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CLÁSSICOS FORENSE
PENAL
REVISTA FORENSE
Da profilaxia dos delitos, de Agripino Ferreira da Nóbrega

Revista Forense
29/01/2025
SUMÁRIO: Profilaxia da delinqüência. A eugenia e o combate à criminalidade. Prevenção da delinqüência pelo combate ao abandono ou desamparo do menor. Conclusão.
Profilaxia da delinqüência
* I. Sustenta WILLIAM HEALY (“The Individual Delinquent”, Boston, 1935) que certas qualidades físicas e mentais nossas se encaminham em determinada direção se a sociedade lhes favorece a ocasião.
Que dizer, então, daqueles que são vítimas do meio mau ou paupérrimo onde vivem, de um estado orgânico precário, dos que se assinalam por uma mentalidade deficiente?
ROUX, o notável professor da Universidade de Estrasburgo, se bem empolgado pelas conquistas da antropologia, há mais de 50 anos, sentindo o rastreio e a inclinação da ciência para explicar o crime também por causas humanas e sociais, admitia que, na gênese daquele fenômeno, o fator individual tem muito monos importância do que os fatôres exógenos, e que as raízes dos delitos residem menos na vontade maléfica dos agressores do que na degenerescência hereditária, na educação avariada, no alcoolismo, na miséria, na corrupção das convivências de má esfera e na promiscuidade da prisão comum.
Realmente, a condição de imigrante, a pobreza, a indigência, a irregular situação doméstica, a inteligência apoucada, a personalidade anormal, o descuido do menor no lar, o desamparo do Estado, o baixo índice moral e econômico, quase sempre, aparecem como um dos elementos concorrentes na prática do crime, pelo seu agente.
Não vale isto pela afirmativa de que seja uma regra uniforme, uma constante inapelável, pois pode acontecer, em alguns casos, não passe de circunstância acidental, sem maior projeção no desfêcho dm delito, como pode acontecer que haja indivíduos, sob a incidência de um dos aspectos focalizado, mas que nunca se tornaram criminosos ou nunca exibiram tendências anti-sociais.
Contudo, semelhantes situações são consideradas pelos sociólogos como representativas de fatôres predisponentes ou, em outras palavras, que inclinam fatalmente quem delas participa para as tendências criminais.
“Modernamente, os estudos desenvolvidos demonstram a consideração que se deve ter em relação não sòmente ao criminoso, como ao ambiente em que êle habita, onde sente e sofra a pressão de fatôres estranhos e superiores à sua vontade, e que, por vêzes, determinam a sua conduta, malgrado a liberdade volitiva que se exterioriza dentro da influência daqueles elementos”.
É uma verdade inconcussa que, nas classes dos carecentes e necessitados, têm as nações, em sua maioria, a criminalidade mais desenvolvida. A miséria produz a abjeção e a abjeção de muitos produz a insolência de poucos.
Entre os vagabundos e vadios habituais, entre os que não têm profissão alguma e nem residência certa, é que se encontra o grosso do exército dos fora-da-lei, dos réprobos, dos que se arrimam no trabuco, usam a gazua, embromam com as suas tramóias e falcatruas os mais incautos, abrindo caminho entre os homens, agressivos, hostis, irrequietos e incorrigíveis.
Aviva-se-nos a curiosidade de página a página, fartamo-nos da impressão do inverossímil e do horroroso, lendo o romance de VAL LEWTON – “Sem Cama Própria” – que explora o tema angustioso do desgraçado que, sem a misericórdia de uma compaixão humana, só encontra no declive do crime a tangente que suaviza as explosões da sua revolta e desespêro.
Nem as leis mais severas, nem os juízes mais crus e implacáveis na imposição das penas serão capazes de neutralizar ou atenuar sequer a sanha dos celerados, quando ausente aquela sã política social, que é em síntese a política de prevenção do delito.
É preciso livrar o proletário de suas crises agudas, envidarem-se todos os esforços no sentido de melhorar a situação dos operários e dos trabalhadores de todos os matizes, visando ao futuro da nossa pátria.
Raramente, poderemos regenerar o malfeitor inveterado, pelo que o delito deve ser enfrentado por processos sociais, valendo mais o estudo da prevenção do que o da sua repressão. Será o símile do que se dá nos bastidores da Medicina, para a qual em muitas hipóteses mais do que os remédios valem as medidas de prevenção ou de cautela.
Muito mais sábio é prevenir do que remediar, como assegura tradicional e milenário adágio.
É indispensável proteger o infante, o moço desajustado e infeliz, a velhice, as mulheres jovens desvalidas, o deserdado da sorte, auxiliando-os, dando-lhes assistência eficiente, proporcionando morada em condições higiênicas aos que não têm teto ou abrigo, atacando a crescente corrupção social e doméstica, suprindo e melhorando as condições deficientes dos cárceres federais e estaduais, atalhando a má organização da Polícia, tratando, enfim, de nos aparelharmos com uma organização exemplarmente preventiva, apta a combater e extinguir êsses males em suas próprias fontes.
A obra a empreender terá que englobar e de envolver êstes pontos: 1°) amparo e educação dos menores abandonados e filhos adulterinos ou naturais; 2º) proteção aos anciãos, às mulheres grávidas, aos liberados, aos operários despedidos das fábrica, aos enfermos, aos valetudinários e aos inválidos; 3º) construção de albergues noturnos para acolherem aquêles que não podem pagar um quarto nos hotéis ou habitações coletivas: 4°) proibição de ajuntamento de desocupados em casas de bebidas, clubes ou antros de jogatina; 5º) obrigatoriedade do ensino a todos que estiverem em idade escolar, inclusive ensino profissional difundido; 6º) obrigatoriedade da identificação civil para os indivíduos de ambos os sexos, maiores de 16 anos de idade; 7º) proibição de desembarque dos indesejáveis (anarquistas, aleijados de qualquer espécie, analfabetos, estrangeiros que não exibirem fôlha corrida da cidade de onde vierem); 8°) criação de asilos para os mutilados e outros estropiados físicos e mentais, entre os quais se aproveitas em as aptidões dos convalescentes, como sucede na Alemanha, na Noruega e na Suécia; 9º) criação de patronatos para os liberados e egressos; 10) instalação de colônias agrícolas, para recolhimento de vagabundos e de mendigos, com as suas famílias; 11) combate ao álcool, combate sem trégua, com prisões até do taverneiro que o vendesse a menores e a indivíduos já alcoolizados; 12) ataque sistemático às enfermidades sociais.
Bem se resume tudo isso nos quatro itens que INGENIEROS apresenta como as principais bases de um programa de profilaxia e prevenção do delito: a) legislação social; b) profilaxia da imigração; c) educação social do menino, e d) readaptação social dos malviventes.
“As instituições organizadas de acôrdo com êsse critério serão mais úteis à defesa social do que as prisões, os cárceres e os presídios”.
“Não basta meter nas mãos do povo as cartas de A. B. C. como disse o grande e saudoso mestre CLÓVIS BEVILÁQUA, na sua “Criminologia e Direito”, é preciso dar-lhe educação cívica, e que com a articulação das sílabas se lhe injetem os preceitos da moral e do direito, e não simplesmente falando à inteligência, porém, principalmente, ao sentimento, para melhor disciplina da vontade”.
Não nos esqueçamos também de que se está a exigir uma urgente reforma nos nossos costumes, isto é, que nos desvencilhemos de certos vícios nocivos, inclusive o do jôgo do bicho e os extirpemos de nós mesmos; que tenhamos intolerância ao lenocínio e bem assim ao uso do porte de armas.
Convém que sôbre essas infrações se aperte a vigilância da Polícia, envolvendo a pessoa suspeita ou acusada e aquêles que lhe forneceram o elemento da desídia ou afronta social, notadamente os estabelecimentos de venda de artigos e instrumentos de aplicação ofensiva contra a vida ou a integridade física do cidadão.
II. O nosso maior problema é o da profilaxia do delito, e esta, em grande parte, só pode ser conseguida pela profilaxia da geração.
O crime, não raro, é um fenômeno de patologia social, pelo que se torna necessário determinar a sua etiologia, como os modos de combatê-lo.
Mas, também, idênticamente, há fatôres de desagregação e de degenerescência, operando imediatamente, às vêzes, doutras, longìnquamente, ou por pressão do atavismo, de qualquer maneira reduzindo o agente num ser peado e sem a menor resistência para se opor ao mal.
Assim, quem sabe se aquela apregoada fatalidade das predisponentes ao delito pode per encarada como mero efeito do não-emprêgo de meios aptos a contrabater as influências disgênicas?
A ação do clima é secundária no que tange à decadência humana, comparada com a dos flagelos sociais.
Se os fatôres da delinqüência são, no comum, temíveis, contudo nenhum outro há tão temível – já nas suas manifestações malignas, já na sua indomabilidade pelos recursos de que pode a sociedade mais adiantada lançar mão – quanto o que se representa no indivíduo afetado de disposições mórbidas, de psiquismo irremediàvelmente anormal, perigosíssimo, totalmente insuscetível de intimidação é por isso mesmo absolutamente ingovernável e incorrigível.
“Formam os infelizes assim marcados a grande e desventurada família das degenerados, dos faltos de senso moral, dos anestesiados da piedade e da honra, dos predestinados à amoralidade e à criminalidade”.
Um inválido do corpo e do espírito toma à sociedade mais do que lhe dá, constituindo-se, portanto, não só em um não–valor, como em um deficit econômico.
E a multidão que se agita, que se esforça e que trabalha sobrecarrega-se com o pêso formidável dos inúteis, dos maus e monstruosos, que a parasitam e a aniquilam.
Há degenerados e loucos na mais pasmosa promiscuidade com os sãos, gozando de completas franquias sociais e políticas e da liberdade em todos os seus mais amplos sentidos.
Diz RENATO KEHL, em “Lições de Eugenia”, que antes da última guerra havia na Alemanha, um dos mais cultos países do mundo, cêrca de 30.000 alienados e 300.000 fracos de espírito, todos casados, com a permissiva faculdade de terem filhos, destarte concorrendo para o engrossamento da caudal dos tarados, dos amorfos e dos padecentes sem remissão.
Verdade que era crueldade inominável o lançamento dos recém-natos degenerados nos abismos do Talgeto, como mandava fazer LICURGO; porém, não é menos cruel assistirmos impassíveis à reprodução e multiplicação de desgraçados, que vêm ao mundo para experimentar o tormento dm calvário de uma cegueira, de uma surdo-mudez, decadentes, distróficos, valetudinários ao madrugar da existência, ou assinalados por uma anomalia pavorosa, que nos causa asco ou horror.
Mais triste e confrangedor é ainda, o espetáculo dos que sofrem de aberrações parciais ou gerais na evolução da economia animal, monstrengos com deformações da cabeça, da face, dos membros ou vício de conformação das orelhas; outros, cretinos, retardados e débeis mentais, imbecis, esquizofrênicos, psicopatas de diferentes feitios.
Nas prisões, chocamo-nos com homens e mulheres epilépticos, daquele gênero apontado pelos psiquiatras; epileptóides de grau muito menos acentuado, sinchóticos maníacos, turbulentos, de situação nosográfica muito mais comum do que outros psicopatológicos; descendentes de sifilíticos, desde os simples anormais até os que procedem de paralíticas gerais.
Como friso dêsse quadro ignóbil e tétrico aí está o alcoolismo com as suas vítimas, beberrões de descendência maldita, na marcha de uma herança asquerosa, forjicadora e maior responsável, senão preponderante, da criminalidade vulgar.
“L’Assommoir”, de ZOLA, representa uma obra mestra como demonstração e como elemento de combate aos estragos causados por êste flagelo, pondo em relêvo a patologia criminal de milhões de indivíduos.
O médico americano Dr. WOUVE verificou no Estado de Massachusetts que, em 300 idiotas, 145 provinham de pais alcoólatras.
“A beberronia dos pais prolonga-se nos filhos através do óvulo; pais bêbados, filhos beberrazes, netos criminosos nas suas representações sociais – a amoralidade, a malignidade, a brutalidade, a perversidade, a instabilidade, a vagabundagem, as impulsões ao roubo, ao incêndio, as fugas ao homicídio, ao suicídio, e ainda, como corolário, a pobreza, a fome, os maus tratos, a indiferença, o desasseio, a supermortalidade infantil”.
DAVENPORT calculou que o govêrno americano despende anualmente mais de cem milhões de dólares para internar e asilar doentes e criminosos.
O mais doloroso, todavia, é sentirmos a displicência com que a nossa sociedade enfrenta o grave problema, não querendo ver que é uma luta em vão, na qual ora se empenha, buscando combater o crime apenas focalizado o homem já gerado e nascido. Ou ela emprega medidaspreventivas, visando-o precisamente antes de ser – o homem in fieri – ou tudo resultará improfícuo e debalde.
Foi como, há anos, reagiram os Estados Unidos ao ver o descalabro em que mergulhava a nacionalidade indefesa.
Numa parcial investigação e estudo, GRANAM BELL despachou 530.000 professôres para sindicar a respeito do estado de 24.000.000 de crianças em idade escolar, sob o ponto de vista eugênico, isto é, de aptidão individual, e, em resultado das conclusões obtidas, empreendeu-se, então, a sua atual política de defesa da raça.
Estiveram logo à frente dêsse movimento, ressurrecional, Washington, os Estados de Oregon, Luisiana, Alabama, Carolina do Norte, Dakota, e depois Minnesota, Wisconsin, Tennesee, Georgia, Colorado, e na Europa, entre outros, a Suécia e a Dinamarca.
Reorganizou-se ali a sociedade humana contra os fatôres da degeneração, controlando os casamentos, evitando o matrimônio entre tarados e outros apoucados orgânicos e mentais, vulgarizados e aplicados conhecimentos necessários à proteção da própria pessoa e do ambiente social.
Ademais, é racional e justa a medida que procura resguardar a família de uma passageira e efêmera alegria no concebimento de núpcias inadequadas ou de conseqüências funestas para a progênie, pois se presidisse sòmente ao ato interêsses dos nubentes e não racial, não se teria transformado essa cerimônia na primeira e máxima preocupação dos costumes e dos códigos modernos, nem a Igreja a elevaria à altura de um sacramento.
Hoje, para a defesa e amparo do infante, o Estado intervém não mais sòmente na fase da gestação da mulher, e sim até influenciando na formação de casais sadios.
Segundo CLÓVIS CORREIA e BARRETO BRITO, perdem-se, no Brasil, dois terços das gestações. Calculando-se em 1.800.000 as gestações anuais, temos um desfalque que pode ser calculado em 1.200.000, sendo 80%, isto é, 960.000, devido ùnicamente à sífilis.
De acôrdo com desoladora estatística de WHITNEY, da Sociedade Eugênica de
New York e do professor HUNTINGTON, da Universidade de Yale, antigamente, em cada grupo de 22 crianças nascidas nos Estados Unidos, só uma estava capacitada, pela herança do sangue e pelo ambiente em que nascia, para vir a ser um indivíduo útil, concorrente prestimoso na composição do aperfeiçoamento coletivo, ou, como denominam os autores, um elemento construtor da sociedade.
Há degenerados que, pelo fato mesmo de o serem, não compreendem ou não podem frear os seus instintos a bem da descendência, continuando, apesar de tudo, a aumentar uma prole miserável.
Em vista do exposto, é de palpável evidência a oportunidade de exames pré-nupciais, para proibir enlace de sifilíticos em períodos contagiantes, de tuberculosos, alienados, oligofrênicos, epilépticos, alcoólicos, inveterados e demais portadores de taras orgânicas que sejam transmissíveis, como recomendada defesa no sentido de prevenir a sucessão de heranças neuropáticas.
Aspira-se imunizar as gerações da contaminação de males e vícios de fundo hereditário ou congênito, e ao mesmo tempo melhorá-las progressivamente e estabelecer com a eugenia um vasto plano educativo, capaz de fortalecer o sentimento de família, o bem-estar público, os princípios de verdadeira solidariedade e imprimir como nova orientação médico-social para o aproveitamento máximo dos esforços de cada um em proveito de todos, e, conseqüentemente, da espécie; enfim, instilar maior e geral confiança no futuro.
A eugenia e o combate à criminalidade
III. A penologia para ser eficiente, se há de fazer, antes de tudo, eugenia e pedagogia, pois não é de deslembrar, como diz MAGALHÃES DRUMMOND, que é biológica a raiz primeira da criminosidade precisamente mais temível.
O criminoso geralmente se forma na quadra dos seus tenros anos, quando se sujeita às influências maléficas capitais ou quando tropeça com dificuldades em sua casa, e na escola se converte num menino-problema.
Das idéias de que seja o homem imbuído desde a sua infância até a adolescência, depende sua formação moral. Ou êle será um elemento útil à família e à coletividade em cujo seio se desenvolve, ou será, talvez, um perigoso escroc, ladrão temível ou sicário.
Há indivíduos que, crianças ainda, não podem viver segundo o ritmo comum social; não podem pensar e agir nos moldes da comunidade, são por demais independentes, aventureiros incorrigíveis, têm tendências para fugir à realidade e expõem-se gostosamente ao perigo; por isso ou por aquilo, não são dotados de faculdades de adaptação ou têm-nas embotadas, e tornam-se, na maioria, rebeldes, voluntariosos, intransigentes, maus, não retrocedendo ante delito algum, e não sofrem de frustrações, nem de complexos.
A sua emotividade desproporcionada ou a sua indiferença total e absoluta, com freqüência, só podem ser explicadas pela existência presumível de um estado patológico.
E exemplarmente reforçam o conceito emitido por JUILHET: “Les crimes d’une époque sont en germe dans l’enfance coupable de l’époque précédante”.
Mas, havemos de convir que há fato capaz de surpreender o espírito mais prevenido e lastreado de sucinta sabedoria.
Dois irmãos, por parte do mesmo pai e da mesma mãe, criados no mesmo ambiente, participando dos mesmos maltrates do genitor e descuidos de educação de um lar sem bons princípios, ambos brincando juntos, ao se tornarem rapazes, um envereda pela senda do crime e o outro se faz policial, entregue à responsabilidade de perseguir malfeitores. Que tornou diferentes êsses irmãos?
Conforme observação de JOHANNES LANCE, os gêmeos univitelinos apresentam criminalidade concordante, isto é, praticam crimes da mesma espécie, porém, já o mesmo não sucede se os gêmeos são bivitelinos, ou outros irmãos (“Psiquiatria”, trad. espanhola, 1935).
É de manifesta evidência, no caso, a preponderância dos fatôres constitucionais endógenos e orgânicos na delinqüência, concorrendo como elementos subsidiários ou remotos os fatôres externos condicionais.
Entretanto, como aceitar a lição de Mme. HELENA ANTIPOFF (“Arquivos de Medicina Legal e Identificação”, Rio, 1935), que, apurando o papel da linhagem social sôbre a inferioridade mental da criança, notou que o filho proletário, educado em meiopobre, mostra-se, assim, inferior e menos adaptável às circunstâncias do que as crianças de bommeio?
Realmente, já se provou que, separados e educados em habitats diferentes, os gêmeos bem não se assemelham, tendo raros pontos de contato de caráter e de feitio pessoal, de onde poder dizer-se de tal acontecimento que abona perfeitamente a tese, segundo a qual o sujeito herda sòmente disposições, certas virtualidades que permitem ou possibilitam o que o indivíduo pode ser, estimulado pelos fatôres paratípicos ou externos.
Contudo, a “antropologia criminal já demonstrou que a precocidade é um dos indícios do delinqüente por tendência congênita, e êste pode não ser muito perigoso se a inclinação se manifestar por meio de crimes leves contra a propriedade ou contra o pudor, mas pode atingir o extremo da periculosidade quando a tendência se manifesta para os delitos de sangue ou de perigo comum, como incêndio, etc.”.
Há a convicção de que o delinqüente, inúmeras vêzes, é apenas a resultante de componentes reconhecíveis e modificáveis pelo efeito de uma inteligente higiene social, nesta compreendidos os processos de educação capazes de o reconstituírem em benefício próprio e no da sociedade.
E nesse pressuposto já se ensaia combater o vício e o, crime, no duplo terreno da sua germinação, ou seja, no caráter ainda maleável do infante e no ambiente que o molda.
Daí a propagação e disseminação, nos Estados Unidos, e em numerosos países da Europa, de institutos e laboratórios de investigações científicas, de escolas, de preventórios, de reformatórios, de gabinetes especializados de orientação infantil, dos tribunais de menores, das instituições em geral de amparo à criança, à juventude, aos doentes do corpo e do espírito, aos desamparados, às grandes famílias, aos operários, aos viciados, às prostitutas, atalhando o crime em tôdas as suas fontes.
Há, também, profusamente difundidas, clínicas de higiene mental para adultos deficientes, interessando, ao mesmo tempo, educadores e mestres, que se queiram especializar ou aperfeiçoar, compreendendo um programa de estudo; em que se aplica processo apta a habilitar o aluno a autoanalisar duas personalidades, de acôrdo com os modernos métodos de pedagogia e didática, como lhe ministra ensino de meios práticos para corrigir suas tendências defeituosas. Entre outros assuntos, estudam-se, também, psicologia social, pedagogia, didática, psicologia em geral e relações humanas.
Todos os esforços se congregam na realização de uma grande obra de higiene social e coletiva, que vai desde a preparação psicológica do cidadão, advertindo-o e convencendo-o de que não compensa o delito, até os mínimos detalhes materiais.
E é de tal envergadura a emprêsa nos Estados Unidos, que consome, no testemunho de FRANCESS J. HAAS, ex-diretor da Escola Católica do Serviço Social de Washington, de dez a quinze bilhões de dólares, cêrca de um quarto do orçamento americano (KALMER & WEIR, “Crime and Religion”, Chicago, 1936, prefácio, pág. IX), abrangendo total maior de 235.000 homens e mulheres, entre condenados ou não, todos mantidos – em confôrto e higiene elementares, tratados e educados, e mais, idênticamente, 400.000 outros cidadãos, que permanecem sob as vistas ou sob os cuidados das autoridades, em tarefa de prevenção.
Ao lado da campanha profilática sôbre a saúde dos integrantes da sua população, os grandes centros culturais intentam a transformação das escolas nos moldes tradicionais, refundindo-as, principalmente, em seu estilo didático, para que se ocupem antes de mais nada do desenvolvimento da criança, ao invés de se limitarem a simplesmente ensinar, o que é meramente acadêmico.
Nelas também se manifesta o mesmo empenho generoso, buscando resolver o problema da salvação das gerações em curso e das porvindouras.
Através da nova pedagogia, se levará em conta as diferenças de temperamento dos menores, suas aptidões e incapacidades particulares.
O professor tomará por lema – na expressão de RENATO KEHL – fazer do educando um instrumento de felicidade, tanto para êle próprio como para os outros.
Crescerá mais ainda a significação da missão que desempenha se, ao trabalho de lecionar e transmitir conhecimentos, juntarmos, como pretendem muitos autores, mediante prévia ilustração em psicologia infantil e preparo minucioso profissional, que se confie à sua inteligência, dedicação, sabedoria do sentimento e amor ao, discípulo, a obra de ausculta psíquica dêste – ausculta capaz de surpreender nos meninos e em muitas hipóteses corrigir ou combater nêles as malformações predisponentes ao delito. Integrar-se-ia a sua ação mediante o ato de vigiar para combater defeitos de caráter ou senão ao menos para evitar que as inclinações malsãs venham a pompear em todo seu viço em florações perversas.
Seria isso assumir o preceptor as prerrogativas que, nos Estados Unidos, na Itália e em outras nações adiantadas, são confiadas a médicos e técnico.
A inclusão de psicólogos e especialistas no meio íntimo da escola é comprovadamente eficaz para prevenção de delitos futuros, servindo imensamente para ajudar os adolescentes que começam a tomar atitude anti-social.
Com o permanente recenseamento antropológico dos alunos, o Estado ficará, ademais, conhecendo o valor biológico de todos os cidadãos, já quanto à aptidão para o trabalho, já quanto à deficiência físio-psíquica, já quanto à tendência para a má conduta e para o crime.
“Só seremos fortes contra o perigo comum no dia em que, pela educação higiênica recebida, pelos costumes tornados sanitários, pelos princípios de solidariedade compreendidos, tivermos com o instinto do mal a evitar, a consciência dos deveres a praticar”.
Prevenção da delinqüência pelo combate ao abandono ou desamparo do menor
IV. Muitos crimes resultam não de uma malformação congênita, de uma anormalidade nativa incurável, de tendências orgânicas ou adquiridas, e sim em virtude do abandono material ou moral em que vivera o agente, em sua infância ou juventude.
Despenhado na voragem de uma existência sem amparo, sem lar, sem afetos, não experimentando a ação de um ambiente educativo, fatalmente o menor não poderá frutificar no homem são, honesto, pacato e trabalhador de que tanto carecemos para a obra de consecução social do nosso progresso.
Diz J. B. SANCHEZ, no livro “La Delincuencia Infantil”, pág. 193, que “la miseria resulta engendradora de gran número de anormales, porque la deficiente alimentación lleva al niño a la poquedad, y, a consecuencia de esta, la inteligencia también se detiene o se retrasa en su desarrollo, y la psiquis sufre trastornos consiguientes”.
Não é que tôdas as crianças necessitadas se desviem de uma conduta normal ou sejam educandos de difícil aproveitamento, mas a realidade é que nessa classe onde mais comumente se encontram os jovens desajustados, mais irrequietos ou com assinalada propensão para atos irrefreados e molestos aos interêsses da sociedade ou do indivíduo.
Daí a conclusão de autores de que os percalços da situação e o cenário de pobreza extrema em que se cria o moço podem significar um perigo para o seu desenvolvimento mental e moral.
Não nos esqueçamos, ademais, de que adolescência “é a idade da vontade fraca, da emulação, do crime, da vaidade, da oscilação entre o trabalho regular e a preguiça, entre a continência e o deboche, a idade da preparação para a vida honesta ou para a atividade imoral”, segundo o ensinamento de DUPRAT.
Não tendo um apoio, uma mão generosa que o ajude, o débil ser que êle representa não saberá escusar-se às sugestões do meio, e a sua primeira queda será o pórtico de outros mais graves erros e cometimentos desatinados, os quais lhe abrirão, em breve, os umbrais do cárcere ou lhe prepararão um leito de hospital.
O trabalho prematuro do menino, na rua, mesmo quando permitido e lícito, se êle não tiver boa formação de caráter, concorrerá para atraí-lo ou se deixar seduzir pelos exemplos perniciosos de companheiros inconvenientes e viciados, não tardando que se desgarre, degenere e passe a formar no rol dos incorrigíveis e maus.
“Muchas veces, sin embargo, los padres no son totalmente culpables del abandono de los hijos. Como consecuencia imediata de la falta de escuelas, de las deplorables condiciones de las vivendas y de la penuria, que obliga al padre y a la madre a trabajar para sostener el hogar, los niños permanecen todo o casi todo el dia en la calle, en la mayor ociosidad, y alli se convierten en delincuentes, pues, como decia muy bien CONCEPCIÓNARENAL, del ocioso se forma el vago, del vago el delincuente y del delincuente el criminal” (J. B. SANCHEZ, ob. cit.).
Idêntico pensa AMLETO DONADIO, em “El Abandono y la Vagancia de Menores”.
O mais impressionante, entretanto, é que êsses infelizes suprem a deficiência e desamor com que os trata ou tolera a sociedade, adjudicando-se um direito de liberdade, um sentido de independência própria, que, quase sempre, chega às raias do absurdo, da licenciosidade; um arrebatamento desmedido e imoderado.
Vadios e livres, procuram, talvez, na aventura um derivativo, uma réplica à indiferença e maldade das seus semelhantes descompadecidos, invulneráveis a qualquer sentimento puro de solidariedade humana.
Refere o Dr. PAGNIER que, durante vinte séculos, o problema da vagabundagem tem permanecido insolúvel – nem as alternativas da brandura e da violência, nem a piedade, nem a relegação, nem a tortura, nem a prisão cicatrizaram esta chaga: porque a vagabundagem é um mal social, pelo que reclama tratamento social.
Outro tanto afirma o Dr. DRIOUX: “A repressão da vagabundagem tem, antes de tudo, caráter preventivo; presume-se, com razão, que o indivíduo vivendo assim, será levado, por suas necessidades e ociosidade, a cometer delitos
e crimes ou, pelo menos, a viver, como para ita, à custa da sociedade, repelindo a lei do trabalho, que se impõe a todos”.
Conseqüentemente, impõe-se, no caso, a ação premunitora do Estado, ação efetiva, verdadeira, não apenas para salvar os caídos em abandono, como os que estejam à beira disso, notadamente os desgraçados, maltratados e torturado cujo lar naufraga pela intolerância, azedume ou constante desavença de casais mal humorados, vítimas de neurose histérica ou hístero-epiléptica, extremados pelo vapôres do álcool, pela crápula, por incompatibilidades domésticas ou pela penúria irremediável.
“E neste terreno que pululam os menores deficientes, díscolos, viciosos, candidatos à delinqüência, delinqüentes”.
É imperioso e inadiável prevenir a delinqüência por uma assistência social solicita ao infante, sob as modalidades prefiguradas pelo Estado.
Escreve ADOLPHE PRINS (“Droit Positif et Science Pénale”, pág. 51): “A criança das baixas camadas, sendo vítima da atmosfera envenenada que respira, a sociedade responde um pouco por seus crimes, como a tribo respondia pelos crimes de seus membros. O primeiro dever dos poderes públicos é arrancá-la dêste meio, e não dá-la à Polícia e à prisão, mas prodigalizar-lhe proteção e piedade”.
A observação e a experiência têm mostrado quais as causas mais positivas dêsses desvios e desentendimentos entre o menor e a comunidade a que pertence. O problema não é sòmente desenraizar nêle tendências maléficas, erradicar vícios, mas antes mostrar-se-lhe compreensivo e interessada pela sua pessoa, dando-lhe a confiança e compenetração de que está entre amigos, interessados pelo seu bem-estar e felicidade. Sobretudo, não se lhe deve regatear carinho, atenções e ternuras.
Comenta JOSÉ L. ARAYA, na obra “Assistência Social al Menor”, pág. 20: “El niño debe ser puesto en condiciones de ganarse la vida por si mismo, quando tenga edad para ello, protegiendolo contra la explotación; y, finalmente, educandolo de tal modo que ponga sus más altas qualidades al servicio de sus hermanos, para que cuide de enriquecer con sus esfuerzos el patrimonio común de la humanidad, herencia que ha de transmitirse a las generaciones futuras”.
INGENIEROS, na sua “Criminologia”, pág. 200, pondera: “Urge cuidar de la planta desde la semilla, sin esperar que haya retoñado siniestramente; hay que prevenir la delincuencia protegiendo a la infancia, haciendo de su salud fisica y de su adaptación moral la más grave preocupación de la sociedad. Hacia la infancia enfermiza, física y moralmente, deben converger los mayores esfuerzos de una generosa protección social”.
E, mais adiante: “… el major escudo coma el delito es cuidar a los niños y impedir que se hagan vagos u ociosos”.
Precisa-se lutar veementemente contra êsse impassível e torrencial descaminho da mocidade, pábulo de tôdas as perversões, que são menos de temer quando já forjado o caráter do indivíduo.
Se é fato a ineficácia experimentada de corrigir o criminoso que chegou a sê-lo pela perda prematura do senso moral e que se invetera na reincidência profissional, corrija-se em nossa época o êrro, protegendo e resguardando a criança, evitando fazer dela um malfeitor.
Para isso, usemos a profilaxia, a educação, a cura, uma atmosfera econômica e familiar, liberta de miséria material e moral. Protejamos todos os fracos e humildes, diminuindo o estado proletário por hábeis medidas de higiene social.
Acabemos com os voluntários da ociosidade. Façamos como na Suíça, que é a única nação onde não se vê um só pequeno abandonado, nem vagabundo, porque ali a consciência pública se há dado conta do dever de proteger o tenros rebentos da raça em evolução, de lhe respeitar seus direitos.
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Notas:
* N. da R.: Tese apresentada ao II Congresso Brasileiro de Medicina Legal e Criminologia.
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- Revista Forense – Volume 1 | Fascículo 1
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