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Culpabilidade, imputação subjetiva e Constituição

CULPA

CULPABILIDADE

DOLO

IMPUTAÇÃO SUBJETIVA

01/10/2021

Convém advertir, de primeiro, que o princípio de culpabilidade (não há pena sem culpabilidade) se entrelaça com a ideia de culpabilidade como categoria dogmática, à qual se cinge estreitamente, mas podem ser objeto de distinção. Do ponto de vista histórico e, em particular, na Antiguidade, é de se mencionar a importante noção de dolo (dolus malus) do Direito romano, que reafirma a necessidade de uma estreita relação de imputação subjetiva entre autor e fato.[1]

Noção de dolo

A referida noção de dolo deita as suas raízes na cultura grega, vale dizer, no pensamento filosófico grego. Aristóteles, por exemplo, desenvolve conceitos sobre ação voluntária e ação involuntária (formas de responsabilidade), bem como faz reflexões sobre a ignorância, a atividade do irracional, a coação, o estado de necessidade, etc.

A moral aristotélica influi o mundo jurídico romano, especialmente a noção de escolha[2] encontrada na Ética a Nicômacos, que constitui a base da construção tomista sobre a qual posteriormente se erige o Cristianismo.

O princípio de culpabilidade

O princípio de culpabilidade como se conhece hoje surge na Idade Moderna, e tem reconhecimento de forma estrita a partir do século XIX.

Tem a designação princípio de culpabilidade exatamente porque segundo a teoria psicológica da culpabilidade, o dolo (que contém a consciência da ilicitude) e a culpa integram a culpabilidade (conceito formal), como suas formas ou espécies. Busca-se com isso tão somente superar a responsabilidade pelo resultado então corrente. Em outras palavras, o princípio de culpabilidade – reflexo do conceito unitário – é fruto da tardia vigência da teoria jurídica do delito neoclássica (neokantismo), que inclui no conceito de culpabilidade o dolo e a culpa.

Assim, costuma-se incluir no princípio de culpabilidade (em sentido amplo) a imputação ou responsabilidade subjetiva como parte de seu conteúdo material como pressuposto da pena. Neste último sentido, refere-se à impossibilidade de se responsabilizar criminalmente por uma ação ou omissão quem tenha atuado sem dolo ou culpa.

Na atualidade, entretanto, com a evolução produzida pela doutrina finalista, e aspectos de ordem didática, torna-se preferível o agasalho de um tratamento dicotômico, distinguindo-se o princípio de culpabilidade (em sentido estrito) e o de imputação subjetiva.

Tal distinção fica mais evidente através da representação conceitual e esquemática de cada princípio: em relação ao primeiro, ressai o axioma não há pena sem culpabilidade; e, no que tange ao princípio de imputação subjetiva, surge outro não há pena sem dolo ou culpa. Como se vê, não são exatamente coincidentes, haja vista que pode haver conduta dolosa ou culposa, e não existir culpabilidade.

Nessa linha, afirma-se o conceito de culpabilidade como reprovação pessoal da conduta típica e ilícita. Vale dizer: ao autor se lhe reprova a realização de uma conduta ilícita quando podia ter-se abstido de realizá-la. A possibilidade concreta de atuar de outro modo constitui seu fundamento. Apresenta-se como limite e fundamento da pena.

O postulado basilar de que não há pena sem culpabilidade (nulla poena sine culpa), e de que a pena não pode – no momento de sua individualização – ultrapassar a medida da culpabilidade (proporcionalidade na culpabilidade) vem a ser uma lídima expressão de justiça material peculiar ao Estado democrático de Direito, delimitadora de toda a responsabilidade penal.

Aplicação de pena

Por isso, só pode ser punido aquele que atua culpavelmente, e a pena aplicada não pode ir além da medida de sua culpabilidade (art. 29, CP). Determina-se assim a legitimidade da pena aplicável concretamente ao agente.

Ainda que uno, pode ele ser fracionado didaticamente em duas dimensões: a primeira, não há pena sem culpabilidade, refere-se à culpabilidade como limite e fundamento da pena; a segunda, a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, diz respeito à culpabilidade na medição ou individualização da pena.

De relação direta com a legalidade penal, esse princípio reafirma o caráter inviolável do respeito à dignidade do ser humano. É diretriz garantista essencial à afirmação do Estado democrático de Direito.

No Direito brasileiro, encontra-se implicitamente agasalhado, em nível constitucional, no artigo 1.º, III (dignidade da pessoa humana), corroborado pelos artigos 4.º, II (prevalência dos direitos humanos), 5.º, caput (inviolabilidade do direito à liberdade), e 5.º, XLVI (individualização da pena), da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF).Também, se vincula ao princípio da igualdade (art. 5.º, caput, CF), que veda o mesmo tratamento ao culpável e ao inculpável.

É de se destacar ainda que a ideia de culpabilidade jurídico-penal emerge sob a forma de critério reitor da política legislativa criminal, e sob a forma de categoria dogmática, indispensável à conformação delitiva. Mas, tanto um aspecto como outro se complementam mutuamente.

De outro lado, há outro princípio ainda mais amplo e geral denominado princípio de responsabilidade (ou imputação) pessoal. Através dele são estabelecidos critérios pelos quais um comportamento externo e concreto (ou evento subsequente) pode ser vinculado a determinada pessoa.

Subprincípios da responsabilidade pessoal

De sua vez, o princípio da responsabilidade pessoal se desdobra em dois subprincípios:

Princípio de imputação objetiva

Fixa as condições de atribuição objetiva de um fato a uma pessoa. Exige-se que entre a pessoa e o seu comportamento haja uma relação de ordem objetiva, material ou causal. Tem-se, como ponto de partida, essa conexão objetiva, direta ou indireta, vem a ser a ideia de causalidade. É a denominada responsabilidade penal objetiva ou sem culpa. Na imputação objetiva, é bastante a produção do dano para a aplicação da sanção penal. Está ela ligada em sua origem ao preceito canônico medieval: qui versatur in re illicita respondit etiam pro casu (quem pratica um ato ilícito responde por todas as suas consequências, independentemente de serem queridas, previstas ou fortuitas). Atribui-se responsabilidade dolosa, quando sequer há culpa.

Ainda no que toca ao tema, não se deve confundir a responsabilidade objetiva com a responsabilidade pelo fato de outrem ou indireta, segundo a qual o autor responde pelo resultado decorrente da conduta de outro, sem que tenha contribuído para tal. No campo penal, a responsabilidade é pessoal, vale dizer, não se pode substituir a pessoa que deve responder pelo delito. Na responsabilidade pelo fato de outrem, a imputação é meramente normativa. Tanto na responsabilidade por fato de outro como por caso fortuito não há nem ação nem culpabilidade.

Princípio de imputação subjetiva

Fixa as condições de atribuição subjetiva de um fato a quem materialmente o realiza ou produz. Isso significa que só pertence a determinada pessoa, como obra sua, o ato ou evento por ela realizado materialmente, cuja exteriorização pode ser controlada pela vontade de realização (dolo ou culpa). Com isso, afasta-se a imputação objetiva relativamente a condutas ou resultados imprevisíveis não abarcados pela vontade ilícita.

Com efeito, refere-se então à impossibilidade de se responsabilizar alguém criminalmente por uma ação ou omissão realizada sem dolo ou culpa: não há delito ou pena sem dolo ou culpa (art. 18 e 19, CP).

Exigência da imputação subjetiva

A exigência de imputação subjetiva quer dizer que em havendo delito doloso ou culposo a consequência jurídica deve ser proporcional ou adequada à gravidade do desvalor da conduta representada pelo dolo ou culpa, que integra, na verdade, o tipo de injusto, e não a culpabilidade.

Para além disso, no campo da consequência jurídica e de sua medição, busca-se através dessa diretriz o reconhecimento das circunstâncias individuais que são significativas para a determinação da pena concreta.

Salienta-se também que a lei penal só pune fatos (ação ou omissão humana lesiva a um bem jurídico), daí estabelecer-se uma responsabilidade por fato próprio, representado pelo injusto culpável. Isso significa a exigência de uma conduta humana (externa e concreta), que veda tanto a punição do simples pensamento como da intenção, modo de ser ou condição de vida (princípio de materialidade – nullum crimen sine actione).

Desse modo, o referido princípio de imputação subjetiva se apresenta ao mesmo tempo como herança do movimento liberal, característico do Iluminismo, e conquista definitiva do Direito Penal moderno.

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[1] PRADO, Luiz Regis. Tratado de Direito Penal brasileiro.  Rio de Janeiro: Forense, 2021, v.1, p. 31 e ss. (p. 143 e ss.); Idem. Curso de Direito Penal brasileiro, 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, p. 12 e ss.

[2] Cf. ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Trad. Mario da Gama Kury. Brasília: UnB,1985, p.52 e ss.

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