativas, resulta, pois, essencial, a concreta determinação de critérios seguros para a afirmação do dolo. Muitas teorias se apresentaram com o objetivo de oferecer tal justificação. Uma das que resulta mais interessante, sem dúvida, foi a proposta de Hassemer, com a chamada teoria dos indicadores externos, que une a dimensão material e a dimensão processual do dolo[41]. Trata-se de uma postura que, ao mesmo tempo em que não deixa sem resposta a encruzilhada entre conhecimento e vontade, adianta-se em demonstrar a existência de algo mais a ser discutido.
3. A tese dos indicadores externos de Hassemer: uma perspectiva procedimental sobre o dolo.
Para conjugar a demonstração alcançável objetivamente de critérios de determinação da subjetividade, Hassemer oferece um interessante ponto de partida com sua teoria dos indicadores externos.
Sendo necessário delimitar uma fronteira entre dolo e imprudência, este objetivo não se pode alcançar através da valoração que o sujeito faz a respeito da possibilidade de ocorrência do resultado. Isso é assim simplesmente porque tais dados são, desde logo, inalcançáveis, pelo que é preciso renunciar, a priori, às definições ontológicas do dolo[42]. Hassemer[43] sustenta que saber “que tipos de comportamentos dolosos devem se diferenciar, quais devem ser separados dos não dolosos, quais devem ser sancionados penalmente, todas estas perguntas não podem ser discutidas desde um ponto de vista ontológico, mas somente desde uma perspectiva deontológica, ou seja, são questões abertas às expectativas de justiça historicamente variáveis”.
Como consequência, a atribuição de responsabilidade dolosa depende de uma valoração, da adoção de critérios normativos. E é aqui que Hassemer aproveita para desenvolver um ponto de partida que sugere a tese do próprio Kaufmann, o da valoração dos elementos objetivos.
Sublinha Díaz Pita que Hassemer “não persegue uma averiguação de características concretas que desenhem o dolo e faltem na imprudência. É a ratio da penalidade do dolo o que constitui o ponto de partida de sua tese”[44]. Ou seja, ele abre mão de discutir “o que é” o dolo, propondo tão somente discutir a razão pela qual se castigam mais gravemente os crimes considerados dolosos, quando comparados aos imprudentes.
O trabalho de Hassemer começa por buscar as razões pelas quais uma conduta dolosa é mais desvalorada que uma conduta imprudente. “Quem não pode responder a esta pergunta, não poderá fundamentar os limites do dolo em critérios normativos aceitáveis”[45]. É que categorias como dolo e imprudência guardam entre si diferentes graus de desvaloração das condutas às quais elas se associam[46].
Comenta Hassemer[47] que, a partir da concepção de Engish, que já no ano de 1930 identificava a distinção do nível de reprovabilidade da lesão dolosa ou imprudente com base na ‘atitude (do agente) em relação ao mundo dos bens jurídicos’, desenvolveram-se distintas teorias do dolo. Tais teorias, por certo, aperfeiçoaram e desenvolveram as propostas de Engish em distintas teses, que, entretanto, mantém em comum a ideia de renunciar à dissociação entre o elemento cognitivo e volitivo no dolo, unificando ambos em um mesmo marco conceitual, a par de reconhecerem que o dolo reside no âmbito interno do agente e aceitarem indistintamente a assunção de conceitos abstratos para a descrição do dolo, seja sob o critério de decisão a favor da lesão de bens jurídicos, decisão contra os bens jurídicos ou negação explícita realizada pelo agente[48].
Disso extrai Hassemer a conclusão de que estes conceitos não fazem mais do que pôr em evidência que o substrato do dolo é interno ao indivíduo, bem como a clara ideia de relevância do elemento “vontade”, já que o mero conhecimento não é suficiente para encher de conteúdo uma atitude de “decisão”[49].
Mas, as tentativas de buscar a intenção na vontade interna do agente, em geral, padeceram de incapacidade de demonstração, enquanto que as tentativas de descrição com base na periculosidade da atitude, padeceram de falta de correspondência com a real intenção.
Para a solução do problema, Hassemer propõe que, se o dolo escapa ao campo de contemplação do observador, não pode ser descrito, pelo que, a aproximação do tema deve ocorrer de modo indireto, através de dados objetivos que cumpram os seguintes requisitos: seu caráter observável, sua exaustividade e sua relevância para o elemento subjetivo em questão[50].
Esta necessidade de indicadores, segundo Hassemer[51], não pode ser resumida em um único dado como a “ação de evitação” (como queria Kaufmann) ou o “perigo desprotegido”, inclusive porque a ideia de conhecimento a respeito do fato não basta para o dolo, ainda que seja imprescindível para dotar de conteúdo a vontade.
Evidentemente, os indicadores externos são tantos e tão amplos que não seria possível esgotá-los. Trata-se, na realidade, da análise de todas as circunstâncias que estão ao redor do atuar. Hassemer[52] observa que “a ordenação sistemática dos indicadores resulta de sua missão e da estrutura de seu objeto, ou seja, eles hão de possibilitar uma conclusão fiável a respeito da existência do dolo”, para cujo objetivo hão de seguir os seguintes passos: demonstrar o perigo da situação concreta para o bem jurídico, a representação do agente a respeito desse perigo e sua decisão a respeito da realização do mesmo. Mas, neste trabalho de identificação, é necessário ter em conta que tão somente a situação de perigo oferece dados descritíveis, os dois seguintes passos só podem ser realizados por meio de deduções derivadas dos indicadores[53].
Em resumo, Hassemer entende que o dolo é uma “decisão a favor do injusto”[54], mas entende também que o dolo é uma instância interna não observável, com o que, sua atribuição se reduz à investigação de elementos externos que possam servir de indicadores e justificar sua atribuição. Por isso, estes indicadores só podem ser procurados na mesma ratio do dolo, que se explica em três sucessivos níveis: a situação perigosa, a representação do perigo e a decisão a favor da ação perigosa[55].
Desta construção de Hassemer, parece derivar algo muito importante que, porém, o autor não trata de explorar: a idéia de transmissão de um significado. Hassemer atribui, ao combinar os indicadores externos e os critérios (valorativos) de delimitação do dolo, a identificação deste à possibilidade de sua atribuição, mas não trata de explicar o processo justificante de tal identificação. Ao afirmar que o dolo, embora seja um fenômeno interno ao sujeito, demanda, para sua afirmação, da comprovação de indicadores externos que justifiquem sua atribuição, Hassemer assume a idéia de que somente diante da expressão externa, compatível com a ratio incriminadora subjetiva dolosa é possível afirmar a existência do dolo. Vale dizer: o dolo “é” sua própria demonstração, sua expressão significativa.
4. O dolo e o significado do dolo.
Não resta, pois, nenhuma dúvida de que a identificação do dolo não pode vir da descrição de um processo psicológico, mas somente da identificação do que Hassemer qualifica de “indicadores externos”. O dolo, definitivamente não “é” um fato, mas uma atribuição, ou seja, a exata atribuição de uma decisão contrária ao bem jurídico, na qual se expressam simultaneamente conhecimento e vontade.
Isso põe em evidência o erro, em especial das concepções finalistas, mas também de todas as que nela estão inspiradas, ao sustentarem um dolo substancial que é a nota distintiva da ação, quando, na realidade, a ação não “é” uma realidade ontológica, mas simplesmente a representação de um sentido de atitude dolosa que permite uma adscrição. É necessário ainda, porém, delimitar o que dá sentido doloso a uma determinada realização.
Segundo parece, a identificação do sentido do dolo passa por uma melhor resolução sobre dois pontos: a situação do dolo na teoria do delito e o oferecimento de uma melhor compreensão teórica do próprio sentido ou significado do dolo.
4.1. O dolo como atribuição e a teoria do delito ancorada em pretensões normativas.
As dificuldades em estabelecer um concreto sentido de atribuição do dolo deriva, em grande medida, da ordenação das categorias do delito segundo a proposta finalista. É que a proposição welzeliana de finalidade como nota distintiva da ação, levou boa parte da doutrina a admitir, sem espaço para discussão, que o dolo é elemento exclusivo da conduta típica e, por isso, é algo vinculado às pré-determinações ontológicas defendidas pelo próprio Welzel[56].
A melhor forma de tentar mudar de perspectiva, através da negação do dolo como categoria psicológica, passa necessariamente por uma revisão das pré-determinações ontológicas do tipo. É necessário negar o tipo subjetivo como condicionante ontológico e, a partir disso, não há porque o dolo figurar no substrato da organização do sistema de imputação.
Outrossim, é importante notar que, neste aspecto – organizacional das categorias do delito – o advento do funcionalismo pouco inovou, em qualquer de suas vertentes.
Com Roxin, ao menos aparece um dolo livre de amarras, como um aspecto subjetivo capaz de influenciar indistintamente o tipo e a culpabilidade. Para ele, “a delimitação entre dolo e imprudência expressa não só uma diferença de injusto, mas também uma diferença importante de culpabilidade, que justifica a distinta punição de ambas as formas de conduta”[57]. É de notar que embora o dolo figure em mais de uma categoria do delito, não deixa de ser condicionante do tipo, já que na mesma obra, Roxin refere que “a separação do dolo e da imprudência é uma delimitação segundo o tipo de injusto”[58].
De outro lado, a proposta funcionalista sistêmica de Jakobs mantém intacta a posição organizacional do dolo na teoria do delito, ao sustentar que “ao tipo subjetivo pertencem precisamente aquelas circunstâncias que convertem a realização do tipo objetivo em ação típica; ou seja, dolo e imprudência”[59] e, por outro lado, ancorada da ideia de róis e papéis desempenhados por sistemas psico-físicos, promove uma completa objetivização do referido elemento subjetivo[60], levando, por um lado, ao completo desprezo do componente humano do sistema de imputação, e por outro, a uma normativização completamente artificial.
Entretanto, a doutrina vem dando mostras crescentes de que persiste em busca de soluções melhores. O próximo passo, consoante se evidencia de uma tendência crescente de admissão dos seus postulados[61], parece ser a assunção da Filosofia da linguagem como teoria de base para a reformulação dos fundamentos do sistema de imputação penal, especialmente no que tange aos seus elementos subjetivos[62]. Esta tendência possui como ponto de referência fundamental a obra de Tomás S. Vives Antón.
A proposta do Prof. Vives é de reorganizar o sistema de imputação a partir de dois pilares: a norma e a ação, as quais, conjugadas, convertem a teoria do delito em um conjunto de pretensões normativas em face do sentido de um tipo de ação.
Quando se propõe uma teoria do delito que distribui as pretensões normativas entre o tipo de ação – expresso em uma pretensão conceitual de relevância e uma pretensão de ofensividade –, a antijuridicidade formal – expressa em uma pretensão de ilicitude que inclui instâncias de imputação da antinormatividade -, uma culpabilidade como pretensão de reprovação e uma punibilidade como pretensão de necessidade de pena, como faz Vives Antón[63], fica melhor evidenciado que o dolo não é mais do que uma atribuição.
Vives[64] exige, para o reconhecimento do “tipo de ação” uma pretensão de relevância no sentido da determinação de que uma ação humana em concreto é uma das que interessam ao Direito penal. Mas esta pretensão de relevância é verificável mediante o cumprimento de dois pontos: uma pretensão conceitual de relevância, que expressaria a ideia de tipicidade e uma pretensão de ofensividade, que representaria a ideia de antijuridicidade material[65]. E logo, fecha o injusto com a antijuridicidade formal, que corresponde a uma pretensão de ilicitude que se traduz na verificação da falta de ajuste do comportamento significativo em relação ao ordenamento jurídico[66]. É neste ponto onde Vives[67] situa o dolo e a imprudência, sendo o primeiro identificado segundo um compromisso de atuar por parte do autor. O dolo, para Vives, resulta um dolo neutro[68], ou seja, é a intenção de realizar o fato antijurídico.
Quando se separa, de um lado, o dolo e a imprudência na pretensão de ilicitude, e do outro, os elementos do tipo e a própria ação na pretensão de relevância, fica clara a mescla que as concepções finalistas fizeram entre os planos conceitual e substantivo de análise. Conforme observa Vives, “a atribuição de intenções ao sujeito, ou a qualificação de sua conduta como não intencional não desempenham necessariamente um papel na delimitação conceitual da ação”[69].
A ação – seja comissão ou omissão – tem seu aspecto conceitual ou de definição analisado no tipo de ação que é onde se lhe identificam critérios de sentido.
O dolo e a imprudência, por outro lado, são instâncias de imputação da antinormatividade, vinculadas ao plano substantivo e não conceitual da atribuição de conduta ao sujeito.
Assim, para a concepção significativa da ação, que aqui se subscreve[70], a “intenção subjetiva” corresponde à atribuição concreta de intenções ao sujeito e não define, por si mesma, a ação, mas sim a imputação. Ou seja, a identificação da intenção subjetiva cumpre a tarefa de possibilitar a atribuição ao agente de um compromisso com a ação ofensiva realizada, mas não faz parte da própria ação, no que refere à sua definição.
Definitivamente, a definição da existência de uma ação conceitualmente relevante para o Direito penal precede a análise de se esta ação relevante efetivamente infringe a norma. Nesse sentido, Vives não deixa dúvidas, ao afirmar que “a determinação da intenção entra frequentemente em jogo depois que a ação se acha definida e serve ao interesse substantivo de ajuizá-la”[71].
Mas, se é certo que o dolo é uma atribuição, resta algo por complementar: qual é o fundamento segundo o qual se justifica a atribuição do dolo? Sob que critérios é aceitável reconhecer a atribuição de uma atuação dolosa a alguém?
Neste ponto também é Vives Antón quem apresenta o melhor critério.
Partindo da análise das distintas formas de dolo segundo os critérios identificadores da categoria, quais sejam, um elemento intelectual (o saber) e outro volitivo (o querer), Vives sustenta que se o querer fosse um processo psicológico, teria que ser um elemento comum a todas as espécies de dolo, o direto de primeiro grau, em que o sujeito efetivamente quer o resultado, o direto de segundo grau, onde o sujeito não quer, mesmo que seja indiferente ao resultado e o dolo eventual, onde o sujeito quer o risco e não o resultado[72].
Das três distintas situações, Vives entende que a nota comum é uma “decisão contra o bem jurídico”[73], expressa em um compromisso com a lesão – ou perigo – de tal bem.
No mesmo sentido a opinião de Carbonell Matteu, que filiando-se expressamente ao pensamento de Vives, afirma que “se a ação é significado, o dolo significa compromisso com esse significado. O dolo supõe, neste caso, intenção, e pode ser definido como o compromisso do agente com o significado do seu atuar”[74].
Mas ainda não termina aqui a tarefa do intérprete para a identificação do dolo, já que resta por determinar quando se pode falar de um compromisso com a decisão contra o bem jurídico. Todas as concepções normativas do dolo – ou seja, as definições de dolo como atribuição ou adscrição – têm que justificar a validade do critério empregado para esta determinação.
A verificação do dolo, para Vives, depende de se a ação realizada põe ou não de manifesto um compromisso de atuar do autor. Para isso, Vives[75] entende que é necessário por em relação as regras sociais que definem a ação como uma das que interessa ao Direito penal em relação às competências do autor, ou seja, as técnicas que o autor domina. Assim, em um procedimento puramente axiológico e não através do intento de buscar inacessíveis dados psicológicos, “poderemos determinar o que o autor sabia”[76]. Em resumo: “só podemos analisar manifestações externas; mas, através destas manifestações externas podemos averiguar a bagagem de conhecimento do autor (as técnicas que ele dominava, o que ele podia e o que não podia prever ou calcular) e entender, assim, ao menos parcialmente, suas intenções expressadas na ação”[77].
Afinal, abandona-se completamente a ideia, errônea, de pretender descrever quando há dolo e se substitui pelo intento de compreensão sobre o nível de gravidade refletido na contradição entre a ação realizada e a norma, que é, sem qualquer dúvida, a tarefa de adscrição do dolo. Na verdade é “desse modo, e não através da indagação de inacessíveis e pouco significativos processos mentais, que podemos determinar o que o autor sabia”[78].
Por outro lado, é importante notar que, embora não seja este o foco com que se pretende demonstrar as vantagens da adoção da ideia de um dolo significativo, que a proposta de Vives inclui a vontade como um elemento do dolo. Para ele o “dolo como compromisso supõe a necessidade de conhecimento, de saber, mas também um grau de vontade: a intenção que podem entender-se como um querer, não naturalístico, mas normativo”[79]. A vontade é, aqui, “fundamentalmente, o entendimento da ação legitimada pela linguagem social e por uma lógica reconhecida e comum de atribuição de significado”[80]. E a referência à linguagem social, quer dizer que esta linguagem é partilhada inclusive pelo próprio autor, razão pela qual suas motivações e representações não são desprezadas no processo de atribuição[81].
A postura de inclusão da vontade no conceito de dolo é importante para estabelecer limites entre o dolo e a imprudência, pois do contrário, a mera indiferença perante o direito, própria da culpa, poderia caracterizar uma responsabilidade dolosa[82].
Tendo em conta que a presença do dolo serve para determinar um grau de reprovabilidade da conduta distinto da imprudência, este objetivo se cumpre melhor através da compreensão do que da descrição. E a compreensão do significado ou sentido do dolo resulta de um processo de comunicação.
4.2. O processo de comunicação e o sentido ou significado do dolo.
O dolo, enquanto afirmação jurídica de um desvalor contido na decisão contrária ao bem jurídico – não é uma entidade ontológica, mas a atribuição de uma condição jurídica que deriva da identificação de um significado. A fonte que o intérprete utiliza para atribuir o dolo são os elementos externos identificados por Hassemer e sua caracterização depende da identificação de um compromisso do autor de atuar contra o bem jurídico.
Mas, o que é o processo que se desenvolve com o objetivo de afirmar o dolo? É o processo de comunicação de um sentido.
Em seu estudo sobre o dolo, Díez Ripollés avança, ainda que somente em certa medida, explicando este processo, qualificando-o de perspectiva interacionista[83]. O autor entende “oportuno acudir aos fundamentos da Filosofia da linguagem em suas pesquisas relacionadas com o âmbito jurídico, fundamentalmente a teor de sua qualificação dos conceitos jurídicos como adcritivos e não descritivos”[84].
Com efeito, já Habermas tinha percebido a crescente aceitação dos postulados da chamada hermenêutica filosófica, principalmente à raiz do “visível fracasso das ciências sociais convencionais, que não puderam cumprir suas promessas teóricas e práticas”[85], o que levou a um fenômeno batizado por Paul Rabinow e William Sullivan de “giro interpretativo”[86].
Assim, a filosofia do segundo Wittgenstein e as ideias a respeito do processo de comunicação de Habermas, convertem-se em ferramentas imprescindíveis para a realização do necessário processo de identificação do “sentido” ou “significado” de determinadas categorias próprias das ciências sociais, especialmente, “no trabalho de constatar os elementos que foram definidos como constitutivos da conduta criminal”[87].
Em seu trabalho de investigação, Díez Ripolles alude a estas concepções metodológicas como baseadas em uma ideia de busca da verdade no consenso, tomando por referência a chamada teoria consensual da verdade de Habermas, que se baseia na ideia de que “só pode atribuir-se um predicado a um objeto se qualquer pessoa que pudesse participar desse discurso fizesse o mesmo”[88]. Com isso, a pretensão de verdade se transportaria à possibilidade de afirmar um juízo, não com base no que eu penso ou no que pensa outro, mas “ao juízo de todos aqueles com que eu pudesse entrar em discurso se minha história vital fosse extensiva à história da humanidade”[89].
É, portanto, o interacionismo o que determina a verdade possível, ou a verdade legitimada sobre determinado objeto. Isso se baseia em que somente a linguagem é capaz de dotar de sentido as coisas e é a forma pela qual se estabelece o processo de comunicação que torna possível demonstrar a existência de alguém através da existência de outro. É a interatividade, que deriva da comunicação, que determina a inclusão do outro no meu quadro (Bild) de mundo, o que faz esta perspectiva centrar-se na essência da valorização do ser humano e contrapor-se, essencialmente, às perspectivas normativas que deslocam o humano do centro da construção e o substituem pela própria norma. Daí decorre a legitimação do fundamento comunicacional.
Habermas propõe que a comunicação, como processo de entendimento sobre objetos, se estabelece segundo níveis de intersubjetividade que são transcendentes em relação ao nível meramente linguístico. Ele chama de hermenêutica o exercício de captar o significado do processo de comunicação[90]. Habermas afirma:
“Podemos descrever, explicar ou predizer um ruído equivalente a uma expressão vocal de uma frase falada, sem ter nem a menor ideia do que essa expressão significa. Para captar (e formular) seu significado, é necessário participar de algumas ações comunicativas (reais ou imaginadas) no curso das quais se empregue de tal modo a frase mencionada que ela seja inteligível para os falantes e ouvintes e para os membros eventualmente presentes da mesma comunidade linguística”[91].
A compreensão do sentido depende, pois, de uma participação em um atuar comunicativo onde “um falante fala com um ouvinte sobre algo, expressando o que ele tem em sua mente”[92]. Então, a pessoa que comunica algo, fala sobre o objeto que tem em sua mente, com outra pessoa, sobre algo no mundo.
Disso deriva que o processo de comunicação se estabelece em uma tripla dimensão, imprescindível para a hermenêutica do sentido: “(a) como expressão da intenção do falante, (b) como expressão para o estabelecimento de una relação interpessoal entre falante e ouvinte, (c) como expressão de algo no mundo”[93]. Estas três dimensões é que podem ser entendidas como o sentido derivado do processo de comunicação.
Em resumo:
“Quando o falante diz algo dentro de um contexto cotidiano, ele se refere não somente a algo no mundo objetivo (como a totalidade daquilo que é ou poderia ser), mas ao mesmo tempo a algo no mundo social (como a totalidade das relações interpessoais reguladas de modo legítimo) e a algo no mundo próprio, subjetivo, do falante (como a totalidade das vivências manifestáveis, às quais tem um acesso privilegiado)”[94].
Evidentemente, a transmissão de uma mensagem não se estabelece somente falando, mas com todas as formas de atuação. A ação de falar pode transmitir uma mensagem tal como um gesto ou um movimento. Mas, o sentido de qualquer mensagem dependerá sempre da presença da identificação da tripla dimensão referida por Habermas, ou seja, a referência ao mundo subjetivo, ao mundo objetivo e ao mundo social, ou seja, ao mundo de inter-relação, de regras compartidas. Isso fica demonstrado claramente quando Vives[95] expõe a proposta de Habermas, referente à ação comunicativa de um sentido, dizendo que ela “se constitui, não só em virtude de planos de ação mais complexos que (o agente) tenha efetivamente tido, mas também em virtude de interpretações que um terceiro faz e sob as quais (o agente) poderia ter realizado sua ação”. Estas interpretações são obviamente os elementos que se tem em conta para a atribuição do qualificativo “doloso” a uma determinada conduta.
Assim é com a intencionalidade, que não se constitui subjetivamente, mas através de convenções, assim como as palavras, ou seja, a intencionalidade é resultado de um processo de atribuição que corresponde à mensagem que a ação do sujeito produz. Na precisa observação de Maria Fernanda Palma[96], “a intencionalidade e as suas formas não podem deixar de revelar uma atribuição de significado em nome da linguagem social, não existindo, como refere Wittgenstein, linguagens privadas, que determinem a compreensão do mundo inerente a uma ação que interfere no mundo dos outros”.
Trata-se de valorar as regras que estão por trás da comunicação de um sentido, com o que, trata-se, em última análise, de verificar as circunstâncias nas quais se realiza a ação, um sintoma claro da união quase inseparável que existe entre o dolo e sua prova.
Assim, a afirmação de que o dolo tem importante dimensão processual, seguidamente repetido pelos juristas, tem sua razão claramente exposta: é que se trata de uma categoria cuja apreensão e consequente possibilidade de atribuição depende de uma compreensão cênica que deriva precisamente do caráter pragmático do Processo Penal. É Hassemer quem explica:
“A classificação da semiótica – teoria da linguagem e de seu uso – é muito útil, se se quer conhecer os limites aos quais a lei em si pode vincular o juiz. Na “sintaxe” ou sintática trata-se das relações dos signos linguísticos entre si, de gramática, de lógica, de formas e de estruturas. Na semântica, trata-se da relação dos signos linguísticos com a realidade, de significado, de experiência, de realidade. Na pragmática trata-se da relação dos signos linguísticos com seu uso em situações concretas, de ação, de comunicação, de retórica, de narração. […] Podem-se incluir a compreensão do texto e o Direito penal material no âmbito da semântica; a compreensão cênica e de Direito processual penal no âmbito da pragmática. Na primeira, trata-se do significado, da relação de um texto (lei) com uma relação produzida, (o caso); na segunda, trata-se da transformação, do uso da linguagem em atuação, em comunicação, em cena”[97].
No âmbito da semântica, somente cabe relacionar o tipo (lei) com a ação realizada, firmando um significado, uma ação significativa. A etapa seguinte, de análise de pretensão de antinormatividade inclui, necessariamente, a dimensão processual. O dolo é sua prova e a prova é compreensão, interpretação do sentido, do significado do atuar doloso. A categoria do dolo passa a ser uma categoria argumentativa, pragmática. Ou seja, ao menos no que refere ao dolo, é preciso passar a ter em conta uma “pragmática jurídico-penal”.
Mas, uma vez que o estabelecimento de um sentido depende da validade do processo de comunicação, e isso, por seu turno, depende de basear-se em regras compartilhadas, determinadas pela inclusão de todos no discurso, fica claro que a opção pela linguagem como mecanismo de legitimação da atribuição de um sentido doloso de uma conduta figura como uma proposta humanista e respeitosa à ideia de alteridade.
Considerações finais.
O dolo não pode ser considerado uma categoria ontológica, representada por uma realidade psicológica, entre muitas razões, pela impossibilidade de sua identificação, o que gera um nível de insegurança das decisões que não tem porque entender-se menor que o obtido em um processo de atribuição.
O dolo não existe, se atribui.
Para a atribuição do dolo, porém, é necessário o estabelecimento de critérios que possam ter mais validade que aqueles obtidos pelas teorias subjetivas ou ontológicas do dolo.
A tese de Hassemer, de verificação dos elementos externos, é uma das teorias normativas cuja elaboração conduz, obrigatoriamente, a uma análise da ideia de sentido, já que o que justifica o dolo segundo tal teoria, é uma ideia central de capturar uma realidade subjetiva através da avaliação de elementos objetivos.
A comunicação entre o objetivo e o subjetivo conduz, de modo necessário, a uma dupla revisão, por um lado, da organização da teoria do delito, que permita retirar as vinculações entre o dolo e a dimensão substantiva da imputação; e por outro, a identificação de uma nota distintiva que permita afirmar que a uma determinada conduta se lhe pode afirmar dolosa.
Para isso, o recurso adequado é o brilhante trabalho de Vives Antón, onde se organiza a teoria do delito segundo distintas pretensões normativas, separando o dolo do tipo de ação e, ademais, identificando-o com o compromisso de atuar contra o bem jurídico.
Finalmente, para determinar a existência de tal compromisso, parece necessário acudir aos fundamentos do processo de comunicação de um sentido que deriva de propostas da Filosofia da Linguagem que propõe, através da pragmática, a dimensão comunicativa que une o dolo e sua prova em uma conjunção entre o Direito penal e o Processo penal que resulta, por um lado, tão demonstrável quanto é possível nas demais propostas, e por outro, encontra-se melhor legitimado, uma vez que se baseia em uma proposição inclusiva – no sentido de inclusão do outro -, que é a verdade do discurso.
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[1] BELLO, Gabriel. “El agente moral y su transformación semiótica” in: Acción Humana. Coord. de Manuel Ruiz, Barcelona: Ariel, 1996, pp. 184-212.
[2] Trata-se da afirmação do princípio de culpabilidade em sua expressão de responsabilidade penal subjetiva, que é nota distintiva do direito penal em face de outras dimensões da antijuridicidade. Veja-se, a respeito do tema, nosso BUSATO, Paulo César e MONTES HUAPAYA, Sandro. Introdução ao direito penal. Fundamentos para um sistema penal democrático. 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
[3] “Dentro dos aspectos sobre os quais existe unanimidade doutrinária se encontra a relação das diferentes classes de dolo possíveis. Estas como se sabe, são: Dolo direto de primeiro grau – requer que o autor persiga a realização do resultado, assim, nesta classe de dolo predomina o elemento volitivo. O sujeito quer o resultado produzido ou que tentou realizar. Dolo direto de segundo grau – exige que o autor represente o resultado como conseqüência necessária ou inevitável de sua atividade. Nesta classe de dolo, pois, não se exige a vontade dirigida ao resultado e, porém, ninguém discute o caráter doloso dos fatos cometidos. Dolo eventual – como terceira classe do dolo não se discute, mas as divergências surgem ao determinar seu conceito […] ou seja, em que elementos terão que concorrer necessariamente para poder qualificar fatos como dolosos”. In CORCOY BIDASOLO, Mirentxu. “El limite entre dolo e imprudência” in Comentários a la Jurisprudencia Penal del Tribunal Supremo. Barcelona: José Maria Bosch Editor, 1992, pp. 48-49. Ciente ou não da análise tripartida, a doutrina brasileira em geral acomodou-se à denominação legal em que incorreu o Código (art. 18, inciso I – art. 15 do CP de 1940). Assim, os autores vêm repetindo uma idéia de que o Código assumiu uma concepção bipartida do (direto e eventual) associada respectivamente com a teoria da vontade e a teoria do consentimento cujas subdivisões e variantes sequer são mencionadas. Há, no entanto, exceções, como SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível. 4ª ed., Curitiba-Rio de Janeiro: ICPC-Lumen Juris, 2005, pp. 64 e ss e BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal. Parte Geral. 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 270, que não só apresentam algumas das teorias sobre o dolo, como também a concepção tripartida.
[4] Por exemplo, nos casos de atentados terroristas em que além do destinatário do atentado, morrem outras pessoas, que se encontravam perto, como a morte do motorista do chefe de Estado contra cujo automóvel se dirige o ataque.
[5] Para um panorama entre as teorias do dolo, veja-se, por todos, ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte General. Tomo I. Trad. de Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz y García Conlledo e Javier de Vicente Remesal, .Madrid: Civitas, 1997, pp. 430-446.
[6] Veja-se, a respeito RAGUÉS I VALLÉS, Ramón. El dolo y su prueba en el proceso penal. Barcelona: J.M.Bosch Editor, 1999.
[7] Nesse sentido refere Díez Ripollés ao afirmar que “o dilema básico, à margem de matizações que agora não procedem, é se nos atemos, ou devemos nos ater, a uma configuração realista, naturalista, de tais elementos, ou é necessário dar-lhes, ou se lhes dá, um conteúdo fundamentalmente normativo”. In DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. Los elementos subjetivos del delito. Valencia: Tirant lo Blanch, 1990, p. 21. no mesmo sentido, RAGUÉS I VALLÉS, Ramón. El dolo …op. cit.,, especialmente p. 190.
[8] Aqui poderíamos incluir o que se chamou de teorias causais-naturalistas ou finalistas do delito.
[9] Nesse sentido Köhler afirma que “na concepção do delito chamada clássica, a imputação subjetiva consiste na relação psíquica do autor com a conduta típica objetiva e formalmente antijurídica, por meio das modalidades justapostas de «dolo» e «imprudência»”. KÖHLER, Michael. La imputación subjetiva. El estado de la cuestión. Trad. de Pablo Sánchez-Ostiz Gutiérrez, Madrid: Civitas, 2000, p. 77.
[10] DONNA, Edgardo Alberto. “El concepto objetivado de dolo” in La ciencia del Derecho penal ante el nuevo siglo. Libro Homenaje al prof. Dr. Don José Cerezo Mir. Madrid: Tecnos, 2002, p. 672.
[11] VON LISZT, Franz. Tratado de Derecho penal. Tomo II, Trad. de Luis Jiménez de Asúa, 4a ed. Madrid: Editorial Reus, 1999, p. 389. Entre os autores brasileiros, é interessante citar uma passagem de Basileu Garcia, quem, apoiado nas lições de Carrara, afirma que o dolo pressupõe “no agente, condições psíquicas que lhe permitissem avaliar o ato a ser praticado. O dolo o faria passar, do estado geral de imputabilidade, nele produzido pela sua capacidade de entender e de querer, a um estado especial de imputabilidade, referente a determinado fato”. GARCIA, Basileu. Instituições de Direito penal. vol. I, tomo I, 3ª ed., São Paulo: Max Limonad, 1956, p. 249.
[12] WELZEL, Hans. Derecho penal alemán. Trad. de Juan Bustos Ramírez e Sergio Yáñez Pérez, 4ª ed., Santiago: Editorial Jurídica de Chile, 1997, p. 40 e pp. 72-73.
[13] “Para o problema aqui discutido deve-se eliminar toda a classe de valorações, pela única razão de que a questão está proposta ontologicamente. Mas tampouco dogmaticamente faz prosperar a questão o recurso a uma valoração como elemento de diferenciação: este recurso contém em si mesmo um problema: o saber quando deve ser valorado algo «como dolo». Mas acontece que, dogmaticamente, do que se trata é da determinação do que é dolo, e porque o dolo está sujeito a um juízo de valor”. KAUFMANN, Armin. “El dolo eventual en la estructura del delito”. En Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales, trad. R.F. Suárez Montes, Madrid: Instituto Nacional de Estudios Jurídicos, 1969, p. 188.
[14] HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”. En ADCP, trad. de María del Mar Díaz Pita, Madrid: Centro de Publicaciones del Ministerio de Justicia, 1990, p.910.
[15] “A vontade de realização tem, pois, seu limite em si mesma. Não é preciso nenhum critério valorativo proveniente de fora para delimitá-la, e com isso delimitar o nexo final; tampouco é necessário um recurso ao sentimento, que só pode ser entendido como atitude jurídica ou antijurídica ante o fato. Se contemplarmos a vontade de realização em seu âmbito total, então resulta claro que a mesma pode dirigir-se, ao mesmo tempo, à realização de vários objetivos, e que, portanto, podem ser propostas, ao mesmo tempo, tanto a obtenção de um objetivo desejado como a evitação de um resultado acessório”. KAUFMANN, Armin. “El dolo eventual…op. cit., p. 198.
[16] Cf. HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”…op. cit., p.910.
[17] HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”…op. cit., p. 912.
[18] “Contra esta teoria se objeta que conduz a resultados inaceitáveis, dependentes além do mais das peculiaridades de cada caso: quem realiza uma vontade de evitação, que desde seu ponto de vista suprime qualquer risco adicional, não atua dolosamente […] porque não leva em consideração a possibilidade de um dano; quem, apesar de uma vontade ativa de evitação, observa um risco adicional e, porém, atua, tem por isso um dolo referido a esse risco adicional […]; quem não diminui um risco insignificante – evitável – deve responder, segundo esta teoria, por dolo, enquanto que àquele que reduz ao mesmo grau de risco em um risco elevado – evitável – só se pode imputar a título de imprudência”. HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”…op. cit., p. 911.
[19] HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”…op. cit., p. 914.
[20] DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. Los elementos…op. cit., p. 32.
[21] Veja-se, a respeito disso, MUÑOZ CONDE, Francisco. La búsqueda de la verdad real en el proceso penal. 2ª ed., Buenos Aires: Hammurabi, 2003.
[22] RAGUÉS I VALLÉS, Ramón. El dolo …op. cit.,, P. 212.
[23] Por exemplo, SCHEWE, Günter. “‘Subjektiver Tatbestand’ un Beurteilung der Zurechnungsfähigkeit“, en Festschrift für Richard Lange zum 70. Günter warda et alli (eds.) Berlin- New York, 1976, p. 695 ou FREUND, Georg. Normative Probleme der ‘Tatsachenfeststelung. Heidelberg, 1987, p. 35.
[24] Así AMBROSIUS, Jürgen. Untersuchungen zur Vorsatzabgrenzung. Berlin: Neuwied, 1966, p. 65.
[25] Como afirma Ragués “seria um contrasenso solicitar a um perito que verificasse a concorrência de uns fenômenos psíquicos cuja existência se tem por impossível desde a ótica de sua disciplina científica”. RAGUÉS I VALLÉS, Ramón. El dolo …op. cit.,, p. 218.
[26] Cf. DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. Los elementos…op. cit., p. 258 e também RAGUÉS I VALLÉS, Ramón. El dolo …op. cit.,, p. 221.
[27] Para ficar tão somente com dois exemplos, veja-se HASSEMER, Winfried. Introdução aos Fundamentos do Direito Penal. Trad. de Pablo Rodrigo Alflen da Silva, Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 2005, p. 298 e FLETCHER, George. Basics Concepts of Criminal Law. New York- Oxford: Oxford University Press, 1998, p. 82-85.
[28] Trata-se da segunda mudança, que aparece concomitantemente com a perspectiva de rejeição do elemento volitivo, no Direito penal moderno, consoante alude Edgardo Donna, em DONNA, Edgardo Alberto. “El concepto objetivado de dolo”…cit., p. 672.
[29] HASSEMER, Winfried. Fundamentos del Derecho penal. Trad. de Francisco Muñoz Conde e Luis Arroyo Zapatero, Barcelona: Bosch, 1984, p. 227.
[30] DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. Los elementos…op. cit., pp. 73-74.
[31] KELSEN, Hans. Hauptprobleme der Staatsrechtslehre: entwickelt aus der Lehre vom Rechtssatze, Tübingen: J.C.B.Mohr, 1923, p. 156-157.
[32] KRAU?, Detlef. “Der psycologische Gehalt subjektiver Elemente im Strafrecht“, in Festschrift für Hans Jürgen Bruns zum 70. Wolfgang Frisch und Werner Schmid (eds.), Köln – Berlin – Bonn – München: Heymann, 1978, p. 26-27.
[33] HRUSCHKA, Joachim. “Über Scwierigkeiten mit dem Beweis des Vorsatzes”. In Strafverfahren im Rechtsstaat. Festschrift für Theodor Kleinknecht. Karl Heinz Gössel, Hans Kaufmann (eds.). München: C.H. Beck, 1985, pp. 200-201.
[34] Refiro-me a PUPPE, Ingeborg. A distinção entre Dolo e Culpa. Trad. de Luís Greco, São Paulo: Manole, 2002.
[35] “Essa compreensão afinal de contas psicológica do dolo deve ser rechaçada, hoje com ainda maior razão do que no início do século XX. Pois, neste meio tempo, consolidou-se o conceito normativo de culpabilidade, e o dolo sequer é compreendido como momento da culpabilidade, e sim como aspecto subjetivo do injusto”. PUPPE, Ingeborg. A distinção entre Dolo e Culpa…cit., p. 67.
[36] FLETCHER, George. Basics Concepts…op. cit., p. 82.
[37] FLETCHER, George. Basics Concepts…op. cit., p. 83.
[38] FLETCHER, George. Basics Concepts…op. cit., p. 85.
[39] MUÑOZ CONDE, Francisco. Prólogo a DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. Los elementos…op. cit., p. 13.
[40] Nesse sentido RAGUÉS I VALLÉS, Ramón. El dolo …op. cit.,, p. 302 e ss.
[41] É de todo conveniente notar a oportunidade e a atualidade da proposta de Hassemer, na medida em que cada vez mais se aprimoram os estudos relacionando a aproximação das disciplinas do Direito penal e do Processo Penal, antes estudadas de modo demasiado compartimentalizado.
[42] HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”…op. cit., p. 914.
[43] HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”…op. cit., p.914.
[44] DÍAZ PITA, María del Mar. El dolo eventual. Valencia: Tirant lo Blanch, 1994, p. 190. Além deste trabalho, na doutrina espanhola há várias contribuições importantes sobre o dolo, nos trabalhos de Feijóo Sánchez, Laurenzo Copello e Ragués I Vallès, por exemplo.
[45] HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”…op. cit., p. 914.
[46] Assim também ocorre em outros sistemas, como os do Common Law, mesmo que nestes existam categorias intermediárias como a recklessness. Vide, a respeito, PIÑA ROCHEFORT, Juan Ignacio. La estructura de la teoría del delito en el ámbito jurídico del “Common Law””. Granada: Comares, 2002, pp. 78 e ss.
[47] HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”…op. cit., p. 915.
[48] HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”…op. cit., p. 915-916.
[49] “Para a caracterização conceitual do dolo (e a demarcação de seus limites para com a imprudência) ressalta a necessidade e o caráter central dos elementos volitivos. Que o agente – de um modo cognitivo – só estava informado do acontecer, que só tinha a exata representação da periculosidade de sua ação e sua omissão é um argumento demasiado débil e não basta para a aceitação de uma «assunção pessoal»”. HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”…op. cit., p. 918.
[50] HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”…op. cit., p. 925.
[51] HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”…op. cit., p. 927.
[52] HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”…op. cit., p. 929.
[53] Tanto é assim que existem autores, como Muñoz Conde, que sustentam que o elemento subjetivo do tipo depende sempre de uma dedução, já que não é simplesmente observável. MUNÕZ CONDE, Francisco e GARCÍA ARÁN, Mercedes. Derecho penal. Parte General, 6ª ed., 2004, p. 267.
[54] HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”…op. cit., p. 931.
[55] HASSEMER, Winfried. “Los elementos característicos del dolo”…op. cit., p. 931.
[56] “O legislador está sempre sujeito a determinados limites imanentes ao direito positivo. A primeira limitação se encontra nas estruturas lógico-objetivas que atravessam integralmente a matéria jurídica…” WELZEL, Hans. Más Allá del Derecho Natural y del Positivismo Jurídico. Trad. de Ernesto Garzón Valdéz, Córdoba: Universidad Nacional de Córdoba, 1962, p. 35.
[57] ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte General…cit., p. 427.
[58] ROXIN, Claus. Derecho penal. Parte General…cit., p. 426.
[59] JAKOBS, Günther. Derecho penal. Parte General. 2ª ed., corrigida, trad. de Joaquín Cuello Contreras e José Luis Serrano Gonzáles de Murillo, Madrid: Marcial Pons, 1997, p. 309.
[60] Nesse sentido o comentário que aparece em DONNA, Edgardo Alberto. “El concepto objetivado de dolo”…cit., p. 677, quem critica também a Herzberg, Bottke e Puppe, em face do que ele qualifica de uma objetivização do conceito de dolo.
[61] Além do próprio Vives e de Carlos Martinez-Buján Pérez, também Enrique Orts Berenguer, José Luis González Cussac, Juan Carlos Carbonell Matteu e, em Portugal, Maria Fernanda Palma, estes dois últimos com trabalhos referidos especialmente à questão do dolo.
[62] Nesse sentido o comentário de Maria Fernanda Palma: ”Por que é que uma realidade psicológica análoga à dolo é decisiva para a atribuição de um mais grave merecimento da conduta em termos de culpa? […] A resposta a esta questão orienta-nos para uma abordagem do pensamento filosófico sobre o comportamento intencional a que se tem dedicado a chamada filosofia da acção, em articulação com a filosofia da linguagem. Essa abordagem é decisivamente elucidativa em alguns aspectos essenciais: o aspecto da desarticulação entre a intencionalidade e uma vivência explicitamente consciente e causal de um estado mental anterior à acção, a referenciação do comportamento intencional a uma racionalidade implícita no agir constatável exteriormente e a essencial coincidência entre o reconhecimento da linguagem de um comportamento e a sua identificação social”. PALMA, Maria Fernanda. “Dolo eventual e culpa em Direito penal” in Problemas Fundamentais de Direito Penal. Lisboa: Universidade Lusíada, 2002, pp. 49-50.
[63] Veja-se um resumo sobre a distribuição das categorias do delito segundo as propostas de Vives Antón em MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. “La «concepción significativa de la acción» de T.S.Vives e sus correspondencias sistemáticas con las concepciones teleológico-funcionales del delito”. En Libro Homenaje al Dr. Marino Barbero Santos. Coord. Adán Nieto Martín, Cuenca: Ediciones da Universidad de Castilla-La mancha y Ediciones Universidad de Salamanca, 2001. Há edição brasileira: MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. “A «concepção significativa da ação» de T.S.Vives e suas correspondências sistemáticas com as concepções teleológico-funcionais do delito”. Trad. de Paulo César Busato, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
[64] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos del Sistema Penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 1996, p. 484.
[65] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos …op. cit., p. 484.
[66] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos …op. cit., p. 485.
[67] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos …op. cit., p. 485.
[68] Com idêntica opinião BORJA JIMÉNEZ, Emiliano. “Algunas reflexiones sobre el objeto, el sistema y la función del Derecho penal”. En Homenaje al Dr. Marino Barbero Santos. Coord. Adán Nieto Martín, Cuenca: Ediciones de la Universidad de Castilla la Mancha y Ediciones Universidad Salamanca, 2001, p. 885.
[69] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos …op. cit., p. 24
[70] Para detalhes, ver BUSATO, Paulo César. Direito penal e Ação Significativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, cuja versão espanhola, de breve publicação já está no prelo pela editora Tirant lo Blanch.
[71] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos …op. cit., p. 233.
[72] Vives comenta: “não se vê bem que elemento ou estado psicológico pode ser comum a quem mata seu inimigo porque deseja sua morte (dolo direto de primeiro grau), a quem, com absoluta indiferença à vida de seu motorista, coloca una bomba no carro de um Chefe de Estado, com a segurança de que também morrerá aquele (dolo direto de segundo grau) e a quem, por satisfazer um afã de risco, joga roleta russa com os amigos a que mais aprecia e que, por conseguinte, menos deseja que morram (dolo eventual)”. VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos …op. cit., p. 234.
[73] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos …op. cit., p. 234.
[74] CARBONELL MATTEU, Juan Carlos. “Sobre tipicidad e imputación: reflexiones básicas en torno a la imputación del dolo y la imprudencia”. In Estudios penales en recuerdo del Prof. Ruiz Antón. Valencia: Tirant lo Blanch, 2004, p. 150.
[75] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos …op. cit., p. 237.
[76] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos …op. cit., p. 237.
[77] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos …op. cit., p. 237.
[78] CARBONELL MATTEU, Juan Carlos. “Sobre tipicidad e imputación…cit., p. 151.
[79] CARBONELL MATTEU, Juan Carlos. “Sobre tipicidad e imputación…cit., p. 151.
[80] PALMA, Maria Fernanda. “Dolo eventual e culpa em Direito penal”…cit., p. 57.
[81] A nota a respeito de interpessoalidade da concepção de dolo aparece também, em certa medida, na opinião de Köhler. Vide, a respeito, KÖHLER, Michael. La imputación subjetiva….cit., p. 86.
[82] Nesse sentido PALMA, Maria Fernanda. “Dolo eventual e culpa em Direito penal”…cit., p. 49.
[83] DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. Los elementos…op. cit., pp. 191 e ss.
[84] DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. Los elementos…op. cit., p. 192.
[85] HABERMAS, Jürgen. “Ciências sociais reconstrutivas versus Ciências sociais compreensivas”, in Consciência Moral e Agir Comunicativo. Trad. de Guido A. de Almeida, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989, p. 38.
[86] HABERMAS, Jürgen. “Ciências sociais reconstrutivas …op. cit.,, p. 38.
[87] DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. Los elementos…op. cit., p. 192.
[88] DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. Los elementos…op. cit., p. 193.
[89] DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. Los elementos…op. cit., p. 194.
[90] HABERMAS, Jürgen. “Ciências sociais reconstrutivas …op. cit.,, p. 39.
[91] HABERMAS, Jürgen. “Ciências sociais reconstrutivas …op. cit.,, pp. 39-40.
[92] HABERMAS, Jürgen. “Ciências sociais reconstrutivas …op. cit.,, p. 40.
[93] HABERMAS, Jürgen. “Ciências sociais reconstrutivas …op. cit.,, pp. 40-41.
[94] HABERMAS, Jürgen. “Ciências sociais reconstrutivas …op. cit.,, p. 41.
[95] VIVES ANTÓN, Tomás Salvador. Fundamentos …op. cit., p. 195.
[96] PALMA, Maria Fernanda. “Dolo eventual e culpa em Direito penal”…cit., p. 57.
[97] HASSEMER, Winfried. Introdução aos Fundamentos do Direito Penal…op. cit., pp. 245-246.
Veja também:
- Bases de uma teoria do delito a partir da filosofia da linguagem
- As Circunstâncias Judiciais de Aplicação da Pena e as Garantias Constitucionais
- Informativo de Legislação Federal: resumo diário das principais movimentações legislativas
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